quinta-feira, 31 de março de 2011

PORÕES CORPORATIVOS


Pequenos logros vicejam nos subterrâneos empresariais. Atenção é necessária: os ardis podem representar apenas a ponta de um nauseabundo iceberg

Fato ou ficção? Caso 1. Em uma ilibada instituição financeira (oximóron?), um gerente adiciona ao invejável salário os trocados de reembolsos fraudados em pizzarias. Uma amiga íntima no alto escalão e hábil jogo de cena provêem polimento à sua impecável reputação, enquanto uma horda de seguidores emula seus maus costumes.
Caso 2. Um vôo internacional faz “paradas técnicas” freqüentes em um paraíso fiscal. Em todas as ocasiões está presente a bordo o ilustre primo de um conhecido governador de Estado, muito próximo de um não tão ilustre diretor da empresa aérea. Caso 3. Em uma grande empresa industrial um grupo de funcionários opera uma “rede logística própria”. Um supervisor percebe estranhos movimentos de inventário, mas depois de “conversado” apenas recomenda discrição.
MCaso 4. Ha fábrica de uma multinacional européia, a equipe de manutenção “administra” as horas extras de acordo com as necessidades de caixa de seus membros. Com o tempo o esquema cresce e incorpora taxistas e até uma empresa de refeições rápidas. Nada como a economia informal! Caso 5. Em um grande hospital metropolitano o sistema de suprimentos é dominado por máfias diversas. O descontrole, somado à incompetência gerencial e à ganância de pequenos e grandes larápios, dilapida a organização.
Caso 6. Também no “maravilhoso” sistema de saúde nacional, um grande prestador de serviços detecta: em novembro, aumentam os casos de internação em UTI. Coincidência? Talvez não: com a proximidade do Natal, não são apenas os guardas rodoviários que precisam garantir uma renda extra.

Fato ou ficção? Difícil dizer. Mas não é preciso ser Sam Spade ou Nero Wolf. Basta uma conversa descontraída com funcionários (ou ex-funcionários) para descortinar detalhes das mais escabrosas histórias de fraudes e desvios. Elas seguem a trajetória usual da vida subterrânea: correm boca-a-boca e às vezes têm proporções alteradas e personagens acrescentados. Na maioria das empresas, pequenos casos são tolerados como “parte do negócio”; grandes casos são tratados com discrição. D’alguma forma, terminam por fazer parte da paisagem corporativa: são aceitos como um mal necessário.
Não deveriam! Para empresas que atuam em mercados competitivos, nos quais cada centavo no custo conta, os robustos porcentuais extraídos por esquemas paralelos podem pintar de desalentador tom vermelho o resultado. Para organizações públicas, que teoricamente existem para servir à população, os esquemas paralelos limitam a capacidade e a qualidade do atendimento. Em hospitais, o impacto deveria ser medido em vidas.
Segundo o especialista Fernando Fleider, da empresa de gestão de riscos ICTS Global, as fraudes e desvios ocorrem por dois motivos: má intenção e controles deficientes. Diante da possibilidade de ganhos, incorporamos o homo economicus: se o ganho é grande e o risco é baixo, então, por que não?

Algumas empresas toleram 2% a 4% de perdas, que denominam de “custo de fazer negócios”. Mas esse custo, o direto, é apenas parte do impacto total, e pode ser a ponta de um gigantesco e putrefato iceberg. O custo indireto, relacionado à deterioração da imagem, à perda de eficiência e à redução da lucratividade, é quase impossível de avaliar.
O gerente que falsifica reembolsos está fraudando a empresa em mais de R$ 300 ou R$ 500 por mês: sua pequena falcatrua fomenta um ambiente de incompetência, venalidade e cinismo, de impactos difíceis de quantificar. Enquanto larápios iniciantes equipam a casa de praia com tevês de 29 polegadas e trapaceiros mais experientes trocam o carro dos filhos adolescentes, o País perde investidores assustados com as “peculiaridades” locais.
Fleider é categórico: toda organização está sujeita a problemas de fraudes e desvios. Para tratá-los, a receita é transparência, aperfeiçoamento dos processos internos e melhoria dos controles. No lugar de repressão, comunicação e sensibilização; no lugar de punição, prevenção. As fraudes e desvios estão aumentando? Difícil dizer, mas, conforme a transparência aumenta e os controles evoluem, a tendência é haver uma redução de casos. A situação é pior no Brasil? Não se nos compararmos com países como México e Argentina, porém ficamos a boa distância das nações desenvolvidas. Razão principal: impunidade. Aqui se faz, mas aqui não se paga. 

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Esqueça os críticos!

O Wal-Mart é uma grande empresa 
Jack com Suzy Welch
Exame.com.br

O Wal-Mart é uma força do bem ou do mal no mundo?
(Exeter, N.H.)

Essa é uma pergunta que ouvimos diversas vezes nos últimos meses, talvez com uma intensidade maior por parte de estudantes do ensino médio, que costumam fazê-la do jeito que a colocamos aqui, acrescentando em seguida a seguinte observação: “Vocês dizem que os negócios são bons para a sociedade, mas o Wal-Mart a destrói.”

Destrói? De forma alguma.

O Wal-Mart é uma grande empresa. Talvez seja politicamente incorreto dizer isso hoje em dia, mas é verdade. O Wal-Mart ajuda indivíduos, comunidades e todas as economias a prosperarem.

Sim, o Wal-Mart é imenso, e a cada dia cresce mais. Sim, seu modelo de negócio ameaça a concorrência, e seu poder de compra assusta os fornecedores. Todas essas coisas, porém, não tornam a empresa má. Elas a tornam simplesmente em alvo predileto dos críticos que, por razões que só dizem respeito a eles mesmos, não estão dispostos a admitir as muitas formas pelas quais o Wal-Mart melhora a vida das pessoas.

Em primeiro lugar, é evidente que os preços praticados pelo Wal-Mart têm um impacto positivo e de enorme repercussão sobre a vida de milhões de consumidores. Nenhum outro varejista oferece tantos produtos bons por tão pouco, de hortifrútis a material escolar, além de remédios e de acessórios para o lar. Com isso, o Wal-Mart ajuda a manter as despesas domésticas em um patamar baixo de um jeito que nenhum programa social, ou do governo, seria capaz de fazer.

Além disso, o Wal-Mart ajuda os indivíduos de forma mais duradoura e interessante. Ele oferece a seus empregados uma possibilidade incrível de ascensão profissional, mesmo para aqueles com credenciais escolares modestas. São várias as histórias de gente que começou lá de baixo, ou no caixa, e progrediu até chegar a cargos de administração.

Com o crescimento da empresa no mundo todo, um funcionário tem hoje a possibilidade de fazer carreira inicialmente na área de compras, no Texas, passando depois para o setor de logística, no Arkansas, até a nomeação para alguma posição de liderança em divisões da empresa na Europa e na Ásia. Com relação ao treinamento e à oportunidade dada a indivíduos que, de outra maneira, jamais poderiam se libertar de um estilo de vida regido pelo contracheque, só os militares chegam perto do Wal-Mart ao propor às pessoas um mundo totalmente novo de possibilidades.

É claro que os preços baixos do Wal-Mart e sua colossal força de trabalho têm um efeito cumulativo sobre as economias locais e nacionais em que opera. Os preços baixos mantêm a inflação em baixa, enquanto o poder de compra dos empregados mantém a demanda em níveis elevados.

Isso é mau?

Bem, alguns críticos dizem que o Wal-Mart destrói as comunidades, porque acaba com os pequenos varejistas — a farmácia da esquina, a loja de ferragens, de móveis e o mercadinho. Para esses críticos, os comerciantes pequenos eram muito mais atenciosos com os clientes e com os empregados.

Quem afirma isso tem saudade de um tempo que nunca existiu.

É verdade que o Wal-Mart decretou o fim de muitas lojas locais; também é verdade que, em algumas dessas lojas, os clientes eram acolhidos pelo nome logo que entravam. Mas foram esses mesmos clientes que decidiram fazer suas compras no Wal-Mart quando a loja se instalou em sua cidade, possivelmente porque os preços baixos eram mais importantes para a qualidade de vida dessas pessoas do que um aceno e um sorriso. Não há conspiração alguma aí; é o livre mercado em ação.

Quanto ao tratamento mais “generoso” conferido aos empregados — isso é bobagem. Em boa parte das cidades pequenas, os comerciantes eram donos dos melhores carros, viviam nas casas mais bonitas e eram sócios do clube de campo local. Seus empregados, evidentemente, não compartilhavam dessa fartura. Era difícil encontrar quem tivesse seguro de vida ou convênio médico; treinamento e salários altos então eram raridades. Poucos desses comerciantes tinham planos de crescimento ou pensavam em expandir os negócios. Eles tinham a vida “arrumada”. Para eles, isso era ótimo — mas para um empregado que quisesse um trabalho que mudasse sua vida, era um beco sem saída.

