sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sexo, dinheiro e exploradores do evangelismo


Por que eles avançam? Pelo mesmo motivo pelo qual escolhemos mal nossos representantes públicos e, guardada as devidas proporções, este boom de "coaches motivacionais": Pouca leitura, baixa capacidade de lidar com a complexidade das dinâmicas coletivas, sociais e econômicas.

Quando vemos, na televisão e nas rádios, a verdadeira multidão comentada pelo articulista no artigo abaixo, entendemos a enorme distância entre nós e o desenvolvimento econômico sustentável.




Sexo, dinheiro e exploradores do evangelismo
 Candido Mendes
O Globo

Avulta, nestes dias, a exploração do evangelismo, a aproveitar-se cada vez mais da nossa subcultura. Do campo político ao da dominação dos crentes, na esbórnia sexual do pastor Marcos Pereira. As fiéis de sua igreja aí estão às portas do presídio, nas fotos da vigília da fidelidade, em batas coloridas e esperas pelo ídolo. Foram salvas pelo sexo, na retribuição exigida pelo abraço do pastor. Inclusive, na organização sistemática de orgias em prédio da Avenida Atlântica. Mas a gravidade maior desta infestação pseudorreligiosa reside na mídia, no anúncio dos milagres de auditório, com a repetida e proclamada cessação de dores, no minuto certo, e o subsequente "agradecimento ao Senhor", acompanhado da esmola farta. A liberdade religiosa nada tem a ver com a impunidade das trampas destes programas e a passagem à impostura, com a garantia da presença do demônio, nas sextas-feiras, às 5h da tarde. A exploração vai ao exponencial, nas multi-igrejas dos "últimos dias", e na formação instantânea dos ditos pastores, nascidos das conveniências da hora.

Inquieta, no outro extremo, a prática dos exclusivismos sociais, transpostos à ação política, ora manifestada na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pelo pastor Marco Feliciano. O dislate diz do nosso indiferentismo cidadão, não obstante a força do protesto, que, graças a Deus, ainda não se acomodou. Mas o acinte de ver o diabo nos opositores mais se reforça na determinação do seu partido de mantê-lo à frente, num obscurantismo insuportável à democracia brasileira. Mais grave é o reconhecer-se que ditas manifestações de fé, no terreno da nossa subcultura, só prosperam pela radicalização e pelo confronto, sem volta. Impressiona, ao mesmo tempo, a colheita dos dízimos, inspecionada, na hora, pelos celebrantes.

Diante da prevalência dos direitos humanos, assegurados pelas leis fundamentais da nossa Carta, choca a permanente impostura dos milagres midiáticos, protegidos pela "liberdade dos crentes". Sem dúvida, Feliciano surgirá com uma supervotação nas próximas urnas. Encarnará as "potestades do bem contra os demônios", na polarização extrema da passagem da religião à política, e num retrocesso lamentável da democracia do século XXI. Marcos Pereira e Marco Feliciano põem à luz um submundo que não pode ser confundido com o evangelismo, a prosperar na crença de um genuíno e generoso pluralismo da fé.
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quinta-feira, 30 de maio de 2013

A Nostalgia das Ossadas

Um erudito que nosso Congresso perdeu. Escreveu em 1996. Clarividência e intelectualidade que anteciparam cenários, na época futuros. Vale a pena e reflexão.

 A Nostalgia das Ossadas

"Uma revolução não é o mesmo que convidar alguém para jantar, escrever um ensaio, ou pintar um quadro... Uma revolução é uma insurreição, um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra"(Mao Tse Tung)

 
Por Roberto Campos

Dizia-me um amigo argentino, nos anos 60, que seu país, rico antes da Segunda Guerra, optara no pós-guerra pelo subdesenvolvimento e pelo terceiromundismo. E não se livraria dessa neurose enquanto não se livrasse de três complexos: o complexo da madona, o fascínio das ossadas e a hipóstase da personalidade. Duas madonas se tinham convertido em líderes políticos - Evita e Isabelita. As ossadas de Evita foram alternativamente sequestradas e adoradas, exercendo absurdo magnetismo sobre a população. E a identidade nacional era prejudicada pelo fato de o argentino ser um italiano que fala espanhol e gostaria de ser inglês...

A Argentina parece ter hoje superado esses complexos. Agora, é o Brasil que importa (sem direitos aduaneiros como convêm ao Mercosul) um desses complexos.

Os estrangeiros que abrem nossos jornais não podem deixar de se impressionar com o espaço ocupado pelas ossadas: as ossadas sexuais de PC Farias, as ossadas ideológicas dos guerrilheiros do Araguaia e as perfurações do esqueleto do capitão Lamarca! Em vez de importarmos da Argentina a tecnologia de laticínios, estamos importando peritos em "arqueologia moderna", para cavoucar as ossadas do cemitério da Xambioá. Há ainda quem queira exumar cadáveres e ressuscitar frangalhos do desastre automobilístico que matou Juscelino, à procura de um assassino secreto. Em suma, estamos caminhando com olhos fixos no retrovisor. E o retrovisor exibe cemitérios.

Na olimpíada mundial de violência, os militares brasileiros da revolução de 1964 não passariam na mais rudimentar das eliminatórias. Perderiam feio para os campeões socialistas, como Lênin, Stálin e Mao Tsé-Tung. Seriam insignificantes mesmo face a atletas menores, como Fidel Castro, Pol Pot, do Camboja, ou Mengistu, da Etiópia.

Os 136 mortos ou desaparecidos em poder do Estado, ao longo das duas décadas de militarismo brasileiro, pareceriam inexpressivos a Fidel, que só na primeira noite pós-revolucionária fuzilou 50 pessoas num estádio. Nas semanas seguintes, na Fortaleza La Cabaña, em Havana, despachou mais 700 (dos quais 400 membros do anterior governo). E ao longo de seus 37 anos de ditadura, estima-se ter fuzilado 10 mil pessoas. Isso em termos da população brasileira equivaleria a 150 mil vítimas. Tiveram de fugir da ilha, perecendo muitos afogados no Caribe, 10% da população, o que, nas dimensões brasileiras, seria equivalente à população da Grande São Paulo.

Definitivamente, na ginástica do extermínio, os militares brasileiros se revelaram singularmente incompetentes. Também em matéria de tortura nossa tecnologia é primitiva, se comparada aos experimentos fidelistas no Combinado del Este, na Fortaleza La Cabaña e nos campos de Aguica e Holguín. Em La Cabaña havia uma forma de tortura que escapou à imaginação dos alcaguetes da ditadura Vargas ou dos "gorilas" do período militar: prisioneiros políticos no andar de baixo recebiam a descarga das latrinas das celas do andar superior.

O debate na mídia sobre os guerrilheiros do Araguaia precisa ser devidamente "contextualizado" (como dizem nossos sociólogos de esquerda). Sobretudo em benefício dos jovens que não viveram aquela época conturbada. A década dos 60 e o começo dos 70 foram marcados mundialmente por duas características: uma guinada mundial para o autoritarismo e o apogeu da Guerra Fria. Basta notar que um terço das democracias que funcionavam em 1956 foram suplantadas por regimes autoritários nos principais países da América Latina, estendendo-se o fenômeno à Grécia, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e à própria Índia, onde Indira Ghandi criou um período de exceção.

Na América Latina, alastrou-se o que o sociólogo O'Donnell chamou de "autoritarismo burocrático". O refluxo da onda democrática só viria nos anos 80, que assistiria também à implosão das ditaduras socialistas.

Uma segunda característica daqueles anos foi a agudização do conflito ideológico. Na era Kennedy (1961-63), que eu vivenciei como embaixador em Washington, houve nada menos que duas ameaças de conflito nuclear. Uma, em virtude do ultimato de Kruschov sobre Berlim, e outra, a crise dos mísseis em Cuba. Em meados da década, viria a tragédia do Vietnã.

É nesse contexto que deve ser analisado o episódio dos guerrilheiros do Araguaia e da morte de Lamarca. Não se tratavam de escoteiros, fazendo piqueniques na selva com canivetes suíços. Eram ideólogos enraivecidos, cuja doutrina era o "foquismo" de Che Guevara: criar focos de insurreição, visando a implantar um regime radical de esquerda. Felizmente fracassaram, e isso nos preservou do enorme potencial de violência acima descrito.

