sábado, 26 de julho de 2014

Desculpe, David Luiz


CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO  

Nós, políticos, não estamos ganhando a Copa do Bem-Estar

Os EUA tiveram uma guerra civil que custou cerca de 600 mil vidas. A Alemanha foi derrotada duas vezes no período de 27 anos e a França foi ocupada pelos alemães. Outros países tiveram grandes traumas por terremotos e maremotos. Nossos traumas foram derrotas no futebol: para o Uruguai, em 16 de julho de 1950, e Alemanha, em 8 de julho de 2014. Sofremos por causa dos 7 a 1 no futebol, mas esquecemos dos 103 a zero para a Alemanha em Prêmios Nobel.

A realidade social não nos traumatiza porque nossos grandes problemas foram banalizados.

Consideramos tragédia ter o quarto melhor time de futebol do mundo, mas não nos traumatiza quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou que estamos em 88º lugar em educação; nem quando, em 15 de março de 2013, o PNUD divulgou que estamos em 85º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano; ou quando o Banco Mundial nos coloca como o oitavo pior país em concentração de renda; ou ainda quando soubemos que somos o 54º país em competitividade no mercado mundial; ou quando o IBGE divulgou, em 27 de setembro de 2013, o aumento no número de adultos analfabetos de 2011 a 2012.

Nenhum trauma aconteceu quando a Transparência Internacional nos reprova em corrupção; ou quando vemos que, no ano passado, 54 mil brasileiros foram assassinados no país e outros 50 mil mortos no trânsito. Não nos traumatiza o fato de que 50 milhões de brasileiros — desalojados históricos pelo modelo econômico — passariam fome se não fossem as pequenas transferências de renda, como se eles fossem abrigados depois de uma inundação. Não nos choca a destruição de 9% a mais de florestas em 2013 do que em 2012.

Sofremos com as derrotas no futebol porque elas não foram banalizadas, são exceções na nossa trajetória de vitórias. Não nos traumatizam os desastres sociais porque nos acostumamos a eles e nos acomodamos. Por isso, não exigimos de nossos líderes políticos o mesmo que exigimos dos jogadores e técnicos.

Ao ouvir David Luiz pedir desculpas porque não foi “capaz de fazer seu povo feliz, pelo menos no futebol”, pensei que deveria pedir desculpas a ele, porque sou parte da seleção brasileira de líderes políticos e não consigo fazer o necessário para facilitar a vida de cada brasileiro em busca de sua felicidade.

O político não proporciona felicidade, como um artilheiro que faz gols, mas deve eliminar os entulhos sociais, tais como transporte público ineficiente, fila nos hospitais, escolas sem qualidade e violência descontrolada, que dificultam o caminho de cada pessoa em busca de sua felicidade pessoal. Esses entulhos sociais que povoam o Brasil provam que nós, os políticos brasileiros, não estamos ganhando a Copa do Bem-Estar, base necessária, embora não suficiente, para a felicidade de cada pessoa.

Por isso, eu e todos os políticos com mandatos, não David Luiz, devemos pedir desculpas por não eliminarmos os entulhos que dificultam a busca da felicidade pelos brasileiros.
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O real custo do emprego


SÉRGIO AMAD COSTA
O ESTADÃO 


O custo do emprego no Brasil não é elevado apenas por causa dos conhecidos encargos trabalhistas e previdenciários. A desoneração da folha salarial, com a substituição dos 20% pagos como contribuição previdenciária, está longe de pôr fim ao problema. Há uma série de outros custos para a empresa manter empregos que a tornem mais competitiva. As práticas trabalhistas geram dispêndios que vão muito além dos apresentados pelos encargos tradicionais. E essas ações são muito caras para a companhia, porque a legislação trabalhista é inadequada e não há incentivos fiscais para a gestão de pessoas.

No caso dessa legislação, o custo do emprego se torna muito alto por dois motivos. Um, por causa de leis que não são claras e, não raro, geram processos indevidos. Há muitos custos despendidos pelas companhias em processos trabalhistas que os empregadores têm de enfrentar mesmo tendo cumprido a lei, por causa das mudanças frequentes na legislação. Mesmo eles estando certos, precisam fazer sua defesa. E isso gasta tempo e dinheiro.

O outro motivo decorre da própria inadequação da legislação. Sobre o assunto, poderia citar dezenas de exemplos, mas me atenho aqui a sistemas de recompensas financeiras, que uma empresa, para ser competitiva, precisa ter como política de recursos humanos. Plano de carreira, cargos e salários é um exemplo. A CLT, no artigo 461, aponta a questão do tempo e do mérito para a existência da carreira e da diferenciação salarial entre profissionais no mesmo cargo e na mesma função. Ora, mérito, sim, mas ser obrigado a dar aumento salarial só por causa do tempo de trabalho na empresa contraria as mais modernas práticas de gestão de pessoas.

A questão de como a legislação trata os bônus pagos aos profissionais por metas atingidas é outro exemplo. Bonificar seus profissionais em razão do bom desempenho é lugar-comum nas empresas competitivas nos países economicamente avançados. Mas, no Brasil, as companhias ficam inseguras quanto ao momento em que o bônus deve ou não ser incorporado ao salário. Além disso, em ambas as situações, sobre o bônus recaem os encargos trabalhistas e previdenciários. Portanto, novamente se observa o custo aumentado no emprego por causa de uma legislação inadequada.

Mas uma empresa competitiva precisa, além de contratar o profissional, dar condições para que ele desempenhe bem suas funções. E aí se fazem necessários vários benefícios, alguns deles lacunas deixadas pelo Estado e que a empresa tem de cobrir, sem a existência de qualquer tipo de estímulo fiscal para a sua concessão. Cito três. A companhia cria creche e berçário para as profissionais mães que não têm com quem deixar seus filhos enquanto trabalham. Qual incentivo fiscal a empresa recebe para isso? Nenhum. Apenas mais custo no emprego.

A capacitação dos profissionais é outro exemplo. A firma, ao conceder bolsas de estudo a seus funcionários, tão necessárias para uma empresa ser competitiva, além de não obter incentivo fiscal, em vários casos ela é tributada por isso, como reza a Lei n.º 12.513, de 2011. Finalmente, o terceiro exemplo: quando a empresa concede transporte fretado a seus profissionais, para não ficarem exaustos com a ida e vinda ao trabalho no transporte público ineficiente, o único estímulo fiscal ganho é não ser tributada por essa concessão. Isso tudo são mais custos no emprego, hoje inevitáveis numa empresa que é, ou almeja ser, competitiva.

Poderia citar mais uma série de exemplos do que uma empresa competitiva faz em termos de gestão de pessoas, mas só observa dispêndios, em vez de incentivos fiscais. Portanto, enquanto o custo do emprego ficar apenas na discussão dos 20% da folha salarial pagos à previdência, o País estará andando para trás nesse quesito. O custo real do emprego vai muito além disso. O buraco é mais embaixo. Ele envolve ainda a caduca legislação trabalhista e a total ausência de estímulos fiscais. Nessas questões urge também agir. Mas quando vamos começar?
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O fiasco do Mercosul e a diplomacia de banquinho

Uma tradução mais simplista: Comércio exterior significa empregos, segurança pública e desenvolvimento econômico.
A visível contradição de um partido que engana ao pedir mais tempo no poder para reduzir a pobreza e a desigualdade social.

[...] "O Brasil é a maior economia da América Latina, mas seu governo é incapaz de desemperrar a negociação entre o Mercosul e os europeus. "A mim me parece um bocadinho absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre-comércio com praticamente o mundo inteiro e não tenha com o Brasil".[...] 

[...] é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo.[...]

[...] Muitos empresários brasileiros aceitam sem aparente dificuldade a diplomacia comercial anã. Mostram-se mais interessados no protecionismo, parte importante dessa política, do que em conquistar mercados. [...]

O fiasco do Mercosul e a diplomacia de banquinho 
ROLF KUNTZ
O ESTADO DE S.PAULO


Foi uma semana dura para a diplomacia brasileira e revoltante para os anões. Na quinta-feira, o governo de Israel ofendeu os baixinhos de todo o mundo ao descrever o Brasil como um anão diplomático. Três dias antes o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, havia cobrado, em tom quase paternal, mais empenho de Brasília para a conclusão do acordo comercial do Mercosul com o bloco europeu. Os dois fatos evidenciaram, mais uma vez, a desmoralização e a falência da política externa brasileira, tanto na área comercial quanto na geopolítica. O fato coberto com maior destaque foi o bate-boca entre funcionários de Brasília e de Tel-Aviv, mas os dois episódios são partes da mesma história.