Os críticos fustigam também o Wal-Mart por causa da atitude implacável da loja em relação aos fornecedores. Eles dizem que é difícil negociar com uma empresa que “domina” os canais de negociação. Qualquer coisa que alguém queira vender ao Wal-Mart, seja um balanço de parque ou uma peça de carne seca, terá de se conformar com os termos da loja, ou então não venderá coisa alguma.

Temos de reconhecer que há muito de verdade nisso tudo.

A enorme participação de mercado do Wal-Mart dá à empresa uma alavancagem significativa em relação à concorrência. No entanto, durante todo o tempo que negociei com a loja quando trabalhava na General Electric, por exemplo, os compradores da empresa nunca foram antiéticos ou parciais. Eles eram duros. A General Electric ganhou várias negociações com o Wal-Mart e perdeu algumas. Mas perder tem o seu lado positivo também. A GE foi obrigada a olhar para dentro de si mesma e ver de que modo poderia melhorar seu estilo de trabalho — baixando os custos de fabricação, por exemplo, ou sendo mais flexível na hora de projetar ou embalar um produto.

Por fim, os preços permaneceram baixos e o cliente saiu ganhando. É isso que move o Wal-Mart — manter o cliente satisfeito — e essa é a razão pela qual as vendas e os lucros da empresa não param de crescer.

Sim, alguns sairão “feridos” em razão do sucesso do Wal-Mart. Haverá concorrentes que abraçarão o modelo de negócios da empresa, e as demissões virão. Nisso, porém, o Wal-Mart em nada difere da Toyota no setor automotivo.

Quando a Toyota surgiu na década de 1970, foi igualmente acusada de pôr de cabeça para baixo o status quo. Com o passar do tempo, muita gente se deu conta de que a Toyota tinha simplesmente um jeito melhor de fazer negócios. A proposta de valor que ela fez ao consumidor elevou os padrões da indústria como um todo, obrigando as companhias que haviam perdido a liderança na fabricação e no design de automóveis a acordar e a reinventar seus processos. Elas começaram então a fabricar carros melhores por muito menos.

A Toyota foi um agente de mudanças e, como tal, fez muito mais pela sociedade do que qualquer empresa negligente.

Essa é também a história do Wal-Mart. Trata-se de uma grande empresa, que ajuda consumidores e empregados a ganhar e a crescer. Se continuar sempre assim, o mesmo acontecerá a ela — aliás, merecidamente.
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quarta-feira, 30 de março de 2011

PEQUENOS LARÁPIOS

Em Pindorama, as sombras tropicais abrigam incontáveis falcatruas. Somados os pequenos “ganhos” individuais, tem-se uma grande perda coletiva


O ranking da Transparência Internacional recentemente divulgado coloca o Brasil em uma pouco invejável 54ª posição. Perfiladas as nações, 53 delas são mais honestas do que nós. O índice, que mede a percepção de corrupção, é apurado anualmente. A lista traz no topo (países mais “limpos”) a Finlândia, que também apresenta o maior índice de competitividade, excelente índice de sustentabilidade ambiental e um dos maiores PIBs per capita do mundo. Os Estados Unidos são o 18º, o Chile está em 20º (o melhor da América do Sul) e a Itália em 35º (será o efeito Berlusconi?). No final da lista vêm a Rússia, em 86º, a Argentina, em 92º, e Bangladesh, em 133º (o último). Desde a criação do ranking, o Brasil ocupa o bloco intermediário, que inclui o México, a África do Sul e a República Tcheca.

A corrupção está nos pequenos e grandes assuntos de Pindorama: faz parte do cenário. Corrompemos guardas de trânsito e juízes, subtraímos pequenos e grandes valores. Jornais e revistas vez por outra registram megaesquemas, aqueles capazes de assombrar a massa inerte de leitores. Porém, esses casos constituem a ponta de um enorme iceberg. Abaixo da linha-d’água estão milhares de pequenos desvios: é a corrupção “municipalizada”, movida por pequenos larápios que se dedicam a artimanhas de variadas pretensões. Tomados em conjunto, formam o grupo “C” do princípio de Pareto, mas um “C” robusto, capaz de somar valores vultosos. Além das cifras envolvidas, os pequenos larápios criam um clima adverso para os negócios e impedem que questões sociais sejam enfrentadas. 

O roteiro é conhecido. Primeiro, o uso do carro oficial para ir ao dentista. Pouco importa se o notável tem consultório a 500 quilômetros de distância. Então aparecem pequenas “oportunidades” em licitações e a rede de interesses começa a ser articulada. Surge uma concessão de tevê e o esquema ganha corpo. A nanica imprensa local não gostou? Uma ou duas alocações de verba publicitária e presto! Tudo é resolvido. Aos poucos, o esquema vai produzindo resultados: o patrimônio cresce a taxas exponenciais e, como por encanto, abrolha uma simpática propriedade com vista para o Atlântico. Afinal, é preciso garantir o futuro da próxima geração.

Além das capitais, longe da vigilância da imprensa, os pequenos larápios reinam. Sem freios, eles forjam orçamentos, mudam leis, trocam dívidas por apartamentos, fraudam licitações e desviam repasses. No interior de Pindorama, vilarejos e até cidades de porte médio tornam-se reféns. Pequenos municípios tomados pelos pequenos larápios não avançam contra os problemas culturais e sociais. Algumas vezes, até aceleram em sentido contrário, destruindo o pouco que construíram.

Pego em flagrante, o pequeno larápio afasta-se, para “facilitar as investigações”, uma autoridade local constitui “comitê independente de investigação” e o circo programa alguns dias de espetáculo. Seguem-se declarações de efeito, bloqueios e desbloqueios de bens, golpes e contragolpes, liminares e habeas corpus, escutas e mais denúncias. Shows de grande impacto permanecem algum tempo na mídia. Shows menores são restritos aos cantos de página e saem rapidamente de cartaz. Em pouco tempo, o velho esquema volta a agir, ou um novo toma seu lugar.

Além do ranking, a Transparência Internacional também divulgou o primeiro Barômetro Global de Corrupção, uma pesquisa que envolveu dezenas de países de todos os continentes. O Barômetro mediu atitudes e expectativas sobre os níveis futuros de corrupção. Uma das perguntas-chave da pesquisa era a seguinte: se os cidadãos tivessem uma “varinha mágica”, capaz de eliminar a corrupção, onde eles mais gostariam de utilizá-la? Responderam à sensível questão mais de 30 mil pessoas de 44 países. Significativamente, os partidos políticos foram os “eleitos” em 33 dos países pesquisados. Os porcentuais foram especialmente altos na Argentina e no Japão. 

Segundo Peter Eigen, chairperson da Transparência Internacional, os cidadãos estão enviando uma mensagem clara aos líderes políticos: é preciso reconstruir a credibilidade e a confiança. É tempo de reconhecer a extensão da corrupção entre as elites políticas tanto no mundo desenvolvido como no mundo em desenvolvimento, tratar convenientemente os conflitos de interesse e reduzir a imunidade política. 
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Duas questões que atormentam as empresas


Por Jack Welch com Suzy Welch 
Exame.com.br

"Embora minha empresa pertença a um setor muito competitivo e nós tenhamos de nos mover rápida e decisivamente, notei que as pessoas raramente dizem o que pensam umas das outras -- especialmente em reuniões. É uma falação inútil e uma falsidade geral. O que podemos fazer a respeito disso?"
Leitor de uma empresa de tecnologia
O que você descreve é um dos problemas mais comuns e destrutivos nas empresas e, aliás, na sociedade -- a falta de franqueza. Em todos os lugares por onde viajamos, ouvimos falar de empresas cujo ritmo foi reduzido e que depois foram paralisadas pela tendência humana de amenizar mensagens duras, urgentes, com um tom de falsa bondade ou de falso otimismo. Essa tendência fica especialmente em evidência quando se trata de comunicar um mau desempenho. Com freqüência, os chefes não se dirigem diretamente aos que tiveram má performance para dizer como eles se saíram mal. Até que, numa explosão de frustração, eles os demitem. Isso é terrivelmente injusto com o funcionário e, muitas vezes, prejudicial à própria empresa.

Mas a falta de franqueza não permeia apenas as avaliações de desempenho. Ela atrapalha muitas conversas -- muitas delas sobre como e quando empregar os escassos recursos da companhia. Sim, esse tipo de conversa pode ser dura, sensível, politicamente carregada, complexa -- ou todas essas coisas ao mesmo tempo. Mas ela será melhor se for sincera.

Assim, o que você pode fazer? A única maneira é ter coragem suficiente para começar você mesmo a usar de franqueza, mesmo se o seu poder dentro da companhia for limitado. Quando as pessoas usarem palavras dúbias, devolva com perguntas que eliminem as bobagens e busquem os fatos. Pergunte: "O que você está tentando realmente dizer?" Ou diga: "O que eu estou entendendo do que você disse é..." e transmita a mensagem direta você mesmo, para confirmação.

