quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Hora de decisão



Rômulo Sampaio
O Globo



Hoje é um grande dia para o Supremo Tribunal Federal. Em pauta, o julgamento da lei do amianto (processo número 9.055/1995).

Entenda o caso: o amianto é uma fibra mineral muito utilizada na indústria. No Brasil virou sinônimo da empresa que comercializa um dos seus derivados mais conhecidos: telhas Eternit.

Segundo a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto há dois tipos de amianto: crisotila (branco) e anfibólios (marrom, azul e outros).

O primeiro, segundo a Abrea, corresponde a 95% de todas as manifestações geológicas do planeta.

A lei brasileira sobre o amianto, em seu artigo 1º, proíbe os anfibólios. O artigo 2º, por outro lado, permite o branco.

O estado de Goiás é o maior produtor. É grande interessado no julgamento.

A matéria não é inédita na Suprema Corte. Estados como Mato Grosso do Sul e outros já haviam tentado, via leis estaduais, suspender a comercialização do amianto branco em seus territórios.

O STF entendeu que lei estadual não pode contrariar lei federal. Mas não quer dizer que o resultado amanhã será o mesmo. Isso porque, em pauta, não está a lei estadual proibitiva, mas a própria lei federal permissiva do amianto branco.

Muitos países desenvolvidos já baniram o amianto. Alegam que não há níveis seguros de utilização.

Em sentido contrário, posicionam-se a indústria, o estado produtor e organizações de trabalhadores.

Eles defendem que os critérios de segurança da indústria do amianto são suficientes para evitar danos à saúde e ao ambiente.

Quem tem razão? No fundo, a questão é saber se o nível de risco socialmente aceito é matéria que deve ser de competência do Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal terá que decidir sobre a qual corrente científica vai se filiar.

Se entender que há evidências científicas suficientes para demonstrar a inexistência de níveis seguros, há um arsenal de normas constitucionais à sua disposição para declarar a inconstitucionalidade da lei do amianto.

Se entender que não, pode consignar que não compete à Suprema Corte arbitrar entre o que seria um nível seguro de exposição a determinada substância.

Não se pode perder de vista que, em caso de dúvida, vigora no direito brasileiro a regra da precaução.

Por declaração de inconstitucionalidade, por ato do Legislativo ou do Executivo, o Estado não pode coadunar com práticas que exponham trabalhadores, consumidores e o meio ambiente a riscos de danos irreversíveis e, no caso de doenças associadas ao amianto, demasiadamente cruéis.

Se dos autos os ministros do STF conseguirem enxergar as evidências, ou a falta delas, a inconstitucionalidade é medida que já vem tarde.
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Saída é a inovação



 PAULO BORNHAUSEN
O Globo 


A vinda da BMW abre uma nova fronteira automotiva no Brasil.

Trata-se de um marco histórico para a nossa economia, mas deve ser vista, também, como uma nova era para a economia do país, focada na inovação e na sustentabilidade.

Em Santa Catarina, passamos por um processo de reavaliação e de valorização de nossas qualidades específicas a partir do momento em que o governo tomou a decisão de dar prioridade ao investimento em inovação.

Isso foi antes da Resolução 13, da "guerra dos portos", que, de certa forma, reforçou a determinação de trazermos uma empresa mais preocupada com as condições estruturais do estado, do que propriamente com incentivos fiscais e econômicos - claro, sem deixá-los de fora.

A exemplo do que foi feito pelo governo federal, criamos nosso próprio regime automotivo. Mas estabelecemos, como limite, não sacrificar o equilíbrio orçamentário do estado.

Construímos um modelo baseado no desenvolvimento econômico que queremos.

Queremos indústrias que trafegam na fronteira do conhecimento, não só no setor automotivo, mas também aeroespacial, aeronáutico e de defesa, integrados ao programa apresentado à BMW.

Estamos gerando emprego de qualidade e formação profissional de alta qualificação.

É importante frisar que, mesmo com os benefícios que estará recebendo, esta empresa e outras que virão, com certeza, não deixarão de recolher impostos ao estado em momento algum. E tudo que lhes é oferecido, as empresas catarinenses têm direito ou já usufruem.

Queremos a BMW e tantas outras grandes empresas que possam agregar valor à nossa economia. No entanto, antes disso, estamos investindo fortemente na indústria aqui instalada, sempre em parceria com o Sebrae de Santa Catarina.

Fortalecemos a microeconomia, investindo nos microempreendedores individuais. Apoiamos as micro e pequenas empresas com o Nova Economia, com consultoria de gestão e de inovação.

Trabalhamos com 2.400 empresas de todas as regiões do estado. Investimos nos setores fundamentais, como metal-mecânica e outros, criando uma grande rede de fornecedores e de prestadores de serviços que atuarão no entorno das grandes empresas que aqui se instalarem.

Sem demérito de qualquer outra região brasileira que tenha se candidatado a receber a primeira fábrica da BMW na América Latina, o fato de a fábrica alemã ter sido a primeira a fazer acordo conosco é emblemático.

O estado recebe um selo de qualidade, um certificado de ISO 9000. E o Brasil também, haja vista a manifestação imediata de outras grandes empresas no sentido de virem para o nosso país.
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Universidades debatem o futuro do ensino



 Stela Campos 
Valor Econômico



Em um mundo onde o acesso a informação está cada vez mais democratizado e o conhecimento se multiplica em uma velocidade nunca antes vista, ensinar se tornou um grande desafio. Os professores não são mais os únicos donos da verdade. Os currículos precisam ser flexíveis e construídos de acordo com as novas necessidades do mercado.

As universidades, portanto, não podem mais abrigar apenas uma elite que dita as regras e que está distante do que acontece no mundo real. Embora muito se fale sobre essas transformações, que envolvem também a construção de um novo modelo de negócio mais sustentável, a maior parte das instituições de ensino superior ainda funciona da mesma forma há um século - e pode estar caminhando para a obsolescência.

Essas foram algumas conclusões da 3ª Conferência Internacional "Reinventando o Ensino Superior", cujo tema deste ano foi "Eduempreendedorismo: Novas Formas e Caminhos Para a Diferenciação no Ensino Superior". O encontro, promovido pela IE University, reuniu na sede da escola espanhola, reitores, gestores de associações de ensino e especialistas de diversos países.

O objetivo foi colocar no mesmo ambiente representantes de diferentes tendências e modelos de escolas, das mais tradicionais como Oxford às mais modernas como Brown, além de instituições como o World Economic Forum e a Wikipedia - todos com o desafio comum de entender esse novo momento no ensino.

"A globalização trouxe um novo tipo de competição e as universidades precisam responder às necessidades atuais do mercado", diz Santiago Iñiguez, presidente da IE Business School. Ele diz que existe uma pressão enorme para que essas instituições sejam mais efetivas em seus modelos de negócios e ensino.

"Há uma explosão da demanda por ensino superior, especialmente em países emergentes como Brasil, China e Índia. É preciso, no entanto, pensar em qualidade", diz Arnould de Meyer, presidente da Universidade de Negócios de Cingapura. Ele trabalhou por 23 anos no Insead, onde foi responsável por montar a operação asiática da escola na região.

De acordo com Meyer, a escassez de professores doutores em todo mundo pode comprometer esse desenvolvimento. "A Indonésia, por exemplo, já sofre com esse problema". Em sua opinião, é necessário formar um novo perfil de professor que seja ao mesmo tempo dedicado à pesquisa, mas que tenha trânsito no mercado. "Os acadêmicos, no geral, são avessos ao networking, mas isso precisa mudar. "

Não se trata, contudo, apenas do perfil de quem ensina, mas também do conteúdo oferecido em sala de aula. "É preciso dividir com os estudantes o desenho dos currículos para que eles sejam cada vez mais interativos e customizados", diz Meyer. As pesquisas acadêmicas devem ser interdisciplinares e alinhadas com as necessidades do conhecimento e do mercado.

A inclusão das artes no currículo em todos os cursos da universidade americana Brown, segundo seu diretor de departamento de educação Kenneth Wong, é uma forma de inserir valores que vão além das disciplinas tradicionais. "Acreditamos na formação de um cidadão mais engajado na sociedade, interessado em saber a natureza dos governos e dos mercados, e não apenas as últimas tendências na área de marketing", explica.

Um dos grandes desafios das universidades hoje é formar os estudantes para um mercado de trabalho que ninguém sabe ao certo como será. "Temos que preparar os jovens para empregos que ainda não existem", diz Carlos Enrique Cruz Limón, vice-reitor da universidade mexicana Tecnológico de Monterrey. Para ele, as escolas vão ter que desenvolver novas atitudes e competências dos alunos tendo em vista que as transformações estão cada vez mais rápidas.

O uso de tecnologias e ferramentas modernas que disseminam o conhecimento como o Wikipedia - enciclopédia virtual construída coletivamente por milhares de usuários voluntariamente, que hoje é o quinto site mais popular do mundo e tem textos escritos em mais de 300 idiomas -, é visto como inevitável, mas exige cuidado. "Os alunos precisam buscar informação em mais de um lugar e desenvolver o pensamento crítico. As escolas devem estimular isso", diz Meyer.

A diretora do programa de educação da Fundação Wikimedia, Annie Lin, diz que o objetivo do Wikipedia é democratizar a informação. "Ele vai conduzir o aluno a outras fontes", diz. O uso do site, segundo ela, ajuda a treinar algumas habilidades importantes no mercado atual. "Refiro-me à comunicação on-line, ao contato com pessoas de diferentes nacionalidades e backgrounds tentando solucionar problemas e trabalhando juntas" diz. Além disso, o estudante treina sua capacidade de síntese e clareza ao escrever um texto.