Anões, ao contrário da atual diplomacia brasileira, inaugurada em 2003, podem ser inteligentes, eficientes, equilibrados e relevantes. Outros governos têm pressionado o de Israel e cobrado a suspensão ou moderação dos ataques à Faixa de Gaza, mas nenhum deles pagou o mico de se explicar e de responder em tom quase meigo a um porta-voz de chancelaria. A explicação oferecida: o Brasil criticou apenas a violência "desproporcional" de Israel, sem contestar seu direito de defesa. A resposta complementar: o Brasil mantém relações diplomáticas com todos os membros da ONU e, portanto, se houver algum anão, será outro país. A explicação e a réplica foram apresentadas pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo. Polidamente, ele se absteve de mostrar a língua e de chamar de feio o funcionário israelense.

Ator relevante age com clareza e se dispensa de explicações. A manifestação brasileira nesse caso, como em muitos outros, confirmou a inépcia da orientação formulada no Palácio do Planalto e seguida no outrora respeitado Itamaraty. Esse amadorismo, inspirado num terceiro-mundismo requentado e rejeitado por emergentes de respeito, tem-se evidenciado também na diplomacia comercial.

O Brasil é a maior economia da América Latina, mas seu governo é incapaz de desemperrar a negociação entre o Mercosul e os europeus. "A mim me parece um bocadinho absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre-comércio com praticamente o mundo inteiro e não tenha com o Brasil", disse na segunda-feira o presidente da Comissão Europeia.

Por que "um bocadinho absurdo"? Para entender, basta pensar no tamanho da economia brasileira. Esse detalhe foi mencionado também pelo funcionário israelense. Ele qualificou o Brasil como gigante econômico, antes de chamá-lo, por contraste, de anão diplomático. Um contraste semelhante esteve implícito, mesmo com boa intenção, no comentário de Durão Barroso.

O presidente da Comissão Europeia foi até generoso. Teria sido menos gentil se tivesse ido mais fundo na avaliação do impasse. Absurdo, mesmo, é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo.

Comandado por essa aliança, o Mercosul deu prioridade aos chamados acordos Sul-Sul, em geral com parceiros de pouca importância comercial. A aproximação com a Palestina é um marco notável dessa política. O livre-comércio regional com participação dos Estados Unidos foi recusado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Nos anos seguintes, outros governos sul-americanos negociaram com Washington, sem o Mercosul, pactos comerciais. Nem sequer com o México, uma das economias mais importantes do hemisfério, foram tentadas negociações ambiciosas. Não se foi além de um limitado pacto de complementação.

Com a recente formação da Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México), foi evidenciada mais uma vez a estagnação diplomática do Mercosul. Os dois blocos poderiam, talvez, promover uma integração. Mas só se os países do Mercosul se tornarem mais abertos, disse em janeiro o presidente do México, Enrique Peña Nieto. Quanto à negociação com a União Europeia, iniciada nos anos 1990, continua emperrada e sem perspectiva de avanço neste ano. O Mercosul permanece incapaz, principalmente por causa da resistência argentina, de apresentar suas ofertas para avaliação e discussão.

Enquanto isso, europeus e americanos negociam o pacto transatlântico e tentam novos entendimentos com outros parceiros. Asiáticos buscam aproximação com todo o mundo. A União Europeia se amplia e países da vizinhança desfrutam comércio favorecido com o bloco. A nova trama de concessões bilaterais e inter-regionais cresce e torna-se mais complexa, enquanto os líderes da Organização Mundial do Comércio (OMC) tentam reanimar e revalorizar a Rodada Doha.

Nesse quadro, a posição do Brasil e de seus parceiros do Mercosul se torna cada vez mais desvantajosa. A diplomacia comercial brasileira escolheu como prioridades, há mais de dez anos, a Rodada Doha, multilateral, e a aproximação com países emergentes e em desenvolvimento. O baile promovido pela OMC, a grande rodada multilateral, continua quase paralisado. Sem ingresso para os outros bailes - as dezenas de acordos parciais -, o Brasil tem de continuar no sereno, espiando as festas de fora.

Muitos empresários brasileiros aceitam sem aparente dificuldade a diplomacia comercial anã. Mostram-se mais interessados no protecionismo, parte importante dessa política, do que em conquistar mercados. Outra parte do empresariado reclama oportunidades comerciais mais amplas.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) cobrou do governo mais de uma vez, nos últimos dois anos, empenho maior na busca de acordos bilaterais e inter-regionais. Será impossível atender a essa demanda sem chacoalhar o Mercosul. No limite, restará trocar o status de união aduaneira pela condição, menos ambiciosa e menos limitadora, de zona de livre-comércio. Antes disso, falta o governo abandonar as fantasias terceiro-mundistas e semibolivarianas e redescobrir a noção de interesse nacional.
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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Cultura de "mil" bolsas




Por Denise Neumann, de Brasília



Ao longo dos 30 anos de redemocratização do Brasil, o Estado incorporou programas de proteção social aos mais pobres ao mesmo tempo em que ampliou as políticas de proteção e benefícios aos mais ricos e à classe média. Para dar conta de atender a todos – alguns com voto, outros com poder econômico, outros com poder de formar opinião na sociedade -, o gasto público passou de algo próximo a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) para os mais de 35% atuais. Com isso, o Brasil ficou preso na armadilha de país ainda muito desigual e com baixo crescimento, sustenta o economista Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado.

Para voltar a crescer, o Brasil precisa ser menos desigual, e o caminho passa por escolher as reformas que, ao mesmo tempo, tragam mais eficiência e redistribuam renda. Na mira do que precisa ser desmontado, diz Mendes, estão muito mais as transferências de renda via BNDES, do que via Bolsa Família.

A tese de Mendes – que virou o livro “Por que o Brasil cresce pouco? “, editado pela Campus – é de que o conflito distributivo no país ficou tão sério que ninguém sabe quem ganha mais ou quem perde mais, e qual a conta de cada um. Em parte polêmica de sua análise, ele defende que a democracia agravou esse conflito. Mas para quem acha que isso significa uma defesa de governos autoritários, Mendes deixa claro que pensa justamente o contrário. O livro de Mendes, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), começou a ser desenvolvido em 2012, quando esteve no Departamento de Economia da London School of Economics, tem prefácio do ex-diretor de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, e apresentação de Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas Ibre/(FGV). A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que o sr. avalia que a combinação de alta desigualdade e democracia afeta o crescimento?
Marcos Mendes: Eu trabalho há 20 anos com política fiscal e há 20 anos eu e todos os economistas fiscais estamos falando que é preciso controlar o crescimento do gasto público, da carga tributária. Você já teve um governo do PSDB que não fez isso, um do PT que não fez isso. Quer dizer, você já teve alternância no poder e as coisas continuam as mesmas. Então não é simplesmente uma opção de política de gastar mais ou gastar menos, de tributar mais, ou tributar menos.

Valor: Então, o que está em jogo?
Mendes: Tem alguma coisa por trás disso. O que era o Estado brasileiro antes da redemocratização? Só quem tinha acesso ao Estado brasileiro antes da redemocratização eram os grandes grupos econômicos e a classe média alta. Você conseguia atender esse público com uma tributação e um gasto público na faixa de 20% do PIB, e os pobres simplesmente não tinham vez. Os indicadores sociais eram africanos, a assistência à saúde não era integral, a escola pública não era acessível aos pobres. Com a redemocratização, os mais ricos continuaram com canal de acesso ao poder e continuaram obtendo do Estado o que obtinham antes, como crédito subsidiado, proteção comercial às indústrias, perdão às dívidas agrícolas, uma Justiça que favorece quem tem dinheiro para pagar advogado mais caro, regulação fraca, ou seja, uma série de mecanismos favoráveis aos mais ricos. Com a redemocratização, os mais pobres começaram a ter voz, porque o político precisa de voto, que está na mão dos mais pobres. Então, você teve um boom de políticas pró-pobre que se somaram às políticas pró-ricos. E não foi só isso. Você abriu espaço para a pressão dos sindicatos e outras associações, e por meio delas a classe média também teve espaço para demandar mais do Estado. Então, com desigualdade e democracia você tem um Estado que redistribui para os ricos, para os muito pobres e para a classe média, não só através de gasto público, mas também de regulação econômica. E essas duas coisas – gasto público excessivo e regulação que protege a renda de determinados grupos – atuam contra a produtividade e o crescimento econômico.