É claro que introduzir sinceridade em uma empresa não é uma tarefa sem riscos. Na verdade, pode ser um choque total para o sistema. E ser o primeiro a usar a franqueza pode acabar com você -- isto é, você pode ficar marginalizado e até ser despedido. Caso você decida "tornar-se franco" mesmo assim, vá devagar e use o humor sempre que possível. Na melhor das hipóteses, sua franqueza poderá eventualmente ser recompensada trazendo franqueza de volta -- e, às vezes, a mudança é mais rápida do que você poderia imaginar. Assim que experimentam a franqueza, muitas pessoas não conseguem mais imaginar como conseguiram fazer negócios sem ela.

"Passamos a década de 80 sendo surrados pelos japoneses, mas retornamos com força na década de 90, com melhorias de processos que reduziram nossos custos. No entanto, nos últimos dois anos, estamos sendo superados em vendas pela China. Estou frustrado. Como podemos mudar essa situação?"
Funcionário de uma empresa manufatureira de porte médio

A China é uma grande oportunidade e uma enorme ameaça. Mas, no curto prazo e na sua situação em particular, devemos nos concentrar no segundo ponto, o da ameaça. Você não estará sozinho. As vantagens competitivas dos chineses -- em especial, os custos de mão-de-obra -- são espantosas, mesmo para produtores de países que anteriormente tinham mão-de-obra barata, como a Hungria e o México.

As mudanças na economia global causadas pela política ou por novas tecnologias podem desintegrar empresas e até desequilibrar setores inteiros. Isso é a realidade, e está acontecendo há muito tempo. Mas não significa que a China já venceu esse jogo. Significa que você terá de lutar mais e de maneira mais inteligente.

Como? Não há atalhos nessa situação. Para vencer agora, você tem de concentrar todas as energias na melhoria dos pilares fundamentais para o sucesso nos negócios: custo, qualidade, serviços. E você não pode apenas melhorá-los. Você precisa levá-los a seu nível máximo, certificando-se de que todos em sua empresa entendam que fazer isso é uma questão de sobrevivência.

Custos em primeiro lugar. Busque em toda parte, dentro e fora da empresa, as melhores práticas que vão melhorar radicalmente os processos e a produtividade. Sua meta não pode ser uma melhoria incremental.

Se você planeja competir em termos de preço, deve fazer com que sua equipe reduza de 30% a 40% os seus custos. Mesmo com outra vantagem competitiva, como tecnologia proprietária, seus custos têm de cair mais do nunca. E mais rapidamente também. Na questão da qualidade, você não pode mais se dar ao luxo de ter mentalidade "quebrou-consertou".

Livre-se de todo e qualquer defeito antes que ele chegue ao cliente. A qualidade dos chineses ainda não é perfeita, mas está melhorando dia após dia.

Quanto aos serviços, mais uma vez, quebre os paradigmas de seu setor ou de seu mercado com inovações. Encontre formas de ir além da satisfação de seus clientes. O que você quer é que eles o achem tão indispensável que não possam nem imaginar comprar de um concorrente seu. Seu "inimigo" neste momento pode parecer a China, mas, em última análise, o inimigo de qualquer empresa hoje é a letargia. No mercado global, você não pode apenas reproduzir as mesmas coisas antigas, da mesma forma de sempre.

Vencer tem a ver com custos, qualidade ou serviços diferenciados. Com suas enormes vantagens competitivas, a China é, definitivamente, um jogador que está mudando o jogo, mas as antigas alavancas ainda funcionam. Você só tem de empurrá-las com mais força do que nunca. 
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terça-feira, 29 de março de 2011

Suprema incerteza


MIRIAM LEITÃO
O GLOBO

A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Ficha Limpa conseguiu a proeza de tornar incertos o passado e o futuro. Por demorar tanto a decidir, na incapacidade do presidente do STF de exercer suas prerrogativas, a decisão vai refazer em parte o resultado da eleição de 2010. Por não decidir sobre outros aspectos da lei, estende a insegurança jurídica para 2012 e além.
O presidente Cezar Peluso poderia ter decidido, quando houve o impasse no ano passado. Havia dois caminhos. Um seria usar o voto de minerva. Mas ele argumentou que isso o faria mais poderoso que os outros. Se usasse esse poder, o resultado seria o mesmo de agora, ou seja, a lei não valeria para 2010, mas a vantagem teria sido esclarecer a situação antes da eleição, e o pleito não teria ocorrido em ambiente de insegurança jurídica. Outro caminho seria olhar o regimento do Supremo que diz que em caso de empate, vale a lei contestada.
Por não ter usado nem as prerrogativas do presidente, nem recorrido ao regimento, o STF levou o país à estranha situação de rever o passado. Cálculos de quociente eleitoral terão que ser refeitos; políticos que assumiram e votaram nas matérias da pauta serão considerados não eleitos, exerceram mandatos que não tinham. Isso porque o Judiciário lavou as mãos diante da demora do Executivo na nomeação do décimo primeiro ministro, aquele que já entrou com superpoderes, porque dependia apenas dele uma decisão que afeta milhões de votos. O voto do ministro Luiz Fux foi decepcionante não por ir contra a opinião pública, mas pela fraqueza técnica de seus argumentos. Ele admitiu que se "sentiu tentado a votar a favor." Assim decide o novo ministro: no jogo das suas tentações.
A frustração do eleitor com a decisão do Supremo é maior pelo tamanho do percurso feito pela Lei da Ficha Limpa. Foi uma mobilização popular com método e propósito, que colheu 1,6 milhão de assinaturas, que seguiu a tramitação no Congresso.
O cidadão que se mobilizou, superou cada etapa do processo legal, que se emocionou com cada vitória, está diante de uma desconcertante derrota. É certo que o Supremo tem que ter a coragem de se opor a uma lei, mesmo popular, se ela ferir o Direito. Mas a questão é: será que fere? Se fosse tão líquido e certo o Supremo não teria se dividido. Os argumentos do TSE e dos que votaram pela lei são fortes: a lei foi sancionada antes das convenções, portanto não revogou direitos; candidatos que desfilam pelo Código Penal com suas biografias ferem o princípio da moralidade pública; a inelegibilidade não é uma pena, é um estado.
A lei propõe barrar a candidatura de quem foi condenado em segunda instância, porque o julgamento de uma única cabeça, a decisão de um juiz, tem mais risco de ser falha. Numa decisão colegiada, a condenação passa por escrutínio de vários juízes. É uma confirmação, portanto, e assim trabalha a Justiça: para que o colegiado corrija eventuais erros de julgamento da decisão de um único juiz. A lei pega quem praticou crimes dolosos, onde há intenção, e para quem foi condenado acima de dois anos por tráfico de entorpecentes, crimes contra a vida, a economia popular, o meio ambiente, os condenados por abusos de poder econômico, por corrupção eleitoral, por improbidade administrativa. Mas apenas crimes com penas acima de dois anos, e sentenças confirmadas em segunda instância. Não é para pequenos casos, onde há controvérsias sobre a culpa, ou o peso do crime cometido.
Mas a maioria decidiu que fere o princípio da anterioridade. Assim, muda-se o passado, mas salva-se o futuro. Outra vã esperança. Hoje, a insegurança continua, segundo informa o ministro Ricardo Lewandovsky. Não se sabe em que contexto legal se votará em 2012. Questões e questiúnculas levadas por réus à Corte podem fatiar a lei e torná-la cada vez mais fraca. A falha do Supremo mantém a dúvida em vigor.
O princípio da presunção da inocência tem que ser entendido em sua essência. Até que ponto vai o princípio? Fernandinho Beira-Mar pode ser eleito? O jornalista Pimenta Neves, assassino confesso, julgado por duas instâncias, aguardando recursos ao Supremo, além de permanecer livre enquanto durarem as artimanhas de seu advogado, é elegível? Do que estão falando os magistrados superiores que defendem aos estertores a presunção da inocência? Será que ignoram que advogados bem pagos sabem sempre como encontrar uma vírgula na qual prolongar os processos da labiríntica Justiça brasileira?
O ministro Cezar Peluso usou um argumento revelador de oceânico despreparo: "Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes da vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram. Nunca foi editada uma lei para punir fatos praticados antes de sua vigência." Esse raciocínio é tão raso e torto que constrange. Ora, o que foram as cassações da primeira hora da ditadura de 1964 senão a punição ao que foi praticado antes da vigência da ordem ditatorial e com base em leis baixadas para punir atos anteriores? E que nem eram crimes. É de se esperar que um ministro da corte constitucional não legitime atos de um regime fundado sobre a suspensão das garantias constitucionais. Por favor, ministro, não revogue nossa memória e inteligência. Esclareça que crimes cometeram - antes ou durante a ditadura - os ministros do Supremo Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal, cassados em 1969, pelo Ato Institucional número 6. Ministros a cuja memória, biografias e conhecimento jurídico Peluso deve, ao menos, respeito. 
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Cenários para o bicentenário