Durante nossos "anos de chumbo", não só os guerrilheiros sofreram; 104 militares, policiais e civis, obedecendo a ordens de combate ou executados por terroristas, perderam a vida. Sobre esses, há uma conspiração de silêncio e, obviamente, nenhuma proposta de indenização. Qualquer balanço objetivo do decênio 1965-75 revelará que no Brasil houve repressão e desenvolvimento econômico (foi a era do "milagre brasileiro"), enquanto nos socialismos terceiromundistas e no leste europeu houve repressão e estagnação.

É também coisa de politólogos românticos pensar que a revolução de 1964 nada fez senão interromper um processo normal de sucessão democrática. A opção, na época, não era entre duas formas de democracia: a social e a liberal. Era entre dois autoritarismos: o de esquerda, ideológico e raivoso, e o de direita, encabulado e biodegradável.

Hoje se sabe, à luz da abertura de arquivos, que a CIA e o KGB (que em tudo discordam) tinham surpreendente concordância na análise do fenômeno brasileiro: o Brasil experimentaria uma interrupção no processo democrático de substituição de lideranças. Reproduzindo o paradigma varguista, Jango Goulart, pressionado por Brizola, queria também seu "Estado Novo". Apenas com sinais trocados: uma república sindicalista.

As embaixadas estrangeiras em Washington, com as quais eu mantinha relações como embaixador brasileiro, admitiam, nos informes aos respectivos governos, três cenários para a conjuntura brasileira: autoritarismo de esquerda, prosseguimento da anarquia peleguista com subsequente radicalização, ou guerra civil de motivação ideológica. Ninguém apostava num desenlace democrático...

Parece-me também surrealista a atual romantização pela mídia (com repercussões no Judiciário) da figura do capitão Lamarca, que as Forças Armadas consideram um desertor e terrorista. Ele faz muito melhor o perfil de executor do que de executado. Versátil nos instrumentos, ele matou a coronhadas o tenente Paulo Alberto, aprisionado no vale da Ribeira, fuzilou o capitão americano Charles Chandler, matou com uma bomba o sargento Mário Kozell Filho, abateu com um tiro na nuca o guarda-civil Mário Orlando Pinto, com um tiro nas costas o segurança Delmo de Carvalho Araujo e procedeu ao "justiçamento" de Márcio Leite Toledo, militante do Partido Comunista que resolvera arrepender-se.

Aliás, foram dez os "justiçados" pelos seus próprios companheiros de esquerda. Se o executor acabou executado nos sertões da Bahia, é matéria controvertida. Os laudos periciais revelam vários ferimentos, mas nenhum deles oriundo de técnicas eficientes de execução que o próprio Lamarca usara no passado: tiro na nuca (metodologia chinesa), tiro na cabeça (opção stalinista) ou fuzilamento no coração (método cubano). As Forças Armadas têm razão em considerar uma profanação incluir-se Lamarca na galeria de heróis.

As décadas de 60 e 70, no auge da Guerra Fria, foram épocas de imensa brutalidade. Merecem ser esquecidas, e esse foi o objeto da Lei de Anistia, que permitiu nossa transição civilizada do autoritarismo para a democracia. Deixemos em paz as ossadas. Nada tenho contra a monetização da saudade, representada pela indenização às famílias das vítimas. Essa indenização é economicamente factível no nosso caso. Os democratas cubanos, quando cair a ditadura de Fidel Castro, é que enfrentariam um problema insolúvel se quisessem criar uma "comissão especial" para arbitrar indenizações aos desaparecidos. Isso consumiria uma boa parte do minguado PIB cubano!

Nosso problema é saber se a monetização da saudade deve ser unilateral, beneficiando apenas as famílias dos que se opunham à revolução de 1964. Há saudades, famílias e ossadas de ambos os lados.

Roberto Campos, economista e diplomata já falecido, foi, entre outros cargos, embaixador nos Estados Unidos, deputado federal, senador e ministro do Planejamento. É autor de diversas obras sobre política e economia, destacando-se suas memórias com o título "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994). Texto publicado  os jornais  O Globo e Folha de São Paulo , em 04.08.1996.
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terça-feira, 28 de maio de 2013

O outro custo Brasil

Este economista especializado em educação faz uma precisa análise de nossa atual dificuldade em tornarmo-nos mundialmente competitivos. 
Vale a pena a leitura e difusão.


O outro custo Brasil
Cláudio de Moura Castro
Veja 


 Os macroeconomistas não se cansam de denunciar o custo Brasil: trapalhadas na laxa de câmbio, juros altos, transportes precários, burocracia asfixiante. CLT atrasada e por aí afora. Mas não é só isso. As indústrias grandes, balizadas pelo mercado internacional, tendem a ser eficientes e produtivas. É o caso dos automóveis, aviões e produtos em que empresas de Primeiro Mundo trazem os projetos ou impõem a qualidade. Mas observo o meu cotidiano e noto a presença insidiosa de outro custo Brasil, ou seja. a mediocridade insuportável de parte significativa do nosso parque industrial. Cercam-nos de produtos de qualidade lastimável.

 A história explica. Quando se abrem os portos, as importações invadem o país. Sem condições mínimas de competir, as tentativas de fabricação eram afogadas pelas importações baratas. Salvaram-nos aos debates internacionais, que criaram condições para produzir localmente. São as duas grandes guerras e a crise de 1929.

 No pós-guerra, criam-se proteções e reservas de mercado para nossas manufaturas, diante da invasão dos importados. Graças a elas, houve continuidade na industrialização, com a fabricação de uma gama extraordinariamente ampla de produtos. Nas indústrias melhores, criam-se padrões de desenho, engenharia e qualidade. Mas a reserva teve como efeito colateral habituar os brasileiros a muitos produtos sem qualidade, feitos por uma industriazinha de roça.

 Note-se o contraste com países da Ásia (Japão. Coreia do Sul. Taiwan e China) cuja indústria já foi criada para exportar. Portanto, seu primeiro desafio é oferecer uma boa relação entre o preço e a qualidade no mercado internacional. Assim sendo. os consumidores domésticos recebem o que passou pelo crivo dos europeus e americanos.Como a avassaladora maioria dos nossos produtos industriais não cruza fronteiras, o consumidor fica à mercê da mediocridade das pequenas fabricações.

 Vejamos os exemplos. O controle remoto do portão já vem de fábrica funcionando precariamente. Cai ou enferruja o cabo da vassoura. Enguiça o mecanismo para elevar o assento da cadeira de escritório. A ducha higiênica vaza. O sol derreteu a fibra da parte de baixo do meu aquecedor solar (e o conserto foi porcalhão). Fui ver um chinês, que me pareceu muito mais bem construído.

 Comprei várias luminárias residenciais. Ao desmontá-las, vi que as chinesas, de mesmo preço, têm uma engenharia melhor e o acabamento é superior (copiaram dos americanos?). As nossas são mal pensadas, pois o fio precisa ir aonde não quer. Custa trabalho e paciência convencê-lo. Com o calor da lâmpada, partiu-se o vidro de uma que havia no teto da sala, e ela desabou em mil pedaços. Algumas há com parafusos cuja fenda é rasa e larga demais, desafiando as chaves de fenda.

 Pode ser impressão minha, mas acho que o prego americano é um pouquinho melhor que o local. O plástico injetado tem rebarbas. Enferrujam os parafusos sujeitos ao tempo. Nos que fazem os serralheiros, o local da solda sempre enferruja. Isso para não falar nas lajes que vazam e nos azulejos que despencam da fachada dos prédios. Se fosse possível importar casas da China, nossa construção civil ruiria. Muitos dos nossos produtos são mais caros, piores ou ambos.

 O que fazer? Em primeiro lugar, tomar consciência de que nossa produção tende a ser de péssima qualidade (e vivam as exceções). Nem é problema de design, é desenho mesmo, antes de quaisquer pretensões estéticas. Mas ambos precisam de tônicos fortes. Não basta o Sebrae cuidar da gestão da empresa. Justificam-se políticas de certificação e apoio público para promover a qualidade. E, também, não esquecer os anabolizantes para a raquítica educação dos fabricantes.

 A concorrência é um santo remédio. No caso dos veículos, deu um jeito nas nossas "carroças"". Precisamos muito dela. mas na dosimetria certa, para o paciente não morrer do remédio. E há a grande lição dos orientais: copiar de quem sabe fazer. Todos imitaram sem pejo. Primeiro fazem igual, depois fazem melhor.