Valor: E como se poderia desmontar esse mecanismo do Estado concentrador?
Mendes: A primeira reação das pessoas a esse argumento é: então você está dizendo que tem que acabar coma democracia. Não é isso. Primeiro, porque a democracia tem seu valor intrínseco, de liberdade de opinião, de expressão. Segundo, a não democracia não funciona, vide a crise no governo militar. Quando você não tem transparência, não tem liberdade de imprensa, grupos mais fortes economicamente dominam o Estado e excluem o restante da sociedade. Você precisa, dentro do marco democrático, encontrar políticas que ao mesmo tempo reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento econômico. Estamos numa situação de tanta ineficiência que é possível ter políticas que atuem nas duas direções.

Valor: Quais são essas políticas?
Mendes: Três delas são mais importantes: primeiro, a reforma da Previdência Social, que é altamente concentradora de renda, porque, apesar da grande parcela de benefícios pelo mínimo, tem outra parcela grande, com peso financeiro razoável, que não é de salário mínimo. Também tem uma regra de pensões por morte muito benevolente, e tem a previdência dos servidores públicos. A Previdência tem dois problemas: ela não se sustenta sozinha e ela bloqueia o crescimento, porque absorve poupança da sociedade.

Valor: Quais as outras políticas?
Mendes: A segunda é educação. Com ela, você aumenta a produtividade do trabalhador, aumenta a produtividade geral da economia e a igualdade de oportunidades. Com uma reforma da educação no Brasil que diminua os custos do Estado com ensino superior e foque no ensino básico, onde a maioria da população pobre está, você tem, no longo prazo, uma melhoria da qualidade da educação e, portanto, maior igualdade de oportunidades. Hoje, o país gasta cinco vezes mais com um aluno na universidade pública que no ciclo fundamental. Por fim, na infraestrutura você tem espaço para fazer gastos que melhorem a qualidade de vida dos mais pobres e melhorem o funcionamento da economia, como transporte público nas grandes cidades e saneamento básico.

Valor: E qual o caminho para essas reformas?
Mendes: Temos tanta dificuldade para fazer reformas que é preciso estabelecer prioridades. Nenhum presidente eleito pode chegar no governo com uma cesta enorme de reformas, porque o espaço político para fazê-las é muito pequeno. Você tem que escolher reformas, e um critério seria aquelas que ao mesmo tempo tenham um impacto significativo sobre crescimento e redistribuição.

Valor: Isso passaria por reduzir as políticas que favorecem a concentração pelo lado dos ricos?
Mendes: Exatamente. Não adianta hoje você dizer que vai fazer uma reforma tributária no Brasil. Qualquer reforma vai reduzir a arrecadação, e aí não vai ter dinheiro para pagar todas essas despesas. Primeiro tem que reformar pelo lado do gasto. Tem que reforçar as instituições fiscais, a lei de responsabilidade fiscal, acabar com contabilidade criativa, criar mecanismos de transparência, cumprir metas fiscais. Quando você tem uma restrição fiscal sobra menos espaço para os grupos se organizarem e conseguirem despesas a seu favor. Esse é um ponto. O segundo ponto é colocar muito peso político para bloquear as contrarreformas. No Congresso há uma série de projetos de lei que aumentam as despesas da Previdência e desfazem as reformas feitas no passado, reduzem tempo de contribuição, criam aposentadorias especiais, acabam com o fator previdenciário. Uma série de coisas que, se aprovadas, são uma bomba fiscal.

Valor: Nessas escolhas, algumas políticas que ajudaram na redução da desigualdade nos últimos anos, poderiam ser mantidas?
Mendes: Claro. Você precisa fazer uma escolha das políticas que são mais eficientes. Então, nitidamente, o que os especialistas da área social mostram, é que o Bolsa Família é muito mais eficiente que qualquer outro programa social. Com um custo muito menor, ele tira muito mais gente da pobreza, e reduz muito mais o índice de desigualdade. Agora, você tem políticas que são mais controversas, como a do aumento real do salário mínimo. Ela tem diminuído a desigualdade, mas a um custo fiscal muito alto. Ao mesmo tempo, se você simplesmente acabar com o aumento real do mínimo e não colocar nenhuma outra política social eficaz no lugar, você vai ter problemas com relação ao indicador de desigualdade. Então, é preciso focar nos programas que geram, efetivamente, maior resultado. Mas também não pode pensar só em resultado de curto prazo.

Valor: Que programas são esses?
Mendes: Você precisa migrar de uma ideia de programa social que coloca dinheiro no bolso das pessoas para programas sociais que dão condições para as pessoas viverem bem e serem produtivas. Qual a ideia? Se a desigualdade está caindo, e cair forte no médio e longo prazo, esse problema pode se resolver por si só. Se a gente continuar reduzindo a desigualdade por mais 15 anos em ritmo razoável, você vai ter uma grande sociedade de classe média no Brasil e essa sociedade vai ser menos dependente de assistência social e vai demandar mais serviços públicos de qualidade. Ela não vai estar interessada em ficar recebendo benefício social, ela vai estar um patamar acima. Esse é o cenário que eu chamo de virtuoso, com a desigualdade caindo fortemente e, no futuro, acaba esse conflito redistributivo. Mas esse não é o único cenário.

Valor: Qual é o outro cenário?
Mendes: Os dados que os especialistas estão levantando mostram que a desigualdade está estacionando em um patamar ainda muito alto. Então, se a desigualdade parar de cair – e há motivos para ela parar de cair – o Brasil pode ficar nesse modelo de alto conflito distributivo e baixo crescimento por muitos anos.

Valor: O que estaria levando a esse estacionamento da queda?
Mendes: São vários fatores e aí estou me servindo da literatura da área. Primeiro, as frutas mais fáceis de serem colhidas já foram colhidas. Se você já botou as pessoas na escola, se elas já chegaram ao mercado de trabalho com mais escolaridade, e isso já elevou o salário, daqui pra frente você vai precisar melhorar a qualidade da educação. E melhorar a qualidade da educação é muito mais difícil que colocar as pessoas na escola. Segundo, os programas sociais, como Bolsa Família, já atingiram a universalização, já não tem mais quem incluir, então você só vai melhorar a redução da desigualdade por meio deles se você aumentar o valor desses benefícios. Em terceiro lugar, você passou por um boom de commodities que aumentou a renda do país e havia mais renda para distribuir. Agora, o cenário internacional está mais difícil. Daqui para frente, ou é melhorando a qualidade da educação ou é melhorando a qualidade dos empregos oferecidos. É muito mais difícil do que foi feito até agora.

Valor: E já existe maturidade no país para desfazer essa política de Estado distribuidor de benefícios?
Mendes: Não acredito. Acho que a polarização política é muito forte, ninguém está disposto a abrir mão dos seus privilégios, dos seus benefícios. E essa tensão tende a aumentar ainda mais com o país crescendo pouco. Quando falo que o Brasil cresce pouco não estou falando desse pibinho dos últimos três anos. O Brasil cresce pouco nos últimos 30 anos. E isso vem de vários fatores que baixam a produtividade da economia e baixam a taxa de investimento. Nossa economia é muito fechada, temos pouca poupança para investir, temos infraestrutura ruim, população com baixo nível de educação, empresas pequenas e pouco produtivas; e todos esses fatores decorrem ou de uma regulação feita para proteger grupos específicos, ou de uma pressão sobre o gasto do Estado que leva a um aumento da carga tributária, que leva a um déficit público que reduz a poupança agregada da economia. E eu não vejo a sociedade brasileira com maturidade para admitir que precisa sentar à mesa, negociar e cada um ceder um pouco.

Valor: Algo poderia detonar uma mudança nesse cenário, ou vamos ficar presos no baixo crescimento?
Mendes: O que poderia detonar uma mudança de percepção seria uma crise econômica. Na história recente do Brasil você teve dois grandes momentos de reforma, os dois detonados por crise. Primeiro você teve a crise que levou ao golpe militar, quando a economia estava numa crise forte. E logo depois do golpe, você teve uma reforma que criou o Banco Central, uma reforma tributária que levou ao imposto sobre valor agregado, uma abertura da economia. Mas tão logo a crise se dissipou, os grupos de pressão foram comendo essa reforma. E a outra foi nos anos 90, quando você teve uma crise fiscal forte, de balanço de pagamentos, que forçou o governo a fazer privatização, a controlar o gasto público, a criar o famoso tripé, com câmbio flutuante, meta de inflação e resultado fiscal. Tão logo o período de crise se dissipou, a abertura dos anos 90 foi sendo revertida, a questão fiscal vem se deteriorando, a contrarreforma foi se fazendo e não se consegue reforma nenhuma. Então, a possibilidade de o Brasil fazer um ajuste é uma crise, o que é um perigo, porque a crise traz oportunidade, mas traz também problemas sérios.