MERVAL PEREIRA
O GLOBO

Em 2022 o Brasil fará 200 anos como nação independente, e a data já se transformou em referência para se pensar estrategicamente o futuro do país. É com essa visão que os economistas Fábio Giambiagi, do BNDES, e Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, organizaram o livro "2022: propostas para um Brasil melhor no ano do bicentenário" (Elsevier/Campus), que será lançado dia 31 no Rio e dia 4 de abril em São Paulo.
O livro reúne reflexões de 31 expoentes do pensamento nacional sobre a evolução recente e a situação atual do país, e apresenta propostas concretas para que o Brasil chegue em 2022 a um estágio superior de desenvolvimento.
O Brasil que elegeu em 2010 a primeira presidente mulher de sua História está entrando em seu 26º ano de democracia, o mais longo período consecutivo na História política do país, o suficiente para que mudanças se cristalizem e passem a fazer parte da História.
É um espaço de tempo suficiente também para implantar mudanças estruturais em um país, dentro de um processo permanente de avanços que estamos vivendo, apesar de alguns retrocessos.
Dos avanços conquistados, o livro destaca a consolidação da democracia, progressos sociais inquestionáveis e a transformação econômica e institucional digna de país maduro.
Outros pontos relevantes são a estabilização, o fim da hiperinflação da economia, alcance de capacidade para se financiar mediante a entrada de investimentos, redução do endividamento externo líquido e obtenção da confiança dos investidores estrangeiros.
Apesar das vitórias, os organizadores do livro alertam, à moda dos bancos de investimento, que os ganhos passados não são garantia de repetição da performance no futuro.
Ambos classificam as carências e desafios que o país tem pela frente de "maiúsculos": baixos níveis de investimento, taxa de inflação ainda elevada para parâmetros internacionais, escassez de poupança interna, deficiências graves de infraestrutura e nos sistemas logísticos, baixa capacidade de inovação, restrições à competitividade sistêmica (burocracia, legislação, carga tributária, brechas regulatórias) e má qualidade do gasto público. Além disso, consideram "preocupante" a situação de degradação do meio ambiente e, ainda mais grave, os níveis flagrantemente insatisfatórios dos indicadores educacionais e baixo nível de capacitação da população, assim como a proporção "ainda inaceitavelmente elevada" de pessoas pobres e extremamente pobres (1/5 da população é composta por pobres, e 1/10, por extremamente pobres).
Para Porto, cuja consultoria tem especial apreço por análises de cenários futuros, o livro é uma contribuição para a reflexão prospectiva de longo prazo, que se mostra ainda escassa no Brasil. "Temos uma cultura imediatista e há ênfase excessiva no curto prazo", comenta.
Com este pano de fundo, Porto, Giambiagi e Andréa Belfort descrevem diferentes cenários que o Brasil pode vir a percorrer nos próximos 11 anos.
Para o estudo foram montados quatro cenários, sempre levando em conta a presença do Estado na economia, pois consideram que é certo, ou quase, que, no horizonte dos próximos dez anos, o Estado continuará a ter peso econômico relevante na economia nacional.
No primeiro cenário, denominado "De volta aos anos 70", o Brasil faz ajustes na economia tendo como pilar a presença ativa do Estado na economia, em face de um cenário externo desfavorável, com riscos de ciclos de crise econômica e recrudescimento do protecionismo. O país mantém uma trajetória de crescimento razoável ? entre 3% e 4%.
Outra possibilidade é o cenário "Capitalismo chinês à brasileira", no qual a economia global oferece amplas possibilidades para países emergentes mais bem posicionados. O cenário mostra o Brasil com forte inserção econômica global, mas também presença ampla do Estado na economia. A trajetória de crescimento sustentado se mantém entre 4 e 5%.
O terceiro cenário, "Um choque ortodoxo de capitalismo", do ponto de visa político parece pouco provável, mas pode ocorrer na medida que o equilíbrio fiscal tornar-se muito ameaçado e houver reação dos agentes econômicos e políticos no sentido de um ajuste competitivo. Neste cenário, o Brasil faz fortes ajustes no seu modelo econômico, mantendo presença seletiva do Estado na economia, para garantir ampla inserção econômica global. O país segue uma trajetória de crescimento entre 4,5% e 5,5%.
O último cenário, "Um novo recolhimento", é o menos provável e antecipa uma trajetória de dificuldades crescentes no mundo que obrigam o Brasil a fazer fortes ajustes no seu modelo econômico. O Estado passa a ter presença moderada na economia, e o país tem uma inserção econômica global limitada. A trajetória de crescimento positivo gira entre 2% e 3%.
Também a economista Monica de Bolle, autora de outro capítulo do livro, indica a possibilidade de caminhos distintos para o país no ano do Bicentenário da Independência. Analisando o cenário mundial e seus impactos para o Brasil em 2022, afirma que é possível vislumbrar tanto um cenário "otimista", marcado por um esforço de ajuste, com o setor público reduzindo os gastos correntes como proporção do PIB, quanto um "sombrio", com o retorno do intervencionismo estatal e expansão do crédito público.
Para ela, há uma possível bifurcação da economia brasileira diante dos desafios impostos pelo quadro global: "Cabe ao governo decidir se quer continuar a aprofundar as reformas institucionais e macroeconômicas dos últimos 15 anos, que construíram as bases da prosperidade recente, ou retornar às velhas políticas intervencionistas, cujos resultados costumam ser, na melhor das hipóteses, ruins, e na pior, desastrosos", diz ela.
Para que o Brasil siga a trajetória dos melhores cenários até 2022, Porto e Giambiagi propuseram algumas metas para que o país aproveite a janela de oportunidades que anteveem:
- Meta de crescimento médio: 4,5 % a.a.;
- Inflação em 2022: 3% (previsão 2011: 5%);
- Taxa de investimento em 2022: 24% do PIB (previsão 2011: 19%);
- Poupança doméstica em 2022: 22-23% do PIB (previsão 2011: 16%);
- Proporção de pobres em 2022: 5% (previsão 2011: 20%);
- Proporção de extremamente pobres em 2002: 0% (previsão 2011: 7%).
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PEQUENAS TRAPAÇAS


Pesquisador revela que os estudantes dos MBAs dos EUA são os campeões das falcatruas escolares. Enquanto isso, em Pindorama...

A notícia correu pela imprensa de negócios anglo-saxônica e aportou nas páginas locais do jornal Valor Econômico. “Estudantes de MBA são os maiores trapaceiros”, bradava a manchete importada do Financial Times. A matéria foi baseada em estudo conduzido por Donald McCabe, um professor da Rutgers University. Há anos fascinado pela questão da ética nos negócios (coisa que os mais cínicos duvidam que exista), ele realizou uma pesquisa junto a 5.300 estudantes de pós-graduação de 54 instituições de ensino superior nos Estados Unidos e Canadá, incluindo mais de 600 alunos de escolas de negócios. Foco central: as pequenas trapaças que movimentam o cotidiano escolar – plágio, compra de trabalhos, cola e outros ardis. Resultado: os “vencedores” foram os estudantes dos MBAs – 56% deles admitiram trapacear. Mas eles não ficaram sozinhos no pódio. Logo abaixo vieram os estudantes de Engenharia (54%) e os de Ciências (50%). Os mais honestos, segundo a mesma pesquisa, são os cientistas sociais (39%). Para piorar o quadro, suspeita-se que os números reais sejam maiores e provavelmente ainda mais críticos em cursos de graduação. Questão óbvia: serão as pequenas trapaças ensaios para a “flexibilidade moral” que movimenta grandes negociatas? Talvez.

McCabe declarou-se surpreso não somente com os altos índices encontrados, mas também com a candura com que os estudantes admitiram seus feitos. O pesquisador acredita que a maior razão para um estudante trapacear é a percepção de que seus colegas são desonestos. Em um ambiente hipercompetitivo, característico das instituições de ensino superior norte-americanos, no qual o desempenho acadêmico pode definir os rumos da carreira, ninguém quer ficar para trás. 

Solução à vista? McCabe acredita que as escolas precisam implantar códigos de ética mais rígidos, que balizem os comportamentos. Ocorre que as próprias escolas não são exemplos de candura. Matéria recente do semanário The Economist comenta práticas nada edificantes de algumas das mais renomadas instituições de ensino norte-americanas. De olho no prestígio e em doações, elas atraem celebridades e disputam filhos de bilionários. Sem tais expedientes, insinua o semanário britânico, alunos de nível “C”, tais como George W. Bush e John Kerry, não freqüentariam as escolas de elite.

