segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cercando a teia da corrupção


GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo 




Os dois maiores problemas brasileiros são a segurança pública e a corrupção. A percepção da população, apurada por pesquisas de opinião, ampara-se em fundamentos ligados à própria sobrevivência, no caso, fatores que abrigam os mecanismos de conservação do indivíduo: os impulsos combativo e alimentar. O primeiro explica que a vida do ser humano é uma luta permanente contra a morte, um combate ininterrupto contra os perigos. Daí a prioridade absoluta que deposita em propostas - meio, recursos, ações, política - para sua segurança. Já o segundo leva as pessoas a buscarem os insumos e as condições que lhes garantam bem-estar físico e espiritual para enfrentar os desafios. Nesse nicho entra a vertente da corrupção, percebida como o conjunto de desvios, contrafações e ilícitos que resultam na apropriação de recursos públicos destinados ao bem-estar da coletividade. Em outros termos, os cidadãos inferem que corruptos e corruptores surrupiam milhões de reais que lhes pertenceriam, o que diminui a possibilidade de contar com um bolso mais polpudo e, assim, garantir o estômago mais saciado. Sob essa compreensão, que se pode depreender da visão de Serge Tchakhotine (A Mistificação das Massas pela Propaganda Política), a sociedade vê com alegria a notícia de que o Brasil dá mais um passo na guerra contra a corrupção.

O motivo de esperança é a decisão da Comissão de Juristas do Senado que classifica como crime o enriquecimento ilícito de servidores públicos, sejam modestos funcionários, políticos, dirigentes de empresas e órgãos ou juízes. Trata-se de mais uma ferramenta a ser incorporada ao Código Penal, que já contempla larga faixa de crimes contra a administração pública, como peculato, extravio, sonegação, inutilização de documentos, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, corrupção passiva, facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação, condescendência criminosa, advocacia administrativa, exploração de prestígio, corrupção ativa e outros dispositivos versando sobre o leque da corrupção. Pela decisão a ser encaminhada à Mesa do Senado, ao Estado caberá provar que o servidor acumulou bens de forma ilegal, fato a ser investigado a partir da declaração de bens do agente público, que ele apresenta ao tomar posse e atualiza anualmente.

O fato é que, em meio a mais uma onda de denúncias de corrupção a serem apuradas no âmbito da CPI mista - agrupando, desta feita, tráfico de influência, fraude em licitações, formação de quadrilha, entre outros crimes -, o País continua a buscar as melhores formas para combater essa mazela, que é uma das mais corrosivas do tecido institucional. Basta lembrar que a soma alcançada pela corrupção é estimada em cerca de R$ 70 bilhões, correspondendo a mais de 2,5% do produto interno bruto. Fossem investidos em educação, veríamos um salto de quase 50% das matrículas do ensino fundamental, chegando a 52 milhões, o dobro de leitos em hospitais públicos, restritos a 370 mil, e a construção de cerca de 3 milhões de moradias. Há uma consciência generalizada de que a sensível diminuição do PNBC - o produto nacional bruto da corrupção - implicará efetiva expansão do índice global de felicidade coletiva, que se poderia constatar pelo alargamento das fronteiras assistidas por programas de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança, moradias, saneamento básico.

A criação de mecanismos para combate direto às franjas da corrupção tem vital importância. Mas a estratégia da criminalização do enriquecimento ilícito poderá ser inócua ou não oferecer resultados satisfatórios se não abranger a bateria de causas que aciona a engrenagem de corruptos e corruptores. Vejamos como o pano de fundo que acolhe o alfabeto da corrupção é mal alinhavado. O Estado brasileiro abusa do poder discricionário. Nos corredores dos edifícios públicos montou-se gigantesca máquina burocrática - quase sempre focada no lema "criar dificuldades para obter facilidades" - na qual se avolumam restrições às atividades comerciais e produtivas, protecionismo e subsídios para uns e regras duras para outros, excesso de imposições de licenças de importação/exportação. Está mais do que provado que economias abertas e antidiscriminatórias limitam as maquinações de "grupos da propina". Ali a taxa de corrupção é menor.

A política salarial na administração pública também contribui para a expansão das teias corruptoras na medida em que estimula fontes alternativas de renda. Forma-se ambiente favorável à parceria de interesses de grupos privados e administradores da res publica. Abre-se uma janela para o ingresso de agentes da esfera política. E a competição política se torna acirrada, exigindo de candidatos "muita bala" para enfrentar os embates eleitorais. A "munição" costuma sair dos arsenais de empresas que prestam serviços às três instâncias: União, Estados e municípios.

A par desse feixe causal, espraia-se a cultura de impunidade, que se ancora na desigualdade de direitos. A lição de Anacaris, o sábio grego, vem à tona: "As leis são como teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas, os grandes rasgam-nas sem esforço". Portanto, a corrupção, cujos efeitos impactam o crescimento econômico, o desenvolvimento social, a competitividade empresarial, a legitimidade dos governos e a própria essência do Estado, é um cancro que precisa ser combatido de maneira sistêmica. Atacar seus efeitos, fechando os olhos para as causas, significa perpetuar o Brasil do eterno retorno.

Emerge, portanto, a equação das reformas em algumas frentes, a começar pela via administrativa com a implantação da meritocracia. Auditorias públicas com fiscais concursados, ao lado do TCU, se fazem necessárias para fazer varreduras constantes. A sociedade civil, por meio de entidades sérias, ajustaria o foco da lupa. Só assim a conduta ética e o padrão moral haveriam de semear a administração pública.
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Compromissos e desafios da gestão pública


Rosemberg Pinheiro

A implementação de novas práticas e instrumentos de gestão afinados às constantes inovações tecnológicas e integrados às novas necessidades da sociedade, cada dia mais consciente e exigente nos seus pleitos e necessidades, é o desafio posto ao gestor público do século XXI.

A produção de serviços com mais qualidade e melhor custo, efetividade, burocracia mínima e ágil, recursos humanos eficientes profissionalizados e comprometidos com metas, orçamentos descentralizados compatíveis com as reais necessidades da gestão, transparência, combate permanente às praticas de corrupção, rompimento com as práticas patrimonialistas e paternalistas são ações que podem contribuir para a melhoria da gestão pública.

No nosso caso, nesses nove meses de trabalho junto à Faculdade de Medicina da UFRJ, estamos pondo em prática ações concretas e determinadas, na perspectiva de um novo ciclo de gestão, que esperamos aperfeiçoar gradativamente enfrentando as resistências naturais de percurso que vêm sendo trabalhadas, ao mesmo tempo com cada nova ação, num exercício permanente de dar velocidade aos processos e intervenções e implementá-los de acordo com as nossas reais possibilidades, notadamente dificultadas pelas deficiências de recursos humanos.

A nossa estratégia tem como meta buscar da forma mais eficiente possível atender e satisfazer a nossa clientela interna e prioritária, formada pelos nossos Professores e Alunos, nas suas necessidades gerais e especificas. Portanto, a nossa missão, enquanto gerente, é oferecer todos os meios possíveis para que a plenitude acadêmica aconteça e seja incorporada pelo conjunto da faculdade como cultura institucional, para transformação permanente de nossas práticas burocráticas e profissionais visando o ensino de qualidade.

Para a concretização dessa meta, temos que enfrentar um desafio que consideramos crucial, pois entendemos que para se realizar uma gestão eficiente e resolutiva é necessário reformular os conceitos e as práticas de recursos humanos no setor público. E, especialmente com urgência entre nós, consideramos que o atual modelo está esgotado e não satisfaz mais aos anseios e compromissos com a sociedade,às suas necessidades e direitos e, paradoxalmente, tem servido com frequência a interesses particulares de indivíduos públicos em detrimento do coletivo.