Valor: Esse é o único cenário?
Mendes: Outro cenário é ficarmos muitos anos com baixo crescimento, redistribuindo para rico, para pobre, para classe média, e, à medida que a economia não cresce, o cobertor vai ficando curto e você ruma para uma crise fiscal grave. E no limite até a democracia corre risco. Ou há a possibilidade de, mediante uma coalizão política forte, o país fazer as reformas certas e andar em direção ao círculo virtuoso. Se fizer as reformas que mantenham a queda na desigualdade, permitam o controle do gasto público, e o governo suportar a pressão por alguns anos, você pode puxar o fio da meada. Uma reforma faz a outra reforma ficar mais fácil, você entra no círculo virtuoso, mas eu sou pessimista.

Valor: Se fosse colocar em uma balança, dá para saber onde, de que lado – dos pobres, da classe média ou dos ricos – o Estado gasta mais?
Mendes: Vou fazer uma conta simples. Só o subsídio do BNDES – a diferença entre o que o Tesouro paga para tomar no mercado e o que ele recebe de volta pela taxa subsidiada do BNDES – custa R$ 24 bilhões por ano, que é exatamente o que ele gasta por ano no Bolsa Família. Junta isso com o que a economia perde com o comércio internacional protegido, com agências reguladoras fracas, eu acredito que os benefícios que vão a para a classe média e a classe alta são muito maiores do que o que pinga para os mais pobres.

Valor: Se o Brasil fosse menos desigual, poderíamos crescer mais?
Mendes: Sim. No Brasil hoje, que é muito desigual, o rico quer bolsa-BNDES, o pobre quer Bolsa Família, a classe média quer universidade de graça e mercado de trabalho protegido, isso faz uma pressão sobre o Estado para gastar a favor de todo mundo, e regular a favor de todo mundo, diminuindo não só a poupança, como a eficiência da economia. Quando a sociedade fica mais parecida entre si, primeiro você tem menos necessidade de programas sociais. Segundo, a sociedade vai querer menos programas sociais porque a maior parte dela terá patrimônio, casa, ter poupança, renda fixa, e para gerar mais benefício social, vai ter que tributar isso. Hoje, você tributa só os 10% mais ricos. Se mais gente for classe média, mais gente vai pagar Imposto de Renda e ter restrição a financiar gasto público. De qualquer forma, é preciso transparência para deixar os custos claros para a sociedade, porque aí ela vai ficar mais receptiva às reformas.

Valor: A sociedade tem consciência de quem paga o quê?
Mendes: Não. Nessa situação de alta desigualdade você fica numa confusão distributiva danada. Você pensa, eu estou pagando alguma coisa, mas tenho emprego público, meu avô recebe aposentadoria, o empresário paga, mas recebe algum benefício. Então, ninguém sabe quem está ganhando ou quem está perdendo, quem está pagando mais ou quem está recebendo mais. Todo mundo sabe que depois de uma reforma econômica, vai diminuir o gasto público, vai diminuir a regulação, e que na média o país vai estar melhor. Mas você não sabe se você vai estar acima da média ou abaixo dela. Prefiro ficar como eu estou a dar um salto no escuro, prefiro manter meu benefício para não ficar atrás dos outros. Coordenar esse acordo social, em que todos abrem mão do seu benefício em prol de uma sociedade mais eficiente, menos desigual e com menos custo tributário, é muito difícil.

Valor: O sr. acha que em algum momento das manifestações estava se caminhando para esse consenso redistributivo?
Mendes: Você pode fazer duas leituras das manifestações do ano passado. Uma delas é: você aumentou a classe média e a gente está chegando no consenso da classe média, que está falando: eu quero educação melhor, quero transporte melhor, quero saúde melhor, quero gasto público melhor, não quero gastar dinheiro com estádio. Poderia ser a maioria da sociedade tendo um pensamento racional em prol do coletivo. Essa é uma leitura positiva, mas tem uma leitura negativa: cada um foi para a rua pedir uma coisa diferente. Como o modelo de distribuir para todo mundo está se extinguindo, vou para a rua defender o meu privilégio. Acaba com o privilégio do outro e mantém o meu. Estou mais propício a enxergar essa leitura.

Fonte: Valor Econômico – 11/07/2014
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terça-feira, 22 de julho de 2014

Vocação bolivariana

Esse erudito professor teve embocadura moral suficiente para criticar o processo de condenação dos mensaleiros em palestra como professor regular na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, onde é antigo colaborador.
De sorte que ele mantém isenção moral e intelectual para ser crível o suficiente ao reforçar o alerta sobre esse perigosíssimo passo de totalitarismo ideológico que representa a implantação dos "Conselhos de participação social".
Vale, e muito, a pena ler sua revisão histórica que segue.

Vocação bolivariana 
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
O Estado de S.Paulo


A edição do Decreto n.º 8.243/14 pela presidente Dilma Rousseff, instituindo conselhos junto aos diversos ministérios, com funções nitidamente de imposição às políticas governamentais, está na linha do aparelhamento do Estado, que pretende criar uma nova classe dirigente no estilo denunciado por Milovan Djilas em A Nova Classe, quando o fantasma soviético preocupava o mundo ocidental. Esse decreto objetiva tornar o Poder Executivo o verdadeiro e único poder, reduzindo o Congresso Nacional a um organismo acólito.

Tive a oportunidade de ler as Constituições da Venezuela, da Bolívia e do Equador, a pedido da Fundação Alexandre de Gusmão, quando era presidida pelo embaixador Jerônimo Moscardo, que veiculou o texto de todas as Constituições das Américas, com estudos de constitucionalistas de diversos países. Impressionou-me a imensa diferença entre os três textos e o da Constituição brasileira, que, no artigo 2.º, assegura a independência dos Poderes.

É de lembrar que o Poder Executivo, politicamente, não representa o povo por inteiro, mas apenas a sua maioria. E nos casos em que o chefe do Executivo foi eleito em segundo turno, nem a maioria. Por outro lado, o Poder Judiciário é apenas um poder técnico, sendo a Suprema Corte escolhida por uma pessoa só, o presidente da República.

A totalidade da representação popular está no Parlamento, constituído que é por representantes do povo, tanto os favoráveis ao governo como os contrários a seus detentores. Pode não ser o ideal, contudo representa a vontade de toda a sociedade.

Ora, nas três Constituições bolivarianas o Poder Legislativo é amesquinhado, ao ponto de, na Carta venezuelana, poder declinar de sua competência, transferindo-a para o chefe do Executivo. Os plebiscitos e referendos, nessas Constituições, podem ser convocados pelo presidente. No Equador, o presidente pode dissolver o Parlamento, mas se este o destituir, dissolve-se automaticamente. Na Bolívia, a Suprema Corte é eleita pelo povo, cuja manipulação pelo Poder Executivo não é difícil.

É que tais modelos conformam um sistema político de dois Poderes principais e três Poderes secundários, a saber: o Executivo e o povo são os principais; o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público, os secundários. Por conseguinte, como o povo é facilmente manipulado em regimes de Executivo forte, os modelos dos três países têm um único Poder - e a população é facilmente enganada.

Não se pode esquecer que o culto povo alemão foi envolvido por Adolf Hitler, o mesmo tendo acontecido com o povo italiano, por Benito Mussolini, para não falar dos russos nos tempos de Josef Stalin.

Voltando ao referido Decreto 8.243/14, pretende ele substituir a democracia das urnas por outra dirigida pelo Poder Executivo, com seus grupos enquistados em cada ministério. Então, se o Conselho da Comunicação Social, por exemplo, entender que deve haver controle da mídia, o Executivo, prazerosamente, dirá que o fará, pois essa é a "vontade dos representantes da sociedade civil organizada"!

A veiculação do decreto, em momento no qual se torna evidente o clamoroso fracasso da política econômica do governo Dilma, obrigará um futuro presidente da República, se sério e competente, a realizar um forte ajuste de contas. Caso decida extinguir os conselhos, poderá ser acusado de estar "agindo contra o povo"; e se os mantiver, terá dificuldades para governar.