O ensino on-line é outro assunto que está sendo muito discutido entre os educadores e que vem crescendo aos poucos em vários países. Para Michele Petochi, diretor da área de educação do Fórum Econômico Mundial, a tecnologia ainda é cara e sua efetividade está sendo testada. O custo de um curso on-line em uma universidade de primeira linha, segundo ele, é três vezes maior do que o pago pelo aluno. "O mundo não sabe ainda de onde as pessoas aprendem de verdade, se é com experiências virtuais e presenciais, se é no trabalho ou em atividades sociais", afirma.

Com o aumento dos cursos a distancia e as parcerias internacionais, algumas escolas questionam se ainda vale investir em infraestrutura. "Estamos olhando cada vez mais para fora", diz o vice-reitor de Monterrey. Para a diretora do programa Education UK do British Council, Pat Killingley, são os próprios estudantes que pedem esse movimento internacional. "Eles dão as cartas e os negócios se organizam a partir dessa demanda."

Para se manterem sustentáveis e ampliarem o número de parceiros e escritórios ao redor do mundo, como fazem as escolas de negócios, as universidades terão que olhar para um público que está acima da faixa entre 18 e 28 anos de idade. "O conhecimento do mundo dobra de tamanho a cada sete anos. Isso significa que as pessoas precisarão pensar em um estudo de longo prazo e as universidades têm que estar preparadas", diz Meyer
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CAOS AÉREO PERSISTE



ESTADO DE MINAS


Anac eleva multas a companhias, mas isso não resolve tudo

O transporte aéreo nacional deveria estar voando alto, em céu de brigadeiro. Em 2011, 9 milhões de brasileiros embarcaram em um avião pela primeira vez. Em julho deste ano, a taxa de ocupação nas viagens domésticas atingiu quase 80%. Reflexo da recuperação da economia nacional, com a expansão da classe média e o mercado de trabalho praticamente atingindo o pleno emprego, apesar da crise mundial. Mas o que decola pra valer é a insatisfação dos passageiros com as companhias. Para agravar, a infraestrutura aeroportuária mergulha no caos, pois as providências seguem no ritmo dos velhos bondes, em vez de espelharem-se na velocidade dos jatos.
Está fresco na memória o ocorrido em meados deste mês em um dos 10 principais aeroportos do país, Viracopos, em Campinas (SP). Com uma só pista – embora a segunda, que só deverá ficar pronta bem após a Copa do Mundo de 2014, esteja prevista há quase 10 anos –, passou quase dois dias interditado, diante da quebra de um cargueiro e da falta de um plano de desobstrução rápida. Resultado: cerca de 500 voos cancelados e mais de duas dezenas de milhares de usuários prejudicados. É natural que acidentes aconteçam, mas um mínimo de precaução teria agilizado a volta à normalidade operacional e os consequentes transtornos extras que a demora causou.
A imprevisibilidade, contudo, é a marca que domina o setor. Ao comprar uma passagem aérea, o cidadão já está consciente de que os horários de saída e de chegada não passam de previsões. Se precisar remarcar o bilhete, deve preparar-se para pagar até o dobro do valor inicial. Outra aventura é encontrar vagas em estacionamentos quase sempre lotados. Mais uma pode ser o check-in, com filas gigantescas, apesar das facilidades oferecidas pela internet. No destino, dúvida cruel: estará sua bagagem na esteira? E se precisar de informações? Bom, dificilmente terá atendimento adequado.
Só em 2011, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) registrou 25 mil reclamações. Agora, o órgão regulador do setor tomou decisão drástica. Na próxima terça-feira, definirá multas que podem chegar a R$ 20 milhões, mil vezes mais do que as atuais, em casos em que os serviços de transporte aéreo comprometerem a ordem ou a segurança pública, incluindo falhas no check-in. De imediato, as duas maiores companhias brasileiras, a TAM e a Gol, passarão por auditoria operacional para conferir os procedimentos de emissão de bilhetes. Não basta, nem se sabe se a medida vingará, mas passava da hora de ação mais enérgica.
A demanda crescente eleva a expectativa de venda de passagens aéreas no Brasil este ano a 80 milhões de unidades. Sem corrigir falhas das empresas, o país não dará conta do recado. Além disso, a precariedade da infraestrutura pública é gargalo que cabe ao Estado enfrentar com o mesmo rigor que aplica às companhias. Havia a esperança de avanços em razão da Copa do Mundo e das Olimpíadas, mas a letargia do governo a transformou em frustração. Com as obras atrasadas, soluções paliativas, como os puxadinhos, podem ser a dor de cabeça futura.
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terça-feira, 30 de outubro de 2012

A filosofia de lavar a louça



LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP

Estudar, contemplar, trabalhar. Um ato alimenta o outro, e os três formam o espírito

Fala-se muito de como o "Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA, ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que comprem iPads lá.

Mas independentemente dessa breguice de vira-lata querendo fingir que entende de vinhos, há um detalhe na vida europeia e norte-americana que vale a pena discutir: a vida doméstica e suas tarefas.

Mas, sintomaticamente, os vira-latas nunca falam disso, porque a própria condição de vira-lata os impede de entender ou mesmo enxergar esse detalhe. O sonho do vira-lata é fingir que é llhasa apso e por isso acha que ser um llhasa é desfilar bolsa Prada no JK Iguatemi.

O Brasil é terra de atrasado, corrupto, esculhambado, inculto, novo rico e por aí vai. Tudo isso é verdade. A prova disso é que aqui luxo é ostentação. Suspeito que grande parte do que há de fato de bom na Europa e nos EUA em termos de hábitos e costumes (portanto, estamos falando de moral) se deve ao fato de que nesses lugares as pessoas se movimentam de modo diferente no cotidiano das suas tarefas.

Sempre ouvi os mais velhos dizerem que "o costume de casa vai à praça" e isso é a mais pura verdade. Além de fazerem sexo melhor, suspeito também que os mais velhos entendiam bem melhor do que é essencial, principalmente porque não tinham essa parafernália de ideologia e outros quebrantos bobos como ferramenta de análise do mundo.

Eles observavam a vida sem a presunção de ter descoberto a chave do mundo, como nossos contemporâneos viciados em "teorias de gabinete", como dizia Edmund Burke.

Lembro-me bem que minha filha, chegada à França com cerca de dois anos de idade, chorava porque não podia lavar louça como meu filho, seu irmão, mais velho do que ela nove anos. Isso é sintomático de muitos outros pequenos detalhes: para ela, lavar a louça era parte de ser da família. Meu filho, minha mulher e eu partilhávamos todo o cuidado com a vida cotidiana, inclusive o cuidado com a caçulinha.

Em países como a França, Alemanha, Israel, EUA e outros semelhantes, você é responsável por tudo que acontece na sua casa. Roupa, comida, limpeza, compras, resolução de pequenos problemas logísticos, enfim, da sustentação da vida.

As casas (menos nos EUA, mas ainda assim a ocupação de espaço é diferente da nossa) são menores e mais simples, mesmo que com mais parafernália tecnológica, quando você tem condição de tê-la.

O que me chama atenção em relação às casas não é só seu tamanho, mas a ocupação do espaço. No Brasil temos a famosa sala de visita que, se você "está bem de vida", deve ser completamente inútil e parecer desocupada. Por isso, sempre suspeito que manter uma parte da casa sem uso é signo de vira-lata.

As aristocracias antiga e medieval, as únicas verdadeiras, também não tinham castelos sem uso. Burguês, e aristocracia falida, com "castelo" na zona leste ou nos Jardins é coisa de "wannabe", como dizem meus alunos.

Goethe, em seu maravilhoso "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister", descreve o que é a casa de um burguês: ter mais coisas do que precisa e não ter uma relação de uso e necessidade real com os objetos da casa.

Este é o caso. Uma sala de visitas imaculada faz você parecer rico o bastante para manter parte da sua casa sem uso e, com isso, você trai sua breguice burguesa. Acho que grande parte de nossas agruras vem do fato de que não lavamos louça com frequência e de que temos cômodos dissociados de nosso cotidiano e necessidades.

Basílio Magno (século 4) criou a regra da vida monástica: estudar, contemplar, trabalhar. Uma atividade alimenta a outra, e as três formam o espírito. A sabedoria monástica é uma das maiores criações do espírito humano.

