quinta-feira, 30 de junho de 2011

Falácias e verdades

 Maílson da Nóbrega
Veja


Em seu livro Economic Facts and Fallacies, de 2008, o economista americano Thomas Sowell assinalou que falácias nem sempre são ideias malucas. "Elas costumam ser plausíveis e lógicas, embora lhes falte alguma coisa." Por sua plausibilidade, ganham apoio.

A mais famosa falácia é a do geocentrismo. O Sol, dizia a Bíblia, girava em torno da Terra. A tese foi questionada pelo heliocentrismo, ou o Sol como centro, de Nicolau Copérnico (1473-1543). Copérnico foi apoiado por Galileu Galilei (1564-1642), que teve de se desmentir para não ser queimado vivo pela Inquisição.

O geocentrismo tinha sua lógica. Nos tempos bíblicos, de limitados conhecimentos científicos, o movimento diário do Sol dava a impressão de que a Terra ficava parada e ele girava ao seu redor.

Para Sowell, políticas públicas baseadas em falácias podem ter efeitos perversos. Começa-se com o controle de aluguéis para proteger os inquilinos. O efeito da falácia e desestimular a construção de novas residências.

No Brasil, já houve controle de preços. Era a consequência natural do fechamento da economia e da ausência de competição. Várias vezes o controle foi usado falaciosamente contra inflação causada por políticas fiscais e monetárias expansivas.

Para obterem reajustes, as empresas se encontravam nas reuniões em Brasília. Passaram a se conhecer e a combinar estratégias de preços. Oligopólios surgiram, prejudicando os seus consumidores. O que parecia uma solução virou um problema.

Uma nova falácia é dizer que os bancos exageram nas expectativas de inflação informadas ao Banco Central para assim induzi-lo a aumentar juros e ganhar mais dinheiro. Economistas influentes repelem a tolice.

A afirmação tem sua lógica. Se os juros sobem, dita o senso comum, os bancos cobram mais. Acontece que bancos são como supermercados. Compram dinheiro de seus investidores e depositantes e o vendem aos que precisam de crédito.

Os bancos ganham mais com juros baixos. Seu lucro vem dos serviços que prestam e da diferença entre a captação e a aplicação dos recursos. Juros baixos expandem os empréstimos e reduzem a inadimplência. Mais crédito e menos risco produzem maiores lucros.

O Banco Central vai apurar separadamente as informações de bancos, administradores de recursos e demais participantes de suas pesquisas. Para os que acreditam na falácia, ficará provado que os bancos falseiam as informações. Acontece que o melhor para os bancos é acertar as projeções (na verdade, eles têm subestimado as estimativas de inflação).

O BC deixou de valorizar as expectativas dos bancos quanto à inflação. No regime de metas de inflação, que adotamos desde 1999, o seu papel central é influenciar as expectativas. Pareceu estranho que as minimizasse. O BC estaria sendo vítima da falácia? Em 2009, Richard Wilkinson e Kate Pickett publicaram The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better (O nível do espírito: por que sociedades mais iguais quase sempre se saem melhor, numa tradução livre). O livro logo entrou na lista dos mais vendidos e foi saudado como revolucionário por políticos e pela imprensa.

Os autores afirmam que as sociedades desenvolvidas teriam atingido o limite dos benefícios do crescimento econômico. Apesar de ficarem cada vez mais ricas, as pessoas não se tornam mais saudáveis ou felizes. Ao contrário, seus problemas sociais estariam piorando.

Wilkinson e Pickett apresentam estudos de caso para provar que as sociedades menos desiguais sofrem menos os efeitos da vida moderna em sua saúde. Assim, os suecos e noruegueses, povos de renda mais bem distribuída, fumam e bebem menos.

Christopher Snowdon desmontou as falácias da dupla em seu livro The Spirit Level Delusion (A ilusão do nível do espírito, em tradução livre). De forma clara, baseado em sólida argumentação e dados insofismáveis, ele escancarou os inúmeros erros do The Spirit Level. Bebe-se menos na Noruega e fuma-se menos na Suécia por causa da pesada tributação e do rigoroso controle da venda de bebidas e cigarros.

Essas e outras falácias dependem, para sobreviver, da desinformação de quem as toma como verdadeiras. E não raramente se nutrem da desonestidade intelectual de quem as propaga.
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Bem-vindo ao “Sarneyquistão”

Leonardo Coutinho
Veja 




Em quase cinco décadas de domínio, o clã Sarney pouco fez para tirar o Maranhão do subdesenvolvimento e da pobreza



A terminação "istão", em algumas das línguas faladas na Ásia Central, significa "lugar de morada" ou "território". Assim, o Quirguistão é o lugar de morada dos quirguizes. O Cazaquistão, o território dos cazaques, e o Tadjiquistão, dos tadjiques. Também por esse motivo, o estado do Maranhão – tão miserável quanto as antigas repúblicas da extinta União Soviética e igualmente terminado em "ão" – poderia muito bem ser rebatizado de Sarneyquistão. Há 46 anos, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao lado de sua família e apaniguados, comanda o estado, que, segundo o Censo 2010, abriga 32 dos cinquenta municípios mais miseráveis do país. Quando Sarney chegou pela primeira vez ao poder, no longínquo ano de 1965, o Maranhão ocupava as últimas posições do ranking nacional de desenvolvimento. A partir de então, seu grupo venceu dez eleições para governador, chefiou o Executivo local por 41 anos e conseguiu o feito de nada mudar. O "Sarneyquistão" continua ostentando os indicadores sociais mais vexatórios do país, comparáveis aos das nações mais desvalidas do planeta. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluído há duas semanas mostra que a pobreza extrema atinge 14% da população. Em 82 das cidades do estado, a renda média é inferior ao que o Bolsa Família paga em benefícios. Outro estudo afirma que 78% dos maranhenses dependem de algum programa oficial de transferência de renda. E não foi a natureza que condenou os maranhenses à miséria.

O estado foi um dos mais prósperos do Brasil até o século XIX. Tem uma localização estratégica, mais próximo dos países ricos do Hemisfério Norte, e terras férteis (que só recentemente, com o cultivo da soja, passaram a ser devidamente exploradas). Seus habitantes vivem no atraso por outras razões. O historiador Wagner Cabral da Costa, da Universidade Federal do Maranhão, identifica três delas. Nos anos 60, o governo estadual distribuiu grandes extensões de terra a empresas privadas, com a justificativa de assim desenvolver a economia local. A consequência foi a formação de latifúndios improdutivos, que, utilizados para atividades altamente subsidiadas, como a exploração de madeira e pecuária, resultaram em quase nenhum retorno financeiro para a economia maranhense. O autor da medida? Ele mesmo, José Sarney. Pautados pelos mesmos duvidosos critérios que não necessariamente os do interesse público, seus sucessores deram continuidade ao erro esvaziando os cofres do estado para levar para lá indústrias que demandavam pouca mão de obra. Resultado: metade da população economicamente ativa hoje depende da pequena agricultura. Segundo o historiador, a terceira razão do arraso é a corrupção. "No Maranhão, ela é endêmica", diz Cabral da Costa. "A rigor, a República nunca chegou por aqui”.