Se o manto da meritocracia, traço forte da cultura norte-americana, revela fissuras preocupantes, qual seria a situação na “flexível” Pindorama? Lívia Barbosa, autora do clássico O Jeitinho Brasileiro (Editora Campus), acredita que a “cola” é uma peça estrutural da vida acadêmica brasileira. Entre nós, nem os alunos nem os professores a consideram falta grave. Enquanto nos Estados Unidos os artifícios são usados individualmente, em razão da acirrada competição, aqui a atividade é solidária, prova de coesão e amizade entre os estudantes. Para a antropóloga da Universidade Federal Fluminense, os alunos brasileiros colam e compram trabalhos prontos (alimentando uma verdadeira indústria paralela) porque é mais “econômico”. Estudar, raciocinam os matreiros, rouba tempo precioso de lazer. E, já que não há punição ou sentimento de culpa, a relação custo-benefício torna-se imbatível. Lívia considera que o fato é especialmente preocupante nas universidades e escolas públicas, nas quais os estudantes são custeados pela sociedade, porém, não se dão conta do privilégio e não agem à altura.

As idiossincrasias não param por aí. Muitos profissionais procuram MBAs e similares como quem recorre a uma cirurgia plástica, e se põem a pagar em prestações a “reforma” de seu desprezado diploma de graduação. Fixam-se no certificado como objetivo final e perdem oportunidades de troca de experiências e de aprendizagem. Preferem os atalhos rápidos ao estudo sério.

Entretanto, deve-se reconhecer que os estudantes não são os únicos desviantes. Freqüentemente, se estabelece um pacto tripartite de mediocridade: de um lado, entram os alunos, com notória inventividade para ações fraudulentas; de outro, apresenta-se um seleto grupo de mestres, acometidos por moléstias professorais típicas que os levam a cozinhar aulas, enrolar conteúdos ou torturar suas vítimas com demandas incompatíveis; fechando o delirante acordo, comparece a gestão das escolas, que, com assombrosa freqüência, tem pouco interesse em contrariar professores ou alunos e exime-se de suas responsabilidades. O resultado é a perpetuação do que se vê nas salas de aula: uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem. Quem paga a conta? Todos nós. 

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Algo se move, mas o que é?

Clóvis Rossi
 FOLHA DE S. PAULO

Lisa Anderson, presidente da Universidade Americana no Cairo, aponta, em texto para o Instituto Carnegie para a Paz Mundial, três características comuns às rebeliões que acontecem no mundo árabe: espontaneidade, uma juventude economicamente frustrada e uma gerontocracia no poder.

As duas primeiras características estão também presentes em Portugal, no movimento autobatizado de "geração à rasca" (em apuros), o que parece indicar um ambiente de mal-estar mais disseminado.

"Geração à rasca" significa precisamente uma juventude economicamente frustrada. Conseguiu convocar, em movimento espontâneo, via Facebook e Twitter, cerca de 300 mil pessoas para uma manifestação no centro de Lisboa, faz duas semanas.

A agenda é semelhante à dos jovens árabes, com uma diferença -fundamental, de resto: não precisam pedir liberdade porque Portugal desfruta de toda a liberdade que a democracia é capaz de oferecer.

Que os jovens árabes se levantem contra a tirania é fácil de entender. Movimentos libertários, bem ou mal sucedidos, fazem parte da história. Que jovens portugueses também o façam, à margem dos canais tradicionais, é menos frequente e parece indicar algo mais profundo.

A espontaneidade desses movimentos mais a sua agenda central sugerem o entupimento dos canais tradicionais de mediação entre a sociedade e o Estado (partidos políticos, sindicatos e mesmo as ONGs, de surgimento mais recente).

Não é uma situação inédita. O movimento batizado de antiglobalização, relativamente antigo, já refletia a carência da política. A novidade agora é que também esse movimento está sendo marginalizado.

Oded Grajew, o idealizador do Fórum Social Mundial (FSM), uma espécie de coalizão das ONGs e movimentos sociais ditos antiglobalização, tem toda a razão em se queixar de que os jornalistas não damos a devida atenção ao FSM e seus desdobramentos.

Mas acho que se engana ao puxar para o guarda-chuva de sua criatura a origem das revoluções árabes.

Vale idêntica observação para o caso de Portugal, de que Oded nem tratou no seu artigo de ontem para a Folha, certamente porque o noticiário a respeito foi zero no Brasil.

O FSM tem um viés anticapitalista. Os jovens rebeldes pedem sua parte no bolo capitalista. Grupos anarquistas aproveitam eventos antiglobalização para quebrar vidros dos McDonald"s da vida. Os jovens árabes não queimaram uma só bandeira dos Estados Unidos, pela primeira vez na história de movimentos de massa na região.

O que há, nas ruas do Oriente Médio e de Lisboa, é uma massa ainda indecifrável.

Pelo menos em Portugal, "foi o grito de uma geração apolítica, que ignora os dirigentes do país, que pouco participa nas grandes pugnas eleitorais, que na maior parte dos casos nunca tinha postos os pés numa manifestação e que, em matéria de grandes ajuntamentos, frequenta quase exclusivamente os dos festivais de música de verão", escreve Nicolau Santos, diretor-adjunto do semanário "Expresso", melhor publicação portuguesa.

Posso estar completamente equivocado, mas tenho a sensação de que Nicolau está descrevendo uma fatia substancial da juventude não só de Portugal, mas de toda a Europa e do Oriente Médio e, por que não?, também do Brasil.
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Dois dilemas e uma só resposta: diga adeus ao passado


Por Jack Welch com Suzy Welch 
Exame.com.br

1 Trabalho numa empresa pequena que foi recentemente comprada por uma companhia internacional. Na tentativa de nos tornar parecidos com eles, os novos donos estão destruindo justamente o que viram de bom em nossa empresa. Não consigo aceitar isso e estou pensando em pedir a conta. Devo?
Pergunta feita por um executivo de Nova York

O jeito como você fala diz tudo: "novos donos", "nossa empresa". Esse tipo de pensamento sempre foi o grande fantasma de qualquer fusão ou aquisição. Você é daqueles que resistem -- e, se não mudar de atitude, acabará fora mesmo, de um jeito ou de outro. É fato que qualquer aquisição é difícil e envolve certo sentimento de morte -- mesmo nos casos de "fusão entre iguais". As relações de trabalho se rompem. O que havíamos conquistado cai no esquecimento. O futuro parece incerto. Mas é preciso encarar a realidade. No momento em que uma empresa faz uma aquisição, os compradores se sentem nas nuvens. Eles transbordam otimismo e começam a sonhar com novas oportunidades. Uma delas é a possibilidade de encontrar profissionais de primeira linha na empresa adquirida. A parte compradora costuma pensar da seguinte forma: "Agora, com esse novo grupo de funcionários, teremos mais opções".

No momento em que os novos donos começam a identificar os melhores profissionais em cada equipe, duas coisas lhes vêm à mente: talento e dedicação. Mas que ninguém se engane -- eles querem encontrar essas duas características num mesmo indivíduo. Talento só não basta. Se há uma coisa que aprendemos com a prática e a observação de centenas de fusões e aquisições é que as empresas sempre preservam e promovem profissionais dispostos a cooperar em prejuízo daqueles que resistem às mudanças, ainda que sejam muito capazes. Ninguém vai querer por perto alguém choramingando e se lamentando pelos bons tempos de antigamente. Para os líderes da empresa compradora, quem não é a favor da aquisição é contra. Por isso, o melhor a fazer é dar adeus ao passado. Acabou. Aprenda a gostar da nova chefia, adote os valores e as práticas da nova organização e abrace o futuro. Mas, se nada disso for possível, peça a conta. Se continuar a resistir, jamais conseguirá o que deseja. Os velhos tempos não voltam. Quem insiste em sonhar com eles compromete o próprio futuro.

2 O que é melhor: trabalhar para um chefe ruim numa empresa boa ou para um chefe bom numa empresa ruim?

Essa é uma das perguntas que ouvimos com mais freqüência. A resposta é muito simples: se você tiver de optar por um dos dois, que seja, por favor, pela empresa boa. Por quê? Porque, se sua empresa for realmente boa, um dia o chefe ruim será identificado e demitido, ainda que isso leve tempo. Nesse caso, você poderá até ser recompensado com uma promoção por ter apresentado bons resultados, apesar de todo o sofrimento. Afinal, todo mundo sabe o que significa trabalhar sob as ordens de um sujeito mal-humorado, mesquinho ou mesmo incompetente. E, ainda que você não seja promovido, seu tormento não terá sido em vão. Você poderá ganhar um chefe melhor -- ou buscar outras oportunidades dentro da organização. Lembre-se: toda experiência passada numa boa empresa, trabalhando ao lado de pessoas inteligentes, terá valido a pena. Além disso, a reputação da companhia será uma credencial excelente para sua carreira no futuro.