“para se realizar uma gestão eficiente e resolutiva é necessário reformular os conceitos e as práticas de recursos humanos no setor público”

Essas deformações são responsáveis em grande parte pela crise do modelo público assistencial de saúde e de educação pública, nos quais estamos inseridos e que são evidenciados, notadamente, pelas dificuldades que enfrentamos hoje junto ao nosso hospital universitário( Hospital do Fundão)que atualmente convive com as incertezas e os conflitos de sua própria identidade, como referência para o ensino médico no país , numa crise para a qual não vemos saída sem o rompimento com o tradicional modelo perdulário de gestão e sem a experimentação de alternativas inovadoras que ofereçam a oportunidade de se construir um novo conceito de hospital universitário, moderno e sintonizado com as inovações tecnológicas e acadêmicas do primeiro mundo.

Entretanto, as mudanças nos modelos de gestão no setor público enfrentam muitas dificuldades e resistências, principalmente nos campos políticos e ideológicos, pela própria tradição histórica do nosso Estado paternalista e grande empregador da sociedade.

Precisamos, definitivamente, fugir da improvisação do amadorismo e corporativismo que caracterizam os atuais modelos de gestão pública, precisamos de gestores profissionais com autonomia e capacidade, que sejam criativos e estejam preparados para utilizar as ferramentas das inovações tecnológicas, desenvolver metas, resolver problemas, dirimir conflitos e intermediar interesses coletivos.

“precisamos de gestores profissionais com autonomia e capacidade, que sejam criativos e estejam preparados para utilizar as ferramentas das inovações tecnológicas, desenvolver metas, resolver problemas, dirimir conflitos e intermediar interesses coletivos”

Precisamos criar um RH público de novo tipo, para enfrentarmos os novos e irreversíveis desafios, visando a nossa definitiva inserção no primeiro mundo da gestão e em suas boas práticas. Precisamos ter a atenção voltada para as questões de custos, produzindo cada vez melhor com menor custo; porque o desperdício é, na verdade, uma tragédia gerencial, que confirma a baixa qualidade e a falta de compromisso com a coisa públicao que também onera o conjunto da sociedade.

Precisamos construir compromissos coletivos e pactos de gestão para enfrentarmos as múltiplas dimensões do atual modelo patrimonialista e burocrático, com o qual ainda convivemos, e praticar um modelo de administração pública voltado para a eficiência, a eficácia e a efetividade, com foco em resultados.

“praticar um modelo de administração pública voltado para a eficiência, a eficácia e a efetividade, com foco em resultados”

Rosemberg Pinheiro, Diretor Adjunto de Administração da Faculdade de Medicina da UFRJ é Especialista em Saúde Publica ENSP/FIOCRUZ e Mestre em Planejamento e Gestão IESC/UFRJ


FONTE: REVISTA MEDICINA EM FOCO, Maio 2012 Nº 01 - Faculdade de Medicina da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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domingo, 29 de abril de 2012

Quando o mercado chega antes que o essencial.



Meio-ambiente e governança social. Dois temas essenciais que não ajudam a reduzir a desigualdade social.
Considerações de como levar um elefante em um rio caudaloso em uma frágil canoa.
Só que o elefante gosta de remar ao contrário...


A eficiencia do Estado brasileiro: o mercado chegou antes do basico...

Máquina de lavar chega ao sertão do Nordeste antes da água
Folha de São Paulo






O descompasso entre a implantação de infraestrutura hídrica e o crescimento da renda no semiárido nordestino fez surgir na região vítimas da seca que não têm água encanada, mas moram em casas com antenas parabólicas, TVs de LCD e até máquinas de lavar.

A informação é da reportagem de Fábio Guibu e Daniel Carvalho publicada na edição deste domingo da Folha. A reportagem completa está disponível a assinantes do jornal e do UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha.

Segundo a FGV (Fundação Getúlio Vargas), a renda no Nordeste cresceu 42% entre 2001 e 2009. Já o número de domicílios com água encanada na zona rural aumentou apenas 6,9% entre 2000 e 2010, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em Paranatama, no agreste de Pernambuco, o aposentado Serafim Raimundo da Silva, 76, mora na mesma casa desde criança. Era de taipa, virou de madeira e agora é de tijolo, conta. Na sala, há uma TV de LCD e, no quintal, a máquina de lavar roupa funciona com água de balde.











Capitalismo e espiritualidade



Kátia Abreu

A perda do paradigma espiritual tornou o homem ocidental alheio aos mais elementares padrões éticos 


A CRISE financeira de 2008, cujos efeitos ainda abalam os mercados -e se desdobram na presente crise europeia-, não foi, como muitos sustentam, um sinal de esgotamento do capitalismo. 
Ou, na síntese reducionista, "o muro de Berlim da direita".

O que fracassou não foi o capitalismo, mas o uso inadequado de suas regras mais elementares. A causa direta da crise foi a concessão, deliberada e irresponsável, de empréstimos hipotecários a credores sem meios de pagá-los, sobretudo com a alta dos juros.

Como se não bastasse, os agentes financeiros, para contornar o desastre, recorreram a novos artifícios desonestos, que apelidaram de "inovações financeiras", com o objetivo de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelo Acordo da Basileia, cujo propósito era exatamente evitar o que se deu.

Esse princípio se baseia na ideia de que a busca da riqueza não é problema e, sim, a ganância para conquistá-la a qualquer preço.

Os bancos norte-americanos chegaram ao limite. E, para piorar o que já não era bom, decidiram securitizar os títulos podres, contra toda a ortodoxia econômica, servindo-se da cumplicidade das agências de risco, interessadas em agradar a seus clientes. 
Trapaça pura.

A crise financeira norte-americana espalhou-se como metástase pelo mundo. Um de seus efeitos mais claros foi expor a fragilidade da economia europeia, também marcada por transgressões a fundamentos básicos da economia.

A crise europeia decorre da fragilidade fiscal de países como Grécia, Portugal e Itália, cujos governos gastam mais do que arrecadam. Os investidores já preveem um "default" de seus títulos de dívida. 
Na base de toda essa confusão não está uma demonstração de inviabilidade do capitalismo. 
Ele foi conspurcado, violado em seus princípios.

E a saída tem sido problemática devido a outro fator básico, que extrapola a ciência econômica, mas que sobre ela e toda atividade humana exerce influência vital: a quebra de confiança. Sem ela, nenhum sistema se sustenta.

Credibilidade e confiança são valores que decorrem do culto às virtudes, algo que se perdeu numa sociedade que confunde Estado laico com Estado ateu -ou, pior ainda, antirreligioso. 
De há muito, a perda do paradigma espiritual tornou o homem ocidental alheio aos mais elementares padrões éticos.

A relativização dos valores levou-o a uma visão materialista e hedonista da existência, estabelecendo comportamentos viciados, condutas desleais e irresponsáveis, quando não simplesmente criminosas. 
Dostoiévski tem a síntese perfeita, quando, por meio de Ivan Karamazov, diz: "Se Deus não existe, tudo é permitido".

É o que se tem visto: Deus foi retirado da história.

Europa e Estados Unidos são civilizações erguidas sob os valores do cristianismo, que moldou suas legislações e tradições. Hoje, esses valores são renegados, sob o argumento do laicismo do Estado, que de modo algum é incompatível com os valores espirituais.

A ausência de qualquer referência às raízes cristãs da Europa no preâmbulo da Constituição da União Europeia confirma a perda da referência espiritual de uma civilização cujos momentos de esplendor se vislumbram, ainda hoje, nas majestosas igrejas e catedrais góticas que fascinam turistas de todo o mundo.

Ética sem espiritualidade, sem a noção de um porvir em que todos serão julgados pelos seus feitos, não passa de uma fachada.