Em quase cinco décadas, Sarney só perdeu o domínio sobre o seu Sarneyquistão uma vez. Em 2006, Jackson Lago (PDT) derrotou sua filha e herdeira política, Roseana, que concorria ao terceiro mandato de governadora. Mas foi apenas um hiato na história. Em 2009, Lago teve o mandato cassado por compra de votos. Morreu há três meses, não sem antes ver seu adversário ressurgir das cinzas com uma aliança inusitada. Com apoio do ex-presidente Lula, Sarney engajou o PT no projeto de perpetuação de seu clã, conseguiu mais um mandato para Roseana e indicou os titulares dos principais órgãos federais do estado. Lá, a aliança dos dois antigos inimigos foi batizada de "sarnopetismo”. O Maranhão não merecia mais essa praga.

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A classe C na balança

Renata Betti
Veja 


Depois de aumentarem as medidas consumindo gorduras e doces à vontade, os brasileiros que ascenderam estreiam no mundo das dietas e invadem as academias



Os 30 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C demonstram a nova posição social também na mudança do cardápio diário. Depois de um período inicial de euforia com uma inédita folga no orçamento e o consequente abuso de gorduras e doces, está-se chegando à fase em que a quantidade vai cedendo espaço à qualidade. A primeira fase do fenômeno foi medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registrou ganho de peso excessivo especialmente entre as mulheres. Sete de cada dez estão acima do peso ideal, a maior proporção de mulheres obesas quando se compara essa característica física com o estrato de renda. Com a subida na escala social, vem o aumento de informação, justamente o que está dando início a uma melhora da qualidade na alimentação - inclusive com a adoção das dietas emagrecedoras.

Nos últimos três anos, multiplicou-se por sete o número de integrantes da classe C em luta contra a balança. É mais que o dobro do que se observa na média da população, segundo um levantamento do site Dieta e Saúde, o maior do gênero no país, com uma base de 11 milhões de cadastrados. Diz o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas: "O prato de comida reflete a consolidação da classe C no país".

A balança era um objeto estranho para a dona de casa Regiane Santana, de 25 anos, que mal chegava perto do aparelho. Mas recentemente, ao perceber que engordava, ela resolveu checar os números e viu-se com 15 quilos além do ideal. Não vacilou. Livrou-se das bolachas recheadas que traçava no café da manha, adotou o pão integral e deu uma chance as prateleiras de produtos light - dos quais sempre desconfiou. "Nem chegava perto porque tinha medo do preço e achava que eram menos nutritivos", diz ela, que não apenas passou a ler sobre o tema como engatou uma dieta sob supervisão médica. Trata-se de uma representante típica de um grupo cada vez mais seletivo no que diz respeito ao que vai à mesa.

A transformação se percebe claramente no supermercado. "É a classe C que empurra as vendas de produtos diet e light, hoje crescendo a um ritmo três vezes maior que o do setor alimentício como um todo", diz Carlos Eduardo Gouvêa, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos. O grupo adicionou ainda à lista de compras semanais iogurtes, leite desnatado e barras de cereais, segundo a consultoria A/C Nielsen. O mesmo estudo mostra que os brasileiros que constituem a nova classe média são, de longe, os que mais dão valor aos rótulos com promessas como "adição de vitaminas" e "mais nutrientes" - característica que tem a ver com o passado de privações vividas por parte da turma. A mudança de costumes à mesa, porém, é gradativa, como bem enfatiza o exemplo da indústria de refrigerantes. É verdade que as vendas de marcas populares conhecidas como tubaínas caíram de 30% para 20% enquanto o quinhão das líderes Coca-Cola e Pepsi subiu na mesma proporção. Só que os refrigerantes sem açúcar, tão comuns na geladeira da classe A, ainda sofrem certa resistência entre os emergentes - e seguem com os mesmos 10% do mercado de 1997.

É curioso notar que, se de um lado a ascensão social traz novos e bons hábitos, de outro ela contribui para sedimentar hábitos menos saudáveis. Um paradoxo que o endocrinologista Alexander Benchimol, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, esclarece: "Com trabalhos menos braçais, internet em casa e carro na garagem, essas pessoas estão se tornando mais sedentárias". Ocorreu com a administradora de empresas Katia Piza, de 28 anos, alçada de vendedora a analista comercial, função em que passa o dia todo debruçada sobre o computador. "Corri para uma academia", diz ela, que chegou a 92 quilos e, à base de dieta e exercícios, voltou aos 63 ideais. "Agora é hora de ganhar massa muscular", avisa. Como os emergentes de outros países, os brasileiros estão mais atentos à saúde e ao bem-estar de modo geral. A classe C já responde por 52% da clientela nas academias de ginástica em todo o país. No ano passado, subiu em 30% o número daqueles que tem um plano de saúde.

Existe um padrão de comportamento entre os emergentes que fazem dieta. A estreia no mundo das privações alimentares se dá, em geral, por conta própria e com fórmulas supostamente milagrosas, propagadas por amigos ou na internet. Em uma segunda etapa, na qual está parte do grupo, as pessoas começam a buscar ajuda especializada. "Já se vê gente da classe C muito bem informada em relação aos métodos para emagrecer", observa Daniel Wjuniski, um dos sócios do site Dieta e Saúde, em que tal grupo acaba de se tornar maioria entre os usuários (eles eram apenas 34% em 2009). Fazer dieta é também um símbolo de status que integrantes dessa nova classe C gostam de ostentar. "Foi uma emoção pisar pela primeira vez no consultório de um endocrinologista", conta a diretora de escola pública Verônyca Silva, de 48 anos. Ela perdeu no último ano 23 dos 28 quilos que almeja debitar da balança.
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No Reino dos Coliformes

Após oito anos de um governo que obteve 87% de aprovação os fatos desnudam a complexidade de se gerir um país da estatura do Brasil que requer um estadista no comando e não governante.
Contra tais fatos não há argumentos sustentáveis.

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Claudio de Moura Castro 
Veja 



Fui visitar uma escola rural cuja reconstrução estava na etapa final. Ela tinha tudo, quadra esportiva, computadores e belos espaços. Como atrás do prédio havia um riacho simpático, indaguei se a escola tinha fossa séptica. Ponderei, diante da resposta negativa: como ensinariam boas práticas de meio ambiente se jogavam cocô no rio? Em uma reunião com o prefeito, a diretora referiu-se ao meu comentário inconveniente. Surpresa! Ninguém notou a ausência de tratamento de esgotos. Diante do mal-estar, o prefeito mandou o secretário de Obras instalar fossas em todas as escolas rurais. Ou seja, dinheiro havia. Nesse microcosmo, estavam presentes todas as razões da vitória dos coliformes no Brasil: 1 - Impera a ignorância generalizada sobre esse assunto e suas consequências; 2 - A legislação é leniente; 3 - Revela-se imediatismo do povo e do governo; 4 - O problema não é de recursos, mas de conveniência política.