Pense agora na outra possibilidade. Não há dúvidas de que ter um bom chefe é uma das melhores experiências da vida. Os bons chefes transformam o trabalho em prazer, fazem com que seja uma experiência significativa. Contudo, a dinâmica que anima o binômio chefe bom/empresa ruim não passa de fogo de palha. Todos os chefes acabam indo embora algum dia -- porque são promovidos, dispensados ou decidiram sair em busca de outras oportunidades. Algum dia o chefe bom para quem você trabalha também partirá. Na verdade, os bons chefes de empresas ruins são especialmente vulneráveis a mudanças porque são dotados de um estresse adicional que os leva a proteger seu pessoal do impacto decorrente de problemas mais graves da companhia. É um fardo que pode desgastá-los ou convertê-los em párias políticos. Seja como for, com o tempo eles irão embora.

Em outras palavras, aquela sensação boa que você sente ao trabalhar para um chefe bom numa empresa ruim é temporária. Seu chefe partirá um dia, mas a empresa deficiente continuará a mesma. É um beco sem saída. Não será fácil conseguir um novo emprego depois de ter trabalhado numa empresa de reputação medíocre. É como se você tivesse se tornado um profissional indesejável. No curto prazo, trabalhar para um chefe ruim -- mesmo que seja em uma empresa boa -- pode ser um verdadeiro inferno. No longo prazo, porém, depois que o chefe se for, você tem pelo menos a oportunidade de crescer profissionalmente.

É claro que trabalhar para um bom chefe pode ser uma experiência muito boa no curto prazo, mesmo que a empresa esteja ruindo à sua volta. No longo prazo, porém, essas boas vibrações acabam retornando sob a forma de prejuízo. Seu chefe se foi, e tudo que restou a você foi uma credencial ordinária e boas lembranças.

Faça um favor à sua carreira antes que seja tarde demais: pegue suas lembranças e leve-as para outro lugar.
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segunda-feira, 28 de março de 2011

As mudanças na aviação civil


O Estado de S.Paulo

A criação da Secretaria de Aviação Civil (SAC), vinculada à Presidência da República e que será responsável pelas mudanças no sistema aeroportuário brasileiro e na aviação civil em geral, constitui o primeiro passo da nova política para o setor anunciada pela presidente Dilma Rousseff em recente entrevista à imprensa e que, segundo ela, inclui a participação da iniciativa privada, por meio de concessões dos serviços existentes e investimentos em novos aeroportos.

"Estamos nos preparando para ter uma forte intervenção nos aeroportos", disse a presidente, em entrevista ao jornal Valor publicada na quinta-feira passada. "Vamos articular a expansão de aeroportos com recursos públicos e fazer concessões ao setor privado. Não temos preconceito contra nenhuma forma de expansão do investimento nessa área, como não tivemos nas rodovias", afirmou.

Criada por medida provisória (MP) publicada em edição extra do Diário Oficial da União da semana passada, a Secretaria de Aviação Civil assumirá as funções no campo da aviação civil que eram de responsabilidade do Ministério da Defesa. Assim, passam a se vincular à nova Secretaria, que tem status de Ministério, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o órgão regulador do setor, e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), responsável pela operação de 67 aeroportos no País, inclusive os de maior movimento.

Entre as atribuições da SAC definidas pela MP está a de "elaborar e aprovar os planos de outorgas para exploração da infraestrutura aeroportuária". Ela também poderá transferir para Estados, Distrito Federal e municípios "a implantação, administração, operação, manutenção e exploração" de aeroportos. A MP estabelece que a Secretaria terá 129 cargos, cria 100 vagas efetivas de controladores de tráfego aéreo e permite prorrogar, até 2016, os contratos de 160 controladores temporários que iriam ser demitidos.

Chegou a ser anunciada a escolha do ex-presidente do Banco do Brasil Rossano Maranhão, atualmente na direção de um banco privado, para chefiar a SAC - e a presidente não desmentiu a informação, admitindo, na entrevista citada, que "nós o consideramos um excepcional executivo" -, mas a indicação não foi confirmada. Mesmo sem ter decidido quem vai chefiá-la, o governo enviou ao Congresso a medida provisória criando a SAC. Agiu, nesse caso, com a presteza que a gravidade do problema impunha.

As diversas crises no transporte aéreo - que têm sacrificado os passageiros nos últimos anos - às quais a Anac reagiu com atraso, e a lentidão na execução do plano de expansão e melhoria do sistema aeroportuário, de responsabilidade da Infraero, tornaram indispensável, e urgente, a mudança nas formas de gestão do setor. O rápido crescimento da demanda por transporte aéreo, que deve continuar e terá alguns momentos de picos no período de realização de grandes eventos internacionais no País, agravou o problema.

O sistema aeroportuário hoje sofre as consequências da incompetência com que o governo Lula administrou os programas de investimentos, apenas parcialmente executados. De R$ 6,7 bilhões que a Infraero dispôs para investir entre 2003 e 2010, só R$ 2,65 bilhões, ou menos de 40%, foram investidos. Por isso, a infraestrutura do setor não acompanhou o crescimento do mercado, daí resultando falta de capacidade operacional dos aeroportos e aglomerações nas áreas de passageiros.

As obras que fazem parte da progamação para a Copa do Mundo de 2014 registram grande atraso. Dos investimentos de quase R$ 5,6 bilhões programados para aeroportos das 12 cidades que abrigarão os jogos da Copa, somente R$ 302 milhões foram contratados e, desse valor, só R$ 132 milhões, ou 2,4% do investimento total programado, foram de fato aplicados.

Para justificar o baixíssimo índice de investimentos até agora, o governo tem dito que haverá grande concentração de obras aeroportuárias em 2012 e 2013. O que a história recente mostra é que, mesmo sem concentração de investimentos, a Infraero não conseguiu realizar o que precisava. Espera-se que, com as mudanças, consiga fazer bem mais. 
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Mercosul - 20 anos que transformaram o cone Sul



Héctor Timerman, Antonio Patriota, Jorge Lara Castro e Luis Almagro
 O Estado de S.Paulo

Há exatos 20 anos, em 26 de março de 1991, a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai assinavam o Tratado de Assunção, instrumento fundador do Mercosul.

A criação do Mercosul acompanhou a tendência de formação de blocos regionais que caracterizava o cenário internacional no início da década de 1990. Constituiu parte importante de uma resposta ao desafio de encontrar novas formas de inserção de nossas economias no mundo.

Mas o projeto consagrado no Tratado de Assunção vai, desde a origem, além da dimensão econômico-comercial - em si mesma muito relevante. Nossos países viviam, em 1991, um duplo reencontro: com a democracia e com sua própria vizinhança. O Mercosul é também a expressão desse reencontro. É a demonstração da capacidade conjunta dos quatro países de sobrepor a diferenças do passado uma agenda compartilhada de valores e interesses comuns.

Nos 20 anos transcorridos desde a fundação do Mercosul, as relações entre nossos países se transformaram profundamente. Consolidamos relações de confiança mútua, aprofundamos nossos canais de diálogo político e estreitamos nossos laços de cooperação em diferentes domínios. No plano econômico, os avanços são particularmente eloquentes. Em 1991, nosso comércio somava US$ 4,5 bilhões. Em 2010, o volume das trocas multiplicou-se por dez, alcançando US$ 45 bilhões. Avançamos em temas sensíveis como a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC), o Código Aduaneiro e disciplinas comerciais comuns, cujo acordo parecia distante em outros momentos, o que nos estimula a encarar com grande confiança novos desafios, como a integração produtiva, a integração energética, o livre trânsito, a superação das assimetrias e a evolução permanente da institucionalidade.

Esse dinamismo e o crescente entrelaçamento das economias do bloco nos tornaram mais fortes, como demonstrou a nossa capacidade de reagir à crise econômica internacional desencadeada em 2008. No ano passado, os países do Mercosul cresceram, em média, mais de 8%.

Em duas décadas, caminhamos para um sistema em que os países do Sul ganham maior relevância. E reforça-se, com isso, a importância do Mercosul como instrumento para a construção de um futuro de crescente prosperidade para nossa região.

Assim como em 1991, precisamos repensar, hoje, nosso lugar no novo contexto internacional. Temos todas as condições de enfrentar esse desafio com otimismo. O Mercosul - como o conjunto da América do Sul - é um espaço de paz e democracia. É uma potência energética em expansão e corresponde ao território agrícola mais produtivo do mundo. Encerra um mercado consumidor significativamente ampliado por políticas consistentes de inclusão social. Atrai o interesse crescente de parceiros extrarregionais, como demonstra a participação na Cúpula de Foz do Iguaçu, em dezembro de 2010, de altos representantes de parceiros geograficamente distantes como Austrália, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Palestina, Síria e Nova Zelândia.

Diversas iniciativas que estão sendo tomadas no bloco têm servido ao imperativo de implementar a agenda cidadã priorizada por nossos países. Estamos determinados a caminhar para um verdadeiro estatuto da cidadania do Mercosul, que consolide e dê visibilidade às mudanças graduais, porém profundas, que já vêm ocorrendo na vida de muitos dos nossos cidadãos.