Entre nós, dar "tudo" para os filhos até os 40 anos de idade é signo de sermos bons pais. E com isso preparamos adultos retardados e com futuras salas de visita cheias de fantasmas de nossa pobreza de espírito.
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TRÂNSITO EXIGE SOLUÇÕES ESTRUTURAIS



O GLOBO


O Rio tem grandes desafios a enfrentar no sistema de trânsito. E não são apenas os relacionados aos compromissos do poder público com a Copa e as Olimpíadas. Estes ficam na rubrica das demandas de curto prazo, com respeito à mobilidade urbana dos turistas que virão para as duas competições. Seu alcance a longo prazo fica por conta, é o que se espera, de as intervenções urbanísticas permanecerem como legado para o município superar deficiências em sua estrutura de transportes.
A série de reportagens do GLOBO "Nós no trânsito" ajuda a projetar, para muito além dos próximos quatro anos, a necessidade de o Rio construir uma sólida saída para o caos das ruas. Além de problemas de gestão e de cultura (planejamento falho de equipes de orientadores de tráfego, pouca atenção de empresas de ônibus com a formação de bons profissionais ao volante etc.), há no horizonte uma questão que deve estar na base de qualquer proposta estrutural para melhorar o sistema: em 2016, a cidade alcançará a proporção de um carro para dois cariocas, segundo estimativa da Firjan. É receita certa para o colapso.
Não se pode perder o oportuno momento de dar passos essenciais para lançar bases de uma revolução no setor. Intervenções urbanísticas em curso deverão, sem dúvida, integrar-se a programas de otimização do sistema viário e de transporte de alta frequência. Mas outras necessidades certamente aparecerão, num cenário em que se assiste a um crescimento médio anual, nos últimos dez anos, de 4% da frota de automóveis em circulação.
Dentro de quatro anos, a quantidade de carros nas ruas do Rio tangenciará a casa dos três milhões. É duvidoso que a adoção de medidas pontuais de alívio da demanda venham a surtir efeitos permanentes. O rodízio de placas, por exemplo, tem resultados de curto prazo. Em São Paulo, onde é adotado, para fugir da rotatividade, motoristas passaram a usar um segundo automóvel, o que incrementou ainda mais a frota, numa perversa inversão da fórmula. Recorrer ao pedágio, em áreas limitadas, pressupõe oferecer alternativas de transporte público.
O desafio exige saídas estruturais. Caso da melhoria radical do sistema de transportes de alta capacidade, com obras de infraestrutura e melhoria de gestão. Triplicar o uso de trens, do metrô e das linhas de BRT, como prevê o prefeito Eduardo Paes, é providência que já deveria ter sido adotada - e não pode permanecer no rol das boas intenções. O sistema sobre trilhos, subaproveitado, é essencial para desafogar o trânsito nas ruas, com a otimização das linhas de ônibus, grandes responsáveis por cada vez mais constantes engarrafamentos.
O colapso do sistema de trânsito do Rio ainda é um fantasma do futuro; o problema é que ele se aproxima cada vez mais.
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Educação: da negligência à exorbitância


CLAUDIA SAFATLE
Valor Econômico



A presidente Dilma Rousseff deve sancionar a lei do novo Plano Nacional da Educação (PNDE), cujo projeto, aprovado há dez dias na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, praticamente dobra os gastos com a educação pública no país. Passa dos cerca de 5,1% do PIB atuais para 10% do PIB até 2022. A aprovação na CCJ teve caráter conclusivo e o projeto seguiu para o Senado Federal.

Cumprida a trajetória de aumento gradativo do Orçamento o Brasil será, em dez anos, de longe o país que mais investe em educação no planeta.

Para financiar essa meta, o Projeto de Lei 8.035/2010, em seu Artigo 5º, Inciso 4, determina a utilização de "50% dos recursos do pré-sal, incluídos os royalties".

Responsável pelo caixa do Tesouro Nacional, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a presidente Dilma não pretende vetar o projeto, embora ele considere essa nova rodada de multiplicação dos recursos - que mais do que dobraram de 1980 (2,4% do PIB) até hoje - um objetivo "muito ambicioso e muito ousado".

Mantega, porém, defende a medida como uma maneira de evitar que governantes, no futuro, caiam na tentação de cortar verbas para essa área, como ocorreu no passado. Assegurar um progressivo aumento dos recursos daqui por diante seria, assim, uma forma de recuperar o país da negligência histórica com a educação do povo brasileiro.

O projeto de lei que tramita há dois anos no Congresso previa, na sua origem, que as verbas da União, dos Estados e dos municípios, somadas, chegassem a 7% do PIB nesse período. Com esse compromisso o Brasil estaria entre os quatro maiores investidores em educação, perdendo apenas para a Dinamarca, Islândia e Noruega, e à frente dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha e a sempre citada como exemplo de sucesso, Coreia do Sul, que despende 5% do PIB com educação pública. A média dos investimentos nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 5,8% do PIB. Pela metodologia da OCDE, no Brasil chega a 5,7% do PIB.

Com 10% o país será único no ranking, muito acima de todos os casos bem sucedidos na implementação de uma política educacional que conseguiu unir o "gastar mais" com o "gastar bem".

Na Câmara, o percentual foi sendo acrescido durante a tramitação do projeto, por pressões da base aliada, dos partidos da oposição e de representantes da comunidade educacional, que teriam concluido que 10% do PIB é o mínimo necessário para uma educação de qualidade.

A meta progressiva do investimento público será avaliada no quarto ano de vigência do PNE e poderá ser ampliada por meio de lei, para atender às necessidades financeiras do cumprimento das demais metas do plano. Pelo texto aprovado, o governo se compromete a investir pelo menos 7% do PIB na área nos primeiros cinco anos de vigência do plano e 10% ao fim de dez anos.

Brasil será, com 10% do PIB, país que mais aplica em educação.

Essa é a precondição para se atingir outra meta do PNE, a de universalização e a ampliação do acesso em todos os níveis educacionais. O plano prevê, ainda, o incentivo à formação inicial e continuada de professores e dos demais profissionais da educação, avaliação e acompanhamento periódico e individualizado de todos os envolvidos - estudantes, professores, gestores e demais profissionais.

Segundo Márcio Firmo, economista estudioso da educação, o patamar atual do investimento no setor associado à transição demográfica por que passa o país, já representaria um aumento importante do gasto por aluno e, comparado com outras economias, o Brasil estaria bem provido de recursos.

Nos próximos 20 anos a população em idade escolar (dos seis aos 18 anos) vai decrescer em cerca de 20%. Se a lei estabelece como meta chegar a 2022 com investimentos equivalentes a 10% do PIB, mesmo desconsiderando o decréscimo da população em idade escolar, o investimento por aluno subiria cerca de 80%.

Mantega disse que ainda não fez contas para atestar se essa é uma meta razoável e admitiu que "se exagerarmos na dose, não teremos nem como gastar".

No ano passado o investimento público em educação alcançou 5,1% do PIB, um aumento de 1,2 ponto percentual do produto desde o ano 2000.

A elevação mais expressiva ocorreu na educação básica, que passou de 3,2% do PIB para 4,3% do PIB nesse período.

Não há um estudo sério que estabeleça relação direta entre o aumento do orçamento destinado à educação e a melhoria do aprendizado dos alunos.

O tema é complexo, não comporta decisões simples nem suporta erros de diagnóstico. Os parlamentares optaram pelo caminho mais fácil. Se o país começa a perder o jogo no ensino fundamental, basta aumentar a verba que tudo vai melhorar.

Não é assim. Gastar mais, com dinheiro carimbado, não significa necessariamente gastar melhor. Pode apenas aumentar o desperdício.
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A CONSTRUÇÃO CIVIL TEM DE AUMENTAR A PRODUTIVIDADE



EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


A Sondagem Indústria da Construção, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que, embora o desaquecimento persista, houve leve melhora do desempenho do setor em setembro. Chama a atenção o esforço das construtoras para elevar a produtividade, pois nem lucros nem faturamento são tidos como satisfatórios.
Este é o terceiro semestre consecutivo de atividade fraca, mas o futuro é visto com algum otimismo - as pequenas e médias empresas alimentam expectativas favoráveis quanto ao nível de atividade, mas as grandes estão menos confiantes.
O uso da capacidade, por exemplo, é de 72% nas pequenas empresas, 70% nas médias e de apenas 64% nas grandes. Algumas companhias, em dificuldades para fechar as contas, foram capitalizadas. Em geral os sócios dispõem de recursos para isso.
Assim, a situação financeira foi avaliada como adequada, melhorando em relação ao trimestre abril-junho. Mas a retomada depende de melhoria da gestão, o que se nota no caso de algumas incorporadoras, que, apesar do cenário adverso, continuam muito lucrativas.
O crescimento esperado virá, notadamente, da construção de edifícios e obras de infraestrutura. Entre janeiro e setembro, a Caixa Econômica Federal (CEF) anunciou aumento de 36,4% do montante financiado, em relação ao mesmo período de 2011. Nos últimos 12 meses, os bancos que captam recursos via cadernetas de poupança emprestaram R$ 79,7 bilhões para 458,8 mil unidades. O Conselho do FGTS acaba de liberar recursos para reformas de casa. Se as construtoras julgam difícil o acesso ao crédito, é provável que isso se deva às obras de infraestrutura.
Numa perspectiva de longo prazo, o setor da construção vive uma fase de ajustes, caracterizada pela acomodação dos negócios num patamar ainda bastante elevado. Passada a euforia, é hora de um controle cada vez mais rígido dos custos e do aumento da produtividade. Indiretamente, isso já se nota no emprego: entre dezembro de 2011 e abril de 2012, segundo o Sinduscon-SP, foram abertas 42,2 mil vagas na construção, mas, desde maio, a evolução foi muito lenta. Entre agosto e setembro, foram cortados 1,2 mil postos. Em âmbito nacional, os dados da CNI confirmam os do Sinduscon.
As grandes empresas pretendem cortar mais pessoal, em busca de produtividade. Mas, para que a fase de transição seja superada, o setor depende da capacidade das famílias de aceitar os preços pedidos pelos imóveis e de os governos conseguirem investir mais em novas obras.
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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Nossos vereadores sem representatividade

Um dos fartos exemplos de omissão induzida por assistência a novelas e BBB´s da vida. Estes dispositivos são costurados e aprovados enquanto personagens são colocados por autores de novela para hipinotizar e capitalizar toda a atenção da sociedade. Qual é o resultado? Um real aprisionamento da sociedade ao único e verdadeiro processo de representatividade. 
Aliás vem sendo assim há anos, desde o alerta dado a eleição de um deputado ligado a Enéias que recebera míseros votos e se diplomou deputado federal 
Este, para mim, é o mais significativo exemplo da imaturidade democrática de nossa sociedade.
E aí vem toda aquela propaganda do TSE de pessoas comuns, felizes e serelepes tendo o "inalienável e democrátido -sem ditadura (será mesmo? é isto mesmo que a sociedade quer?)- direito ao voto"... em quem ele nunca viu ou lá quer.