 Uma sugestão: todo industrial que vai à Disney deveria passar vários dias nas lojas de ferragens da vizinhança, comprando produtos parecidos com os que fabrica — para desmontá-los, ao chegar em casa. Quem sabe o governo financia a viagem?
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Em uma sociedade onde a ignorância explícita é reverenciada, de que adianta os recursos do pré-sal e de todas as riquezas minerais da crosta terrestre investidas em educação?
Em fim, uma crônica necessária.


Zero mais zero
 J.R. Guzzo
Veja 

 Consta que Galeno, o maior médico da Roma amiga, chegou cena vez a uma cidade atingida pela peste, onde foi recebido com grandes esperanças pelos notáveis locais. Que sorte a nossa, pensaram todos —justo nesta hora, eis que nos aparece o grande Galeno, o homem que mais conhece o corpo humano em todo o império e consegue curar as doenças mais infames em circulação por aí. Galeno olhou um pouco à sua volta, pensou por um minuto e deu sua receita para o tratamento da peste: "Vão embora daqui o mais rápido que puderem. Vão para o lugar mais longe possível. Voltem o mais tarde que conseguirem". Houve um certo desapontamento: mas é só isso que o nosso grande doutor tem para dizer"." Sim. era só isso. e Galeno foi o primeiro a aplicar a sua própria terapia: montou no cavalo, saiu a galope e nem olhou para trás. Não há informações mais precisas nessa história, mas uma coisa é certa: ninguém que optou por obedecer à sua prescrição morreu. E não era isso. exatamente, o que esperavam dele?

 O episódio permanece, no anedotário da história, como uma prova de que é perfeitamente possível aproveitar a própria ignorância para obter um benefício importante — importantíssimo, na verdade. para os que salvaram a sua vida seguindo a recomendação recebida. Galeno não tinha a mais remota ideia de como curar a peste, algo que só seria descoberto uns 1600 anos depois, mais ou menos. Mas sabia algumas coisas interessantes. Sabia, por exemplo, que a doença aparecia numas cidades e não em outras, que permaneciam totalmente imunes â epidemia. Por quê? Pergunta inútil. raciocinava ele, já que não havia tempo de ticar fazendo pesquisas científicas quando centenas de pessoas morriam todos os dias nas cidades atingidas pela peste. Sabia, também, que um indivíduo ainda não contaminado permanecia plenamente saudável quando se mudava para algum lugar livre da praga. Não se importava nem um pouco, enfim, em admitir sua ignorância sobre o assunto: ao contrário dos seus colegas, que ticavam receitando remédios absurdos, rezas e mandingas para esconder o fato de que não sabiam nada sobre 0 tratamento da doença, preferia salvar pela observação lógica aqueles que ainda não estavam condenados.

 Galeno, na escuridão do século II, não sabia muita coisa. Era capaz, entre outras proezas, de desmontar um macaco inteiro numa autópsia e, em seguida, colocar cada peça de volta exatamente no lugar em que estava. Mas dizia que isso lhe ensinava muito sobre macacos, e pouco sobre o homem. Achava, por exemplo, que o sangue se originava no fígado, e tinha dúvidas sobre a disposição dos músculos do corpo humano: hoje. provavelmente, não o deixariam clinicar num posto de saúde do interior do Ceará. Mas Galeno era um ás em servir-se da sua inteligência para vencer a sua ignorância. Ao recusar-se a ficar inventando falsas respostas para questões que desconhecia, e por limitar-se a aplicar ao paciente o que de fato sabia, forçava a si próprio a aprender mais, e a aprender com mais certeza. O resultado é que acabou se tomando um farol para a medicina por mais de 1000 anos após a sua morte.

 Em muita coisa, no Brasil de hoje. vivemos uni momento oposto ao do mundo mental de Galeno — a ignorância serve para derrotar a inteligência. Grandes vultos do nosso mundo cultural, político, social e outros abarrotam seus sites com cursos, mestrados, pós-graduações e outros feitos d"armas que atribuem a si próprios: infelizmente, não informam o que aprenderam. Sem isso,o que se tem é zero mais zero. No papel o sujeito é um crânio, e se comporta com aquela arrogância que só a falta de mérito pode comprar — mas, na hora de mostrar o que realmente sabe, apresenta um diploma em vez de uma resposta. Em outros casos, sai-se na direção oposta: a ignorância é promovida a virtude, e a falta de estudo vira um certificado de sucesso na vida. Gente desse tipo é convidada a dar aulas ao mundo, aceitar tarefas incompatíveis com os seus conhecimentos e até a receber títulos de doutor honoris causa, aqueles que exigem um chapéu estranho que rica sempre torto na cabeça do homenageado. Um cidadão de mínimo bom-senso, em tal situação, diria: "Muito obrigado, mas não posso aceitar, porque não entendo nada deste assunto. Não há causa para a honoris. 

Mas quem faria isso? O título, os aplausos de platéias tidas como sofisticadas e a canonização do ignorante valem mais que o mérito. Quanto menos o indivíduo sabe, tanto menos quer saber. Por que haveria de querer? Não se mexe em ignorância que está ganhando.
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O Brasil perde pontos

Editorial FOLHA

Há pelo menos dois anos, meios de comunicação que informam a elite mundial de investidores têm coletado e difundido imagens negativas a respeito do Brasil.

Critica-se o alto custo de produzir no país, o descaminho da política econômica, a inércia institucional (ausência de reformas que removam empecilhos ao empreendimento privado) e o reavivado intervencionismo do governo.

Esse resumo em quase nada difere das críticas sensatas de economistas e empresários brasileiros. No entanto, a queixa estrangeira mais ruidosa é pautada por interesses e dada a exageros cíclicos.

Alguns financistas enxergam menos atrativos no Brasil devido à baixa das taxas de juros. As intervenções no mercado de câmbio, entre outras, também contribuíram para a repulsa.

O baixo crescimento acabou por esgotar o interesse de muitos investidores, que nos tempos de bonança acorreram para a Bolsa brasileira, na expectativa de lucros e valorização crescentes das empresas.

No ciclo de alta, recorriam ao clichê de "bola da vez" para qualificar o país. Mas nem de longe o Brasil seria uma China. Por outro lado, nem mesmo nestes anos de crescimento medíocre terão sido obstruídas as vias para a recuperação do crescimento mais rápido. Mesmo lerdo o país oferece oportunidades de negócio relevantes, se por mais não fosse, ao menos pelo tamanho de seu mercado.

Nas últimas semanas, ficaram evidentes tais oportunidades. Uma subsidiária do Banco do Brasil (BB Seguridade) realizou a maior venda inicial de ações em todo o mundo neste ano, no valor de R$ 11,5 bilhões. A Petrobras captou US$ 11 bilhões com a emissão de títulos externos, a juros baixos.

Até no front interno houve uma melhora aqui, outra ali. O governo voltou a licitar áreas de exploração de petróleo e gás e arrecadou R$ 2,8 bilhões no leilão, com ágio de 797%. Também aprovou uma lei de privatização de portos que, embora limitada, trouxe um avanço.

Na semana que passou, porém, o governo reafirmou que prosseguirá sua política econômica equivocada: gastar a fim de estimular o crescimento por meio de consumo ainda maior, consumo que é evidentemente excessivo sob inflação e deficit externo crescentes. Ademais, dado o vício estatista, há atrasos graves nas concessões de serviços públicos.

A situação geral no governo ainda não mudou: parece faltar-lhe imaginação e capacidade operacional. Não há programa algum para dar conta da teia burocrática e tributária que emperra os negócios.

O Planalto não lidera ação nacional a fim de reformar um dos mais disfuncionais sistemas de ensino do mundo. É incapaz de investir eficazmente até mesmo os parcos recursos que reserva para a deficitária infraestrutura.

Enfim, o governo continua a executar uma política macroeconômica acanhada, que perde prestígio a cada dia, o que pode de fato dar cabo do otimismo remanescente, no exterior, a respeito do país.
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O tempo não para



Gestão
O tempo não para
por Thomaz Wood Jr.