Vamos por partes. De 100 anos para cá, os indicadores de qualidade de vida no Brasil subiram vertiginosamente. Todos, com apenas uma exceção: o esgoto tratado. De fato, 57% da popu1ação não possui coleta de esgoto. Acontece que esgoto tratado traz mais benefícios para a saúde do que rede hospitalar, médicos e tudo o mais exigido para curar as doenças causadas pelos coliformes e outros bichos nada graciosos. Setecentas mil pessoas são internadas anualmente por causas ligadas à inexistência de esgotamento sanitário adequado. O número de internações por doenças gastrointestinais, onde não há esgoto, é o dobro daquele onde há boa cobertura. Por enquanto, obras de engenharia beneficiam mais a saúde do que cuidados médicos. Por que são postergadas?

Como no caso mencionado, trata-se de uma mistura de ignorância e miopia. Segundo a ONG Trata Brasil (fonte de outros dados aqui citados), "31 % da população desconhece o que é saneamento, somente 3% o relaciona com a saúde e 41 % não pagaria para ter seu domicílio ligado à rede de esgotos". É curioso verificar que os próprios dados do IBGE são apresentados de forma a induzir enganos. As estatísticas põem, de um lado, despejo in natura e fossa séptica. De outro, esgoto canalizado e/ou tratado. Os leitores veem de um lado o problema e de outro a solução. Acontece que a fossa séptica corretamente instalada é uma tecnologia segura. O Lago Léman – banhando Genebra – tem parte do seu esgotamento por fossas sépticas. E pode-se beber com segurança as suas águas. Em contraste, canalizar esgoto e dele só tratar 30%, como fazemos, é apenas despejar em um único trecho do rio todo o cocô da cidade. Quem mora rio abaixo (onde o prefeito é outro) recebe toda a contaminação. 

Ilustrando a confusão criada, um jornal de Minas Gerais noticiou que em Nova Lima só 13,9% dos esgotos são tratados. Porém, segundo a matéria, quase todos os bairros têm fossa séptica. O jornalista entendeu "canalizado" como solução e fossa séptica como problema. Dar bodocada em pardal ou manter sabiá em gaiola é errado e pode dar cadeia. 

No entanto, por séculos prefeitos jogam cocô no rio com total impunidade. No país do "não pode", falta legislação capaz de impedir que se joguem efluentes nos rios e no mar, com consequências funestas para a saúde. É o pedágio que nos cobra a ignorância. Em algum momento de sua história, o Brasil pode ter sido tão pobre que esgoto tratado seria um luxo. Mas faz tempo que o país tem dinheiro para tais obras. Com efeito, há vinte nações nas Américas com maior cobertura do que a nossa (e várias são mais pobres). Tratar todos os esgotos das cidades da Copa do Mundo custaria 9 bilhões de reais. É menos do que o orçado para os estádios! E, considerando que 1 real com saneamento economiza 4 reais em postos de saúde, de quantos bilhões seria a economia no sistema de saúde? 

No fundo, há um círculo vicioso. Uma sociedade ignorante desses assuntos não cobra políticas enérgicas de seus governantes. Estes, valendo-se do atraso intelectual do povo, preferem construir e inaugurar obras visíveis e vistosas a enterrar canos. E, como a regulamentação é leniente, esquecer o esgoto ainda é uma decisão politicamente "esperta”. Pelo visto, continuaremos morando no Reino dos Coliformes, pois no ritmo atual das obras levaremos mais de 100 anos para comp1etar a rede.
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A pergunta


ANTONIO DELFIM NETTO
FOLHA DE SÃO PAULO


A grande pergunta a ser feita à sociedade brasileira (e, em particular, ao poder incumbente de plantão) é: como vamos proporcionar empregos de boa qualidade a quase 150 milhões de cidadãos com idade entre 15 e 65 anos que viverão em 2030?
Talvez seja bom recordar alguns preliminares:
1) Nossa memória é curta e nosso entusiasmo é grande. Esquecemos que "quebramos" duas vezes nos últimos 16 anos (1998 e 2002) e fomos socorridos pelo FMI para honrar nossos compromissos externos, o que garantiu a continuidade de nossa democracia;
2) Todas as crises que abortaram o crescimento do Brasil nos últimos 50 anos foram produzidas por dificuldades no financiamento do deficit em conta-corrente ou por uma crise de energia;
3) A grande mudança da situação externa não foi resultado de particular melhoria na política macroeconômica. Foi consequência da expansão mundial (da China, especialmente), que aumentou a demanda dos produtos que estávamos preparados para exportar (alimentos e minérios), cujos preços beneficiaram-se, adicionalmente, de um fantástico aumento. Parte importante de tal aumento deve-se à desvalorização do dólar promovida pela política monetária americana.
Tais setores são poupadores de mão de obra. Suas cadeias de serviços são suscetíveis de serem ampliadas, mas absolutamente incapazes de dar resposta à grande pergunta.
É uma grave ilusão supor que nada vai mudar nos próximos 20 anos. A "oferta" de alimentos e minérios está sendo estimulada em quase todos os países, inclusive pela própria China. Não existe, portanto, razão para acreditar que o nosso modelo agromineral-exportador induzido seja bem sucedido no longo prazo.
Além do mais, quem pode garantir que a China manterá, por mais 20 anos, a estrutura política atual (que já dá alguns sinais de fadiga)?
A alegre aceitação dessa "nova" divisão internacional do trabalho (para a China a indústria, para a Índia os serviços e para o Brasil alimentos e minérios) põe em risco o futuro da economia brasileira como necessário instrumento de construção de uma sociedade mais justa, com pequeno desemprego e suficiente emprego de boa qualidade em 2030.
Precisamos aproveitar a oportunidade (os bônus!) dos setores agrícola e mineral (o pré-sal) para nos livrar da trágica dependência externa e impedir que o pré-sal nos leve a outra dependência.
O que precisamos mesmo para responder à grande pergunta é continuar a aproveitar com inteligência os dois "bônus" e dar condições isonômicas a nossos empresários e trabalhadores para que construam o mercado interno que vai assegurar os bons empregos para nossos filhos e netos.
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Amizade...

Um filho perguntou a mãe :
-- Mãe, posso ir no hospital ver meu amigo ? Ele está doente !
A mãe responde com uma pergunta :
-- Claro, mas o que ele tem ?
O filho com a cabeça baixa, diz :
-- Tumor no cérebro.
A mãe furiosa diz :
-- E você quer ir lá pra quê ? Vê-lo morrer ?
O filho lhe da as costas e vai... Horas depois ele volta vermelho de tanto chorar... dizendo :
-- Aí mãe, foi tão horrível, ele morreu na minha frente !
A mãe com raiva :
-- E agora ?! Tá feliz ?! Valeu apena ter visto aquela cena ?!
Uma última lágrima caiu de seus olhos e acompanhado de um sorriso, ele disse :
-- Muito, pois cheguei a tempo de vê-lo sorrir e dizer...
EU TINHA CERTEZA QUE VOCÊ VINHA !!!
A amizade não se resume só nas horas boas, de alegria, e de festa...
Amigo, é para todas as horas, boas ou ruins, tristes ou felizes !!!
Colaboração: Renato Antunes Oliveira
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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Carregando o Elefante

Os dados não estão tão atualizados, todavia a idéia principal permanece oportuna.