Nossos vereadores sem representatividade 
MARCO ANTONIO RAMOS DE ALMEIDA
FOLHA DE SP

Os eleitos tiveram só 33,6% dos votos, se somados. No Brasil, o cidadão vota em um vereador e acaba elegendo outro. É preciso adotar logo o sistema distrital

É comum o cidadão ser acusado de não se lembrar do vereador ou deputado no qual votou na última eleição. Mas isso não é culpa do cidadão. É que, normalmente, a imensa maioria do eleitorado vota em candidatos que não são eleitos. Foi o que mais uma vez aconteceu na eleição do dia 7 de outubro último.
Em São Paulo, 1.167 candidatos que disputavam uma das 55 vagas na Câmara Municipal.
Os 55 vereadores eleitos obtiveram juntos, exatos 2.367.187 votos -33,6% do total dos votos computados. Ou seja, 4.659.261 eleitores -ou seja, 66,3% dos que votaram, excluindo as abstenções- não votaram diretamente em nenhum dos eleitos.
Além disso, 67 candidatos não eleitos tiveram, cada um deles, mais votos que o candidato eleito menos votado (que teve apenas 8.722 votos).
Esses números demonstram a absoluta incongruência do atual sistema adotado no Brasil para a eleição de vereadores e deputados -o sistema proporcional.
Por ele, conta-se os votos que cada partido teve ao todo. A partir disso, determina-se quantas cadeiras aquele partido vai ocupar. O número mínimo de votos que o partido precisa ter para ocupar uma vaga é chamado de quociente eleitoral. São considerados eleitos os mais votados da coligação ou partido.
Dos eleitos nesta última eleição, só três -os candidatos Roberto Tripoli (PV), Andrea Matarazzo (PSDB) e Goulart (PSD)- atingiram, individualmente, o quociente eleitoral.
Isso acontece porque, nesse sistema, a imensa maioria dos eleitores vota num candidato, mas elege outro, ainda que da mesma coligação. Os adversários de um candidato não são os candidatos dos outros partidos, mas sim seus companheiros de legenda, que ele precisa superar para ganhar sua vaga.
Como o cidadão vota em um e elege outro, os eleitores não têm vínculos com os eleitos e vice-versa.
Além disso, é impossível que o eleitor consiga sequer saber quem são os mais de mil candidatos para poder, dentre eles, escolher aquele para o qual vai para dar seu voto.
Em contraponto a esse sistema, há o sistema distrital, adotado na imensa maioria das democracias.
No caso de São Paulo, pelo sistema distrital a cidade seria dividida em 55 distritos eleitorais, com aproximadamente 160 mil eleitores cada. Cada partido ou coligação indicaria um único candidato por distrito. Os eleitores de cada distrito escolheriam seu representante (vereador) dentre poucos candidatos, que teriam a oportunidade de discutir seus planos e ideias com a comunidade local. Inclusive poderiam ser promovidos debates entre os candidatos de um mesmo distrito.
Seria eleito o candidato mais votado do distrito. Alguns países adotam inclusive o segundo turno para eleições legislativas, quando o candidato mais votado não supera a marca de 50% dos votos.
Para os candidatos, a campanha eleitoral seria muito mais focada, pois, em vez de trabalhar com um conjunto teórico de quase 9 milhões de eleitores, trabalhariam com um conjunto real de cerca de 160 mil, agrupados numa mesma região.
Uma vez eleito, o vereador passa a ser o vereador de toda a comunidade do seu distrito. E é à comunidade do seu distrito que o vereador tem de prestar contas de sua atuação. E é dele que a comunidade do distrito tem de cobrar atitudes e votos no Legislativo municipal.
Isso também evitaria, ou pelo menos minimizaria, a preocupante tendência, que cada vez mais se observa, de vereadores representarem setores específicos e corporativos como igrejas, categorias profissionais, clubes de futebol, perueiros e outros setores organizados, em detrimento do interesse coletivo.
Mais simples e compreensível, menos susceptível ao poder econômico, mais fácil para o eleitor controlar a atuação dos eleitos. Talvez por isso não seja o adotado entre nós.
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CAOS AÉREO NÃO SE RESOLVERÁ SÓ COM MULTAS



EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE


O transporte aéreo nacional deveria estar voando alto, em céu de brigadeiro. No ano passado, 9 milhões de brasileiros embarcaram em um avião pela primeira vez. Em julho último, a taxa de ocupação nas viagens domésticas atingiu quase 80%. Reflexo da recuperação da economia nacional, com a expansão da classe média e o mercado de trabalho praticamente atingindo o pleno emprego, apesar da crise mundial. Mas o que decola pra valer é a insatisfação dos passageiros com as companhias. Para agravar, a infraestrutura aeroportuária mergulha no caos, pois as providências seguem no ritmo dos velhos bondes, em vez de espelharem-se na velocidade dos jatos. 

Está fresco na memória o ocorrido em meados do mês em um dos 10 principais aeroportos do país, Viracopos, em Campinas (SP). Com uma só pista — embora a segunda, que apenas deverá ficar pronta bem após a Copa do Mundo de 2014, esteja prevista há quase 10 anos —, passou quase dois dias interditado, diante da quebra de um cargueiro e da falta de um plano de desobstrução rápida. Resultado: cerca de 500 voos cancelados e mais de duas dezenas de milhares de usuários prejudicados. É natural que acidentes aconteçam, mas um mínimo de precaução teria agilizado a volta à normalidade operacional e os consequentes transtornos extras que a demora causou. 

A imprevisibilidade, contudo, é a marca que domina o setor. Ao comprar uma passagem aérea, o cidadão já está consciente de que os horários de saída e de chegada não passam de previsões. Se precisar remarcar o bilhete, deve preparar-se para pagar até o dobro do valor inicial. Outra aventura é encontrar vagas em estacionamentos, quase sempre lotados. Mais uma pode ser o check-in, com filas quilométricas, embora as facilidades oferecidas pela internet. No destino, dúvida cruel o acompanhará no trajeto entre a aeronave e a sala de desembarque: estará sua bagagem na esteira? E se precisar de informações? Bom, dificilmente terá atendimento adequado.

Só em 2011, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) registrou 25 mil reclamações. Este ano, apenas no primeiro semestre, o Procon de São Paulo recebeu 438 queixas contra empresas aéreas. Agora o órgão regulador do setor tomou decisão drástica. Na próxima terça-feira, definirá multas que podem chegar a R$ 20 milhões, mil vezes mais do que as atuais, em casos em que os serviços de transporte aéreo comprometerem a ordem ou a segurança pública, incluindo falhas no check-in. De imediato, as duas maiores companhias brasileiras, a TAM e a Gol, passarão por auditoria operacional para conferir os procedimentos de emissão de bilhetes. Não basta, nem se sabe se a medida vingará, mas passava da hora de ação mais enérgica.

A demanda crescente eleva a expectativa de venda de passagens aéreas no Brasil este ano a 80 milhões de unidades. Sem corrigir falhas das empresas, o país não dará conta do recado. Mas as precariedades do setor ultrapassam largamente o aspecto comercial. A precariedade da infraestrutura pública é gargalo que cabe ao Estado enfrentar com o mesmo rigor que aplica às companhias. Havia a esperança de avanços radicais para o atendimento às exigências da Copa do Mundo e das Olimpíadas, mas a letargia do governo a transformou em frustração. Com as obras atrasadas, soluções paliativas — em que a construção de puxadinhos deu vez a ampliações modernas e definitivas — podem ser a dor de cabeça futura.
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Brasil rico, Brasil pobre




Nada disto será enxergado enquanto a sociedade não tomar consciência de sua responsabilidade social participativa.
Enquanto a televisão, e não livros, for o principal veículo de cultura, esta situação se perpetuará em nossa pueril sociedade.

Brasil rico, Brasil pobre
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


O aumento da renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.

O Brasil é hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de residência com computador ligado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.

Ao mesmo tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para 51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os brasileiros foram às compras.

No entanto, muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.

O IBGE mostra que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos, segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2011 mostra que, no ensino médio, a maioria dos alunos não sabe ir além das quatro operações aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.

Tudo isso se reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item "saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.

Como se observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu o economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo ex-ministro Delfim Netto para designar esse festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.
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A aposentadoria dos professores


Fabio Giambiagi
O Globo



Nesta série de artigos que tenho escrito no GLOBO acerca da Previdência, abordei em ocasiões anteriores a questão do salário mínimo; a necessidade de adotar novas regras de aposentadoria para os jovens que ingressarem no mercado no futuro; a importância de transição para aqueles que já estão trabalhando; o aumento da idade de aposentadoria; as diferenças de gênero; a extensão do período contributivo de quem se aposenta por idade; o tema das pensões; e a aposentadoria rural. Hoje tratarei de um assunto delicado: a aposentadoria dos professores.

Esclareço, inicialmente, que penso que poucas profissões são tão importantes quanto a do professor para a formação do ser humano. Em minhas palestras, gosto muitas vezes de citar a frase de um ilustre argentino do século XIX que, depois de ter sido presidente da República, foi nomeado reitor da universidade e começou o discurso de posse nos seguintes termos: "Fui promovido."