Nesse ambiente, a política, que a Grécia antiga considerava uma virtude, foi a primeira a se desmoralizar. A economia veio em seguida. O que mais falta?

Será que o Brasil não está seguindo essa agenda laica e antirreligiosa, pautando suas políticas pelos mesmos paradigmas que alimentam a presente crise?

Desatento a isso, não chegará assim a lugar melhor.


KÁTIA ABREU, 50, senadora (PSD-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
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Reflexão dominical




JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo


Domingo não devia ser dia de pensar ou fazer besteira, pois é o dia do Senhor. Não tem nada de ficar olhando disfarçadamente a cunhada de shortinho, dar beijinhos furtivos de canto de boca em quem topar, nem encher a cara e cantar a mulher do dono da casa enquanto ele cuida do churrasco. Nem tem nada de mostrar, fingindo que não nota, os peitos aos presentes, ou dar um apertãozinho mais caprichado no braço do marido da amiga, na hora em que se apoia nele para mudar de lugar. Muito menos essa sem-vergonhice, ainda vigorosamente praticada em todo o Brasil, de roçar joelhos e coxas por baixo da mesa, para no dia seguinte ou não se lembrar de nada ou cair numa ressaca moral devastadora. Devíamos todos estar meditando sobre a vida e o aperfeiçoamento espiritual, já que nos afastamos um pouco das refregas de todo dia.

Mas não estamos, a verdade é essa, embora eu devesse cumprir a praxe e mencionar a existência de exceções. Claro que há exceções, em quase tudo há exceções. Lembro agora a frase de Pittigrilli escritor na época considerado muito picante, hoje esquecido e provavelmente tedioso para uma adolescente de 15 anos, na abertura de um texto que cito de memória: "As únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor." Podíamos combinar algo assim. Todo mundo faz besteira no domingo, mas nós não e, principalmente, nossas mãezinhas. E as santas esposas de todos também, naturalmente.

E se, no afã de não melindrar ninguém, formos adiante, acabaremos achando tantas exceções que ninguém mais se enquadrará na regra. Concluímos assim que ninguém faz besteira no domingo, nem em dia nenhum, pensando bem. Ou melhor dizendo, quem faz besteira são os outros. Há não muito tempo, falei aqui sobre isto, a mania, ou vício, ou neurose coletiva que nós, brasileiros, temos de atribuir tudo o que de mal ou inconveniente nos atinge é culpa "deles". Ninguém sabe direito quem são eles. É o governo, são os políticos, são os ignorantes, os bandidos e assim por diante. Mas nós não temos responsabilidade nisso, é com "eles" ou "os homens".

Domingo, dia também de jornal grosso, dia de revistas semanais, vejo-me aqui entontecido e incapaz de raciocinar, em meio ao turbilhão de notícias sobre corrupção, ladroagem e bandidagem. Não são somente as de hoje, são as que vêm chegando há tanto tempo que já perdi a conta. Duvido que alguém consiga fazer um levantamento das gatunagens, maracutaias, furtos, desvios, roubos e todo tipo de falcatrua envolvendo, direta ou indiretamente, algum órgão público ou poder da República. Somente uma equipe diligente e bem treinada talvez conseguisse fazer uma base de dados razoável, mas, ainda assim, acho que sempre seria uma tarefa incompleta, pois muita coisa se apura e se guarda em segredo, outras coisas se abafam, outras são meramente ignoradas, outras passam por cima da lei, num panorama a que estamos acostumados desde que nascemos.

Façamos uma abstraçãozinha e imaginemos uma hipótese. Se o povo brasileiro de hoje por acaso desaparecesse, como desapareceram civilizações da antiguidade oriental, e alguns vestígios fossem descobertos? Decifrada a escrita, o que se formaria seria o retrato de uma sociedade corrupta de cima abaixo, governada despoticamente e insensível a valores morais. Não veriam "eles", veriam nós. Descreveriam uma curiosa coletividade, oficialmente regida por leis escritas, mas, na verdade, leis consuetudinárias, ou seja, baseadas no costume. Essa conversa de lei escrita é enrolação para constar, o que vale mesmo é o costume. Tanto assim que há leis que não pegam e leis que não despegam, há até artigos da Constituição que o costume manda não observar. E não adianta a lei escrita punir os corruptos, porque a maioria não vai ser mesmo, não é o que manda o nosso soberano direito consuetudinário.

E, verdade que também não gostamos de encarar, os costumes não são recentes. Agora, por uma série de razões, inclusive a tecnologia, estão piorando muito, mas sempre foi assim. Sempre se roubou dinheiro público aqui e sempre o poder político foi disputado para premiar os vencedores e seus aliados com cargos vitalícios, remunerações nababescas e privilégios inacreditáveis. A carreira política é vista apenas como um meio de subir na vida e amealhar tanto para si quanto para a família e os aliados. Os partidos políticos também só servem para conseguir "colocações" e postos de influência, onde continuará a medrar a corrupção enraizada, no rodízio dos de sempre, com o qual já temos bastante familiaridade. Até fisicamente isso é visível, nos inúmeros políticos que se elegem pela primeira vez com ares famélicos e ansiosos, para estarem, poucos anos mais tarde, gordinhos, bem-humorados, sorridentes e de paz com a vida: é o bendito sinal de que já se fizeram, ideal de tantos brasileiros, que pode ser tanto o Congresso Nacional quanto o Big Brother Brasil.

Não sei quem foi o gringo que, se referindo ao Brasil, disse que "um país em que o sujeito cospe um caroço de fruta numa frincha da calçada e logo nasce comida não pode dar certo". Não sei bem por que, acho que a explicação vem pela indolência assim fomentada e, claro, vem também pela nossa ignorância e falta de educação, pelo egoísmo e ausência de espírito público, pela nossa moral santarrona mas hipócrita, pelo nosso treinamento como súditos e não como cidadãos. Não estamos acostumados a ter mandatários e representantes, temos apenas governantes, a quem obedecemos sem discutir. E continuarão assim porque esquecemos que "eles" não são "eles". Enquanto formos como somos, eles continuarão a ser como são, porque é de nós que saem. Um povo que pratica, tolera - e até admira - todo tipo de desonestidade é um povo honesto? Tudo leva a crer que não, embora com a exceção da gente.
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Desenvolvimento e democracia


MARCO AURÉLIO NOGUEIRA
O Estado de S.Paulo


Parece maduro um novo ciclo de desenvolvimento no País. Ainda que não se devam simplificar nem relativizar as importantes distinções que existiram entre os diferentes governos que se sucederam a partir de 1994, trata-se de uma fase que deriva, antes de tudo, da fixação de um padrão de política econômica que já se estende por mais duas décadas. Isso possibilitou a aquisição pelos gestores governamentais, por empresários e trabalhadores de uma mentalidade mais racional no que diz respeito à gestão econômica, além de ter consolidado a estabilidade monetária e o controle da inflação, que são decisivos para o desenvolvimento.

A fase também está determinada por aquilo que se conseguiu em termos de sincronia de certas potencialidades inscritas nas esferas econômica, social e política. O País tem conseguido retomar o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, reduzir a pobreza e fortalecer a democracia. Desarmaram-se os freios neoliberais.

Fortalece-se uma ideia de desenvolvimento mais estrutural, menos aprisionada a modelos prontos e sustentada por uma articulação específica entre Estado e mercado. Na sua base, imagina-se um tripé de políticas: responsabilidade fiscal, juros moderados e câmbio competitivo. Tudo combinado com uma vigorosa política de transferência de renda que reduz desigualdades sociais e impulsiona o ingresso de grandes contingentes populacionais no mercado interno. É o que alguns chamam de "novo desenvolvimentismo" e outros, de "social-desenvolvimentismo". Em nome dessa orientação, alimenta-se o pacto político que tem dado sustentação aos governos ao menos desde 2003 - uma espécie de concertação social entre o Estado, o empresariado industrial, os trabalhadores e vastos setores da classe média.