O Brasil está envelhecendo. Pesquisa recente mostra o despreparo das empresas para lidar com profissionais mais maduros

O processo é conhecido. Os custos crescem, os competidores avançam, e os acionistas querem resultados. Saída: renovar os quadros. Leia-se: livrar-se dos funcionários mais velhos e caros, contratar jovens efebos, com muita vontade e pequeno salário. Dito e feito. Então, o trabalho emperra, os clientes reclamam, mas a planilha de custos fala mais alto. Assim tem sido: a cada crise, interna ou externa, as empresas rejuvenescem seus quadros. Alguns observadores batizaram o processo de “juniorização”.

Uma empresa “juniorizada” salta aos olhos. Antes, o escritório, silencioso e solene, era dominado por calvícies e cabelos brancos. Seis meses depois, o nível de ruído aumentou, e uma horda juvenil se estabeleceu. Foram-se as regras e procedimentos, substituídos por um frenesi frequentemente confundido com agilidade e produtividade. O mais importante é, porém, que a folha de pagamento foi reduzida. Inferno na Terra, paz no Olimpo corporativo.

Renovar sistematicamente os quadros é um princípio de gestão importante para as empresas. Profissionais mais jovens trazem novas ideias, colocam em xeque processos anacrônicos e ajudam a evitar que a empresa envelheça e perca o contato com as mudanças em seu ambiente de negócios. A renovação, realizada na medida certa, traz efeitos positivos.

A juniorização, por sua vez, quando realizada com o propósito de reduzir custos, compromete a qualidade da gestão e põe em risco o futuro das companhias. Vista como panaceia, evita que a empresa trate de questões mais substantivas, relacionadas ao seu modelo de negócios e às suas práticas de gestão.

Além disso, a juniorização segue na contramão da demografia. O Brasil está envelhecendo. Nas próximas décadas, as empresas terão de lidar com quadros profissionais cada vez mais maduros. Uma pesquisa recente, realizada pela consultoria PwC e a FGV-Eaesp, instituição à qual este escriba está ligado, procurou avaliar como o mundo corporativo se prepara para o fenômeno. Foram ouvidas mais de cem empresas, de diversos segmentos da economia. Algumas conclusões são preocupantes.

Em primeiro lugar, menos de 40% das organizações pesquisadas reconhecem que quadros mais maduros podem constituir alternativa para a escassez de talentos, problema hoje de centenas de corporações brasileiras que estão freando seus planos de crescimento. Consequentemente, não há na maioria das empresas mecanismos para atrair e manter tais quadros.

Em segundo lugar, as companhias reconhecem: profissionais mais maduros possuem competências valiosas, relacionadas à capacidade de realizar diagnósticos e resolver problemas, além de apresentar maior equilíbrio emocional. Paradoxalmente, elas não contam com modelos de gestão de carreira que facilitem os processos pelos quais tais características poderiam ser mais bem exploradas. Além disso, as práticas para os mais velhos transferirem experiência aos mais jovens são pouco desenvolvidas.

Em terceiro lugar, há poucas iniciativas para garantir maior qualidade de vida e para ter quadros mais saudáveis no futuro. Há também poucas ações para acomodar o perfil e as necessidades dos profissionais próximos da aposentadoria.

Últimos artigos de Thomaz Wood Jr:

Em suma, a maioria das empresas parece não ter ainda tomado consciência de que a evolução da pirâmide demográfica e as mudanças no mercado de trabalho demandarão alterações nas práticas de gestão de carreiras. No centro da questão situa-se uma dificuldade para reconhecer o valor de quadros mais maduros e para administrá-los.

Psicólogos têm desenvolvido escalas para observar e medir a capacidade de indivíduos realizarem raciocínios ponderados e maduros. Tais escalas consideram, entre outros fatores, o desejo de procurar oportunidades para resolver conflitos, a disponibilidade para buscar soluções de compromisso, o reconhecimento dos limites do conhecimento pessoal e de que podem existir diferentes perspectivas para resolver um problema.

Segundo estudos realizados pelo psicólogo social canadense Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, com norte-americanos, indivíduos mais velhos obtêm, em tais escalas, escores mais altos. A sabedoria vem mesmo com a idade. Entretanto, a cultura na qual os indivíduos estão imersos também interfere, acelerando ou, eventualmente, retardando o processo de amadurecimento.

Organizações que apostam na juniorização com o propósito de reduzir custos e ignoram a evolução do nosso perfil demográfico agem contra seus próprios interesses. Além de desperdiçar competências e características da maturidade, podem estar inadvertidamente estimulando uma cultura que inibe o amadurecimento.
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domingo, 26 de maio de 2013

Revolução energética e o 'custo Brasil'

Um assunto de fundamental importância a ser discutido e fiscalizado pela sociedade, se madura fosse, claro.



Revolução energética e o 'custo Brasil'
O Globo


Enquanto os Estados Unidos naufragavam em desemprego, tragados pelo impacto no setor produtivo da crise financeira, o próprio sistema, bastante flexível, estava na rota de uma revolução tecnológica na exploração de rochas, entre elas o xisto, que contêm hidrocarbonetos. 
Só em meses recentes, a economia americana emitiu alguns sinais de que pode estar em curso uma recuperação consistente. Mas a revolução energética, principalmente a partir do gás do xisto, já começara. 
Thomas Friedman, jornalista, autor de livros, colunista de "The New York Times", há muito tempo defende, com persistência, a busca pela independência energética como objetivo estratégico para o país. Com um argumento poderoso: depender do petróleo de Venezuela, Arábia Saudita e outros estados autocráticos é financiar regimes ditatoriais, alguns com ligações com o Islã sectário. Ou seja, os dólares americanos financiam, ou financiaram, a al-Qaeda, trágica ironia. Pois esta autonomia está próxima, com a exploração do gás extraído de rochas, que já começa a substituir o carvão na geração de energia e tende a tomar espaço de derivados de petróleo na matriz de consumo americana. 
O termo revolução é adequado a esta mudança estrutural. Segundo dados oficiais americanos, em 2014 as importações de petróleo serão as menores em 25 anos. E continuarão a cair. Mesmo a produção de óleo cru tem aumentado. 
Fato é que, segundo a própria Agência Internacional de Energia (AIE), as reservas de óleo e gás americanas deverão, até o final da década, superar as da Arábia Saudita e da Rússia, passando a ser as maiores do mundo. O impacto mundial desta revolução é para ser acompanhado com extrema atenção. O Brasil, por sua vez, já colocará em licitação áreas de xisto para exploração, diante da disponibilidade da tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos. Mas o importante são os reflexos nos mercados do grande e rápido aumento de produção de gás pelos americanos. 
A desvantagem da indústria brasileira na competição globalizada, já grande em função dos gargalos e entraves conhecidos, aumenta. Análise da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) constata que, enquanto a cotação média do gás nos Estados Unidos está em US$ 4,45 por milhão de BTUs (unidade térmica britânica, em inglês), no Brasil se encontra em estratosféricos US$ 17,14. O resultado é que a indústria brasileira, se passasse a funcionar em solo americano, economizaria por ano US$ 4,9 bilhões no combustível. 
Há um "custo Brasil" específico nesta cadeia, a ser desbastado por redução de impostos, menor burocracia e maior eficiência empresarial. Além das desobstruções dos gargalos de infraestrutura. 
Tentar proteger a indústria por meio de tarifas aduaneiras será, como se sabe, decretar seu desaparecimento a médio prazo.
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Preservando as espécies




JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO 

O corno desaparece a olhos vistos, ninguém mais liga. Isso não é possível, não é sustentável, é um abismo


Em Itaparica, não existe muita preocupação com esse negócio de privacidade, visto que, desde o tempo em que a luz era desligada pela prefeitura às dez horas da noite, o sabido saía com a moça, se esgueirando entre os escurinhos do Jardim do Forte e, no dia seguinte, na quitanda de Bambano, o fato já tinha alcançado ampla repercussão, com fartura de pormenores. O mesmo acontecia em todas as outras áreas e diz o povo que, quando meu tio-avô Zé Paulo, tido como mais rico que dezoito marajás, soltava um pum, sozinho numa sala de seu casarão, os puxa-sacos já ficavam de plantão no Largo da Quitanda e, no instante em que ele passava, se manifestavam efusivamente.

— Bom dia, coronel, bufou cheiroso outra vez!

— Muito bem bufado, coronel, quem está preso quer estar solto!