O Brasil recorre demais aos empréstimos externos

O Estado de S.Paulo

Ao contrário do que no início do ano se podia prever para 2011, o Brasil não deverá ter problemas com as contas externas. Segundo a previsão feita em maio, para cobrir um déficit das transações correntes de US$ 60 bilhões, o País disporá de US$ 87,4 bilhões. Os resultados alcançados até maio mostram que será fácil atingir esse objetivo.

O aumento das exportações e, especialmente, do preço das commodities deu uma contribuição não prevista no início do ano para esse resultado. Porém outros fatores o consolidaram ao longo dos cinco primeiros meses do ano.

Dado este contexto, pode-se estranhar que até maio a dívida externa total tivesse aumentado US$ 37,498 bilhões - enquanto estamos pagando juros relativamente elevados sobre essa dívida - e nossas reservas internacionais, que também têm um custo elevado, tenham atingido US$ 333 bilhões no final de maio.

A dívida de curto prazo aumentou US$ 1 bilhão, enquanto a de médio e de longo prazos cresceu US$ 7,5 bilhões, sob o efeito das medidas recentes que tributaram as entradas de recursos externos de curto prazo, levando os investidores estrangeiros a substituir os aportes de curto prazo por operações de médio ou de longo prazos - substituição positiva em tese, embora acarrete uma elevação da taxa de juros.

No mesmo período, os Investimentos Estrangeiros Diretos líquidos, isto é, dos quais se deduzem os retornos dos investimentos anteriores, somaram US$ 26,9 bilhões (menos do que o aumento da dívida externa), e temos de considerar que as remessas de lucros e dividendos no período de cinco meses somaram US$ 15,3 bilhões, ante juros pagos sobre a dívida externa de US$ 6,9 bilhões.

A taxa de rolagem dos empréstimos de médio e de longo prazos foi de 521% em maio - de 468% para bônus, notes e comercial papers e de 589% para os empréstimos. Nos cinco primeiros meses, a taxa de rolagem foi de 498%. Houve, realmente, uma migração dos empréstimos de curto prazo para os de médio e de longo prazos depois da taxação de IOF de 6% sobre financiamentos de até 720 dias.

O Brasil usa os empréstimos externos para se livrar dos juros excessivos que os bancos nacionais exigem. Caberia verificar, todavia, se não estamos abusando desses empréstimos externos e se não conviria, por isso, reduzir os juros internos. Nesse sentido, parece-nos necessário dar atenção ao alerta do Banco para Compensações Internacionais (BIS) sobre o excesso de endividamento dos países emergentes nesta fase de prosperidade atraente que apresentam. 
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Os avanços tecnológicos e as novas formas de guerra


Rubens Barbosa
 O Estado de S.Paulo

Os conceitos tradicionais de guerra e da forma de combate, como entendidos até aqui, estão sendo dramaticamente modificados pelo rápido avanço tecnológico.

Peter W. Singer, no livro Wired for War (Preparado para Guerra), trata da robótica militar e mostra como isso afetará as táticas e estratégias das forças armadas. Os ataques cibernéticos ocorridos nos últimos meses, por outro lado, fizeram acender a luz vermelha nas instituições de segurança de todos os países.

Os veículos aéreos não tripulados (Vants), de tamanho cada vez mais reduzido, estão transformando a maneira como os EUA pensam sobre a guerra e como se engajam nela. Os EUA empregaram os Vants no Afeganistão, no Paquistão para vigiar Bin Laden e agora na Líbia. Israel utiliza os Vants na luta contra a liderança militar palestina. O Pentágono dispõe hoje de cerca de 7 mil Vants e solicitou ao Congresso US$ 5 bilhões para o desenvolvimento de novos veículos não tripulados do tamanho de aves e insetos, como as spy flies (moscas espiãs), equipadas com sensores e microcâmeras para detectar inimigos, armas nucleares ou vítimas de desastres naturais. Os Vants são utilizados como arma de ataque, mas também como instrumento de vigilância antecipada contra eventuais ataques ou de proteção das fronteiras, sem nenhum risco para as forças aéreas ou terrestres.

O Brasil ainda engatinha nessa área e apenas recentemente adquiriu alguns Vants para monitorar a porosa fronteira amazônica, tão vulnerável à ação do crime organizado do tráfico de drogas e de armas, e a Embraer começou a produzir esses veículos, com radares ultrassofisticados.

As invasões cibernéticas estão acarretando profundas transformações numa nova forma de guerra, a virtual.

Os EUA, segundo diretrizes do Pentágono que serão divulgadas proximamente, passarão a considerar ataques cibernéticos como atos de guerra, sujeitos, portanto, a retaliações. Além de intensificar a segurança dos sistemas internos de defesa, as medidas incluirão desde sanções econômicas, passando por retaliações cibernéticas e até mesmo ofensivas militares. De acordo com porta-voz do Pentágono, todas as opções estão em aberto, o que denota a seriedade com que o assunto está sendo tratado. A Casa Branca informou que "responderá a atos no espaço cibernético da mesma forma que responderia a qualquer outro tipo de ameaça ao país". O governo norte-americano afirmou que se reserva o direito de usar todos os meios diplomáticos, econômicos e militares para defender a nação, seus aliados e seus interesses. O governo dos EUA tem por que se preocupar. Basta lembrar que, só nos últimos meses, órgãos oficiais como o Departamento de Comércio, a CIA, o Senado, a rede de TV pública PBS e a empresa Lockheed Martins, que trabalha muito próxima do Pentágono no desenvolvimento de equipamentos militares sensíveis, foram afetados pela ação dos hackers.

Há uma proliferação de invasões em todo o mundo, não limitadas apenas aos governos ou organizações internacionais, como o FMI. Foram atingidos empresas que armazenam dados financeiros ou lidam com informações confidenciais de Estado, companhias como a RSA, unidade de segurança da EMC Corporation, dois bancos e uma administradora de cartões de crédito da Coreia do Sul. Um dos grupos de hackers começou a atacar organizações (Visa e Mastercard) e pessoas contrárias ao site e ao fundador do WikiLeaks. Ocorreram ataques com o objetivo de revelar ao público informações sobre atos de corrupção e tentativas de limitar a liberdade na internet.

Há suspeitas de que também países - como a China, os EUA e Israel - estejam realizando ataques de espionagem cibernética. O programa nuclear do Irã foi infectado por vírus, introduzido nos computadores oficiais por outro país. Consta que a Rússia e a Coreia do Norte possam ter-se utilizado dos serviços de hackers.