O modelo construído ao longo das duas últimas décadas aponta para um crescimento voltado para o mercado interno, com tendência à expansão das exportações e sustentado pela estabilidade, pela expressiva presença do Estado e pela busca de autonomia empreendida pela política externa. É por isso que há tanta tensão quando se discute a taxa de juros. A economia brasileira está internacionalizada e privatizada. O "capitalismo dependente" de que se falava na década de 1960 parece ressurgir, com o crescimento econômico se apoiando sempre mais numa articulação do Estado com grandes empresas multinacionais e algumas poderosas empresas nacionais. Respirando ares globalizados, nossa soberania estatal se afirma de modo compartilhado. A dependência virou interdependência estrutural.

Com base nisso tudo, armou-se quase espontaneamente um sistema de cooptação da sociedade pelo Estado. Seja como resultado das políticas adotadas, seja pelas idiossincrasias do sistema político e pela má qualidade de seus principais protagonistas, seja, enfim, pela reorganização "em rede" da sociedade, o fato é que o Brasil se converteu num país com pouca participação social autônoma e uma democracia política muito aprisionada aos ritos eleitorais. Há uma inegável democratização da vida social e a conflitualidade está à flor da pele, mas isso transcorre num ambiente marcado pelo poder magnético do Estado, do Executivo, que é, no fundo, o único articulador. Não espanta que as oposições ao governo federal se revelem frágeis e incapazes de ação eficiente. Estado e sociedade estão próximos, mas a ausência de dialética entre eles faz essa proximidade ser mais aparente que real. Tudo funciona de modo regular e estável, mas sem emoção. Ou seja, com pouca política.

Estão aí os principais elementos que dificultam a ação governamental. É que os governos atuam num sistema que impede sua articulação expressiva com a sociedade, roubando-lhe precisamente os elementos que poderiam ensejar uma governabilidade democrática sustentável. Governa-se de modo até certo ponto inercial: menos pela dinâmica governamental e mais pela falta de movimento autônomo da sociedade. No caso do governo Dilma Rousseff, também há uma ajuda indireta das oposições, que não conseguem agir como projeto alternativo.

Parte dessa situação aparece nas tensões que atravessaram o governo em seu primeiro ano de vida e não parecem destinadas a arrefecer. São tensões internas ao sistema, que nascem nas bases parlamentares do governo e em seu círculo operacional. A maioria que o apoia não se mostra confiável e lhe transfere permanentes demandas fisiológicas (por cargos, verbas, controle de recursos políticos), muitas vezes paralisando-o ou dificultando sua ação. O sistema também permitiu que muitos esquemas de corrupção se alojassem no coração da máquina governamental, com a consequente produção de uma mixórdia de relações escusas entre o sistema político, o Estado e organizações criminosas, o que desgasta e cria atritos no interior do governo.

O sistema político funciona mal e está aquém do que necessita a sociedade. Não reflete seu dinamismo nem é capaz de assimilar suas agendas. Tem pouca eficiência no processamento dos conflitos e das demandas sociais, está corroído pelo baixo nível e sobrecarrega as operações governamentais. Apesar disso, não se vislumbra nenhuma iniciativa voltada para a reforma política, o que piora a qualidade da democracia. No entanto, enquanto o governo continuar reiterando e expandindo as políticas que têm feito seu sucesso, permanecerá no comando.

Nenhum governo, porém, tem como controlar tudo. A vida social continua a se tornar sempre mais complexa e diversificada. Está meio entorpecida pelo poder de iniciativa do Executivo e sem saber direito como entrar no jogo político. Mas permanece como reserva essencial da democracia e da democratização, podendo fazer os ventos mudarem a qualquer momento. O que, bem ponderadas as coisas, não beneficiará necessariamente as oposições.
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Brasil tem de se proteger


ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo 


Ninguém se animou no mercado financeiro internacional com o anúncio do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que havia conseguido US$ 430 bilhões para conter em parte a crise da dívida na zona do euro, que entra no seu terceiro ano sem solução à vista. Não é que os investidores não confiem no fundo. Eles não estão é convencidos de que esse dinheiro será suficiente para evitar uma nova Grécia.

Até agora, o FMI e a nova direção do Banco Central Europeu (BCE) têm apenas adiado soluções que não dependem deles, mas dos governos dos países da zona do euro. A solução mais indicada por quase todos, a criação do Eurobonds, que incorporariam os títulos soberanos dos 17 países do bloco, foi rejeitada pela Alemanha.

Em vez de alívio, o que houve neste fim de semana foi mais tensão com o rebaixamento da nota da Espanha pela agência de classificação de risco Standard & Poor's - a nota do país caiu de A para BBB+. Com esse movimento, a agência sinaliza que a Espanha vai precisar de socorro, não só do FMI, mas dos governos da zona do euro também.

A Standard & Poor's vai mais longe, criticando a forma pela qual os espanhóis estão reagindo com medidas de austeridade fiscal sem crescimento econômico.

A Espanha reativa a crise financeira na zona do euro que havia sido atenuada pelos empréstimos subsidiados do Banco Central Europeu, afirmavam as agências internacionais na sexta-feira.

"A economia da Espanha enfrenta uma crise de enormes proporções. Os números são terríveis para qualquer um, terríveis para o governo", disse na sexta-feira o ministro das Relações Exteriores do país, Jose Manuel Garcia-Margallo, em entrevista a uma rádio. Ele se referia à taxa de desemprego, que subiu para 24,44% no primeiro trimestre do ano.

Exemplo da Grécia. O FMI já enviou duas missões técnicas a Madri este ano - a primeira, entre os dias 1 e 2 de fevereiro, e a segunda, de 12 a 15 de abril -, e deixou vazar para a imprensa a informação de que os bancos espanhóis não têm capacidade de enfrentar sozinhos os seus problemas.

Provavelmente, a Espanha será levada ainda este ano a um programa do tipo troica (ajuda do FMI, do BCE e dos governos da zona do euro), como aconteceu com a Grécia, prevê um relatório divulgado por dois analistas do Citibank.

Só que, mesmo tendo uma dívida pública estimada pelo FMI de 79% do PIB, a Espanha é a quarta economia da União Europeia e seu sistema financeiro é incomparavelmente maior do que o da Grécia.

Títulos soberanos. A maioria dos investidores continuou se desfazendo de títulos soberanos da Espanha - e os mais ousados, que ainda compravam, estavam usando o empréstimo subsidiado do Banco Central Europeu, de 1 trilhão. Só os bancos espanhóis absorveram quase 300 bilhões.

O próprio BCE deixou de comprar títulos da Espanha e da Itália, argumentando que "não é esse o caminho". O caminho, num primeiro momento, é aumentar a liquidez, emitindo euros e oferecendo aos bancos, o que está tardiamente fazendo. É austeridade fiscal para voltar a crescer. Só não se sabe como.

A saída mais recomendada pelos economistas, e até mesmo pelo FMI e pelo BCE, a de emitir eurobonds, absorvendo a dívida total do bloco, foi vetada pela Alemanha, a maior economia do bloco. Quem errou que pague, dizem os alemães. Mas agora querem, por meio do FMI, que os países emergentes, que não têm nada com isso, ajudem a pagar a dívida europeia, entrando com mais da metade dos US$ 430 bilhões que levaram o caixa do fundo a dispor de US$ 700 bilhões.