Quanto a câmeras de vigilância e segurança, correntemente na moda, receio que a situação é semelhante. Manolo quis botar uma no Bar de Espanha, mas desistiu depois que soube que todo mundo estava planejando pedir para fazer um teste com a Globo. Além disso, não há muita motivação para a instalação de câmeras, porquanto o que assaltar sempre foi meio escasso e Romero Contador, que não erra nem conta de raiz quadrada, já mostrou na ponta do lápis que, se alguém roubar o nosso PIB, vai passar o resto da vida altamente endividado, pois a verdade, por mais duro que seja reconhecer, é que nossa economia não interessa nem a deputado estadual e mal sobra o que furtar para os corruptos locais.

Não havia, portanto, razão aparente para o movimento deflagrado por Zecamunista, como sempre meio de surpresa. Nada indicava que estivesse motivado para nova campanha cívica, ainda mais envolvendo questões exóticas, como a privacidade. Depois de mais uma vitoriosa temporada de pôquer por todo o Recôncavo, onde chegou a ganhar dois barcos de pesca — que rebatizou de Marx e Engels e doou à Cooperativa Comunista Deus É Mais, há muitos anos fundada por ele, em Valença — voltara à ilha na semana anterior, na discreta companhia de “duas senhoras de Nazaré das Farinhas, minhas correligionárias”, como ele me disse ao telefone, sem mais adiantar e muito menos me convidar para conhecer as duas correligionárias. Desde esse dia, fora visto apenas uma vez, comprando uma garrafinha de catuaba no Mercado e voltando apressadamente para casa, no passo ligeirinho de clandestino a que a vida de militante bolchevique o acostumou. E já se pensava que as correligionárias iam ocupá-lo por mais tempo que o esperado, ouvindo-se também a maledicência de que “Zeca não é mais aquele”, mas eis que ele, como se nada tivesse acontecido, compareceu ao Bar de Espanha, na happy hour das nove da manhã, e fez o anúncio inesperado.

— Estou fundando o Movimento de Preservação e Defesa do Corno Nacional — disse ele. — Essa viagem acabou de me convencer de que o corno está em extinção. Um dos parceiros com quem eu joguei, não vou dizer onde, contou, quase satisfeito, que foi largado pela mulher, que tinha confessado ter um amante. Mas não era por isso que largava o marido, era porque estava sufocada, queria o espaço dela. O espaço dela era na cama do outro, mas todo mundo finge que acredita e fica tudo por isso mesmo. É a globalização descaracterizando a identidade nacional, não zelamos pelo nosso patrimônio cultural, encaramos tudo com a mais leviana das inconsequências e, se não tomarmos providências agora, nossos descendentes nem saberão o significado da palavra “corno” e toda sua riqueza emocional, artística e histórica!

Com efeito, meus caros senhores, em primeiro lugar, o corno desaparece a olhos vistos, ninguém mais liga. Isso não é possível, não é sustentável, é um abismo. Já basta não haver mais mistério quanto à paternidade, por causa da novidade dos exames de DNA. A vida perdeu a emoção, nunca mais aquelas investigações de paternidade que não chegavam a nenhuma conclusão, nunca mais confissões arrepiantes no leito de morte. E a espionagem eletrônica, celulares rastreadores, gravadores secretos, câmeras minúsculas, visão noturna, detectores disso e daquilo, tudo bisbilhotado e bisbilhotável? Nada mais é sagrado? O sujeito quer ser corno em paz e não permitem, têm que incomodá-lo com denúncias e provas que ele nunca pediu, pensem nisso! Até um dos últimos bastiões da liberdade está sendo destruído! Onde ficará Lupicínio Rodrigues, onde ficará Ataulfo Alves, onde ficará a dúvida cruel, onde ficará a viagem de negócios, onde ficará a tarde no dentista?

— Eles não sabem o que dizem, são uns inocentes — disse Zeca, ao ver que suas palavras haviam ocasionado um debate de grandes proporções. — As ideias novas sempre provocam reações negativas, inclusive entre aqueles que vão se beneficiar delas, é a maldição do pioneirismo.

Aqui para nós, seu real objetivo não era bem a preservação de uma espécie. Pretendia mesmo era montar mais um esquema para beneficiar as classes populares da ilha, ou seja, quase todo mundo. Esse papo de corno não passava de marketing, destinado a aproveitar e incrementar um clima já existente. O próximo passo será bolar um serviço para o nosso nicho de mercado. O nosso nicho não é o corno comum, que esse já perdeu o sentido e ainda não sabe, mas o corno saudosista, o tradicionalista, o que tem nostalgia dos velhos tempos dourados, o que ainda acredita. Não duvidava que fosse possível obter incentivos do Ministério da Cultura. E já podia antecipar os anúncios estampados nos jornais: “Corneie seu ente querido à moda antiga, venha à nossa ilha.”

— Há outros esquemas, mas eu prefiro esse — disse ele. — Nós vamos fornecer a mão de obra.
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

O emburramento necessário

Graciliano Ramos: "Felizmente as ditaduras (com ou sem disfarce) acabaram e os generais saíram de cena, mas muitos políticos safados ainda estão aí, impunes. Para estes, o emburramento do povo é, de fato, necessário."



O emburramento necessário
Milton Hatoum
O Estado de S. Paulo 


O que pensam os 5.570 prefeitos brasileiros sobre a falência do nosso ensino público? Quantos se empenham verdadeiramente em trabalhar por uma mudança qualitativa da, educação, de que depende o futuro do Brasil?

Deviam seguir o exemplo de Graciliano Ramos, que foi prefeito de Palmeira dos índios (1928-30) e diretor da Instrução Pública de Alagoas (de janeiro de 1933 a março de 1936).

Num dos artigos do livro Garranchos (ed. Record, organização - notável - de Thiago Mio Salla), o autor de S. Bernardo fez um balanço de sua gestão à frente da Instrução Pública, um órgão equivalente, hoje, à Secretaria Estadual de Educação. Os avanços são significativos: construção, ampliação e reforma de escolas, aumento considerável do corpo docente e do número de matrículas, melhoria da qualidade do ensino.

Segundo Salla, o Jornal de Alagoas reconheceu o trabalho do escritor na pasta da educação, "destacando o acréscimo de 87,3% no número de matrículas no período de 1932 a 34". A matéria do J.A, (Trabalhando em silêncio, 13/12/1935), diz: "Trabalhador compenetrado de seus deveres, decidido nas determinações, a sua obra, na Instrução Pública, dia a dia se impõe ao respeito da coletividade".

Nas memórias de Infância, Graciliano menciona escolas improvisadas, manuais de leitura enfadonhos, professores pobres, ignorantes, violentos. Enfim, alude a uma pedagogia bruta naquele tempo de República Velha.

Mais de um século depois, é possível dizer que houve avanços quantitativos na educação pública, pois a imensa maioria das crianças e jovens pobres frequentam escolas. Mas problemas estruturais perduram: salários vergonho- houvesse a Lei de Responsabilidade Fiscal (que certas raposas querem revogar), a farra seria maior.

Gatunagem e impunidade formam a duplinha sórdida do nosso atraso. Durante a ditadura, a república dos milicos e do milagre econômico cresceu, inchou, adquiriu ares modernos e interrompeu a promessa de um ensino público democrático. Mais de duas décadas de censura e repressão foram nefastas para a formação de uma consciência crítica.

Quando dirigiu a pasta da Educação, Graciliano foi criticado ao viabilizar a matrícula de centenas de; crianças negra se paupérrimas numa escola pública de Pajuçara, onde estudavam filhos das "famílias mais arrumadas" desse bairro de Maceió. Um tenente do Exército, inconformado com a reprovação de sua sobrinha numa escola de Penedo, pediu a Graciliano que nomeasse uma banca especial para essa aluna. Como isso era contra o regulamento, o pedido foi negado. Algum tempo depois, no dia 3 de março de 1936, esse mesmo tenente deu ordem de prisão ao escritor. Vingança do militar? Talvez. Mas o verdadeiro motivo da detenção era outro.

Nas Memórias do Cárcere (1953), o escritor alagoano assinalou que, àquela época, o País estava sendo governado por "uma ditadura mal disfarçada por um congresso de sabujos". Ao rememorar sua prisão em março de 1936, ele escreveu: "O emburramento era necessário. Sem ele, como se poderiam aguentar políticos safados e generais analfabetos?".