Turistas que viajam pela América do Sul sem o passaporte, pessoas que obtêm com facilidade residência permanente em outro país do Mercosul, pessoas que vivem no outro lado da fronteira e unificam o tempo de trabalho para aposentadoria, estudantes e docentes que transitam entre escolas e universidades dos quatro países: para esses já é sensível a diferença que faz o Mercosul.

Trata-se de progressos com grandes consequências. Quando as sociedades se apoderam de uma ideia - a ideia da integração -, ela ganha vida própria, transcende a vontade de um ou outro governo e se torna irreversível.

Dessa forma, ao completar 20 anos, nosso processo de integração alcança um patamar mais elevado de maturidade.

Exemplo contundente dessa maturidade é o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), que tem hoje quase US$ 1 bilhão, voltado para reduzir diferenças de desenvolvimento entre os sócios. Os recursos do Focem estão construindo estradas, linhas de transmissão e redes de saneamento básico. Estão reformando escolas e construindo moradias. Ajudarão pequenas e médias empresas a aproveitar as oportunidades trazidas pela integração. Contribuirão para reduzir assimetrias que, no limite, nos enfraquecem a todos.

O Mercosul trouxe uma nova visão de nossos países a respeito de si mesmos e de sua inserção no mundo. Já podemos falar de uma "geração Mercosul", que sabe que o desenvolvimento de cada sócio é indissociável do desenvolvimento dos demais. Quer pela troca contínua de experiências, quer pela definição de políticas de alcance regional, o Mercosul tem servido para tecer uma teia de solidariedade envolvendo diversos âmbitos de nossas sociedades.

Devemos seguir aperfeiçoando o Mercosul, a partir da compreensão daquilo que ele tem de singular. Aproveitemos a data, portanto, para refletir a respeito do sólido patrimônio acumulado ao longo desse processo. Patrimônio sobre o qual cabe continuar trabalhando, em nome de sociedades cada vez mais democráticas, prósperas e justas.


RESPECTIVAMENTE, MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA ARGENTINA, DO BRASIL, DO PARAGUAI E DO URUGUAI 

OVELHAS NEW AGE



As mudanças da última década transformaram as empresas em palcos de tensões e conflitos. Para manter o controle emergiu uma estranha forma de espiritualismo

Há pouco mais de dez anos, a revista norte-americana BusinessWeek anunciava em matéria de capa a emergência da corporação virtual: o novo “espécime” teria estrutura enxuta, poucos ativos e seria capaz de mobilizar-se rapidamente para aproveitar oportunidades de mercado. Uma década – e várias bolhas estouradas -– depois, muitas predições se concretizaram. Privatizações, fusões, aquisições, spin outs, terceirizações e reestruturações mudaram a paisagem corporativa. É temerário afirmar que a corporação virtual tenha se transformado em modelo dominante, mas algo similar de fato surgiu. As empresas tornaram-se híbridos de difícil definição. As marcas ficaram mais fortes, a dar ao consumidor a sensação de identidade. Por trás, entretanto, convivem estruturas variadas, a misturar tribos de diferentes origens e costumes.

A empresa do século XXI tem no centro uma trupe de privilegiados, com direito a trabalho regular, salários e benefícios. Em troca, esses bem-afortunados cumprem jornadas de 60 horas semanais e cultivam úlceras. À sua volta gravita uma periferia sujeita ao mau tempo, a lutar, dia após dia, pela própria sobrevivência. São centenas, ou milhares, de funcionários de baixa qualificação, profissionais de tempo parcial, subcontratados, autônomos e estagiários.

Tome-se uma grande empresa, brasileira ou estrangeira. Se o caso não for exceção, ela terá passado, nos últimos dez anos, por meia dúzia de fusões e aquisições, uma dezena de reestruturações, três ou quatro grandes processos de enxugamento e incontáveis mudanças de rumo. De tanta reinação terá resultado um animal instável e nervoso, sujeito a distúrbios maníaco-depressivos. Por fora, as generosas verbas publicitárias tentam garantir a boa imagem; por dentro, vicejam tensões e conflitos.

O que mantém unidos esses estranhos exércitos de Brancaleone? Primeiro, a necessidade de sobreviver. Por mais estranhas e instáveis que tais configurações pareçam ser, são mais aptas à luta na selva globalizada que suas antepassadas. Segundo, a psicodinâmica dos sistemas de baixa mobilidade: quem está no topo luta ferozmente para manter as vantagens conquistadas, quem está a caminho (ou acha que está a caminho) se sacrifica para chegar lá, e quem está fora vive em crônico conformismo ou nutre improvável sonho de redenção. Mas o terceiro fator a prover argamassa para tais sistemas talvez seja o mais curioso e interessante: a emergência, no mundo corporativo, de uma estranha forma de espiritualismo.

Em um artigo recentemente publicado na RAE-revista de administração de empresas (à qual este colunista serve como editor), Emma Bell, da Warwick Business School, e Scott Taylor, da Birmingham Business School, analisam a “onda new age” no trabalho. O ponto de partida dos pesquisadores foi a constatação do crescente número de palestras e workshops que declaram ter objetivos espirituais e garantem ser capazes de livrar os gestores de medos e barreiras que os impedem de “ser felizes e tornar suas empresas mais lucrativas”.

A onda do espiritualismo no trabalho é mais um pastiche da Era do Espetáculo, a misturar psicologia de revista feminina e orientalismo de fim de semana. Pressuposto: funcionários espiritualmente satisfeitos são mais eficientes. Conclusão: as empresas que conseguirem conquistar as mentes, os corações e as emoções dos funcionários serão mais lucrativas. Emma e Taylor argumentam que o fenômeno alinha-se ao que Michel Foucault chamou de poder pastoral, uma das estruturas disciplinares da vida e do trabalho modernos. O pensador francês cunhou o termo a partir da metáfora de origem cristã, segundo a qual o pastor cuida do rebanho exercendo controle sobre cada indivíduo e garantindo a sua “salvação” pelo conhecimento (e controle) de seus pensamentos mais íntimos.

As manifestações do poder pastoral podem ser vistas não apenas em seminários e workshops, mas também nas declarações de missões, nos discursos messiânicos de alguns líderes empresariais, em práticas organizacionais e em processos sutis de cooptação dos funcionários e de suas famílias. Em um mundo onde faltam sentido e coerência, os artefatos corporativos procuram preencher as lacunas, fornecendo um senso de direção e propósito. Qualquer semelhança com técnicas de lavagem cerebral pode ser mais que mera coincidência. 
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Solidão crônica


DRAUZIO VARELLA
FOLHA DE SÃO PAULO 

 A solidão crônica interfere na qualidade do sono, causa fadiga e reduz a sensação de prazer

O ISOLAMENTO social aumenta o risco de morte tanto quanto o cigarro, e mais do que o sedentarismo ou a obesidade.
A relação entre vida solitária, doenças cardiovasculares, depressão e incidência de infecções foi demonstrada em mais de cem estudos epidemiológicos publicados a partir dos anos 1980. Esses estudos, no entanto, não explicam os mecanismos através dos quais o isolamento aumenta a mortalidade.
Nos últimos dez anos, os efeitos biológicos da solidão se tornaram mais conhecidos graças ao trabalho inovador de um grupo da Universidade de Chicago, dirigido por John Cacciopo.
Por meio de questionários para avaliar o grau de isolamento social dos participantes de testes psicológicos e de exames laboratoriais, o grupo de Chicago concluiu que embora episódios passageiros de solidão sejam inevitáveis e desprovidos de repercussões orgânicas relevantes, quando o isolamento persiste de forma crônica, suas consequências se tornam especialmente nocivas.
Algumas pessoas que vivem isoladas não se sentem solitárias, enquanto outras têm a sensação de estar sozinhas apesar da vida social intensa. A percepção subjetiva da solidão é mais importante para o bem-estar individual do que qualquer medida objetiva do número de interações sociais.
Numa escala criada para avaliar o grau de isolamento pessoal, aqueles com escore mais alto apresentam alterações bioquímicas sugestivas de que seus dias são conturbados. Neles, por exemplo, estão elevadas as concentrações urinárias de cortisol e epinefrina, moléculas associadas aos níveis de estresse.
Esse dado ajuda a explicar porque os solitários crônicos ficam estressados diante de situações que outros enfrentam com naturalidade, como falar em público ou conversar com desconhecidos.
Na evolução de nossa espécie, a ansiedade provocada pela solidão funcionou como sinal de alerta para que o indivíduo procurasse a proteção do grupo. Num mundo povoado por predadores, que chance de sobrevivência teria um animal fraco como nós perambulando sozinho?
Nesse sentido, o sofrimento que a solidão traz é faca de dois gumes: de um lado, colabora para a adaptação ao meio porque favorece o agrupamento; de outro, prejudica o organismo quando se torna crônico.
O grupo de Chicago investigou as repercussões imunológicas do isolamento prolongado. Nos solitários estão mais ativos os genes que promovem inflamação, enquanto aqueles envolvidos na resposta imune contra os vírus exibem atividade diminuída. Por essa razão, eles apresentam maior susceptibilidade às infecções virais (da gripe ao HIV) e à doença cardiovascular, enfermidade associada aos processos inflamatórios.
A solidão crônica interfere com a qualidade do sono, é causa de fadiga e reduz a sensação de prazer associada a atividades recreativas. Para agravar o isolamento, os já solitários tendem a reagir negativamente aos estímulos e a desenvolver impressões depreciativas a respeito das pessoas com as quais interagem.
A avaliação das funções cerebrais por meio de ressonância magnética funcional, mostra que a solidão crônica afeta o córtex pré-frontal, área localizada na parte da frente do cérebro, crucial para a tomada de decisões racionais, como as de planejar o melhor caminho para o trabalho ou a hora de ir ao banco.
O comprometimento do córtex pré-frontal ajuda a entender por que as pessoas que se sentem isoladas correm mais risco de comer mal, fumar, abusar do álcool, ganhar peso e levar vida sedentária.
Estudos com irmãos gêmeos revelam que a solidão crônica não depende exclusivamente das características do meio, mas apresenta aspectos hereditários. É como se existisse um "termostato genético" para a capacidade de lidar com a solidão, ajustado em níveis diferentes em cada um de nós.
Isso não quer dizer que nossos genes nos condenariam à vida solitária, mas que estão por trás da intensidade da dor sentida quando estamos sós.
Com o celular e a internet criamos possibilidades ilimitadas de interações sociais, num único dia podemos entrar em contato com um número de pessoas que nossos antepassados levariam anos para conhecer. Contraditoriamente, o contingente dos que se queixam da falta de alguém com quem compartilhar sentimentos íntimos aumenta em todos os países. 
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Dinheiro, reconhecimento e celebração - motores da motivação