Brasil que se proteja. O Brasil já deu um não para a ideia, até mesmo para os US$ 10 bilhões, simbólicos, sim, diante do valor pedido, mas que revelam um fato de extrema importância. Não pretende socorrer os países endividados da zona do euro porque está mais empenhado em se "proteger" do que "evitar" uma crise sobre a qual nada pode fazer.
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A privatização da democracia brasileira




FLORIANO PESARO
FOLHA DE SP


Interessa à população de São Paulo ceder um terreno público localizado no mais importante polo cultural da cidade ao Instituto Lula, cuja missão é cuidar do acervo histórico da gestão do ex-presidente e divulgar as suas realizações? Parece-me claro que não. O único beneficiado com essa transação será o PT e seu projeto de poder.

O projeto de lei 29/2012, do Poder Executivo, em tramitação na Câmara dos Vereadores, autoriza a concessão, sem concorrência, por 99 anos, de uma área pública na região central ao Instituto Lula.

São 4.300 m2, estimamos pelo mercado em até R$ 20 milhões, em uma região que começa a passar por intenso processo de requalificação. O projeto de lei nem sequer exige contrapartidas, à exceção da exigência de se abrir o espaço à visitação de escolas públicas.

Segundo o texto, no local será erguido um Memorial da Democracia, um museu para "dar visibilidade pública à cultura política democrática". Mais adiante no mesmo texto, é possível entender melhor o que se entende por isso: nele será disponibilizado "todo o acervo documental referente aos oito anos de mandato do presidente Lula".

Curioso e preocupante que justo o PT se arrogue o direito de portar a memória democrática do país.

Lembremos que esse é o partido que: expulsou seus deputados que votaram em Tancredo Neves; recusou-se a assinar a Constituição, marco da redemocratização, em 1988; e combateu duramente duas das maiores conquistas da nossa história recente, a estabilidade monetária e a austeridade fiscal, chegando ao ponto de ir à Justiça contra o Plano Real, em 1994, e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001.

O PT nunca fez uma autocrítica oficial quanto à sua posição nesses momentos cruciais do nosso amadurecimento democrático. Será que podemos confiar a ele o papel de guardião da memória coletiva de momentos como esses?

Tudo indica que estamos diante de uma privatização, não só de um terreno, mas da própria democracia brasileira. Afinal, é da natureza do PT apostar na confusão entre o público e o privado para fortalecer seu projeto de hegemonia no país.

Que melhor forma de fazê-lo do que garantir um espaço -e com dinheiro público- onde possam transmitir aos alunos de escolas públicas a doutrina petista segundo a qual a história do Brasil começa em 2003?

Quem sabe no portão de entrada do futuro museu algum companheiro se lembre de inscrever as palavras "nunca antes nesse país"...

O Instituto Lula pode não ter fins lucrativos, mas tem fins políticos bem claros. Não podemos esquecer que Lula continua extremamente ativo na política nacional e municipal. Já declarou que se envolverá de cabeça na campanha desse ano.

Que ninguém se engane: ceder esse terreno equivale, na prática, a doar o dinheiro dos contribuintes paulistanos para um partido político cuja prioridade número um é reconquistar a prefeitura da cidade.

São Paulo merece sim um Memorial da Democracia digno do nome. Um museu que registre as conquistas do povo brasileiro na luta contra o autoritarismo, que faça justiça à memória de líderes como Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso e do próprio Lula.

Essa seria sim uma destinação nobre ao terreno. É evidente, entretanto, que esse é um empreendimento que só pode ser implementado e administrado por uma organização tecnicamente qualificada, isenta e apartidária, não por um partido político, para que reescreva a história do Brasil à sua maneira.

Estaríamos dando alguns passos atrás na consolidação de nossa combalida democracia.
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sábado, 28 de abril de 2012

Sob o sol de Muribeca

Breves considerações sobre a miséria humana e a incompetência social para dirimi-la.

Bem que poderia ser sob o sol da charmosa Toscana, título de romance, todavia é sob o escaldante sol de uma comunidade de Muribeca que o esmirrado senhor vinha e iria voltar. Estava pedindo dinheiro para inteirar a passagem.

Catador de lixo, foi sua resposta a minha pergunta. Aquietando o filho pequeno, ou neto quem sabe, com olhar faminto. Dei mais do que a passagem, claro, algo me dizia que não seria para crack, nosso atual flagelo na cidade, aliás, em muitas cidades no país.

Quando ele se afastou relembrei a pele de ambos muito curtidas, não estavam bronzeadas, estavam curtidas, quase que com um revestimento impermeável da sujeira, poeira e toda sorte fuligem ou algo em suspensão de lixões...sob o sol de Muribeca. Quem dera fosse Toscana.

Fiquei pensando como é que um estado que se diz o primeiro PIB da região nordeste, que já tem um estaleiro de porte internacional, caminhando para o segundo mais ao norte do estado, consegue ter o mérito de não reduzir a desigualdade. Não gosto de ser injusto, o que vejo nas ruas denuncia algo por detrás do sorriso solto e confiante do governador, ou da presidentA (conseguiu, na caneta, mudar a nomenclatura, mas não consegue imprimir resultados eficientes na gestão pública), quando aqui pára. É o estado do ex-presidente. O que de errado está acontecendo, então?

Ao vê-lo se afastando relembrei-me dos personagens do romance O Quinze, de Raquel de Queiroz e de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, denunciando a dura vida no sertão de implacável sol. Também relembrou-me a raiva resignada dos seguidores de Antônio Conselheiro. O sertão do sol implacável, imbatível, por incrível que pareça, no século XXI. Não se tem políticas públicas consistentes para se mitigar a dor do sobrevivente. E a sociedade fingindo que não é com ela.

Relembrei-me do paradoxo tentado a ser colocado por baixo do tapete quando estudantes de odontologia fizeram um levantamento em cidades do entorno da capital pernambucana e constataram que, em plena segunda década do século XXI havia cidadãos pernambucanos dividindo a mesma escova de dentes, alguns escovando os dentes com carvão, areia e, pasmem, palha de aço. Século XXI, segundo ano, e o governador deles foi reeleito com 82% no primeiro turno. O que há de errado, então? O que há de tão complexo em se reduzir a desigualdade social, mitigar a miséria humana em um estado farto de grandes projetos instalados há quase dez anos? 

Nossa sociedade está confusa, está perdida. Mobiliza-se mais por diversidade cultural, por mal-tratos a animais e se é profundamente leniente com crianças nas ruas, com um saneamento deplorável que leva a uma educação sofrível. Com um farto acesso a tecnologia de informação não faz a menor ideia concreta do que está acontecendo ou tem capacidade de ter uma noção de como se melhorar nossa economia. Não faz a menor ideia do que seja governança social.

Duas visões que me desagradaram, profundamente, e que me impeliram a escrever, pelo menos para diminuir a revolta interna. Um pai cedendo a dignidade ao estender a mão pedindo dinheiro. Sua incompetência conjuntural e estrutural denunciando uma lamentável perspectiva de futuro para o filho ao lado. Eu não gosto de ver criança sofrendo, nas ruas principalmente. É um paradoxo perverso em um país muito rico, mas de sociedade imatura, incapaz de cumprir suas obrigações de cidadania e cobrar dos governantes e políticos soluções objetivas. Como é que um país rico, como o nosso, com uma carga tributária de 38%, em média, não tem condições de, pelo menos, retirar crianças das ruas.

A capital do estado que terá dois estaleiros internacionais, uma rodovia trans-nordestina e vários projetos de irrigação pelo desvio do São Francisco, pólos industriais de confecções etc consegue ter sua capital com apenas 30% de saneamento satisfatório. O que dirão as cidades do interior que expulsam emigrantes para os bolsões marginais das grandes cidades.