Dei aulas durante 15 anos e me sinto um professor. O ponto que está em discussão é se há ou não razões para que as regras de aposentadoria desse profissional sejam diferentes em relação às que regem as demais profissões, como ocorre atualmente.

Ortega y Gasset dizia que "na política há apenas circunstâncias históricas. São elas que definem o que deve ser feito". Na Grécia, as circunstâncias definiram a necessidade de adotar medidas dramáticas, em função da impossibilidade de honrar o contrato social prévio. As ideias que defendo visam a uma mudança suave das regras adotadas no país, para evitar um dia correr o risco de chegar a uma situação como a dos gregos ou a dos italianos, quando até as aposentadorias tiveram que ser cortadas no ajuste fiscal aplicado.

Nossa Constituição permite reduzir em 5 anos a contagem para a aposentadoria por tempo de contribuição no caso dos professores. Isso significa que, em vez de a exigência ser de 35 anos para os homens e de 30 para as mulheres, o requisito é de 30 anos para os primeiros e de 25 para as segundas. Como a situação mais frequente é que os docentes sejam do sexo feminino, na maioria dos casos a aposentadoria no ensino fundamental pode ser conseguida com apenas 25 anos de trabalho. É pouco.

Alguém poderia argumentar que é "justo". Por outro lado, o que dizer a profissionais que convivem diariamente com a morte ou com alto grau de estresse e se aposentam com as mesmas exigências que as de qualquer outra profissão? Será que isso é justo?

Na Argentina, por exemplo, as condições de ensino são parecidas com as do Brasil e nem por isso os professores gozam de regras especiais de aposentadoria. Por que as regras para os professores aqui são diferentes?

A regra facilita a mentalidade de que "uma mão lava a outra". Como, de um modo geral, as condições de trabalho e os salários pagos deixam muito a desejar, é como se o Estado propusesse um pacto: "Você vai by Text-Enhance" href="http://www.agenciaoglobo.com.br/ui/globoImpresso/Default.aspx?idPublicacao=468318&data=26/10/2012">trabalhar em prédios ruins, com escassez de material e ganhando pouco, mas em compensação deixo você se aposentar cedo." O problema é que esse arranjo peculiar gera uma vítima inocente - o aluno. Como frequentemente o professor tem que lecionar em mais de uma escola para ter uma melhor remuneração, ele muitas vezes não consegue estar em seu melhor estado físico e emocional para ter condições de ministrar uma boa aula, como a que poderia dar se trabalhasse em melhores condições.

Assim, por um lado, o Estado deixa de fazer o que se espera que faça em uma sociedade que funcione adequadamente e por outro o professor, mal pago, se aposenta precocemente por qualquer parâmetro de comparação internacional, podendo garantir um fluxo assegurado de rendimentos, no limite, aos 45 anos, tendo ainda mais 35 ou 40 anos de vida pela frente. Enquanto isso, quem enfrentará o ônus de ter professores desmotivados durante 12 anos é o aluno - que pagará as consequências pela vida toda.

A solução para as mazelas da educação passa, entre outras coisas, por romper esse círculo vicioso. O professor precisa ter melhores condições de trabalho - e para isso é importante que os salários melhorem -, mas, em contrapartida, ele deveria ter as mesmas regras de aposentadoria que as demais profissões. Permitir aposentadorias com 48 ou 50 anos de idade simplesmente não faz sentido.
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Sem medo de crescer


Folha de S. Paulo 


Reaceleração da economia no 2º semestre e em 2013 dirá se o BC exagerou na dose dos incentivos e abriu espaço para um repique na inflação 
Suscita inquietação ver o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, constrangido a reafirmar seu compromisso com o regime de metas de inflação. Foi oportuno, diante da crescente suspeita de leniência do BC, mas serviu também para atestar certa erosão da confiança na autoridade monetária. 

Como se sabe, o centro da meta é 4,5%, mas 2011 terminou com inflação de 6,5% e este ano deverá fechar em torno de 5,5%. Combinado com mero 1,5% de avanço no PIB, arma-se o cenário duplamente decepcionante: inflação alta e crescimento medíocre. 

Para o BC, os grandes vilões são a recente alta de preços agrícolas, a desvalorização do real (que encarece importados) e o aumento de 14% no salário mínimo em 2012. Essas pressões, de acordo com Tombini, devem arrefecer em 2013. 

Os riscos são altos, porém, a começar pela expectativa de recuperação da economia, cujos sinais são evidentes, ainda que não entusiasmantes. Espera-se que o PIB cresça 3,5% anualizados neste segundo semestre. A cifra se repetiria no ano que vem. 

Os impactos dessa retomada sobre os preços, no entanto, são incertos. O próprio BC descarta atingir o centro da meta antes de 2014. Seu último relatório de inflação aponta alta pouco superior a 5% ao ano daqui até julho daquele ano. 

Mesmo assim, o BC optou por cortar mais uma vez os juros básicos para 7,25% e só então dar o ciclo de reduções por encerrado. 

É clara a mudança na conduta. Até recentemente, quando a inflação superava muito o centro da meta, por efeito de choques cambiais ou agrícolas, o BC indicava um novo prazo para o retorno da taxa ao centro do alvo e aumentava os juros para atingir esse objetivo. 

A imprecisão é inerente a tais exercícios de previsão. A atitude atual do BC, contudo, ao não deixar claro quando pretende voltar ao centro da meta e ao cortar juros mesmo com projeções de alta, reforça a ideia de que tolera inflação acima de 4,5% por muito tempo. 

Não se trata de vociferar que houve abandono do regime de metas. De certo modo, é a própria realidade que ganha contornos insólitos -basta citar a conjunção de baixo crescimento, estagnação na indústria e pleno emprego. O BC brasileiro não está sozinho; os grandes bancos centrais também recorrem a medidas pouco ortodoxas. 

Apesar dos atenuantes, o risco inflacionário no Brasil segue alto. Pode-se argumentar que os desvios da meta até agora foram pequenos, mas eles se acumulam na percepção de consumidores e empresas. 

Se a economia deslanchar, como se espera, o BC terá sua prova de fogo: demonstrar que os incentivos não foram excessivos e que não sacrificou a estabilidade da moeda no altar do crescimento a qualquer custo erguido pelo Planalto.
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sábado, 27 de outubro de 2012

Uma hegemonia tropical


FERNANDO GABEIRA
O ESTADÃO



"Ideologia, eu quero uma para viver". Se Cazuza estivesse vivo, talvez se interessasse por uma palavra que rima com ideologia e ocupa novo espaço no cenário político brasileiro. Hegemonia é um termo que assusta os adversários do PT e preocupa seus aliados. Embora ninguém se tenha dedicado a defini-la, todos temem perder a independência.

Que tipo de hegemonia está em jogo? A palavra, na teoria leninista, significa a tomada do poder político e a instalação da ditadura do proletariado. Na versão de Antonio Gramsci, a hegemonia faz-se por um processo cultural, implica concessões e tem como perspectiva a introjeção pela sociedade das ideias do partido revolucionário.

Não creio que o PT trabalhe com essas duas perspectivas de hegemonia. Na verdade, pouquíssimos leram Lenin, não só pela distância no tempo, mas pela aridez do seu estilo. O próprio Gramsci é muito mais conhecido por citações esparsas.

Dentro da simplicidade que rege o pensamento do militante comum, a ideia de hegemonia nasce da definição do papel da classe operária. Se, por força teórica, essa classe deve ser hegemônica, nada mais razoável do que ser hegemônico também o partido que a representa.

Essa coreografia fantasmagórica não teria palco em outros países onde não se vê a classe operária com potencial hegemônico e se tem consciência das próprias transformações que ela viveu, com o crescimento do trabalho intelectual. Para ser mais simples: já no início do exílio, quando perguntávamos aos operários suecos por seus correspondentes russos, eles suspiravam, não de admiração, mas de pena por suas precárias condições de vida e, sobretudo, de liberdade.

Mas se o tema volta à cena no Brasil, é porque tem importância. As constantes vitórias eleitorais do PT e a ocupação de cada milímetro da máquina estatal fortalecem o medo. O avanço da esquerda latino-americana sobre a imprensa e a Justiça nutrem a impressão de que estamos diante de uma nova onda histórica.

Mas será que estamos mesmo diante de uma nova onda histórica ou é apenas ilusão de ótica de quem tem uma visão parcial do mundo? A classe operária brasileira, assim como a dos outros países, quer basicamente melhoria de vida. E contempla com seu voto, como o fez com a social-democracia, os partidos que trabalham para isso quando assumem o governo.

A sede de poder do PT deve produzir uma nova frente anti-hegemônica, composta por aliados e adversários do partido, uns querendo derrotá-los, outros apenas buscando uma relação mais favorável. Isso talvez ajude a pôr as coisas num patamar mais realista. Em primeiro lugar, a classe operária não é idêntica à fantasia militante. Em segundo lugar, numa sociedade complexa como a nossa, a palavra cooperação tem um alcance maior do que hegemonia.

Será um trágico erro histórico tentar aplicar no Brasil critérios do século passado, pensar em governá-lo com estruturas fechadas e hierárquicas num momento em que a sociedade tende a se organizar em redes. Não só o desempenho das redes se choca com a ideia de hegemonia. Os partidos políticos, num regime democrático, devem denunciar as intenções do parceiro quando sua visão teórica aponta para a hegemonia.

Não sabemos o nível de intimidade do PT com a obra de Gramsci. Ele falava de uma hegemonia ética política. O PT jogou esse primeiro termo no lixo e adotou a perspectiva dos fins justificando os meios. Também não há uma ampla divisão de mundo em que o PT busque a hegemonia.