Um relatório da Otan concluiu não ser possível descartar a hipótese de que esses grupos de hackers passem a vender seus serviços a terroristas e ao crime organizado. Por outro lado, trabalho da OCDE minimiza a questão e observa que a possibilidade de um conflito cibernético é reduzida. As motivações políticas poderiam, assim, evoluir para chantagem, ganhos financeiros ou terrorismo.

Nos últimos dias o Brasil entrou na mira dos hackers. A Presidência da República, a Prefeitura de São Paulo, o Ministério do Esporte, o IBGE, a Secretaria da Receita Federal e outros órgãos foram atacados e, segundo foi noticiado, dados foram retirados desses sites. Pesquisa do Tribunal de Contas da União revela que 64% dos órgãos federais não dispõem de uma política de segurança da informação.

Suponho que o governo brasileiro esteja preocupado com vazamentos de documentos sigilosos e de detalhes técnicos, em especial os relativos ao Programa Nuclear Brasileiro, e ataques a usinas de geração de energia e redes de distribuição.

O governo brasileiro informou ter começado a pôr em prática medidas para proteger o País de ataques cibernéticos. Os ataques que visam ao roubo de informações estratégicas representam apenas 1% das ameaças, sendo registradas 2.100 tentativas de invasão por hora. A questão cibernética, ao lado da nuclear e da espacial, é prioridade incluída na Estratégia Nacional de Defesa. Em dezembro, o Gabinete de Segurança Institucional lançou o Livro Verde, que estabelece parâmetros de proteção das redes governamentais.

Dadas a magnitude do desafio e a vulnerabilidade do Brasil a essa nova forma de guerra, espera-se muito mais das autoridades, como medidas sofisticadas de defesa e punitivas para os responsáveis pelos ataques.

O tema é de alta prioridade e urgência, por afetar a segurança nacional.

EDITOR RESPONSÁVEL DA REVISTA "INTERESSE NACIONAL" 
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Sigilo para incompetência?


ROLF KUNTZ
O Estado de S. Paulo

O Ministério da Saúde adverte: informação pode causar preocupações e deixar os cidadãos mais tensos. O governo poderia recomendar a difusão desse aviso em todos os meios de comunicação. É seu melhor argumento a favor do sigilo dos orçamentos da Copa 2014 e de quaisquer outros documentos oficiais. Os demais argumentos, como o da prevenção de fraudes em licitações, são na melhor hipótese engraçados e até servem para alegrar o ambiente. A inquietação da presidente Dilma Rousseff e de seus companheiros seria especialmente compreensível no caso das obras da Copa. As últimas informações têm representado grave ameaça ao estado de espírito dos leitores. Dois bons exemplos tiveram destaque no site da organização Contas Abertas, em menos de sete dias.



Primeiro: os valores estimados para as despesas com a Copa aumentaram muito desde a apresentação da candidatura brasileira, em 2007. O custo apontado para a reformas e construções de estádios saltou de R$ 2,1 bilhões para cerca de R$ 7 bilhões e ainda faltam três anos para os jogos. Durante o percurso já havia ocorrido um aumento - para R$ 4,3 bilhões. O site resumiu as conclusões de um levantamento realizado por Alexandre Sidnei Guimarães, consultor legislativo do Senado.

Impossível, segundo o autor do trabalho, determinar se a mudança de valores indica uma passagem de subestimação para superfaturamento. Impossível saber, argumenta o consultor, porque faltam informações suficientes sobre as condições das obras e sobre os custos associados às condições impostas pela Fifa. São bons motivos, de acordo com ele, para os contribuintes se mobilizarem na defesa de maior transparência e de mais intensa fiscalização do andamento das obras.

Segundo exemplo: o Ministério do Esporte propôs a ocultação de informações sobre as despesas, de acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovado pelo plenário do órgão no dia 15 de junho.

O relator dos assuntos ligados à Copa 2014, ministro Valmir Campelo, chama a atenção, no documento, para dois problemas graves. Um deles é a recomendação do ministro do Esporte, Orlando Silva, sobre a elaboração da Matriz de Responsabilidades, um instrumento de registro das ações e despesas. As ações, de acordo com sua proposta, citada pelo relator, seriam registradas ou omitidas segundo a conveniência do Executivo.

O outro problema é o atraso na elaboração da própria matriz. O registro de ações e despesas deveria contemplar três ciclos de planejamento e execução: 1) "infraestrutura de base", com foco em estádios, mobilidade urbana, portos e aeroportos; 2) previsões de serviços complementares, como segurança, hotelaria, sustentabilidade ambiental, saúde, energia e telecomunicações; e 3) ações de execução imediata, programadas para pouco antes das competições, como preparação de controles e atendimento nos aeroportos.

O primeiro ciclo é o único já concluído, mas suas informações são incompletas e desatualizadas. Faltam, por exemplo, dados sobre obras na BR 163/MT, estimadas inicialmente em R$ 357 milhões, e sobre a ampliação da pista do aeroporto de Porto Alegre, "avaliada em mais de R$ 100 milhões". Não há sequer projeto básico aprovado para essa obra - e o relator ainda lembra o atraso dos planos para os estádios.

O atraso na maior parte das grandes obras é bem conhecido. Entre janeiro e abril a Infraero investiu R$ 144 milhões, apenas 6,5% dos R$ 2,2 bilhões orçados para este ano. Pela previsão inicial, os aeroportos deveriam estar prontos no fim de 2013 para atender à demanda maior gerada pelos jogos. Essa meta jamais será alcançada, se for mantido o ritmo de investimento observado até agora. A privatização de alguns aeroportos poderá diminuir o risco de um enorme fiasco, mas nem isso está garantido, porque ainda é preciso resolver o problema das licitações.

A previsão de gastos bem maiores que os estimados inicialmente já se confirmou. Mas o aumento de custos será bem maior, se a elaboração e a execução dos projetos continuar tão lenta quanto foi nos últimos quatro anos, desde a escolha do Brasil para hospedar a Copa.

Com o sigilo, o governo poderá ocultar dados importantes pelo menos durante algum tempo, mas para quê? Não evitará as cobranças da Fifa, se o atraso das obras se prolongar, nem poupará o País de um enorme vexame, se a incompetência continuar dominando a preparação dos jogos. Além do mais, os desvios orçamentários acabarão sendo revelados, como têm sido tantos esqueletos fiscais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu uma evidente irresponsabilidade ao comprometer o Brasil com esses eventos. O governo estava e continua despreparado para a tarefa. Nenhum sigilo resolverá esse problema.
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Sejamos civilizados

DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO


Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se ela não se altera, não se irrita.

PARA QUE SERVE ser civilizado?

Para não sair agredindo as pessoas que pegam a vaga do seu carro, não furar a fila, não puxar os cabelos daquela que ousou olhar mais de três segundos para seu amado, não roubar, não sair por aí atacando as moças.