Será que Severino, em sua vã esperança e fé acreditaria que, quase sessenta anos depois, um eventual neto seu padeceria o mesmo martírio? Ele acreditaria que nasceu sobre um berço rico e esplêndido? Só no Brasil é que estas coisas acontecem.
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Dicas de Nuno Cobra


Nuno Cobra

Qualidade de vida é o assunto do momento. Isto mostra que as pessoas estão deixando de festejar os avanços tecnológicos para festejar a própria vida. Este é o verdadeiro progresso da humanidade: perceber sua existência pessoal. Ou seja, se colocar em primeiro lugar na agenda, antes dos compromissos do dia-a-dia, se cuidando e se protegendo. O alcance deste fundamental objetivo só acontece ao concluir que:

1º) Você vale a pena

2º) E que você é a pessoa mais importante que existe.

Agora se você quer saber como anda o seu nível de qualidade de vida. Veja se está incorporando no seu cotidiano, as seguintes dicas para se ter um bom nível de qualidade de vida.

Quinze dicas para melhorar sua qualidade de vida

1º) Busque um sono melhor, mais profundo e reparador.

2º) Envolva-se com uma alimentação mais adequada com seu gasto calórico.

3º)Introduza o movimento na sua vida.

4º) Encontre um tempo por menor que seja para o relaxamento e a meditação.

5º)Tenha a atitude simples de buscar estar presente com sua cabeça aonde está o seu corpo.

6º) Ao acordar antes do café da manhã tome um copo d'agua.

7º) Faça respirações profundas e tranqüilas sempre que se perceber vivo.

8º) Espreguice e boceje várias vezes por dia.

9º) Contemple mais a vida que nos cerca e pense menos. Não leve a vida muito a sério.

10º) Traga ao seu mundo social mais amigos. Pessoas queridas são fatores fundamentais para adquirir uma vida melhor com mais resultado e qualidade.

11º) Se possível more perto do trabalho.

12º) Após o almoço tenha mais momentos de divertimento e recreação.

13º) Não se irrite no trânsito. Irritar-se no trânsito produz uma péssima qualidade de vida, porque o trânsito está muito inserido no nosso dia-a-dia.

14º)Tenha uma boa alimentação mental. Não esqueça de que para onde vai a sua cabeça, a vida corre atrás. Pense coisas boas, que a vida assim também será da mesma forma.

15º) Evite o ódio, a raiva e a mágoa porque estes são venenos que atingem você e não o adversário; pois levam para a corrente circulatória hormônios que irão destruir uma boa perspectiva de vida. Seja esperto, não odeie as pessoas. Não porque seja bom para elas, mas porque é melhor para sua saúde e felicidade.

Você também poderá acrescentar outros itens que considerar importantes.
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A classe média toma o poder

Procurei salientar os aspectos de fundamental importância no breve resumo do trabalho do IISS acerca de tendências mundiais para 2030.
Vale a pena conhecer e refletir sobre o tema.


A classe média toma o poder
Philip Stephens
Valor Econômico



Tropeço a toda hora com previsões inabaláveis de que o futuro pertence à China. Ou de que o Reino Médio sempre terá dificuldades para desafiar a primazia dos Estados Unidos. Não pergunte como a Índia e Brasil se encaixam nessa história. Esse tipo de exercício sobre como será a reconstrução do cenário geopolítico, por mais divertido que seja, também acaba desviando um pouco as atenções. O século XXI não será modelado pelas escolhas abstratas de países. O poder transformador pertencerá à nova classe média mundial.

A história dos últimos 20 anos foi a de uma grande transferência de peso econômico e influência geopolítica do Ocidente para o Oriente. Esse reequilíbrio ainda tem caminho a percorrer. As comparações sobre a posição relativa das potências estabelecidas e emergentes obscurecem alguns dos motores mais importantes da mudança. O que acontece dentro dos Estados é tão interessante quanto o que pode mudar nas relações entre eles. Em 20 anos, o mundo que agora é pobre de forma predominante passará a ser em sua maioria de classe média.

Esses novos consumidores ainda terão renda disponível menor do que seus pares nos EUA e Europa. A proporção dos países ricos no consumo da classe média mundial, no entanto, deverá ser cortada em mais da metade, de 64% para 30%, até 2030.

Os Estados, é claro, continuarão a forma dominante de organização política. É improvável que o aumento da riqueza remova identidades nacionais e culturais. Em alguns casos, pode muito bem reforçá-las. O nacionalismo ressurgente poderia mostrar-se uma das grandes ameaças à segurança e paz internacional. A forma como a maioria dos novos atores globais se comportará, no entanto, será guiada pela redistribuição inédita de poder, dos governantes para os governados.

Os números brutos estão delineados em um relatório convincente - Tendências Mundiais 2030- recém-publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), com sede em Paris. Pelas tendências atuais, destaca o informe, as fileiras da classe média mundial passarão das cerca de 2 bilhões de pessoas atuais para 3,2 bilhões em 2020 e para 4,9 bilhões em 2030, quando a população mundial total seria de pouco mais de 8 bilhões. Dito de outra forma, pela primeira vez na história humana, haveria mais pessoas na classe média do que na pobre.

Os economistas podem debater a definição precisa. Para o ISS, o que constitui ser de classe média é ter renda disponível entre US$ 10 e US$ 100 por dia. Outros elevam um pouco o nível, considerando valores a partir de US$ 15. Pelos padrões ocidentais mesmo essa faixa é bastante baixa - mas leve em conta, então, quantas pessoas sobrevivem com US$ 1 por dia. O mais importante é que mesmo as suposições mais conservadoras indicam que haverá uma redistribuição irrevogável de poder econômico.

Como seria de se esperar, a transformação será mais pronunciada na Ásia. A China já possui mais de 160 milhões de consumidores de classe média, atrás apenas dos EUA. O número, contudo, representa apenas cerca de 12% da população chinesa. Até 2030, de acordo com as projeções da ISS, a proporção poderá ser de 74%. Na Índia, metade da população deverá supera o limite de US$ 10 diários antes de 2025. Em 2040, 90% estarão na classe média.

Essas tendências irão além da Ásia. Quase 70% dos brasileiros deverão estar na classe média em 2030. No mesmo ano, a América Central e América Latina terão tantos consumidores da classe média quanto a América do Norte. A transição será mais lenta na África, mas mesmo lá os números deverão mais do que dobrar em relação a 2030.

Esses novos consumidores ainda terão renda disponível bem menor do que seus pares na América do Norte e Europa. A proporção dos países ricos no consumo da classe média mundial, no entanto, deverá ser cortada em mais da metade, de 64% para 30%, até 2030.

As implicações dessa transformação serão tão profundas para as dinâmicas da ordem política dentro dos Estados ascendentes quanto as relações entre esse países e as potências estabelecidas. Classes médias maiores e mais afluentes provavelmente exigirão maior prestação de contas por seus governos. Isso não significa necessariamente que haverá um clamor por democracias representativas no estilo ocidental. Indica, no entanto, que as elites atuais, muitas vezes autoritárias, ficarão pressionadas.

A demanda das classes médias por mais voz na organização de suas sociedades será amplificada pelo maior acesso à educação - especialmente entre as mulheres - e pelo avanço incansável da tecnologia digital. O impacto da revolução digital já deixou sua marca no mundo árabe. O acesso compartilhado a comunicações instantâneas e praticamente gratuitas dá às classes médias mundiais uma arma potente na luta para ter maior controle sobre suas vidas. Já há mais usuários de internet na China do que cidadãos nos EUA.

Para o Ocidente, a perspectiva encorajadora de bilhões de pessoas saindo da pobreza chega acompanhada da probabilidade de que muitos - talvez a maioria - acolherão valores básicos, como a liberdade individual, dignidade humana e o Estado de direito. Não há relação automática entre a riqueza de uma sociedade e o grau de liberdade individual. Nem uma linha direta entre prosperidade e democracia. Há evidências de sobra, no entanto, indicando que mais cidadãos se identificam com um amplo conjunto de valores universais, quanto mais ricos ficam e mais anos de ensino acumulam. Governos opressivos por todos os lados terão problemas para resistir a esse despertar político.