Teses como casamento gay e descriminalização de drogas, constantemente apresentadas como cavalos de Troia do socialismo, na verdade não foram criadas por ele. E no íntimo são repudiadas por muitos dos seus líderes. Em Havana, no início dos anos 1970, um militante gay perguntou sobre o tema ao embaixador norte-coreano e ele respondeu: "Homem com homem? Isso não existe".

Gramsci vivia num país católico e pensava em saídas para o comunismo que acabaram, de certa forma, inspirando mais tarde a proposta de compromisso histórico entre Partido Comunista e Democracia Cristã. As grandes lutas ideológicas no exterior estão hoje mais concentradas em impor limites e mais racionalidade ao capitalismo. Não têm muito que ver com Gramsci. E, creio, nada têm com Lenin, que previa pura e simplesmente a ditadura do proletariado. Essa os próprios chineses foram obrigados a desmontar no campo econômico, mantendo-a no político.

Não quero dizer que as pretensões hegemônicas de um partido sejam tão anti-históricas que não valha a pena combatê-las. Adversário ou aliado, o PT está no poder pelo poder. Lenin e Gramsci não tinham problema de eleições de dois em dois anos. Se o tivessem, entenderiam a força da máquina e da grana. Lenin faria uma nova revolução se lhe apresentassem a conta de uma produção de TV. Gramsci voltaria de bom grado para o cárcere se lhe dissessem que as ideias agora se produzem no departamento de marketing.

As forcas que se opunham ao PT foram sendo enfraquecidas pelas constantes derrotas eleitorais e, naturalmente, pelo crescente distanciamento da máquina e da grana. Nunca foram realmente forças de oposição, mas atuavam como um governo no exílio, à espera de voltar ao poder. Fazer oposição dá mais trabalho e traz inúmeros riscos.

Ao contrário do que possa se imaginar, a ascensão do PT e a queda dos adversários não significam o fim da história. As eleições municipais no Brasil, sobretudo nas grandes cidades, mostraram que milhões de pessoas não se identificam nem com o PT, desfigurado pela corrupção, nem com seus adversários. A distância entre a política tradicional e os eleitores abre um caminho de reflexão. Ela pode crescer até os limites da legitimidade. Ou pode ser superada por forças que tenham uma resposta para esse desencanto.

Quem falará aos ausentes e aos que votaram sem entusiasmo? O que dizer a eles?
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Falta investimento ao Brasil



Roberto A. Zanchetta Borghi
Valor Econômico



Uma das questões mais intrigantes ao se comparar o desempenho econômico brasileiro com o de outras economias em desenvolvimento, particularmente asiáticas, é: por que o Brasil não consegue sustentar taxas elevadas de crescimento por um período relativamente longo? Finda a fase do modelo desenvolvimentista de industrialização por substituição de importações, nos anos 1970, o país não encontrou nenhum caminho para atingir taxas de crescimento sustentado. A partir da inserção da economia brasileira na era da globalização, caracterizada pela maior mobilidade dos fluxos de capitais e mercadorias e serviços em escala mundial, momentos de maior dinamismo se tornaram episódios esporádicos interrompidos diante de adversidades conjunturais.

Cumpre papel decisivo nessa dinâmica perversa a taxa de investimento. Nos anos recentes, mesmo antes da eclosão da crise internacional em 2008, a taxa de investimento brasileira teve dificuldades para se manter próxima a 20%, nível semelhante à média mundial. Embora represente avanços em relação a anos anteriores, ainda se encontra aquém da taxa de outras economias com grande potencial de demanda e, portanto, de crescimento, a exemplo de China e Índia. Na China, desde 2003 a taxa de investimento é superior a 40% do Produto Interno Bruto (PIB), registrando mais de 48% em 2009, segundo dados do Banco Mundial. Na Índia, mantém-se acima de 30% desde 2004, com pico de 38% em 2007.

Investimento público e a criação de condições competitivas são centrais para trajetória de crescimento

Historicamente, sempre se mostrou relevante a associação positiva entre o volume de investimentos e o desempenho econômico de um país. A experiência asiática de elevado crescimento ao longo de décadas é incontestável nesse aspecto, seja induzida por esforço exportador, seja mediada por políticas de caráter doméstico. O caso brasileiro no período de elevado e sustentado crescimento também exemplifica a importância da manutenção de altas taxas de investimentos.

De uma perspectiva keynesiana, é a decisão capitalista de gasto que gera renda, ou seja, é a decisão capitalista diante de diversas possibilidades de alocação do capital que determina o nível de atividade econômica. Nesse âmbito, a decisão de investir constitui apenas uma das alternativas de gasto, a mais propensa a flutuações, na medida em que depende de expectativas futuras em relação ao retorno do investimento em longo prazo e do grau de confiança nessas expectativas. Logo, a opção de ganhos financeiros mais certos e imediatos, muitas vezes colocada às empresas com atuação no Brasil, principalmente diante de taxas de juros elevadas, representa um desincentivo a novos investimentos, cuja realização também depende de uma estrutura institucional consolidada ao seu financiamento.

Em termos agregados, apesar da importância de todos os componentes da demanda para puxar o crescimento econômico, é a demanda por investimentos a força motriz de um processo sustentado de crescimento. A demanda por consumo está associada ao nível de capacidade produtiva corrente junto ao volume de importações, de forma que o consumo em geral tende a estimular a produção de bens finais que, por seu turno, requer insumos de outros setores em uma dada estrutura produtiva. O efeito multiplicador sobre o sistema econômico depende dos encadeamentos desenvolvidos na estrutura produtiva doméstica, o que inclui a participação de bens finais e insumos importados no atendimento da demanda final.

Espera-se que uma economia com cadeias produtivas mais integradas e diversificadas seja capaz de gerar mais renda e acelerar o crescimento doméstico a partir de um estímulo de demanda inicial. Como cada setor, influenciado pelas condições competitivas em que se encontra, apresenta capacidade distinta em estimular a produção, agregar valor e gerar emprego, a estrutura setorial de como a produção doméstica está organizada também é importante na determinação do desempenho econômico dos países.

Essas observações são igualmente válidas para a demanda por investimentos, no sentido de que esta apresenta um efeito multiplicador sobre a estrutura econômica cujo resultado está relacionado à organização setorial da produção e ao grau de dependência da oferta externa. A diferença, contudo, reside em três fatores. Em primeiro lugar, a demanda por investimentos abarca uma perspectiva futura, de longo prazo. Trata-se da expansão da capacidade produtiva considerando uma demanda esperada que, ao ser efetuada, promove um aumento de renda corrente a partir dos encadeamentos setoriais. Em segundo lugar, a concretização de um investimento perdura por mais tempo do que as atividades do ciclo produtivo corrente, representando uma demanda contínua que gera dinamismo na economia por um período mais prolongado. Em terceiro lugar, a demanda por investimentos contém a capacidade de engendrar mudanças estruturais no sistema produtivo doméstico, ao fortalecer encadeamentos capazes de gerar mais renda.

Diante dessas considerações, torna-se necessário combinar esforços para impulsionar novos investimentos na economia brasileira, a fim de promover um processo de crescimento econômico sustentado. No atual contexto de crise e demanda externa arrefecida nas economias centrais, o investimento público e a criação de condições competitivas e de financiamento em prol das decisões privadas de investimento no país mediante a orientação do regime macroeconômico constituem elementos centrais para se engajar em uma trajetória de crescimento.

À luz das experiências asiáticas de inserção na globalização, isso também exige a adoção de políticas coordenadas para lidar com o capital externo, as possibilidades de alocação doméstica do capital e as formas de organização da produção em termos de adensamento das cadeias e do suprimento de bens finais e insumos mediante oferta externa, sobretudo sendo o Brasil visto como um promissor mercado interno. Caso contrário, o país deve continuar assistindo a mini-ciclos de crescimento fortemente sujeitos às vicissitudes externas.

Roberto Alexandre Zanchetta Borghi é economista, mestre pelo IE/Unicamp e doutorando da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
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Evasão no ensino superior


Correio Braziliense 

O número espanta. Na sociedade do saber, quase a quinta parte dos universitários brasileiros desiste do curso. São 18% dos alunos matriculados — o correspondente a 1 milhão de estudantes — que se evadem das salas de aula. O levantamento, feito pelo Correio Braziliense, baseia-se em dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) correspondentes a 2010-2011.

Várias razões explicam o fato. Um deles: o despreparo dos jovens que ingressam no ensino superior. Sem ter adquirido base nos níveis fundamental e médio, rapazes e moças se sentem incapazes de acompanhar os conteúdos exigidos. Outro: a frustração de se matricular em curso para o qual não têm vocação nem lhes desperta interesse. 

Há que levar em conta, sobretudo, a baixa qualidade das instituições. Professores desmotivados, bibliotecas com acervo ultrapassado, laboratórios desequipados constituem regra, não exceção. Mais: os currículos defasados, que não atendem as expectativas do mercado ou da comunidade acadêmica, criam a sensação de perda de tempo e de dinheiro. 

Depois de anos de investimento, o sacrifício não acende luz no fim do túnel. É desanimador. A fuga precoce da universidade vai na contramão do esforço nacional de combate à miséria. Dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) deixam claro o prejuízo que a desistência acarreta. 

Não se trata do custo aluno, que, também, deve ser levado em conta: cada estudante custa, por ano, cerca de R$ 15 mil nas instituições públicas e R$ 9 mil nas particulares. Não é pouco. Trata-se, isso sim, do processo de perpetuação da pobreza. 