Na eventualidade de ser a presidente reeleita, poderá impor os seus sonhos guerrilheiros, que ficaram claros quando, em atitude de adoração cívica, em recente visita a Fidel Castro, teve estampada a sua fotografia com o sangrento ditador cubano.

É isso o que me preocupa, em face da permanente proteção da atual presidente aos falidos governos boliviano, venezuelano e argentino, assim como a resistência em firmar acordos bilaterais com países desenvolvidos, sobre dar sinais de constante aversão à lucratividade das empresas, seja nas licitações, seja por meio de esdrúxula política tributária, indecente para um país como o Brasil.

Além do mais, o seu governo tornou a Petrobrás e a Eletrobrás instrumentos de combate à inflação pelo caminho equivocado do controle de preços. Tal política sinaliza que dificilmente ela fará os necessários reajustes na esclerosada máquina administrativa.

Com os tais conselhos criados, sempre que o governo tomar uma medida demagógica, poderá dizer que a "sociedade civil organizada" é que a está exigindo...

Por essa razão, é de compreender o discurso ultrapassado, do século 19, de luta contra as elites, apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preparando o terreno para medidas "a favor do povo" e contra "os geradores de empregos", que, na sua visão, são os ricos. Por isso também Vladimir Putin, que deseja restaurar o Império Soviético, é para a presidente Dilma Rousseff um parceiro melhor do que Barack Obama (EUA), representante, para ela, da "oligarquia econômica".

Como cidadão, respeitando a presidente pelo cargo que ocupa em razão de uma eleição democrática, tenho, todavia, cada vez mais receio de que o eventual risco de perder o poder leve seu grupo a ser dirigido pelos mais radicais, que se utilizarão dos ditos conselhos para, definitivamente, semear a cizânia, na renascida democracia brasileira.
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Nossa guerra particular

 RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA


Um tiro na cabeça, à queima-roupa, na hora do almoço, sob um sol deslumbrante de inverno, num dos bairros mais nobres e bucólicos da Zona Sul carioca, a Gávea, chocou e enlutou a elite do Rio de Janeiro. Sepultou-se ali a ilusória sensação de segurança criada pelo policiamento ostensivo na Copa, com soldados camuflados a cada esquina.

Maria Cristina Bittencourt Mascarenhas, 66 anos, conhecida por todos como Tintim, seu apelido de infância, acabara de sacar R$ 13 mil no banco para pagar a seus funcionários. Foi vítima de mais uma "saidinha de banco", expressão quase terna que não traduz a covardia do crime, uma praga no Brasil. Tintim era sócia e anfitriã de um bistrô tradicional e simpático, o Guimas, fundado por duas famílias em 1981, que mistura as cozinhas francesa, portuguesa e brasileira. Ali sempre se comeu bem sobre toalhas quadriculadas, cobertas por papéis brancos descartáveis, onde crianças e adultos desenham, com lápis de cera coloridos, algo para alimentar o papo.

Dois homens numa moto a atacaram no curto caminho para o restaurante, um com capacete, o outro sem. Um chegou por trás, passou o braço pelo pescoço dela e gritou "passa a bolsa". Tintim, mãe de três filhas e avó, querida na rua pelo sorriso e pela gentileza, segurou a bolsa por instinto e foi executada, com uma bala na têmpora.

O assassino pegou o dinheiro, fugiu com o comparsa na moto. A vítima ficou ali, morta na poça de sangue, junto a botecos onde muita gente comia e bebia no ambiente festivo que tanto encantou os gringos. Uma testemunha disse que tudo durou um minuto.

Tintim parara para experimentar uma saia na barraca de um ambulante, pois assim é a comunidade da Gávea, um bairro chique alternativo, muito verde, com comércio misto e casas ainda antigas, mais procurado por quem busca tranquilidade e qualidade de vida, não ostentação. O bairro abriga a PUC, universidade católica, o Jockey Club, escolas para pobres e ricos, cursos de balé e ioga. E caminho para a favela da Rocinha.

Se fosse apenas uma tragédia isolada e pontual da boêmia carioca, o assassinato de Tintim não estaria aqui nesta coluna. A violência de bandidos ou da polícia invade todos os grandes centros urbanos e não escolhe classes sociais. Está associada a impunidade, corrupção, abuso de poder, disputa por pontos de droga e desrespeito à vida. Aterroriza os pacíficos e honestos.

Pais e mães não conseguem criar filhos sem paranóia. Há quem apele a estratégias de guerrilha. No dia em que Tintim foi assassinada, ouvi uma jovem contar seu método para escapar ilesa de um eventual assalto no trânsito: "Minha bolsa que fica à vista é toda Take'. É uma Vuitton falsificada, meus documentos são falsos, com nomes e endereços falsos, chaves falsas, celular que não funciona e mais uns R$ 50 e uns US$ 10 para o assaltante achar que se deu bem". A bolsa verdadeira fica escondida. É uma história real. E faz todo sentido. Um sentido escabroso.

O que vemos não são simples assaltantes armados. São homicidas que saem para roubar. Poderiam ter dado um soco em Tintim, poderiam tê-la desacordado. Mas não. Deram um tiro para matar. Como fazem ao roubar um celular, uma bicicleta ou um carro - e a vítima, por medo ou susto, atrapalha por segundos a ação.

O "latrocínio" (assalto seguido de morte) é coisa nossa, quase não acontece em países civilizados. Cerca de 60 mil brasileiros são mortos por ano no país. Milhares de homicídios não são sequer registrados, por falta de confiança na investigação, por medo de vingança de gangues ou da PM. Nas estatísticas disponíveis, 164 pessoas são mortas por dia no Brasil. É como se um avião da Malaysia Airlines, com 298 pessoas a bordo, fosse abatido a cada 43 horas, por um míssil chamado subdesenvolvimento. Mata-se no Brasil, em 38 horas, o equivalente aos 260 palestinos mortos em 11 dias de conflito com Israel (até a última sexta-feira). Se o que vivemos não é uma guerra civil, o que será? Hecatombe social?

Somos reféns, podemos não chegar vivos em casa e sabemos o risco de perder alguém querido. Por isso, nos tornamos piores, mais agressivos ou medrosos. Há uma tendência a culpar as vítimas. "Como assim sacar R$ 13 mil do banco? Nem de dia dá para fazer isso." "Como assim segurar a bolsa? Todo mundo sabe que não dá para reagir, entrega tudo logo." É horrível. É como culpar pelo estupro a moça que ostentou as coxas com uma saia curta.

Houve um tempo, no Brasil, em que o verbo "reagir" significava outra coisa. Gritar por socorro. Tentar bater no assaltante ou ameaçar o bandido. Hoje, se o rapaz fugir de bicicleta, se a moça esconder rápido o celular na mochila, se o homem acelerar o carro, se a mulher segurar a bolsa, pronto. "Reagiram", todos. Perderam a vida. Isso é barbárie, uma sociedade sem educação, sem humanidade, com total desprezo a leis que existem para não ser cumpridas?
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Dois ouvidos para falar

Dois ouvidos para falar

Castells, sociólogo espanhol, escreveu uma excelente tríade entitulada Sociedade em Rede. Das grandes esperanças por ele registradas nos três volumes, havia uma idéia central de que as sociedades no futuro seriam mais participativas, mas desenvolvidas e, sobretudo, mais responsáveis e exigentes com a sustentabilidade. Ou seja, quanto mais acesso a tecnologia disponível mais a sociedade mundial iria se aproximar do desenvolvimento equalitário, barreiras de toda sorte seriam rompidas e as fronteiras físicas, com o tempo, desapareceriam.

Quando vemos o fisco da Rio + 20, das dificuldades do fechemento dos acordos comerciais e de desenvolvimentos inciados na famosa Rodada de Doha e os constantes desafios da ONU e OMC em promover desenvolvimento sustentável, respeito aos direitos humanos, diversidade cultural, de gênero e respeito ao meio-ambiente, notadamente frente a crise européia que não dá sinais de recrudescimento, pergunto-me o que deu errado nas esperançosas e otimistas previsões do ibérico sociólogo. A questão é mais profunda, o ser humano não altera sua estrutura relacional na mesma intensidade na qual a tecnologia avança. Revoluções no Oriente médio, na Ásia e demais conflitos de baixa intensidade, notadamente com motivos religiosos reforçam a ideía de que o mundo não é cor de rosa.

A revolução e o desenvolvimento social e econômico chegou em nosso país. Nossa sociedade aproveitou a experiência da progressão vertical de classes. Aos poucos houve uma significativa inclusão social onde egressos das classes E e D passaram a desfrutar de bens e serviços antes atinentes, apenas, às classes B e A. 