Ser civilizado é saber que existem leis para frear nossos impulsos mais primários, leis que quando são quebradas acabam em escândalo e cadeia, às vezes -pelo menos para quem é pobre.

Mas existe um problema, entre pessoas civilizadas: de tão civilizadas, elas acabam praticamente iguais. Afinal, a educação, os bons modos, o traquejo, a cortesia, as boas maneiras, nivelam as pessoas -por cima,
mas nivelam.

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se, pelo menos
aparentemente, ela não se altera, não se irrita, não se enerva e tem
sempre uma paciência infinita para lidar com todo tipo de problema?
Quanto mais civilizadas, mais parecidos são todos.

Pense um pouco: se você frequentar sempre um mesmo grupo, vai perceber
que os homens se vestem praticamente da mesma maneira, bebem o mesmo
tipo de bebida, frequentam os mesmos restaurantes, passam férias nos
mesmos lugares e falam sobre as mesmas coisas.

Mais: todos têm como sonho de consumo ter um apartamento em Nova York,
se possível no mesmo bairro dos amigos, se possível no mesmo
quarteirão, se possível no mesmo edifício. Todos têm a mesma opinião
sobre as coisas mais fundamentais, praticam o mesmo tipo de esporte e,
se têm uma casa de campo ou de praia, é sempre na mesma região -se não
for no mesmo condomínio.

Os filhos frequentam as mesmas escolas, se casam entre eles e os
casais praticam o adultério também entre eles.

Mesmo que não se conheçam, eles sempre têm do que falar, mesmo com os
estrangeiros, pois esta casta, digamos assim, é internacional e está
sempre ligada nas mesmas coisas. Quando falam de gastronomia, falam
dos mesmos restaurantes; dos de São Paulo, Nova York ou Tóquio, eles
sabem de tudo -tudo igual, claro.

Nada, em nenhum deles, é original; dificilmente num jantar alguém
chegaria sem sapatos ou começaria a cantar, entre o primeiro e o
segundo prato. Como são muito civilizados, bem educados e conhecem
perfeitamente as regras de etiqueta -que como são sempre as mesmas,
são muito monótonas-, nada acontece em suas vidas que seja
especialmente trepidante.

E quando a mulher de um desses homens tão elegantes e civilizados
desaparece com um guitarrista obscuro, ninguém consegue compreender
como isso pode acontecer.

Essa padronização, no fundo, é uma grande muleta; se todos usam o
mesmo Rolex, o mesmo terno Armani, a mesma agenda Hermès, ficam mais
seguros e protegidos; o mundo vira uma espécie de clube, e eles adoram
um clube -são todos sócios do mesmo.

E a gente fica pensando: se acontecesse uma catástrofe que varresse da
Terra essas tais muletas e se encontrassem todos num jardim, nus, sem
os sinais exteriores que diferenciam as classes, o que fariam esses
homens? E as mulheres, sem seus "tailleurs" Chanel e suas bolsinhas
Prada?

Com tanta civilização, as mulheres não conhecem os mari

dos, os filhos
não conhecem os pais, ninguém sabe o que o outro pensa sobre a vida e
as coisas do mundo; a padronização civilizatória é de tal ordem que
acaba ninguém conhecendo ninguém, e pouquíssimos se conhecem a si
próprios.

E um dia a gente morre.

Crônica ou parábola?


ROBERTO DaMATTA
 O Estado de S.Paulo


Quando dizem que a crônica é uma invenção brasileira, eu vejo meu amigo norte-americano Richard Moneygrand me garantindo que a pizza foi inventada em Chicago.

A globalização põe tudo entre parêntesis. Aquilo que os antropólogos antigos sabiam e nutriam como um segredo profissional - o fato de tudo o que é humano é em todo lugar reinventado, inclusive a noção do que é ser humano - foi desmascarado e, neste mundo onde viajar passou de aventura, turismo, exploração ou incumbência religiosa, política ou guerreira, a uma trivialidade. As viagens que o maior antropólogo do século passado, Claude Lévi-Strauss, no seu livro mais íntimo, Tristes Trópicos, diz paradoxalmente odiar na sua linha de abertura, não têm mais sentido hoje, quando todos estão em movimento, a maioria sem rumo ou bússola e - parece - não há mais o que descobrir. Demos a volta em torno de nós mesmos, percorrendo muitas vezes o globo ou a esfera terrestre. Mas continuamos esquecidos de que um mundo esférico não tem início ou fim. Ele é infinito e, num sentido especial, inesgotável. O ponto de partida acaba numa estranha fronteira: o próprio ponto de partida. Daí o axioma: se a pizza foi inventada em Chicago, a crônica é bíblica. E nós, brasileiros, dela gostamos porque preferimos os ensinamentos eternos mais do que as narrativas que ensinam "como fazer".

* * *

Quando cheguei, em 1963, ao famoso Departamento de Relações Sociais da Universidade de Harvard, onde ensinavam Talcott Parsons, Robert Bellah, Cora DuBois e George Homans, entre outros, esperava um prédio mais grandioso do que o do Museu Nacional de onde vinha e, no entanto, deparei-me com uma modesta (e decepcionante) casa de madeira. As tábuas da varandinha tremiam, apesar de minha sensação de estar em pleno ar. Hoje, visito pela internet os lugares aonde vou. Sei o que me espera e não tenho mais surpresas. Também não tenho mais um coração disparado por decepções. Eis uma das atrações das parábolas. Como nas anedotas, você pensa uma coisa e ocorre outra. Tal como faz o governo que tributa todos os produtos e não nos dá nada de volta. Retribuir o que se recebe é, sabiam os antigos, um belo projeto...

* * *

No livro Ardil 22, Joseph Heller fala de um certo coronel Cargill, marqueteiro convocado para a guerra, cuja especialidade era promover prejuízos em empresas que queriam pagar menos imposto de renda. Ou seja, o marketing de Cargill, ao contrário de alguns de nossos mais bem-sucedidos políticos - esses marqueteiros do povo pobre -, era vender fracasso num universo oficialmente marcado pela honestidade, pela competência e pelo progresso. Cargill perdia um tempo considerável planejando como fazer um empreendimento perder dinheiro para pagar menos imposto e multiplicava seu patrimônio porque, conforme se sabe, o fracasso - exceto, reitero, no submundo dos balcões que irmanam negócios e política no Brasil - não é fácil. Não é simples trilhar o caminho de cima para baixo. Ou seja: no tal "capitalismo avançado" e no mundo digital - armado em redes sem punho, onde balançamos todos solitariamente em frenética comunicação com um falso-outro que obedece à nossa vontade, podendo ser desligado (ou deletado) a nosso bel-prazer -, o fracasso deliberado pode ser o caminho do sucesso.