Isso não quer dizer que o mundo será um lugar mais estável e pacífico. Grandes potências ainda concorrerão. Regimes sob pressão em casa podem muito bem sair à busca de inimigos externos. A concorrência por recursos naturais e a distância entre as expectativas da nova classe média global e a capacidade dos Estados de atendê-las será um convite para que regimes autoritários despertem os demônios da xenofobia. Uma provável desarticulação das instituições de governança global não será de nenhuma ajuda.

Mas e quanto às perspectivas de um mundo universalmente mais próspero e mais comprometido com a liberdade? Certamente, surgirão boas notícias a partir disso.
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A babel de torre


Impressionante como a insensatez e a burocracia prejudicam o desenvolvimento e geração de emprego e bem-estar. 

As Instituições envolvidas são as principais responsáveis por este inacreditável caos burocrático. Em pleno segundo ano da segunda década do século XXI de um país que acha que chegou com folga ao primeiro mundo.

A babel de torre
Veja 

 Foram cinco anos e 322 milhões de reais investidos pelo empresário Walter Torre. Mas a burocracia impediu a inauguração do Shopping JK, parte do maior empreendimento urbano em execução no Brasil. Triste exemplo da selva de leis e regras que atrasam o progresso


Tudo estava pronto para a abertura das portas do mais novo shopping de São Paulo, o JK Iguatemi. Na manhã da quinta-feira 19, as lojas estavam montadas, com as vitrines e prateleiras preparadas para o Dia das Mães, a segunda data mais importante para o comércio no ano. Mais de 3000 funcionários já estavam contratados. Na última hora, porém, a inauguração foi abortada. Parte de um complexo de prédios comerciais do que é o maior empreendimento urbano do Brasil, o Shopping JK teve sua abertura impedida por entraves que são um microcosmo das mesmas teias burocráticas que todos os dias em todas as partes do território brasileiro estão dificultando, encarecendo e até inviabilizando a criação de empregos e riquezas. Entre centenas de lojas, o JK tem grifes internacionais que fariam sua estreia no Brasil, caso da espanhola Balenciaga, da francesa Lanvin e da inglesa Topshop. O projeto consumiu 322 milhões de reais e cinco anos de trabalho. Agora o empresário Walter Torre Jr., responsável pelo empreendimento, sem ter o que responder a seus incrédulos parceiros nacionais e estrangeiros, limita-se a esperar que as autoridades se entendam c abram o caminho para o shopping começar a operar. Não existe ainda uma data para isso.

 O principal entrave ao funcionamento do empreendimento é uma ação da promotora Stela Tinone Kuba. Ela alega que o JK Iguatemi não poderá funcionar enquanto não forem entregues certas obras de engenharia nas proximidades do prédio, com a função de diminuir o impacto no trânsito naquela área. Entre as obras pendentes, a mais complexa é um viaduto. Mostrando em detalhes todos os infindáveis trâmites enfrentados pela sua construtora. WTorre, Walter Torre Jr. contou a VEJA por que o viaduto não ficou pronto: “Só não fizemos as obras que faltam por uma questão de burocracia. Ainda não obtive da Secretaria do Verde e Meio Ambiente a autorização para remover algumas árvores”. Uma outra solicitação de manejo de árvores pedida pela WTorre em setembro de 2009, por exemplo, só foi liberada em julho do ano seguinte, dez meses depois. A empresa conta hoje com seis funcionários e um time de consultores terceirizados exclusivamente dedicados a peregrinar por uma dezena de diferentes repartições públicas em busca de soluções. A ausência de uma licença muitas vezes impede a obtenção de outras. Torre argumenta que fez a maior parte das obras compensatórias exigidas, incluindo o alargamento de avenidas e a construção de um trecho da ciclovia da Marginal do Rio Pinheiros, um investimento de mais de 50 milhões de reais. E o viaduto? Ele nem fazia parte das exigências iniciais da prefeitura, mas acabou impedindo a inauguração.

 A lei municipal prevê a possibilidade de os empreendedores apresentarem recursos administrativos quando fatores alheios ã sua atuação impedirem a conclusão das obras mitigadoras de tráfego. Isso tornaria possível a obtenção de uma licença provisória. Foi o que a WTorre fez, depositando, em janeiro, 84 milhões de reais sob a forma de carta-fiança. A prefeitura, no entanto, não concedeu o termo provisório até agora. Diz Torre: “Eu não estou ilegal. Essa incerteza representa a instabilidade jurídica que atinge todos os empresários envolvidos no projeto”.

 Ele tentou impedir que o Ministério Público conseguisse adiar a inauguração. O pedido foi negado.

 O Tribunal de Justiça entendeu que não existe a possibilidade de obtenção do habite-se sem que antes a prefeitura conceda a licença provisória. Já a Secretaria Municipal de Transportes reconhece que a carta-fiança foi paga pelo empresário. Mesmo assim negou o Termo de Recebimento e Aceitação Parcial (Trap) por ver com preocupação “os impactos que a abertura do shopping vai causar aos moradores do entorno e às pessoas que se deslocam na região do empreendimento enquanto as obras de mitigação de trânsito não forem realizadas”. A babel de Walter Torre demonstra cabalmente o inferno burocrático asfixiante vivido por empreendedores brasileiros em todos os quadrantes do país. Afirma Luiz Fernando Veiga, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce): “Construir um shopping demora, no mínimo, cinco anos. Passa-se por uma verdadeira corrida de obstáculos. A lerdeza dos órgãos públicos não combina com a agilidade que o empreendedorismo exige. São comuns as situações em que as exigências se contrapõem e se contradizem. Atender a uma delas significa contrariar a outra". A WTorre tem duas opções. A primeira é esperar que a Justiça force uma coordenação entre a prefeitura e o Ministério Público. A segunda é obter do prefeito Gilberto Kassab a licença de funcionamento solicitada em janeiro, dentro dos termos da lei municipal. O caso fica desde já como a vitrine do caótico ambiente de negócios no Brasil, uma selva de regras desgastante e desanimadora para quem quer produzir e trabalhar.
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A mágica de Tábata

Maravilhado e esperançoso com o exemplo dado por esta humilde jovem.
Há escolas públicas com professores sérios e estudantes dedicados.
Que belo exemplo que esta jovem nos dá.




A mágica de Tábata
ÁLVARO PEREIRA JUNIOR
FOLHA DE SP

A estudante de origem humilde não passou no ITA, mas entrou em seis universidades nos EUA


Filha de um cobrador de ônibus e de uma vendedora de flores, a estudante paulista Tábata Amaral de Pontes, 18, recebeu uma notícia triste no fim de 2011: foi reprovada no vestibular do ITA, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, um dos mais difíceis, senão o mais difícil do país.

A decepção só não foi completa porque, semanas depois, chegaram notícias excelentes: Tábata foi aceita em seis universidades americanas de ponta, a elite da elite do ensino e da pesquisa: Harvard, Yale, Princeton, Columbia, Universidade da Pensilvânia e até o sacrossanto Caltech, recém-eleito a melhor instituição de ensino superior do mundo.

Para uma família americana, ver um filho em qualquer dessas universidades é motivo de um orgulho que ultrapassará gerações. Só o pequeno Caltech teve, em sua história, 32 prêmios Nobel, conquistados por 31 de seus cientistas (um deles, Linus Pauling, o maior químico do século 20, ganhou duas vezes: Química e Paz).

Imagine, então, o que essas aprovações representam para Tábata e sua família (o pai, infelizmente, morreu três dias depois de saber que ela passara em Harvard). De origem humilde, a jovem fez ensino médio com bolsa, em São Paulo, e se arriscou nos EUA porque o colégio incentiva seus alunos estelares a tentar faculdade no exterior.