O crédito facilitado, a redução de IPI da linha branca e de automóveis permitiu a melhoria da sensação de bem-estar e de inclusão social. Empregos foram gerados, grupos sociais passaram a ter voz e apoio de ONG e simpatia da sociedade, em geral.

De acordo com o programa nacional de amostra domiciliar (PNAD), atingimos a capacidade econômica dos lares, em 95%, ter acesso a televisão, 98% por cento a rádios. Há jornais em cidades custando R$ 0,25e 210 milhões de linhas de celulares foram vendidas até meados de 2012. Ou seja, o acesso a informação é farto e parece não recrudescer jamais. 

E como está o cidadão com tais avanços? Poderíamos, ao menos, comprovar a tese de Castells? Com acesso a informação, a novos postos de trabalho, sobretudo com aos novos segmentos de jogos eletrônicos, infra-estrutura informacional, etc.

53% das causas de nossas enchentes advém de lixo urbano, desconhecemos o que fazer e como exigir o Cód Nacional de resíduos sólidos, notadamente em função dos velhos eletro-domésticos substituídos pelos comprados em reduções de IPI e aumento de crédito. A violência urbana não diminui, os problemas de mobilidade urbana, saúde pública, saneamento parecem não nos deixar nos próximos vinte e cinco anos. 
Onde estamos errando? O que estamos deixando de fazer?

Tenho observado nos últimos vinte anos que apesar de amplo acesso a informação a sociedade parece ser acometida de um profundo alheiamento, sempre buscando coisas mais rápidas, mais simples, mas lights mais fluidas. Vargas Llosa, em seu último livro, denuncia que esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos".(Civilização do espetáculo - Vargas Llosa). Em linha mais contundente o publicitário Andrew Keen denuncia em seu livro "Culto do amador" a questão do uso superficial da internet, notadamente o "corta, copia e cola". Enfim, em um lamentável contra-ponto a Castells estamos com tecnologia informacional em profusão, todavia, cada vez mais superficiais, light e sem querer aprofundamentos. 

De que outra forma justifica-se o apagão de mão-de-obra, o fenomenal aumento de mão-de-obra estrangeira em postos de trabalho de maior complexidade tecnológica, do celular jurássico ao slim smart phone temos produzido ordas de bacharéis em direito que não logram mais do que 3% de aprovação em exames da OAB, médicos que não obtém mais de que trinta por cento de aprovação em exames de conselhos, redução da produção industrial, aumento da criminalidade urbana, enchentes etc. Ainda mais se relembrarmos os índices do PNAD 2011.

O "encima do muro", denunciado por Llosa e Keen eu verifico entre meus três mil contatos, sobretudo quando posto assuntos de grande relevência. A informação precisa de reflexão, comparações dos elementos em dados com experiências prévias, acadêmicas ou vivenciais, mais reflexão, sobretudo com diálogo para, então, se replicar, debater, questionar, refutar ou aceitar. O conhecimento é perecível, não acredito que pessoas que leem, se é que se dão ao trabalho, leiam uma informação relevante, opte por apenas "pensar" e mais adiante tal experiência intelctual lhe permita alguma mudança substancial ou relevante. Sim, o "em cima do murismo" nos furta do caminho da reflexão, da ação, da mudança.

Procuro aceitar nossa idiossincrasia, a mesma que não nos impele ou mobiliza, a mesma que nos mantém na "zona de conforto", a mesma que endeusa nossos procuradores, nossos despachantes, afinal, não gostamos de colocar a mão na massa, pagamos para tal, VOTAMOS para tal. Neste particular, inclusive, mal sabe o cidadão que a participação em projetos muncipais de densidade estão, cada vez mais, fora do alcance do cidadão comum nas 5 565 "casas do povo". Tudo isto ocorre mediante o mutismo contemplativo do cidadão comum, o que não gosta de ir em reunião de condomínios para não se envolver, afinal, o que o síndico resolver tá resolvido, mais adiante se der merda reclamo do síndico, e o mesmo comportamento se dá com vereadores e deputados. Votou, vira as costas e ignora o que o eleito faz ou deixa de fazer.

Não consigo aceitar que no terceiro ano do século XXI, ainda tenhamos cerca de 51% dos lares sem saneamento adequado, que não tenhamos saúde pública decente, segurança pública, acesso universalisado ao ensino que nos livre da vergonha anual, eterna, contumaz de baixos índices d aprovação em exames internacionais.

A máxima de que Deus nos deu dois ouvidos para ouvir mais do que uma boca para falar está alimentando uma lamentável omissão, tornando nossa zona de conforto cada vez mais atrativa para dela não se sair.

Como pode se aceitar, com lucidez e coerência, termos medo de nosso dia a dia, em nossos deslocamentos para o trabalho, escola e casa? Como é que aumentamos os golpes tecnológicos, com é que temos cada vez mais direitos e pouquíssimas obrigações? Minorias ganharam espaço e vulto com a anuente e simpática omissão do cidadão. As três milenares instituições em nossa sociedade estão, cada vez mais, sendo fragilizadas com a distração, omissão e anuência do cidadão: Família, Escola e Igreja.

Buscamos nos sentir bem, aceitos, leves, sem obrigações. Queremos a irresponsabilidade do voto voluntário (não ser obrigado a nada e querer que tudo funcione), nossa mania de eleger o procurador, o despachante para nos livrar da obrigação de nos envolvermos em temas de densidade a cada dia aumenta, se intensifica. Já somos 28 partidos políticos. Em sociedades mais responsáveis e maduras são poucos, três ou quatro. Nossa mania de querer se aproveitar cria 28 partidos, cria 53 denominações religiosas e um número sem fim de coachs, palestrantes motivacionais e pessoas, aproveitadoras, boas de papo, de convencimento. A cada dia queremos, sem nos envolver, criar algo de diferente, algo que ninguém nunca falou e no fim, pouco se muda, pouco se melhora, o desemprego não recrudesce, as propaladas melhorias de desempenho não saem do campo do imaginário que só os consultores motivacionais enxergam e muitas pessoas cada vez mais penduradas no Estado.

No fim do ano onde o mundo não acabou o que posso desejar é que quem estiver lendo REFLITA e procure perceber seu papel, atuante ou anuente, ativo ou omisso, interfere no contexto geral. O que posso desejar é que 2013 nos traga melhor sorte tendo, antes e porém, uma vontade da sociedade mudar.
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O correto uso do papel higiênico

A sensibilidade de um imortal da Academia Brasileira de Letras que nos deixou que, de forma sutil e lírica, nos alerta para a anomia social em aceitar um totalitarismo ideológico que já nos envolve de forma, até, charmosa, como tudo que nossa esquerda sempre fez nos últimos trinta anos.
Vale a pena a leitura.

'O correto uso do papel higiênico'

João Ubaldo Ribeiro
O Estado de S.Paulo

Esta é a última crônica escrita por João Ubaldo Ribeiro, enviada na quarta-feira, 16, e que seria publicada no domingo, dia 20.

O título acima é meio enganoso, porque não posso considerar-me uma autoridade no uso de papel higiênico, nem o leitor encontrará aqui alguma dica imperdível sobre o assunto. Mas é que estive pensando nos tempos que vivemos e me ocorreu que, dentro em breve, por iniciativa do Executivo ou de algum legislador, podemos esperar que sejam baixadas normas para, em banheiros públicos ou domésticos, ter certeza de que estamos levando em conta não só o que é melhor para nós como para a coletividade e o ambiente. Por exemplo, imagino que a escolha da posição do rolo do papel higiênico pode ser regulamentada, depois que um estudo científico comprovar que, se a saída do papel for pelo lado de cima, haverá um desperdício geral de 3.28%, com a consequência de que mais lixo será gerado e mais árvores serão derrubadas para fazer mais papel. E a maneira certa de passar o papel higiênico também precisa ter suas regras, notadamente no caso das damas, segundo aprendi outro dia, num programa de tevê.

Tudo simples, como em todas as medidas que agora vivem tomando, para nos proteger dos muitos perigos que nos rondam, inclusive nossos próprios hábitos e preferências pessoais. Nos banheiros públicos, como os de aeroportos e rodoviárias, instalarão câmeras de monitoramento, com aplicação de multas imediatas aos infratores. Nos banheiros domésticos, enquanto não passa no Congresso um projeto obrigando todo mundo a instalar uma câmera por banheiro, as recém-criadas Brigadas Sanitárias (milhares de novos empregos em todo o Brasil) farão uma fiscalização por escolha aleatória. Nos casos de reincidência em delitos como esfregada ilegal, colocação imprópria do rolo e usos não autorizados, tais como assoar o nariz ou enrolar um pedacinho para limpar o ouvido, os culpados serão encaminhados para um curso de educação sanitária. Nova reincidência, aí, paciência, só cadeia mesmo.