Por Jack Welch com Suzy Welch
Exame.com.br

1 - Motivar as pessoas é o maior desafio que enfrentamos hoje no nosso negócio. Qual seria a melhor forma de motivação?
Vijay Naik, Gaborone, Botsuana

Você quer dizer além do dinheiro, certo? Parta desse pressuposto porque, como chefe, você já deve ter percebido que não há melhor combustível do que o dinheiro para acender a chama da motivação -- mesmo que seus subordinados digam que não dão a mínima para ele! Não vale a pena me estender sobre isso: é fato mais do que sabido que o dinheiro tem o poder de energizar as pessoas. Também não vou discorrer sobre outros elementos tradicionais de motivação, como a realização de atividades interessantes e a convivência com colegas de trabalho agradáveis.

Mas, se para motivar alguém bastasse adotar os três recursos citados, não haveria esse grande desafio que você corretamente aponta em sua pergunta. Portanto, o que mais podemos fazer? Felizmente, há outras quatro formas de motivação à nossa disposição -- nenhuma delas tem a ver com dinheiro e são todas muito eficazes. A primeira é muito simples: reconhecimento. Sempre que alguém ou uma equipe fizer algo notável, reconheça o feito com muito alarde. Divulgue, toque no assunto todas as vezes que tiver oportunidade. Dê prêmios.

Quando faço essa recomendação às empresas, quase sempre surge alguém preocupado com aqueles que não realizaram nada de especial. Eles podem ficar magoados, dizem, ou desmotivados diante de tanta festa. Isso é ridículo. É como se fosse obrigação passar a mão na cabeça dessas pessoas. Se há na empresa gente qualificada -- isto é, uma equipe competitiva e entusiasmada --, o reconhecimento público simplesmente determinará um novo nível de excelência para todos. Mais uma observação sobre a importância do reconhecimento, sobretudo quando vem na forma de um objeto de recordação com o nome dos envolvidos gravado. Esse tipo de lembrança é bom, tem seu lugar, mas não se deve concedê-lo em lugar de dinheiro. Placas funcionam como complemento -- no mais, só fazem juntar pó. Já um cheque pode ser descontado. A maior parte dos empregados sabe muito bem a diferença entre uma coisa e outra.

A segunda forma de motivação pode parecer simples, mas não é: celebração. Em minhas palestras, peço às pessoas da platéia que informem se sua empresa celebra os sucessos alcançados com a devida empolgação. De modo geral, menos de 10% dos presentes respondem positivamente. Quantas oportunidades perdidas! Celebrar as vitórias obtidas ao longo de um processo é uma maneira extremamente eficaz de manter as pessoas envolvidas o tempo todo. E não me refiro aqui apenas à celebração de grandes conquistas -- estamos falando de eventos que são verdadeiros marcos, como o recebimento de uma ordem de compra fora do comum ou uma maneira nova de fazer as coisas que resulta em elevação da produtividade ou em maior satisfação do cliente. Todos esses pequenos sucessos são oportunidades de nos congratularmos com a equipe e de fortalecer o seu moral, preparando-a para os desafios que virão a seguir.

A celebração a que me refiro nada mais é do que outra forma de reconhecimento, porém mais divertida. Pode ser uma festa-surpresa no próprio escritório, à tarde. Podem ser ingressos para uma partida de futebol ou para um filme. Quem sabe premiar os profissionais que mais de destacaram com entradas para a Disney World, ou para o zoológico de San Diego, ou ainda para a Rose Bowl Parade... qualquer coisa, enfim, que tenha um impacto duradouro sobre eles.

A próxima ferramenta motivacional é sem dúvida alguma poderosa, mas só poderá ser usada se você tiver plena clareza de sua missão. E aí talvez você se pergunte: "Então nem sempre o chefe sabe exatamente qual a sua missão?" Nem sempre. Na verdade, durante as diversas viagens que fiz em todos esses anos, descobri que muitos líderes estão invariavelmente ocupados demais com seus afazeres diários, a tal ponto que acabam por relegar a segundo plano sua missão. É inevitável, naturalmente, que de vez em quando as crises desviem nossa atenção da missão a que nos propusemos. Contudo, para seguir em frente, é preciso que a equipe entenda a direção proposta e acredite nela. O objetivo visado deve ser partilhado por todos. É isso precisamente o que uma grande missão dá às pessoas: um credo ousado e inspirador capaz de seduzir o coração e a alma.

É a existência de uma missão que permite a um chefe dizer: "Vejam, lá está a colina. Vamos tomá-la juntos!" Esse, sim, é um verdadeiro apelo motivador. A última forma de motivar é provavelmente a mais difícil de pôr em prática. É verdade que muitos chefes a trazem consigo como parte do "toque" especial de que são dotados -- mas, para os menos experientes, é tarefa muito árdua. Refiro-me à criação de um ambiente de trabalho com um equilíbrio exato entre realizações e desafios. As pessoas precisam de certa percepção de sucesso para se sentir motivadas no trabalho. Porém, elas também se entediam se não forem testadas -- ou seja, se não estiverem aprendendo e crescendo. Em outras palavras: os indivíduos se sentem motivados quando parecem estar no alto da montanha, mas precisam sentir igualmente que continuam a escalá-la. Simplificando, o chefe que gera empregos com esse tipo de tensão interna conta com uma vantagem competitiva concreta. Seu pessoal tem uma razão a mais para se sentir motivado, e isso transparece em seu desempenho.

Bem, voltemos à questão do dinheiro. É claro que há pessoas que não se empolgam com recompensas financeiras, mas elas raramente seguem carreira no mundo dos negócios. Por isso, sempre que você pensar em motivação, pense primeiramente em algum tipo de retorno financeiro. Lembre-se, porém, de que nem sempre o mais importante é o quanto você dá às pessoas -- na maior parte das vezes, importa mais o quanto você dá a elas em relação ao que foi dado a seus colegas de trabalho. Ao conversar recentemente com um profissional de um banco de investimentos, indaguei como havia sido seu ano. Ele estava, obviamente, muito satisfeito com o valor do bônus que recebera, mas sua satisfação era ainda maior quando o comparava ao dos demais executivos do alto escalão da empresa. O dinheiro é uma forma de contabilizar pontos, e a pergunta "Quem é melhor, ou quem é o melhor?" parece manter muita gente ocupada o tempo todo.

Dito isso, é bom frisar que até mesmo os banqueiros de investimentos -- pelo menos alguns deles -- preocupam-se também com outras coisas além do dinheiro. Pouquíssima gente boa permanecerá em um emprego em que o dinheiro é o único atrativo. Essas pessoas querem o dinheiro e mais a sensação de que fazem alguma diferença. Todo ser humano tem necessidade de se sentir útil. Para as pessoas, as 8 horas que passam no trabalho -- muitas vezes até mais -- precisam ter algum significado. Felizmente, é possível mostrar a elas seu valor agradecendo-lhes publicamente pelo trabalho realizado, injetando um pouco de bom humor no ambiente, cultivando um objetivo comum que entusiasme a todos e dando atenção individualizada aos desafios próprios de cada um.

Todas essas coisas estão ao alcance de qualquer chefe -- e o melhor de tudo é que são de graça. O retorno, porém, é incalculável.
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