Mas vamos lembrar o primeiro parágrafo: o ITA não quis saber dela. A fera em exatas levou bomba na respeitada instituição de São José dos Campos. De nada adiantaram seus prêmios em olimpíadas de física, matemática, química, robótica, informática, astronomia e linguística. Só contaram as notas das provas. Não deu.

Não há como fugir da conclusão: há algo muito errado com os vestibulares -no Brasil, em geral, e no ITA, em particular.

Por mais que alguns vestibulares se modernizem, busquem a interdisciplinaridade, a contextualização social, por mais que algumas instituições (USP e Unicamp são os exemplos mais evidentes) elaborem provas elegantes, fugindo da simples decoreba de fórmulas e do acúmulo bitolado de conhecimento, não há como escapar do caráter "lotérico" do vestibular. Mesmo os candidatos mais preparados e frios precisam de sorte também.

Uma indisposição, um branco na memória, e adeus. Nova chance, pelo menos nas melhores universidades brasileiras, só dali a um ano.

No caso do ITA, a situação é ainda mais aguda. Um vestibular brutal, que tem muito pouco a ver com o que de fato se aprende no ensino médio -mesmo nos colégios mais fortes. De tanta exigência, resulta uma distorção. Só passa no Instituto Tecnológico de Aeronáutica quem se prepara especificamente para ele. E a estatística mostra uma curiosidade: a cidade com mais aprovados é Fortaleza.

Historicamente, Fortaleza tem colégios e cursinhos voltados ao vestibular do ITA. Neste ano, dos 120 convocados, nada menos que 40 eram da capital cearense. São José dos Campos, sede do instituto, vem logo atrás, com 38. Mesma razão: cursinho focado no ITA.

O ITA, não me entenda mal, é uma escola de engenharia de enorme prestígio na graduação (na pós, menos). Uma busca no Google por "formado no ITA" encontra profissionais de muito destaque, ocupantes de altos cargos no governo, na iniciativa privada e na academia.

A Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, deve muito de seu sucesso à formação sólida dos engenheiros que saem do instituto para a empresa. A qualidade do ensino, incontestável, não está em questão.

O que discuto é que, para ser escolhida pelas universidades mais importantes do planeta, Tábata foi avaliada como um todo. Fez uma prova, o SAT, inspiração do nosso ENEM (mas que, ao contrário deste, não é usado como critério único de admissão).

Também levou cartas de recomendação, escreveu redações, foi entrevistada, apresentou seu histórico escolar e, principalmente, teve analisadas suas atividades extracurriculares (Tábata fundou, há três anos, o grupo Vontade Olímpica de Aprender, que treina alunos de escolas públicas para olimpíadas educacionais).

No sistema brasileiro, nada disso teria contado. Nem nos vestibulares que tentam ser mais modernos, nem nas provas mega tradicionais do ITA.

Para passar nas escolas dos EUA, bastou Tábata ser ela mesma. Nos últimos dias, tem cruzado os Estados Unidos para decidir onde estudar. Também entrou em física, na USP, mas seu destino está fora do Brasil. O ITA a reprovou, ela foi voar no hemisfério Norte.
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O dia de não saber


Um texto singelo, profundo e denso.
Talvez anomia e alienação sejam um tipo de entorpecente, quem sabe. O notável é a conclusão de uma senhora, muito intelectualizada, cidadã com altíssimo índice de produtividade social mas que, como muitos, se depara com nossa realidade atual e balança nas bases. Imaginem os demais.

Imperdível.

O dia de não saber

Lya Luft
Veja

Andei uns dias com uma tristeza e um desânimo sem razão que eu pudesse detectar, mas que me sobrevoavam como ave agourenta. Eu a mandava embora, ela depressa voltava. Fiz meus cálculos: filhos, netos e marido bem, saúde boa, trabalho bastante, ainda dando para pagar as contas. Mas eu me sentia doente.

"Exames, consultas, tudo ótimo, você vai fácil aos 100", tranquilizou o médico amigo. Mas eu me sentia doente e nunca fui de hipocondrias. "Repouse um pouco. Pegue leve", ele disse. Obedeci. Em lugar de saltar da cama antes das 7, preparar o café, tomá-lo na sala enquanto assistíamos ao noticioso, fiz o que, brincando, chamei de "vida de celebridade": ficava até mais tarde na cama, às vezes o marido até trazia a simpática bandejinha. Procurei controlar minha natural ansiedade, nada de me preocupar com tudo e com todos. Mais contemplativa, do jeito que na verdade eu gosto.

E aos poucos melhorei. Um dia acordei, e tinham-se ido os sintomas e a tristeza. Levei algum tempo para entender o que se passava: nos meus dias de preguiça deixei de ler os jornais e assistir aos noticiosos logo de manhã. Que santo remédio para meus males. Pois o que se lê ou vê não deveria ser o primeiro alimento da alma, como não comeríamos feijoada ao sair da cama, ao menos imagino eu.

Então retomei meu ritmo antigo bem de mansinho. Abro jornais e vejo noticiosos perto do meio-dia (assim também perco um pouco a fome e os quilos necessários). Pois o que vemos, lemos, ouvimos é mais de 90% deprimente, se não assustador. Lembrei-me de um senador da República, Jefferson Péres, dizendo que deixaria a sua cadeira no Senado "com profundo desalento" pelo que ocorria neste país. Um dos raros pilares da grandeza e da ética, ele morreu em 2008, do coração, se não me engano em sua casa em seu estado natal. Não deve ser grave erro atribuir essa morte, em parte, ao peso daquele desalento que devia ser enorme, vasto e profundo, para o levar àquele passo.

Eu não posso abdicar de meu país, e de minha condição de quem aqui nasceu e escolhe todos os dias aqui viver, porque este é o meu lugar, estas são minhas raízes essenciais. Porém, que está difícil, está. O rio de lama se transforma num mar, aquele tão citado por tantos políticos em tantas décadas. A quem recorrer, para que lado olhar? Teias e tramas de corrupção se revelam em dimensões inimagináveis. Educação e saúde continuam em desgraça, porque não as vejo de verdade favorecidas nem resolvidos os seus piores males. Preparam-se assim gerações de ignorantes, incompetentes e talvez de descrentes. Pois os líderes deviam ser nosso exemplo segundo, o primeiro sendo os pais.

Não deve nos chocar ouvir um adolescente dizer "por que eu devia estudar", "por que trabalhar tanto", "por que ser honesto", se a gente acaba parecendo bobo no meio dos espertos? O argumento é adolescente como o rapaz, mas não sem fundamento. É preciso muito esforço, muito raciocínio, muita base de casa, muito berço (não o esplêndido, mas o amoroso, reto, moralmente bom), para nadar contra a correnteza escura, e tentar fundar alguma ilha de claridade, de honradez, de trabalho, de interesse real pelos menos afortunados. Para buscar uma humanidade como sempre imaginei que ela deveria ser — quem sabe um dia será —, onde a gente sinta que vale a pena lutar, sonhar, ter esperança; onde se adotem linhas firmes de conduta e ideologias do bem. Pois cada vez mais as ideologias deixam de importar; valem os interesses, os votos, o poder, a manutenção das condições favoráveis ao enriquecimento ilícito, às manobras por mais e mais poder, e tudo o que gera violência, ignorância, miséria, agressividade, stress e o que disse aquele senador: desalento.

Assim, higienizando minhas manhãs, eu me sinto muito melhor. Estaria curada se quisesse me alienar de todo, mas isso não posso: sou uma habitante deste planeta e deste país, e quero que tudo de bom ainda possa florescer por estas bandas, antes de se passarem aqueles meus profetizados 100 anos.
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