Agora me contam que, não sei se em algum Estado ou no País todo, estão planejando proibir que os fabricantes de gulodices para crianças ofereçam brinquedinhos de brinde, porque isso estimula o consumo de várias substâncias pouco sadias e pode levar a obesidade, diabete e muitos outros males. Justíssimo, mas vejo um defeito. Por que os brasileiros adultos ficam excluídos dessa proteção? O certo será, para quem, insensata e desorientadamente, quiser comprar e consumir alimentos industrializados, apresentar atestado médico do SUS, comprovando que não se trata de diabético ou hipertenso e não tem taxas de colesterol altas. O mesmo aconteceria com restaurantes, botecos e similares. Depois de algum debate, em que alguns radicais terão proposto o Cardápio Único Nacional, a lei estabelecerá que, em todos os menus, constem, em letras vermelhas e destacadas, as necessárias advertências quanto a possíveis efeitos deletérios dos ingredientes, bem como fotos coloridas de gente passando mal, depois de exagerar em comidas excessivamente calóricas ou bebidas indigestas. O que nós fazemos nesse terreno é um absurdo e, se o Estado não nos tomar providências, não sei onde vamos parar.

Ainda é cedo para avaliar a chamada lei da palmada, mas tenho certeza de que, protegendo as nossas crianças, ela se tornará um exemplo para o mundo. Pelo que eu sei, se o pai der umas palmadas no filho, pode ser denunciado à polícia e até preso. Mas, antes disso, é intimado a fazer uma consulta ou tratamento psicológico. Se, ainda assim, persistir em seu comportamento delituoso, não só vai preso mesmo, como a criança é entregue aos cuidados de uma instituição que cuidará dela exemplarmente, livre de um pai cruel e de uma mãe cúmplice. Pai na cadeia e mãe proibida de vê-la, educada por profissionais especializados e dedicados, a criança crescerá para tornar-se um cidadão modelo. E a lei certamente se aperfeiçoará com a prática, tornando-se mais abrangente. Para citar uma circunstância em que o aperfeiçoamento é indispensável, lembremos que a tortura física, seja lá em que hedionda forma – chinelada, cascudo, beliscão, puxão de orelha, quiçá um piparote –, muitas vezes não é tão séria quanto a tortura psicológica. Que terríveis sensações não terá a criança, ao ver o pai de cara amarrada ou irritado? E os pais discutindo e até brigando? O egoísmo dos pais, prejudicando a criança dessa maneira desumana, tem que ser coibido, nada de aborrecimentos ou brigas em casa, a criança não tem nada a ver com os problemas dos adultos, polícia neles.

Sei que esta descrição do funcionamento da lei da palmada é exagerada, e o que inventei aí não deve ocorrer na prática. Mas é seu resultado lógico e faz parte do espírito desmiolado, arrogante, pretensioso, inconsequente, desrespeitoso, irresponsável e ignorante com que esse tipo de coisa vem prosperando entre nós, com gente estabelecendo regras para o que nos permitem ver nos balcões das farmácias, policiando o que dizemos em voz alta ou publicamos e podendo punir até uma risada que alguém considere hostil ou desrespeitosa para com alguma categoria social. Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar uma espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos. Temos que ser protegidos até da leitura desavisada de livros. Cada livro será acompanhado de um texto especial, uma espécie de bula, que dirá do que devemos gostar e do que devemos discordar e como o livro deverá ser comentado na perspectiva adequada, para não mencionar as ocasiões em que precisará ser reescrito, a fim de garantir o indispensável acesso de pessoas de vocabulário neandertaloide. Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se.
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Rescaldo do Rescaldo

Uma excelente reflexão de um notório jornalista.
Resta-nos, como sociedade, redirecionarmos nossa atenção e prioridades. Creio nunca ter sido antes, em nossa história republicana, ser tão urgente o chamado ao cidadão comum para sua participação mais atuante e madura na governança social. Governança Social é a sociedade exercendo a fiscalização do Estado. Precisamos aprender e praticar.

Rescaldo do Rescaldo
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

Um anúncio da safra da Copa... anúncio de quê, mesmo? Houve tempo em que os anúncios iam direto ao ponto — "Beba Coca-Cola". Hoje a criatividade sufoca as marcas. Houve um anúncio da safra da Copa, sabe-se lá do quê, em que um homem, de costas, vinha e depositava no chão a maleta que trazia no braço, na pose de quem chegava a algum lugar. "O futebol está voltando para casa", dizia o locutor. E não é que o futebol voltou mesmo para casa? Voltou para a querida Europa de nascença. País do futebol, hoje, 100 anos depois de o kaiser Guilherme II dar o pontapé inicial à I Guerra Mundial, 91 anos depois do putsch de Munique, 75 anos depois do início e 69 do fim da II Guerra Mundial, 53 depois da construção e 25 da derrubada do Muro de Berlim, nove anos depois da eleição e um depois da renúncia do papa Ratzinger, é a Alemanha. É lá que se joga um futebol alegre e bonito. No Brasil, joga-se um futebol "de resultados" dotado da singular característica de não produzir resultados.

Do lado brasileiro, o grande craque da Copa foi o Cristo Redentor. Durante a transmissão da final, a televisão fez seguidas tomadas do Cristo com o Maracanã ao fundo, ou com a Lagoa Rodrigo de Freitas e a orla de Ipanema ao fundo. A Copa no Brasil teve obras superfaturadas, estádios destinados à ociosidade, promessas de obras viárias não cumpridas, viaduto desabado e operários mortos, mas no momento final apareceu o Cristo para segurar as pontas. O milagre que faltou no gramado veio do alto, como é próprio dos milagres. O Redentor entrou em campo, em transmissão ao vivo captada até os confins do universo, para marcar um gol mais bonito do que o de Robben contra a Espanha.

A vitória do Brasil na Copa de 1958 iniciou uma revolução copernicana na geopolítica do futebol. A vitória de 1970, a terceira em quatro Copas, consolidou a convicção de que subdesenvolvidos, em futebol, eram os europeus. A Copa de 2014 repõe as coisas em seus lugares. Rico é rico, pobre é pobre, e rico fala mais alto e mais grosso que pobre em tudo. Tal qual ocorre no geral do comércio internacional, subdesenvolvido é o exportador de matéria-prima. O Brasil, no futebol, virou exportador de matéria-prima, e não se vislumbra como possa escapar dessa sina. Há uma coisa chamada mercado, em primeiro lugar. Em segundo, há internamente uma engrenagem reunindo cartolas, técnicos, empresários, olheiros e outros agentes mancomunados no grande negócio, ilícito em boa parte, da exportação de jogadores. Em terceiro, de modo cruelmente insidioso, já se introjetou no moleque das peladas o sonho de jogar no Barcelona, não no Corinthians ou no Flamengo.

Angela Merkel assistiu ao jogo inaugural da Alemanha, contra Portugal, e, mostrada várias vezes na TV, festejou cada um dos quatro gols do seu time. Voltou para assistir à final, contra a Argentina, e festejou a conquista do torneio. Como diria o Ancelmo Gois, deve ser terrível viver num país onde o futebol é explorado para fins políticos. Dois turistas alemães foram presos por roubar uma escultura alusiva ao futebol no saguão do Aeroporto de Guarulhos. Deve ser terrível a criminalidade naquele país. O craque alemão Schweinsteiger, depois da conquista, fez uma "saudação especial" a Uli Hoeness, ex-presidente do Bayern de Munique, hoje cumprindo pena por evasão fiscal. Deve ser terrível viver num país em que se incentiva o crime.