A pesquisa da FGV demonstra que, para cada ano de estudo, a renda aumenta, em média, 15%. Até quatro anos de escolaridade, o salário cresce 11,64% anuais. Quando a escolaridade passa de 14 para 18 anos, o salário salta 35,65% por ano de avanço. 

Enquanto não transformar a educação em prioridade, o Brasil continuará a enxugar gelo. Não só ao manter pobres os pobres, mas também ao desperdiçar a oportunidade de dar uma guinada qualitativa. No mundo globalizado, as fronteiras físicas contam bem menos que as intelectuais. A competitividade da economia e dos recursos humanos está intimamente relacionada. 

Vale lembrar um dado que assusta e constrange. A produtividade do trabalhador americano corresponde à de cinco brasileiros no chão da fábrica. Em português claro: na contabilidade fria dos números, um profissional estadunidense vale cinco nacionais. A questão não abrange apenas o ensino superior. A base frágil exige reforço para que o edifício fique de pé.
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As cidades na ponta do lápis



 Diego Viana - De São Paulo
Valor Econômico


Ao fim do processo eleitoral que renova as prefeituras e câmaras dos 5.565 municípios brasileiros, os problemas urbanos que inspiraram os debates entre os candidatos nas principais capitais adquirem uma dimensão nova. Os prefeitos, novos ou reeleitos, terão de fazer face à "era das cidades" na economia mundial. Ou seja, cada problema, deficiência ou gargalo de uma cidade deixa de ser um problema só dela para tornar-se um empecilho à economia de todo um país. Engarrafamentos, poluição, o isolamento dos subúrbios, a falta de áreas verdes, afetam não somente a vida do eleitor (e cidadão), mas também a capacidade da economia para continuar crescendo.

O papel amplificado do universo urbano está expresso na recém-lançada edição do relatório bienal "State of the World"s Cities" (Estado das cidades do mundo), publicado pela agência Habitat, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Quando emergir da longa crise financeira que começou em 2007, o mundo vai descobrir que o motor de sua prosperidade, daí por diante, será "o dinamismo e a intensa vitalidade das cidades", afirma o geógrafo Eduardo Lopez Moreno, diretor da divisão de monitoramento e pesquisa da agência.

A "era das cidades", como diz Moreno, não resulta apenas do fato de que, desde 2010, mais de metade da população mundial vive em áreas urbanas, proporção, que, calcula-se, deve chegar a 70% até 2050. O fator preponderante é que "são as grandes cidades, e não os países, que passam a comandar a criação de riqueza". Na introdução do relatório, lê-se que, "no futuro que vai tomando forma, as áreas urbanas ao redor do mundo serão não só a forma dominante de habitat da humanidade, mas também o motor do desenvolvimento humano como um todo".

Estudos disponíveis apresentam os centros urbanos brasileiros como muito mal situados para entrar nessa "era das cidades". Economistas, urbanistas e geógrafos assinalam que a mobilidade deficiente pode custar até R$ 40 bilhões ao ano (FGV, 2008), a poluição atmosférica custa, só em São Paulo, até R$ 17 bilhões em doenças respiratórias (Unifesp, 2012) e a deficiência da rede de esgotos leva a perdas na massa salarial que podem ser estimadas em cerca de R$ 41,5 bilhões (FGV e Instituto Trata Brasil, 2009).

O impacto generalizado de perdas como essas, para além das fronteiras do município afetado, aparece no estudo sobre enchentes paulistanas realizado pelo Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (Nereus/FEA-USP). Empresas localizadas perto de quarteirões alagados já chegaram a perder negócios avaliados em R$ 30,7 milhões em dias de enchente em um ano. Seus clientes e fornecedores no Estado perderam mais R$ 8,75 milhões. Somando com os fornecedores e clientes do país inteiro, as perdas chegam a quase R$ 50 milhões.

Todos esses cálculos são conservadores, porque não levam em conta efeitos em cascata, incluindo a influência cruzada. Por exemplo, a mobilidade deficiente incentiva a ocupação desordenada do solo, em habitações sem saneamento e infraestrutura, com pouco acesso à educação e assim por diante. São inúmeras as variáveis que influenciam a vida e a economia de uma cidade. No Brasil, os estudos dessas variáveis ainda são esparsos e desconexos. Desde a presença de cientistas que trabalham na cidade até a dispersão dos bairros, passando pela agilidade do transporte público e a proliferação de habitações precárias, os elementos que compõem a mobilidade, a saúde pública e a qualidade de vida do ambiente urbano se afetam mutuamente, a ponto de torná-los difíceis de distinguir.

De acordo com José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a entidade se alarmou com "a constatação de que as cidades brasileiras estão parando". De um estudo então produzido resultou o relatório "Cidades: Mobilidade, Habitação e Escala", divulgado neste mês, que é apresentado como "um convite para pensar as cidades e colocá-las no centro da agenda".

O relatório se abre com uma afirmação peremptória, que ecoa o aviso da ONU de que a era das cidades já começou: "O bom ambiente urbano é tão determinante para as atividades econômicas, no século XXI, como a proximidade à fonte energética e à matéria-prima o foi para a indústria, no século XIX". Segundo Fernandes, "hoje, é impossível fazer duas ou três reuniões na mesma cidade, no mesmo dia. Isso afeta a produtividade, tanto da direção das empresas quanto dos trabalhadores, que chegam desgastados ao trabalho".

Qualquer elemento que reduza a produtividade de empresas e trabalhadores bate de frente com a exigência de agilidade da economia moderna, em que ganham preeminência a inovação no setor de serviços e a criação de novos modelos de negócios. Fernandes aponta as dificuldades específicas para a indústria: em tempos de produção "just-in-time", em que manter grandes estoques é indesejável, a dificuldade de calcular o tempo que vai levar um determinado deslocamento implica custos suplementares. "As cidades deixaram de pensar o transporte e a moradia como algo integrado ao seu modo de existência. Esse fato demonstra que temos um problema de gestão das regiões metropolitanas", diz Fernandes.

O processo pelo qual as economias se tornaram mais crucialmente urbanas é resumido pelo economista Eduardo Amaral Haddad, do Nereus/FEA-USP. À medida que as indústrias deixavam as regiões urbanas em busca de custos menores (o chamado "hollowing out"), as cidades passaram a concentrar os serviços, as tomadas de decisão, os centros de pesquisa e inovação. Com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação, as trocas entre as cidades cresceram muito mais aceleradamente do que o produto das próprias cidades - que se tornaram, segundo o economista, "interdependentes e concorrentes". Apesar da coincidência no sobrenome, o economista não tem parentesco com o candidato petista à prefeitura de São Paulo.

O mundo urbano e globalizado do século XXI exige das grandes cidades, outrora industriais, uma rápida adaptação às novas formas de produção. Citado por Haddad, o economista urbano Charlie Karlsson, da Jönköping Business School, argumenta que não serão muitas as cidades a se integrar à rede das "cidades criativas" globais, aquelas em que atividades de inovação e conhecimento dão a tônica da produtividade econômica. Desde a década de 1990, Karlsson mapeia a presença nas maiores cidades do planeta de indústrias consideradas inovadoras, equipamentos culturais e ocupações pautadas pela criatividade. O resultado é um "ranking" com as 30 cidades mais adiantadas nesse processo.

O bom ambiente urbano é tão determinante no século XXI como a matéria-prima no século XIX para a economia

Neste ano, pela primeira vez uma cidade brasileira apareceu na lista: São Paulo ocupa a 29ª posição, entre a canadense Montreal e a conurbação britânica de Manchester e Liverpool. "A vantagem de São Paulo é que seus 20 milhões de habitantes por si sós já oferecem escala, ainda que a evolução em outros campos seja lenta", diz Haddad. "Vale a pena para indústrias criativas instalar-se em São Paulo, se de 20 milhões pelo menos 2 ou 3 milhões conseguem formar um mercado para elas."

Os demais fatores que tornam uma cidade atraente para as modernas indústrias criativas, porém, enfraquecem a posição de São Paulo, como das demais cidades brasileiras, na competição para se tornarem pontas-de-lança econômicas do século XXI. Aglomerações urbanas produzem ganhos de escala, tanto para as empresas quanto para os residentes, que encontram bens e serviços mais disponíveis e têm mais acesso a interações e empregos. Segundo Haddad, estima-se que a eficiência econômica de uma cidade é incrementada em 15% quando ela dobra de tamanho.

Por outro lado, as metrópoles também criam novos custos, específicos da realidade urbana, e que são bem conhecidos, começando com os engarrafamentos e a poluição. "O ideal é que a produtividade cresça mais rápido que os custos, mas no Brasil os custos já crescem mais do que a produtividade", diz Haddad. Embora os números desse descompasso entre custos e ganhos sejam difíceis de precisar, a percepção de que as cidades brasileiras estão ineficientes é generalizada e motivou a produção do relatório da CNI sobre mobilidade e habitação. O maior dos vilões, segundo as pesquisas de economistas urbanos, é a mobilidade.

"Se conhecemos os meios de deslocamento dos trabalhadores, os locais de moradia e trabalho, os salários e algumas outras variáveis, podemos fazer todo tipo de simulação", diz o economista. "Por exemplo, o que acontece se retirarmos o metrô de repente? Fizemos os cálculos e chegamos a uma perda anual entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões." Ao calcular a projeção de retorno do investimento em linhas e estações de metrô, lembra o economista, seria desejável que esse valor entrasse na conta.