* * *

A biografia de Machado de Assis, esplendidamente reinventada por Daniel Piza, surpreende e se destaca pelos exemplos de um Machado nada alienado como um mulato precursor do politicamente correto (como seus críticos de "esquerda" cansaram de apontar e por isso não li Machado na faculdade). Escritor consciente do sentido da parábola, algumas de suas histórias são máquinas de supressão do tempo como dizia Lévi-Strauss ao falar do sentido profundo dos mitos. Em Esaú e Jacó, por exemplo, temos uma definição estrutural do dilema brasileiro nos heróis gêmeos Pedro e Paulo. Um, dir-se-ia hoje em dia, de direita (e aristocrático), porque monarquista; o outro de esquerda (e igualitário), porque republicano. Mas como não há na sociedade o impulso da decisão, pois o que se aspira é ficar complementariamente com dois, não há a apoteose confessional que chega com a escolha. Movimento que equivale a tomar partido, admitir culpa e virar a página da História. Nossa revolução estaria na supressão dos adjetivos. Afinal, como diz Machado: "Os adjetivos passam e os substantivos ficam".

* * *

Tal apoteose surge no caso noticiado pelo Globo e escrito pelo próprio autor no The New York Times, mas lá, nos Estados Unidos. Refiro-me à confissão calvinista do jornalista ianque-filipino Jose Antonio Vargas, premiado com a maior láurea da imprensa americana, o Prêmio Pulitzer. Num texto à la Frank Capra, ele narra sua saga como imigrante ilegal. Um burlador das leis de americanidade que são mais severas do que as que governam a vida mais recôndita. Lá, dizem eles, existem duas coisas certas no mundo: pagar imposto e morrer. Dizem também que mentir é o pior caminho e que ser honesto é o melhor negócio. É o único país do mundo com um primeiro mandatário que jamais mentiu, pois tal é o mito que cerca a figura do seu presidente inaugural, George Washington. Hoje, com tanta água suja correndo por baixo da ponte, poucos ainda creem nisso, mas as apoteoses confessionais que dramatizam o mito do "somente a verdade e nada mais do que verdade" continuam existindo.

O fato é que todo grupo tem suas parábolas, suas causas perdidas e, por meio delas, faz suas crônicas. Ou o inverso. Como um modesto observador da vida social, sei apenas que ninguém escapa dessas coerções que nos atingem como raios, de dentro para fora.
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Pessoas Especiais

D. Beisser
As pessoas especiais são aquelas que têm a habilidade de dividir suas vidas com os outros.
Elas são honestas nas atitudes, são sinceras e compassivas, e sempre dão por certo que o amor é parte de tudo.
As pessoas especiais são aquelas que têm a habilidade de doar aos outros, e de ajudá-los com as mudanças que surgem em seus caminhos.
Elas não têm medo de ser vulneráveis; elas acreditam que são únicas e têm orgulho em ser quem são.
As pessoas especiais são aquelas que permitem-se o prazer de estar próximo aos outros e importar-se com a felicidade deles.
Elas vieram para entender que o amor é o que faz a diferença na vida.
As pessoas especiais são aquelas que realmente tornam a vida bela.
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terça-feira, 28 de junho de 2011

A descida da Cruz





O Supremo e o custo do emprego


VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO

Decisão do STF sobre o aviso prévio deve reavivar debate ainda ruim sobre o mercado de trabalho no país

O SUPREMO Tribunal Federal decidiu que o valor referente ao aviso prévio de demissão deverá ser proporcional ao tempo de serviço, como determina a Constituição. As empresas deverão um mês de salário, mais um adicional, que poderia chegar a um mês de salário para cada três anos no emprego, caso fosse adotada a fórmula sugerida pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Como o Supremo ainda não determinou a fórmula da proporcionalidade, não se sabe ainda quando entra em vigor a decisão. Qualquer que seja a fórmula, haverá barulho.
Obviamente vai haver imediato aumento de custo para empresas formais, que já reclamam, com razão, de taxação alta e incerta. Reclamam, de modo mais controverso, do alto custo legal de contratar e demitir trabalhadores de modo legal ("formal"). Alguns economistas ainda dirão que a decisão do Supremo tornaria o mercado de trabalho brasileiro ainda mais "inflexível".
Num mercado inflexível, a "realocação" de postos de trabalho e de trabalhadores são dificultadas por fatores como leis, custos legais ou econômicos de demitir, criar e fechar postos de trabalho ou de pressões sindicais. Quanto mais inflexível um mercado, menor a "eficiência alocativa" (os recursos não se dirigem desimpedidamente para onde renderiam mais).
Os (raros) estudos menos política ou teoricamente enviesados sobre o mercado de trabalho no Brasil indicam que tanto a rotatividade de trabalhadores como de postos de trabalho é das mais altas do mundo. A proteção à demissão individual ou coletiva é uma das menores entre 40 países relevantes (segundo estudo da liberal OCDE).
O país convive pois com taxação (direta ou indireta) alta dos custos com trabalho, alta rotatividade, enorme mercado "informal" e salários baixos. Como de praxe, nota-se, o Brasil é complexo. Clichês sobre "inflexibilidade" e ideias simplistas ou confusas sobre a "taxa geral de rotatividade" nada dizem para o debate dos problemas do trabalho.
A rapidez com que a indústria demitiu e contratou durante e depois da crise de 2008, aos centenas milhares, diz algo sobre a inflexibilidade e o custo de contratar e demitir. Pode ser "alto", mas parece repassado adiante por meio de redução de salários médios ou preços regularmente maiores (mais improvável, dada a competição "globalizada). O aumento da formalização na década passada indica que o custo trabalhista legal é um impedimento menor que o imaginado na melhoria da oferta de trabalho legal.
Estudos mostram que a rotatividade de trabalhadores ocorre mais em postos de trabalho que exigem baixa qualificação, pagam pouco e são ocupados por pouco tempo. Falência e criação de novas empresas respondem por parte importante da rotatividade de postos de trabalho. A lei não impõe custos relevantes para empresas que descuram de criar postos de trabalho qualificados ocupados por trabalhadores experientes e mais bem treinados.
Pode-se imaginar que empresas melhores (inovadoras, produtivas e que investem na formação e fixação do trabalhador) padeçam mais no momento de se adaptar a flutuações de demanda (tenham de demitir).
Em suma, sabemos muito pouco de custos do trabalho, causas da rotatividade e a influência dos dispositivos legais no mercado de trabalho.
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Há dados que podem pôr em risco segurança do país


Entrevista 
CEZAR PELUZO 
FOLHA DE S.PAULO


AO FALAR DO SIGILO ETERNO DE DOCUMENTOS, PRESIDENTE DO SUPREMO DIZ QUE O PROBLEMA É QUE NÃO APENAS O POVO FICA SABENDO TUDO, MAS OS INIMIGOS DO PODER E DO PAÍS TAMBÉM


FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

Em uma das poucas entrevistas concedidas desde que assumiu a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Cezar Peluso, 68, disse que o sigilo de determinados documentos é necessário para preservar a "segurança do Estado" e fez enfática defesa de reuniões fechadas entre os ministros antes das sessões públicas.
Ele recebeu a Folha em seu gabinete na última quarta-feira, quando afirmou que a chamada PEC dos Recursos- proposta de emenda constitucional de sua autoria que considera transitadas em julgado ações examinadas em segunda instância- é uma proposta "de caráter pessoal", e não do Supremo.
Peluso também avaliou que o mensalão é "o processo mais complexo que o STF já teve".