Felizmente as ditaduras (com ou sem disfarce) acabaram e os generais saíram de cena, mas muitos políticos safados ainda estão aí, impunes. Para estes, o emburramento do povo é, de fato, necessário.
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O futuro tecnológico da inspeção veicular

Medidas imprescindíveis que a sociedade deve conhecer, defender e cobrar para melhorar a qualidade de vida nas grandes e médias cidades, uma vez que a produção de veículos ainda é uma das principais soluções para se gerar empregos e arrecadação tributária.



O futuro tecnológico da inspeção veicular
FERNANDO LANDGRAF
CARLOS PADOVEZI
SILVIO FIGUEIREDO

A inspeção veicular é uma solução técnica que visa induzir o proprietário a fazer uma correta manutenção do seu carro, para assegurar os ganhos previstos por legislações ambientais mais rigorosas.

Mas a responsabilidade não é só dele. Deve ser compartilhada com o fabricante do veículo, das autopeças, oficinas e distribuidoras de combustível, que respondem pela qualidade, além do poder público, que estabelece as regras para que isso aconteça.

As bases da atual configuração do programa de inspeção paulistano foram estabelecidas a partir de pesquisa da Cetesb, realizada no início dos anos 90, quando os veículos ainda eram carburados.

De lá para cá, a tecnologia veicular evoluiu significativamente, entre outros motivos, puxada pela legislação ambiental. Os limites das emissões permitidos naquela época eram de 9 a 24 vezes superiores aos atuais (comparando as fases L-2 e L-6 do Proconve).

O atual procedimento de inspeção é capaz de identificar problemas mais graves, como a ausência de um catalisador. Mas dificilmente identificará problemas além daqueles que se manifestem exclusivamente em marcha lenta. Além disso, a eficácia do programa paulistano também depende de fatores como o número de veículos que circulam pela cidade sem serem aqui licenciados.

Nos Estados Unidos, concluiu-se, no ano 2000, que a melhor forma de realizar a inspeção veicular é por meio do sistema denominado OBD (On-Board Diagnostics), cuja versão padronizada pelo governo americano tornou-se obrigatória a partir de 1994. Ele está presente em todos os veículos que disponham de centrais eletrônicas de controle (ECUs ou centralinas).

Esses equipamentos verificam continuamente a operação de componentes do veículo, mantendo na memória registros de eventuais falhas. Por meio de um plugue e um dispositivo eletrônico (scanner), as oficinas e as estações de inspeção conectam-se à memória do veículo para verificar as condições de operação desses componentes.

No Brasil, o uso do OBD padronizado tornou-se obrigatório a partir de 2007. Baseado no OBD europeu (EOBD), ele foi implantado de maneira progressiva. A partir de 2011, todos os veículos passaram a dispor do hoje vigente OBDBr-2, capaz de também monitorar o funcionamento do catalisador. No entanto, os programas de inspeção veicular brasileiros ainda não o adotaram.

A configuração de um programa de inspeção veicular adequado à realidade local passa pela realização de estudos mais aprofundados. Incluem-se entre eles as medições das emissões de poluentes por veículos em condições normais de operação na cidade e a identificação de correlação entre situações de testes de inspeção e a real quantidade de poluentes emitidos pela frota.

É razoável supor que, mais cedo ou mais tarde, o país também vá adotar o sistema que utiliza o OBD pelo simples fato de ser o mais eficaz e econômico. Além disso, os seus registros podem ser transmitidos por rádio ou redes de dados da telefonia celular (OBD remoto), como já se pratica nos EUA.

Haverá um período de transição em que as praças de inspeção ainda serão necessárias, mas, com a implantação do sistema OBD remoto, elas acabarão extintas.

Outro item da inspeção veicular paulistana diz respeito à emissão de ruído. Nesse caso, a alternativa mais eficiente seria a fiscalização por meio de sensores acústicos acoplados a radares.

De qualquer forma, o sistema OBD já é uma realidade no Brasil e, face às grandes mudanças na realidade paulistana, convém reavaliar tecnicamente qual é a ferramenta de inspeção veicular mais eficiente e de menor custo. Por tudo isso, é urgente que a discussão da inspeção veicular ultrapasse seus limites atuais e inclua a evolução tecnológica.

FERNANDO JOSÉ GOMES LANDGRAF, 58, é diretor-presidente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo); CARLOS DAHER PADOVEZI, 57, é diretor de Operações e Negócios do IPT; e SILVIO DE ANDRADE FIGUEIREDO, 57, é pesquisador do Laboratório de Energia Térmica, Motores, Combustíveis e Emissões do IPT.
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Que porto é esse, senhora dos navegantes?

Uma revisão crítica, na forma de uma leve crônica, que ressalta a confusão ética e de referencial que nossos líderes públicos encontram-se, onde o interesse do desenvolvimento social é, facilmente, manipulável ante uma sociedade anômica e omissa, mas que lhes garante a manutenção dos cargos pelo ato mais objetivo de uma democracia que se diz responsável, o voto.
A questão é que há muito mais trabalho além do mero e risível ato de votar.




Que porto é esse, senhora dos navegantes?
FERNANDO GABEIRA
ESTADÃO 

Desembarco mareado nesta nova estação do progresso. Sou pela abertura dos portos e não vejo argumento mais forte do que centenas de caminhões engarrafados esperando o momento de exportar sua carga.

Chego mareado não pelo balanço das ondas, mas pelo espetáculo agitado em terra firme. Um longo psicodrama que não pude acompanhar em todos os detalhes por causa das tarefas cotidianas. Mas já o pressentia. Para articular seu governo na nave do Congresso, a senhora escolheu Ideli Salvatti. Com as características da nova ministra, a escolha a transformaria rapidamente de Salvatti em Afundatti: independentemente de suas qualidades, simplesmente não é a pessoa para o cargo. Pode ser amiga, fiel, apaixonada pela causa, mas, que diabo, isto é uma República! Em vez de elevar o nível da política, como se pede a uma presidenta, ela a joga no chão e a pisoteia com o salto alto.

O mais impressionante, à distância, é o reality show no Congresso. Conheço alguns personagens, da política fluminense, e não acreditava no que lia: Eduardo Cunha, guerrilheiro que obriga o governo a recuar. Como assim? Eduardo Cunha fazendo emboscadas, dispersando quando o inimigo se concentra, concentrando-se quando o inimigo se dispersa?

Eduardo Cunha, o líder do retrocesso, diziam algumas outras notas. Será? Cunha não se bate pelo progresso nem pelo retrocesso. Seus parâmetros são outros. Lembro-me de uma sessão que ele presidia. Discutimos e tive a sensação de que não estava me olhando. Disse: "Por favor, olhe para mim". E ele: "Estou olhando". Percebi, subitamente, que olhava sem olhar. Ele falava de dentro de uma caverna.

Garotinho, pensando em Cunha, chamou a emenda dos portos de emenda dos porcos. Foi sua contribuição. Saiu quase ileso no outro dia, quando Ronaldo Caiado afirmou que ele, Garotinho, tinha cheiro de porcos.

Nada como o tempo para serenar os ânimos. Cheirar não é ser. Abre espaço para um acidente, ter passado por um chiqueiro, posado para uma foto com porquinhos no colo.

Imaginem essa confusão numa atmosfera fechada, uma espécie de abrigo antiaéreo onde se entra e sai sem ver a passagem do dia para a noite, o próprio amanhecer. Pizzas, frangos, um batalhão de alimentos entra pelos corredores e deságua na cantina abarrotada. Cochilos, intervalos para o futebol, é verdade isso que a imprensa mostrou. E, naturalmente, os gases: 500 pessoas reais concentradas no mesmo espaço, disputando os mesmos sofás. O que importam esses detalhes para a história da modernização dos portos? Se o preço de distribuir renda é degradar a política, por que não usar o mesmo raciocínio para desatar o nó no comércio exterior?

Pelo rádio ouço uma comentarista lembrar que a emenda dos portos seria aprovada mais rapidamente no Senado, pois os senadores, mais velhos, não aguentariam a maratona. Como apenas seis horas bastaram para rever algo que os deputados levaram dias para concluir, supõe-se que têm uma invejável juventude intelectual. Falsa suposição. Os senadores fazem o que quer o governo. Garantidos suas verbas e seus cargos, nada têm a temer, exceto um colapso do serviço de chá.