Cálculos como esse revelam como a "era urbana", ao emergir, produz a necessidade de se desenvolverem ferramentas para medir da maneira mais completa possível o funcionamento das cidades. Como escreve Eduardo Moreno, "o que pode ser medido pode ser mudado". A partir dos estudos pontuais que medem a forma como as particularidades de uma cidade podem contribuir para a elevação da renda de seus moradores, ou, no sentido inverso, como as deficiências dessa cidade atravessam o caminho da prosperidade de seus cidadãos, Moreno adverte para a necessidade de captar a conexão entre os diversos componentes da economia urbana.

Segundo o urbanista Vinícius Netto, da Universidade Federal Fluminense, esse gênero de medição ainda é um grande desafio. "Estudos empíricos e quantitativos como esses são raros no Brasil, embora nossas cidades sofram prejuízos diariamente por causa das deficiências estruturais das cidades", diz Netto. "Como ninguém computa o problema, passamos décadas sem enfrentá-lo." Sem conhecer ao certo os componentes da economia urbana, as políticas públicas calculadas para incentivá-la e combater os gargalos das cidades ficam tímidas e pontuais. Comparadas às iniciativas chinesas - a China considera a urbanização como estratégica em seu processo de crescimento geopolítico -, os programas de infraestrutura brasileiros, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) são modestos.

A proposta expressa no relatório da ONU é a iniciativa mais recente de fornecer uma medida ampla e completa para o mecanismo das cidades, que possa ser empregada em conjunto com os governos locais para implantar políticas públicas. O relatório introduz um "Índice de Prosperidade da Cidade", no esforço de representar a interação entre cinco fatores que sustentam a realidade urbana: a infraestrutura, a produtividade econômica, a qualidade de vida, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. Colocados lado a lado, os fatores compõem a "roda da prosperidade".

Sem surpresa, Viena (Áustria), Helsinque (Finlândia) e Oslo (Noruega) se destacam no índice geral da ONU, respectivamente com as notas 0,925, 0,924 e 0,924 (de um máximo de 1). São cidades dotadas de "fatores de prosperidade muito sólidos". As cidades com notas acima de 0,9 "são bem governadas e asseguram ambientes seguros e confiáveis", a expectativa de vida da população é alta, assim como os índices de educação, "a infraestrutura é disponível e o ambiente é bem administrado".

São Paulo, única cidade brasileira da lista, exibe um índice de 0,757; trata-se de uma cidade na "primeira categoria de fatores sólidos de prosperidade", em situação logo abaixo de Moscou (Rússia), com 0,793, e Ancara (Turquia), com 0,780, mas logo acima da Cidade do México (0,709). São cidades "com instituições sólidas, em que cada eixo da prosperidade reforça os demais, oferecendo impulso no caminho da prosperidade". São Paulo, México e Moscou, porém, sofrem com o problema da desigualdade, que reforça a sensação de insegurança e bloqueia o intercâmbio cultural no interior da cidade.

O índice é fruto da percepção de que o modelo de urbanização das últimas décadas não favorece a qualidade de vida e a produtividade dos cidadãos. Os principais exemplos negativos são a baixa densidade dos bairros construídos na segunda metade do século XX e a segregação dos usos do solo, que afastam as populações de seus locais de trabalho e dificultam a identidade das pessoas com os ambientes em que vivem. No afã de produzir uma prosperidade entendida simplesmente como incremento do PIB, as sociedades modernas deixaram de promover os fatores que tornam a vida urbana realmente próspera, avalia Eduardo Moreno. E isso, justamente no momento em que as cidades se tornam mais cruciais para a economia mundial.

"Conversando com populações de muitas cidades ao redor do planeta, notamos uma coisa muito curiosa: o que os habitantes dos centros urbanos consideram importante para seu bem-estar pessoal e econômico é muito parecido, seja na América Latina, na África ou na Ásia", afirma Moreno. Uma renda segura, a garantia de conseguir trabalhar e a pouca exposição a variações de preço compõem o eixo da "produtividade" no índice. Segurança, espaços verdes e recreativos, saúde, educação e transporte constituem o eixo da "qualidade de vida".

"Constatamos, também, que os habitantes das cidades nunca deixam de mencionar suas necessidades de comunicação, conexão, saneamento e mobilidade", relata Moreno. Esses critérios foram unidos no eixo da infraestrutura urbana. O quarto eixo, a "sustentabilidade ambiental", retoma por outra perspectiva alguns dos itens presentes nos demais: ar e água limpos, espaços públicos agradáveis, a forma como as atividades daquela cidade afetam a mudança climática. "Por fim, o mais notável foi observar como os habitantes de todas essas cidades consideram que só existe desenvolvimento de verdade se os benefícios forem compartilhados pelo conjunto da população." Por isso, incluiu-se o quinto e último eixo, o da igualdade social.

Moreno chama atenção para a importância desse último eixo, que julga um tanto negligenciado pelo poder público em muitos países. Para demonstrar a importância da igualdade no ambiente urbano, a agência Habitat oferece uma versão de seu índice que desconsidera essa categoria. "É notável como a desigualdade é quase sempre o item que puxa o índice de uma cidade para baixo", diz o pesquisador. O caso paulistano é particularmente notável. Desconsiderando a desigualdade econômica, que marca 0,507 (Copenhague, na Dinamarca, tem 0,922), a nota, que está hoje em 0,757, chegaria a 0,836. Dentre as cidades com "fatores de prosperidade muito sólidos", é Nova York a que mais se ressente da alta desigualdade (0,502) no relatório da ONU: sua nota é reduzida de 0,934 para 0,825.

Os índices escolhidos pela ONU para avaliar o funcionamento das cidades permitem conhecer o estado daquilo que Vinícius Netto chama de "funções urbanas", que incluem a infraestrutura de comunicação, saneamento, habitação e mobilidade, por exemplo, e que favorecem o aparecimento de interações, trocas e demais formas de contato, ou seja, a "química urbana". Netto cita o urbanista Richard Florida para ilustrar como essa "química urbana" é capital para o momento de inflexão na história da economia urbana. Diz Florida que "profissionais instruídos e trabalhadores criativos que vivem juntos em ecossistemas densos, interagindo diretamente, geram ideias e as transformam em produtos e serviços com mais agilidade que pessoas talentosas em outro tipo de cidade".

A complexidade da tarefa inclui aspectos que, à primeira vista, não parecem econômicos. Estudos feitos pela equipe de Netto demonstram, por exemplo, que as diferenças de morfologia arquitetônica dos bairros influenciam a presença de pedestres nas ruas, que, por sua vez, influenciam a implantação de pontos de comércio. Com isso, quarteirões em que os prédios dão para a rua e os pavimentos térreos são ocupados por lojas têm uma vitalidade econômica maior do que áreas dominadas por condomínios e comércio encerrado em shopping centers.

Outra pesquisa, realizada pela mesma equipe em Florianópolis e Porto Alegre, demonstra que a criminalidade - uma das maiores preocupações das populações urbanas brasileiras - é favorecida pelos muros altos que deveriam mantê-la longe. "O criminoso não quer testemunhas e as janelas próximas das calçadas são a testemunha mais eficiente", explica Netto. "É uma ironia: a pessoa que se sente mais segura atrás de um muro não imagina que no semáforo da esquina está correndo o maior perigo justamente por causa do muro."

Índices amplos, como o de prosperidade proposto pela ONU, são baseados em medições mais pontuais, que tentam simular pequenas variações no interior de uma cidade. Eduardo Haddad compara as ferramentas disponíveis para os pesquisadores a "um Sim City" científico, em referência a um jogo de computador em que o usuário desenvolve uma cidade virtual e deve lidar com questões como transporte, criminalidade e crescimento.

Simulações como essa incluem imaginar como seria São Paulo se o metrô desaparecesse da noite para o dia. A engenheira química Simone El Khouri Miraglia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), buscou calcular o custo da retirada do metrô em São Paulo a partir de seus impactos sobre a saúde: quando os trens não circulam, mais automóveis atravancam as ruas, a poluição aumenta e as doenças respiratórias se multiplicam. Para calcular a dimensão do fenômeno, Simone comparou as entradas em hospitais paulistanos por doenças respiratórias nos dias de greve de metrô em São Paulo com os dias imediatamente anteriores e posteriores. O resultado foi expressivo: se o metrô deixasse de circular, a concentração de poluentes na atmosfera da cidade cresceria 75% em um ano, gerando um aumento de até 14% nas mortes por problemas respiratórios.

"Calculei quanto essas pessoas teriam produzido se continuassem vivas, para chegar à medição do impacto econômico dessa poluição, e o resultado ficou próximo de R$ 18 bilhões por ano", diz Simone. "Meu cálculo pode parecer exagerado, mas é bem conservador, porque muitos dos malefícios da poluição só se tornam visíveis no longo prazo."

As pesquisas da engenheira incluem outras simulações semelhantes: o custo das faltas ao trabalho por causa de doenças ligadas à poluição (cerca de R$ 13 milhões por ano) e, mais recentemente, a perda de produtividade dos trabalhadores de Diadema (SP) que vivem em moradias precárias. "Sem isolamento térmico, essas casas são frias e úmidas. Seus moradores adoecem mais, morrem mais e faltam mais ao trabalho. "Se a moradia prejudica a saúde de alguém, é difícil competir com quem vive em condições melhores."

Cada elemento da vida urbana que afeta a capacidade de competir das pessoas também se reflete na competitividade das cidades e, portanto, na produtividade da economia como um todo. Conjugar um sem-número de variáveis como essas é o desafio de indicadores como o índice de prosperidade proposto pela ONU.
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