Dia do jogo Brasil x Alemanha, num bairro central de São Paulo. O vizinho amanhece já tocando sua vuvuzela. Jogo do Brasil é assim. A festa começa muitas horas antes. Há um clima de eufórica espectativa no ar. Vuvuzelas, buzinas, bandeiras. O clamor da vuvuzela do vizinho intensifica-se à medida que vai chegando a hora. Aí começa o jogo. Um a zero para a Alemanha, dois, cinco a zero. Vuvuzela calada. Seis a zero, sete a zero. Então, aos 45 minutos do segundo tempo, Oscar escapa, engana o goleiro Neuer e marca. Gol do Brasil!!! A vuvuzela dispara. Fica-se imaginando o vizinho levantando do sofá, aturdido, arrasado, mas atento ao chamado do dever. Nem Oscar comemorou. Mas quem possui uma vuvuzela assumiu com ela um compromisso moral, mesmo que seu grito esganiçado àquela altura soasse como um gemido.
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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Metáfora do Socialismo

Um professor de economia em uma universidade americana disse que nunca havia reprovado um só aluno, até que certa vez reprovou uma classe inteira.
Essa classe em particular havia insistido que o socialismo realmente funcionava: com um governo assistencialista intermediando a riqueza ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo.
O professor então disse:
"Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas."

Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam 'justas'. Todos receberão as mesmas notas, o que significa que em teoria, ninguém será reprovado, assim como também ninguém receberá um "A".
Após calculada a média da primeira prova todos receberam "B". Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.

Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos - eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Já aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Como resultado, a segunda média das provas foi "D". Ninguém gostou.

Depois da terceira prova, a média geral foi um "F". As notas não voltaram a patamares mais altos mas, as desavenças entre os alunos, a busca por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por 'justiça' dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma.

No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala.
Portanto, todos os alunos repetiram aquela disciplina... Para sua total surpresa.

O professor explicou: 
 "O experimento socialista falhou porque quando a recompensa é grande o esforço pelo sucesso individual é grande. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros para dar aos que não batalharam por elas, então ninguém mais vai tentar ou querer fazer seu melhor. Tão simples quanto o exemplo de Cuba, Coréia do Norte, Venezuela. E o Brasil e a Argentina, que estão chegando lá.."

1. Você não pode levar o mais pobre à prosperidade apenas tirando a prosperidade do mais rico;

2. Para cada um recebendo sem ter que trabalhar, há uma pessoa trabalhando sem receber;

3. O governo não consegue dar nada a ninguém sem que tenha tomado de outra pessoa;

4. Ao contrário do conhecimento, é impossível multiplicar a riqueza tentando dividi-la;

5. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.

É o mais puro retrato do Brasil que vivemos e que o PT está querendo nos enfiar goela abaixo!

domingo, 20 de julho de 2014

Iniciativa e Acabativa

Iniciativa e Acabativa   

Iniciativa é a capacidade que todos nós temos de criar, iniciar projetos e conceber novas idéias. Algumas pessoas têm muita iniciativa e outras têm pouca. 

Acabativa, é um neologismo que significa a capacidade que algumas pessoas possuem de terminar aquilo que iniciaram ou concluir o que outros começaram. É a capacidade de colocar em prática uma idéia e levá-la até o fim. 

Os seres humanos podem ser divididos em três grupos, dependendo do grau de iniciativa e acabativa de cada um: os empreendedores, os iniciativos e os acabativos - sem contar os burocratas.

* Empreendedores são aqueles que têm iniciativa e acabativa. Um seleto grupo que não se contenta em ficar na idéia e vai a campo implantá-la.

* Iniciativos são criativos, têm mil idéias, mas abominam a rotina necessária para colocá-las em prática. São filósofos, cientistas, professores, intelectuais e a maioria dos economistas. São famosas as histórias de economistas que nunca assinaram uma promissória. Acabativa é o ponto fraco desse grupo.

* Acabativos são aqueles que gostam de implantar projetos. Sua atenção vai mais para o detalhe do que para a teoria. Não se preocupam com o imenso tédio da repetição do dia-a-dia e não desanimam com as inúmeras frustrações da implantação. Nesse grupo está a maioria dos executivos, empresários, administradores e engenheiros.

Essa singela classificação explica muitas das contradições do mundo moderno.

Empresários descobrem rapidamente que ficar implantando suas próprias idéias é coisa de empreendedor egoísta. Limita o crescimento. Existem mais pessoas com excelentes idéias do que pessoas capazes de implantá-las. É por isso que empresários ficam ricos e intelectuais, professores - entre os quais me incluo -  morrem pobres.

Se Bill Gates tivesse se restringido a implantar  suas próprias idéias teria parado no Visual Basic. Ele fez fortuna porque foi hábil em implantar as idéias dos outros - dizem as más línguas que até copiou algumas.

Essa classificação explica porque intelectual normalmente odeia empresário, e vice-versa. Há uma enorme injustiça na medida em que os lucros fluem para quem implantou uma idéia, e não para quem a teve. Uma idéia somente no papel é letra morta, inútil para a sociedade como um todo. 

Um dos problemas do Brasil é justamente a eterna predominância, em cargos de ministérios, de professores brilhantes e com iniciativa, mas com pouca ou nenhuma acabativa. Para o Brasil começar a dar certo, precisamos procurar valorizar mais os brasileiros com a capacidade de implantar nossas idéias. Tendemos a encarar o acabativo, o administrador, o executivo, o empresário como sendo parte do problema, quando na realidade eles são parte da solução.

Iniciativo almeja ser famoso, acabativo quer ser útil.


Mas a verdade é que a maioria dos intelectuais e iniciativos não tem o estômago para devotar uma vida inteira para fazer dia após dia, digamos bicicletas. O iniciativo vive mudando, testando, procurando coisas novas, e acaba tendo uma vida muito mais rica, mesmo que seja menos rentável. 

Se você tem iniciativa mas não tem acabativa, faça correndo um curso de administração ou tenha como  sócio um acabativo. Há um ditado chinês, "Quem sabe e não faz, no fundo, não sabe" - muito apropriado para os dias de hoje.

Se você tem acabativa mas não tem iniciativa, faça um curso de criatividade, estude um pouco de teoria. Empresário que se vangloria de nunca ter estudado não serve de modelo. 

Finalmente, se você não tem iniciativa nem tampouco acabativa, só podemos lhe dizer uma coisa: meus pêsames.

Publicado na Revista Veja de 11 de novembro de 1998

CONSULTEM O PCC

PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA


Somos caça. Diariamente, ao colocarmos o pé na calçada, ao sairmos de nossa humilde toca ou de nosso bunker familiar, viramos caça. Se tudo correr bem, retornamos sãos e salvos por não termos sido alvo dos predadores. Nem por isso teremos deixado de ser caça. Tão caça quanto qualquer lebre corredeira. Saiba: no mundo civilizado não é assim.

O notório agravamento da insegurança socialmente percebida tem profundas raízes ideológicas. Aliás, no Brasil (e no RS mais do que em qualquer outra parte), tudo é desgraçadamente ideologizado. Da religião ao chimarrão. Então, algo que deveria merecer consistente unanimidade por urgente interesse público, ou seja, o combate ao crime e à impunidade, o encarceramento dos bandidos, o cumprimento das penas, a extinção da farsa do semiaberto, a redução da maioridade penal, a ampliação das forças humanas e materiais das corporações policiais, é travado por argumentos ideológicos. Quais? Ora, não ensinava Proudhon que a propriedade é um roubo? Não frisaram, Marx e Engels, que abolir a propriedade é o resumo do comunismo? Não creem os que abraçam essa doutrina que a criminalidade ou se confunde inteiramente com a luta de classes, ou é um subproduto dela? Quando tratava da luta de classes, não abraçou-se Marx à frase de George Sand _ “Vitória ou morte! Guerra sangrenta ou nada!”? Como pode um país saturado de marxismo entusiasmar-se com a tarefa de sustar qualquer instrumento da “reformulação da sociedade”?
Há poucos dias, assisti na tevê a entrevista feita com uma senhora cuja atividade econômica consistia em garimpar e revender rejeitos de um lixão. Com isso, cuidava dos filhos, comprou um automóvel e traçava projetos para cursar faculdade. Na perspectiva da luta de classes, essa admirável pessoa é uma burguesa alienada, ao passo que o assaltante de nossas ruas é um militante da justiça social, um soldado da causa. E merece toda a leniência que lhe é proporcionada pelas nossas instituições. Não veem elas o criminoso como um filho bastardo e infeliz da economia de mercado e do sistema de livre empresa? É exatamente por isso que as instituições, maculadas por uma ideologia insana, são tão indulgentes com os criminosos enquanto assimetricamente, relegam ao mais tenebroso abandono as suas vítimas.

Qualquer líder do PCC ou do Comando Vermelho, consultado sobre nossas leis penais, instituições policiais e sistema penitenciário, dirá: “Melhorem a hotelaria. E não mexam no resto que está bom demais”. Ou não?
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