O episódio da emenda dos portos mostrou mais uma vez o descompasso entre o crescimento econômico e a qualidade política. Acho esse caminho insustentável. Mas posso estar equivocado, aplicando uma visão dinâmica a algo que tende a sobreviver, se essa for mesmo a escolha nacional, por comodismo ou indiferença.

Confrontado com as expectativas da redemocratização, o processo político brasileiro degradou-se. Se as previsões falharam no passado, de que adianta renová-las? Pensar o futuro, só recorrendo à ficção científica. Que bichos ocuparão as denúncias na tribuna? Antes havia o dinossauro, que se tornou simpático, o veado, que perdeu sua conotação negativa. O porco é o bicho do momento, mas o próximo pode ser a iguana, a barata ou o dromedário? Tudo é possível na enorme fazenda petista, onde os bichos se acalmam só quando sentem o cheiro do dinheiro no ar.

O drama dos portos ocorre num momento de comemoração do partido dominante, que se orgulha publicamente de elevar milhões de pessoas à classe média. Na festa, a filósofa Marilena Chaui disse que odeia a classe média por suas posições fascistas e conservadoras. Então, elevam a vida das pessoas para melhor conseguirem odiá-las?

Se a classe média é reacionária e fascista, resta procurar uma classe social democrata e progressista, salvadora. Seriam os operários os portadores da nova moral? Lula, por exemplo, beijando a mão de Jader Barbalho e dizendo que Newton Cardoso é o Pelé da política?

Com seu talento filosófico, Chaui poderia até nos convencer da tese de Lula de que não existiria poluição se a Terra não fosse redonda. Como a Terra gira e a Lusitana roda, slogan que sempre marcou o negócio das mudanças no Rio, o poluído planeta, pelo menos, está em movimento. Cedo ou tarde essa mistificação que vê o fascismo só nos outros e veste de pureza um partido corrompido até a medula pode ser desmascarada.

O discurso de Chaui, no entanto, é sintomático. Depois de impor a ideia de que a degradação política é essencial para mover o País, está tudo pronto para tratar as pessoas como se tratam os deputados no plenário. O sadomasoquismo nacional entra em nova fase. Os brasileiros da classe média são roubados de dia e insultados à noite nas tertúlias literárias do PT. Se gostam ou não, é problema deles.

Desde o início da democratização me bati pela liberdade de escolha em questões delicadas, incluída essa de gostar de apanhar. Se os eleitores preferem um Parlamento cheio de Cunhas e os empresários adoram tratar suas questões com eles, temos somente de nos resignar e esperar que combatam entre si e sejam devorados pela própria cobiça.

Aos poucos, vamos compondo um novo e inquietante dístico para a Bandeira Nacional: "Barbárie e Progresso". Salve, salve.
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Superação do atraso

O Senador já foi Min da Educação e Reitor da UNB. Ele, também como economista, entende a gravidade do problema e a amplitude, intensidade e abrangência das ações a serem adotadas ao longo dos 5 565 municípios brasileiros.

Claro está que se a sociedade se mantiver na mesma postura passiva,  nenhuma das sugestões lograrão êxito. Para mim a Educação no Brasil não melhora porque a sociedade, como um todo, não se preocupa em se mobilizar para tal.



Superação do atraso
 CRISTOVAM BUARQUE
GAZETA DO POVO - PR


Em 1961, os EUA definiram a meta de enviar um homem à lua no prazo de 10 anos. Passados 52 anos, o governo brasileiro definiu a meta de alfabetizar suas crianças de 8 anos até 2022. Talvez nada demonstre mais o nosso atraso do que a diferença entre essas duas metas. E o governo comemora com fanfarras, ao invés de pedir desculpas pelo atraso do Brasil.

Nessa segunda década do século 21, os países que desejam estar sintonizados com o futuro têm como metas, entre outras, a conquista do espaço, o entendimento das ciências biológicas, o desenvolvimento de técnicas nas telecomunicações, a implantação de sistemas industriais sintonizados com os avanços técnicos.

Fica impossível imaginar uma sociedade do conhecimento sem centros de pesquisa e um amplo sistema universitário com qualidade. Isso só é possível se a educação de base for de alta qualidade para todos. E isso é impossível sem a alfabetização universal e completa em idades precoces, que garantam não apenas o controle dos códigos alfabéticos, mas também leitura e domínio das bases da matemática. Na economia do conhecimento, nenhuma sociedade pode deixar de desenvolver o potencial do cérebro de cada um de seus habitantes desde os primeiros anos, desde a alfabetização.

Mas não é isso o que vem acontecendo com o Brasil. Ao não universalizar a educação completa, o país tapa poços de conhecimento. Igualmente atrasado é o caminho usado para enfrentar o problema da deseducação com o velho truque publicitário: um pacto entre partes incapazes de levar a meta adiante. Imagine os EUA fazendo um pacto entre seus estados para ver qual deles chegaria à lua, ao invés de usar a Nasa federal.

Se o Brasil deseja recuperar seu atraso, deve definir metas nacionais ambiciosas: todas as crianças na escola em horário integral, com professores muito bem preparados e dedicados, o que exige elevados salários, em escolas com os mais modernos equipamentos pedagógicos, em todo o território nacional, desde os mais ricos aos mais pobres municípios, atendendo igualmente as crianças mais ricas e as mais pobres.

Isso não se consegue por meio de pactos ilusórios, assinados sem qualquer compromisso real das partes, especialmente entre partes tão desiguais, que levam os pactos a parecerem caricaturas. A única maneira de recuperar os séculos perdidos no passado para dar o salto que o Brasil precisa no futuro é envolver diretamente a União na implantação de um novo sistema educacional para, ao longo de poucos anos, substituir o atual sistema estadual e municipal por um sistema federal. Isso exige mais do que um pacto ilusório. Exige uma espécie de federalização da responsabilidade e da construção do novo sistema educacional.

Salvo três universidades mantidas pelo estado mais rico do país – São Paulo –, todas as realizações brasileiras ocorreram por meio de projetos federais. Foi assim na energia, nas rodovias, nos portos e mesmo na educação, nas nossas universidades e escolas de educação de base federais, além de institutos como o ITA.

O Brasil não dará o salto educacional, e sem este não haverá os outros, sem um governo federal que empolgue o país com a meta de, em 20 ou 30 anos, ter uma educação de qualidade comparável à dos países mais educados do mundo. Isso é possível e é preciso.
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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cultura é uma (des)vantagem competitiva?

Betania Tanure




Quando a pergunta é a se a cultura organizacional é mesmo importante para a empresa, a resposta mais comum é: "Sem dúvida! Veja os nossos valores!". Na maior parte das vezes, porém, os valores que estão amplamente divulgados nos quadros, nas agendas e nos documentos oficiais não espelham a realidade da organização.

Então o que é cultura organizacional? É o jeito de ser e de fazer de uma empresa. Ele é modelado pelos que estão na direção e influenciado pela cultura do país onde a companhia está inserida.

Não tenho dúvida de que a cultura pode ser a maior vantagem competitiva de uma organização, inclusive porque sustenta ou não a execução da sua estratégia. Ela vai muito além da simples divulgação de valores porque está no coração de cada um, na "causa" de todas as pessoas, que se sentem inspiradas (ou não) a oferecer aquela sua "energia extra".

As estratégias de negócio, fonte histórica de vantagem competitiva, são cada vez mais facilmente copiáveis, com raríssimas exceções. Os processos também. A estrutura organizacional mais ainda. O que, de fato, faz a maior diferença? Pessoas, claro. Em alguns momentos, porém, as empresas buscam no mercado indivíduos que têm o que elas querem. Na maioria das vezes, atinge-se o almejado, mas paga-se caro por isso. Embora não exista a intenção de copiar, a busca é por um certo modelo de talento. Já a liderança, não na perspectiva individual, mas na coletiva, e a cultura são duas faces de uma mesma moeda. E aqui eu diria que é impossível copiar- embora seja possível, e não raramente necessário, mudar.

Mas é mesmo possível transformar a cultura de uma organização? A resposta é sim. Só que não se faz isso rapidamente, nem sem dor. E não se trata de sofrimento. Como disse Drummond, "a dor é inevitável, o sofrimento é opcional".