Folha - Outros ministros do Supremo ficaram desconfortáveis com sua proposta para que os recursos percam o efeito suspensivo após a segunda instância. O sr. chegou a consultá-los?
Cezar Peluso- Por escrito. Mandei o texto para eles, pedindo sugestão. O único que respondeu, embora discordando, foi o ministro Marco Aurélio. Jamais usei o nome do Supremo para defender essa PEC [Proposta de Emenda à Constituição], que é de caráter pessoal.

O que o sr. acha que aconteceria se, após aprovada, ela fosse questionada no STF?
Isso não sabemos. Mas não tenho nenhum receio.

O sr. acredita que os tribunais estão preparados para essa responsabilidade?
Os tribunais hoje têm potencialidade de responder a essa expectativa. A tarefa deles será facilitada pelo maior cuidado com que as partes vão cuidar de suas causas. A sociedade vai ficar de olho nos tribunais, mais que hoje.

O processo do mensalão no Supremo está célere?
É o processo mais complexo que o STF teve. São quase 40 réus, com advogados diferentes. Só para a sustentação oral, cada um deles pode gastar uma hora. Isso significa que, só de sustentação oral de advogados, teremos 40 horas no mínimo.

Há risco de alguém se livrar de uma eventual condenação por prescrição?
Acho que o ministro relator está muito atento a isso. Se ele tivesse vislumbrado algum risco, já teria antecipado alguma coisa. Ele está conduzindo com a tranquilidade de quem não está correndo risco de prescrição.

Mas advogados estão fazendo de tudo isso ocorrer, não?
Os advogados lançam mão de todos os expedientes e recursos permitidos.

E isso é válido?
Se o sistema permite, o advogado que não usa pode ser acusado de negligência.

Pouco antes de assumir a presidência, o sr. afirmou que defenderia a redução das férias dos juízes, de 60 para 30 dias. O que aconteceu?
Já fui ao Senado, já respondi em audiência pública sobre isso. Tem um projeto que está lá para ser analisado.

Sua posição continua igual?
A mesma. Eu acho que o juiz brasileiro trabalha muito. Acontece que a sociedade hoje é tal que soa como um privilégio [as férias de 60 dias] e isso não é bom para o prestígio da magistratura. Eu acho que férias de 30 dias é o ideal. Mas, pensando sobretudo nos advogados sugiro que haja 30 dias de férias para o juiz e, para todos, tem que haver um período de recesso onde os próprios advogados possam ter férias.

Quanto tempo de recesso?
De 20 dias seria ótimo, 20 de dezembro a 10 de janeiro.

Um juiz goiano anulou a união de um casal gay e criticou a decisão do STF. Como o sr. vê essa decisão?
Como tese, as decisões que pela Constituição são vinculantes têm que ser observadas pelo juiz. O que os juízes podem fazer é dizer: "Não concordo com a decisão do Supremo porque não acredito que foi a melhor interpretação, mas sou obrigado a cumprir, portanto aplico". A crítica intelectual é válida. As decisões de qualquer tribunal são sujeitas à crítica. Mas, no plano da obrigatoriedade, não pode haver discussão.

Sobre a marcha da maconha, o STF não entrou no mérito da discussão. O sr. acredita que a discussão deve ocorrer?
Sim, é uma discussão velha. Há mais de 20 anos, eu estive num simpósio onde vi acadêmicos sustentarem que a melhor maneira de combater o tráfico de entorpecente seria a liberação do seu uso.

O sr. concorda?
Não sou capaz de dizer se isso é uma coisa ruim ou boa. Precisa ser estudado com muito cuidado.

O sr. já teve contato com maconha?
Vou lhe contar uma experiência para te dizer que nunca tive. Uma vez na PUC me disseram: "Professor, o sr. passou ali no meio agora pouco, não viu dois caras fumando, lá?". Eu falei: "Vi dois caras fumando, sim". Aí disseram: "O sr. não sentiu cheiro de maconha?". E eu respondi: "Nem sei qual é o cheiro da maconha" [risos].

O ministro Celso de Mello defendeu a discussão sobre legalização da maconha para fim religioso. O sr. concorda?
Tenho minhas ressalvas, o uso religioso pode ser a aparência. Seria uma bela maneira de contornar lei.

O sr. propôs que haja reuniões fechadas entre os ministros do STF para discutir julgamentos. Por quê?
Essa possibilidade de discussões prévias, de trocas de ponto de vistas num ambiente mais informal, sem assistência, sem público, ajudaria muito. Uma coisa é eu estar conversando com você. Outra coisa é eu estar no Pacaembu e todo mundo ver o que estamos conversando. Seriam reuniões preparatórias, que não são incompatíveis com a Constituição.

O que precisa ser feito na prática para isso acontecer?
Simplesmente que a gente concorde em criar uma emenda regimental que permita sessões reservadas preparatórias de decisões administrativas e jurisdicionais. Nada se vai decidir ali. Serão apenas troca de ideias, preparar uma decisão futura.

Poderia ter evitado o impasse sobre a Lei do Ficha Limpa?
Poderia ter evitado um monte de coisa.

O que sr. pensa sobre o sigilo eterno de documentos?
É uma questão delicadíssima, que deve ser decidida pelo Legislativo e pelo Executivo. Mas há certos dados sigilosos que podem pôr em risco a segurança do Estado, que tem o direito de preservar sua segurança e não trocá-la pela pretensão da mera divulgação. O problema é que não apenas o povo fica sabendo tudo, mas os inimigos do Poder e do país também. Isto pode botar em risco a segurança. Tanto o Executivo quanto o Legislativo têm que lidar com tranquilidade, procurando compatibilizar a aspiração legítima da sociedade e a preservação daquilo que seja essencial para resguardar a segurança do Estado onde a sociedade vive.

RAIO-X
CEZAR PELUSO, 68

ORIGEM
Bragança Paulista (SP)

FORMAÇÃO
Faculdade Católica de Direito de Santos

ESPECIALIZAÇÃO
Direito civil e processo civil

CARREIRA
Tem origem na magistratura. Foi indicado pelo ex-presidente Lula para o Supremo em 2003. Assumiu a presidência da corte em março de 2010

Frases

"É uma questão [sigilo eterno] delicadíssima [...]. Mas há certos dados sigilosos que podem pôr em risco a segurança do Estado, que tem o direito de preservar sua segurança e não trocá-la pela pretensão da mera divulgação"

"São quase 40 réus [no mensalão], com advogados diferentes. Só para a sustentação oral, cada um deles pode gastar uma hora"

"Ele [o relator] está conduzindo com a tranquilidade de quem não está correndo risco de prescrição"
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