São três as principais situações de mudança de cultura. A primeira é a fusão ou aquisição. Porém, atenção: não significa que em todas as operações de F&A a cultura mude. Em alguns casos, por estratégia, ela é mantida. A segunda situação é a troca do presidente da empresa. Novamente, há casos em que isso não altera significativamente a cultura. Não raro, porém, opta-se por mudar o presidente da empresa porque ele já estabeleceu relações tão fortes com a organização que se torna muito mais difícil orquestrar uma mudança verdadeira. Por último, mas não menos importante, estão as situações de crise. A mais comum é a financeira: nesses momentos, ou se muda, ou se morre. E algumas organizações desaparecem por não conseguirem engendrar uma nova forma de ser e de fazer.

O ponto mais importante de uma situação de crise é aquele em que o momento econômico-financeiro está muito bom, mas o dirigente ou seu time tem a consciência de que a cultura existente não garantirá um futuro tão brilhante como o presente. Aqui, sim, é indispensável a decisão de um comandante, aquele que tem a coragem de, mesmo em momentos de bonança, não se acomodar, enxergar além, ver o que a maioria não vê e, conscientemente, mudar o fluxo natural das coisas.

É assim que se engendram novas formas de pensar, de sentir e de agir, que são promovidas por meio de diálogo, reflexão conjunta, troca de ideias e, consequentemente, envolvimento emocional. E o que torna tudo isso possível é a confiança, pedra angular de um processo de transformação.

Em síntese, a mudança de cultura só é realizável por meio das lideranças, cuja essência, influenciar pessoas, se concretiza através do relacionamento, da interação pessoal, do compartilhamento.

No processo de mudança de cultura é preciso conversar, conversar e conversar, abrir espaço na agenda frenética para compreender mais profundamente o outro.

A criação de um novo mapa mental requer o questionamento contínuo das certezas culturais que conduzem às práticas vigentes. Assim você aumenta a possibilidade de a cultura da sua empresa ser, de fato, uma vantagem competitiva sustentável. Esta ninguém copia.

Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora da BTA



Déficit da Previdência Será de 21% em 2050







Art. 201. A previdência social será organizada observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial


Hoje, os jornais publicam um estudo feito pelo Ministério da Previdência encaminhado para o Congresso Nacional afirmando que em 2050 o Déficit da Previdência Será de 5,6% do PIB.
Não é verdade. Será de pelo menos 21%, algo muito mais sério.

Já é 10% do PIB hoje, e explica porque o Brasil não poupa e precisa de capital estrangeiro para comprar portos e aeroportos.

Mais importante, ilustra o grande problema deste país. Não sabemos sequer avaliar corretamente nossos problemas, a imprensa sequer é capaz de detectar erro e simplesmente repete ala chapa branca tudo que o Governo envia ao Congresso. E, nosso Congresso inteiro, com seus milhares de assessores, é incapaz de detectar os erros mais primários de administração financeira.

Quem estuda Economia Administrativa sabe que a situação é outra.

O déficit será de 21%, e todo déficit precisará ser financiado de alguma forma. Débitos e Créditos, lembrem-se.

Então, em 2050 teremos a seguinte situação:

Créditos      Pagamentos de Nossos Aposentados 21%

Débitos       Uso de impostos correntes 5,6%

Apropriação de 15,5% dos depósitos para aposentadorias futuras da nova geração. Ou seja, um estelionato.

O déficit não é somente o que tiramos dos impostos, como publicaram, mas é a soma do que tiramos de impostos e o que tiramos da nova geração.

Inclusive do ponto de vista contábil, ao tirar indevidamente e debitar o dinheiro dos jovens deveriam creditar Dívida do Governo com a Futura Geração, que contabilizado deveria dar por volta de R$ 13 trilhões de reais.

Estes 15,5% de Contribuições Previdenciárias da Nova Geração, a rigor, nem podem ser usadas para pagar o Déficit da Previdência nem o Déficit do Governo.

A nossa Constituição é bem clara que estas Contribuições precisam ser investidas em empresas que geram dividendos, e debêntures que geram empregos, e assim com juros sobre juros, os Contribuintes poderão se aposentar com os recursos que eles próprios aportaram, sem depender das contribuições dos seus filhos.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Se apropriar imediatamente das contribuições dos jovens para pagar os velhos não é preservar o equilíbrio financeiro, muito pelo contrário. E também não é utilizar critérios atuariais.

Permitir que 15,5% da poupança dos jovens de 2050, e os 10% da poupança dos jovens de agora seja simplesmente tomada é um estelionato generacional, que deveria ser prioridade do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Imprensa, dos Blogs de Cidadania, etc.

Este é o grande problema nacional que explica nossa falta de poupança, de investimentos em infraestrutura e educação, do nosso baixo crescimento, da nossa pobreza. O Brasil, pelo gráfico, é um país que rouba a sua nova geração muito mais que todos os países do mundo.

Deveríamos ter um déficit de 3% e não 10%, respeitado o equilíbrio atuarial.
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Custo alto da energia e do gás prejudica a competitividade

Um assunto maiúsculo para uma sociedade democraticamente amadurecida (nós?!?!?).
Ambientalismo e Ideologia são fatores predominantes nessa equação. O primeiro nos empurra para os braços do segundo, no caso a Bolívia de Evo Morales, de acordo com a doutrina do Foro de São Paulo.
De sobra, os ambientalistas, a quem atribuo "inimigos íntimos" combatem Belo Monte.
Conseguem aquilatar o alto custo para nosso desenvolvimento?



Custo alto da energia e do gás prejudica a competitividade
 Domingos Zaparolli 
Valor Econômico



Os preços de dois insumos básicos da indústria química, energia elétrica e gás natural - este último utilizado como fonte energética e matéria-prima petroquímica - afetam a competitividade da indústria nacional a ponto de paralisar fábricas e desestimular investimentos. A constatação é da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

A produção de gases industriais, cloro, soda e PVC, por exemplo, são eletrointensivas. Enquanto nos EUA o custo do megawatt hora está entre US$ 40 e US$ 50, no Brasil custa o dobro, na casa dos US$ 90. Como diz Fátima Giovanna, diretora de economia e estatística da Abiquim, os produtores químicos se abastecem no mercado livre de energia. Para eles, a redução do custo da energia elétrica, em decorrência das mudanças regulatórias promovidas em 2012 pelo governo federal, praticamente não trouxe benefícios.

O setor químico também é o maior usuário industrial de gás natural como fonte de energia para caldeirarias. Polos petroquímicos, produtores de fertilizantes e de químicos inorgânicos estão entre os principais usuários. Nesse caso, a diferença é de um custo para o consumidor industrial, dependendo de sua localização, entre US$ 13 a US$ 14 por BTU (Unidade Térmica Britânica) no Brasil, contra US$ 3 ou US$ 4 nos EUA.

A diferença de custo energético desestimula investimentos. Em 2012, o país importou 1,1 bilhão de toneladas de soda, a um custo de US$ 420 milhões, e 403 mil toneladas de PVC, pagando por isso US$ 469 milhões. "São volumes que justificariam a construção de novas unidades produtivas no país", diz Giovanna.

O gás natural também é a principal matéria-prima da petroquímica. Ele é utilizado na produção de insumos químicos como etano, base da cadeia produtiva do plástico, por exemplo; na produção da ureia, utilizada em fertilizantes, no metanol, base de várias resinas, nos isocianatos, que servem para fabricar espuma, e no negro de fumo, utilizado na produção de pneus e de tintas.

Segundo Giovanna, o Brasil importa entre US$ 8 bilhões e US$ 9 bilhões por ano de produtos da cadeia produtiva do gás natural. Em 2012 foram importadas 2,8 bilhões de toneladas de ureia, 51,4 mil toneladas de negro de fumo e quase 638 mil toneladas de metanol, enquanto produtores brasileiros estão trabalhando com alto índice de ociosidade em suas fábricas. Algumas unidades estão paralisadas, como a fábrica de metanol da GPC Química e a fábrica de isocianato da Dow.

O consultor Otávio Carvalho, da Maxiquim, diz que o custo do gás natural tem desviado investimentos que poderiam ser feitos no Brasil. Empresas brasileiras, como a Braskem, por exemplo, adiaram para 2014 a decisão sobre investimentos no Polo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), mas acelera seus planos produtivos no México. Unigel e Oxiteno também levaram investimentos para o México. "Se quisermos uma indústria petroquímica completa, temos que ter custos próximos aos americanos", afirma.
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