segunda-feira, 30 de junho de 2014

Na balada

Aproveitando o momento do futebol da copa, o jornalista faz uma boa metáfora na tentativa de explicar os fatores conjunturais que estão prejudicando nossa indústria, o segmento no país que gera postos de trabalho de valor agregado superior aos demais segmentos, além de uma maior arrecadação.

Na balada 
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO 

Jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros

Parece que Neymar e Song, da seleção de Camarões, são bons amigos. Antes e depois do jogo da última segunda, a TV mostrou os dois trocando abraços e se divertindo com alguma coisa que o craque brasileiro comentou.

São colegas de trabalho. Jogam no Barcelona, convivem uma temporada inteira e não seria estranho que estivessem combinando uma balada.

Os jogadores estão globalizados. Há legiões de estrangeiros por toda parte, mas, sem dúvida, os melhores do mundo atuam na Europa. E fazem partidas encantadoras o ano todo. O Manchester da Inglaterra tem nada menos que 14 jogadores espalhados por diversas seleções.

Isso é bom ou ruim? Depende. Para o público que pode acompanhar os jogos pela televisão, é um espetáculo. Para o técnico da Inglaterra, porém, a globalização prejudicou sua seleção. Ocorre, disse, que craques internacionais são os titulares dos times ingleses, colocando na reserva os locais. Logo, estes têm menos chances de aperfeiçoamento.

Supondo que ele estivesse correto, qual seria a saída? Só uma, proibir ou limitar ao extremo a entrada dos estrangeiros. Ou seja, fechar os mercados.

Funcionaria?

Certamente não. Como para qualquer outro mercado, com o perdão da palavra, o de jogadores funciona melhor com fronteiras abertas.

Como em qualquer setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores. Estes só conseguem colocar lá fora seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.

Só faz sentido contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente pagando salários mais elevados. Também faz sentido importar jogadores de qualidade pouco superior ou mesmo semelhante à dos locais, mas cuja contratação seja mais econômica.

Em qualquer caso, a consequência é a elevação da qualidade do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros com os quais passam a competir.

O caso da Espanha, em especial, é uma demonstração disso. No passado, tinha grandes times, globais, e uma seleção apenas média. Mas, de uns oito anos para cá, o time exibiu uma incrível combinação de craques. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.

OK, a Espanha perdeu, assim como Inglaterra e Itália, outros centros globalizados. Mas por isso o futebol é o jogo mais bonito do mundo. É difícil ganhar, mesmo sendo melhor. E, como tudo pode depender de um lance, o fator chance é decisivo.

Mas ninguém pode negar que são três ótimos times, e que têm evoluído.

Mas, vira e mexe, a cada fracasso, a discussão volta, como acaba de ser recolocada pelo técnico inglês.

O que ele reclama é a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país, de qualquer setor, quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidado com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.

É muito diferente instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e a prejuízos ao consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.

Proibir a importação de jogadores piora tudo. Ficam times piores, que oferecem espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor.

Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador. Grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul e a África. Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.

Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, especialmente dos jovens, é uma saída. Um baita equívoco.

Primeiro, que seria uma violação à liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?

Não é justo, não é legal.

Nem eficiente. Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para pagar em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas, que poderiam perfeitamente pagar o preço justo por espetáculos mais bem organizados.

O futebol brasileiro, como negócio, é tão pouco competitivo como a economia brasileira.

Mas há um último ponto: sendo amigos de clube, os jogadores não amoleceriam quando se encontrassem em partidas de seleção? Bom, basta acompanhar alguns minutos de qualquer jogo desta Copa para ver que ninguém alivia nada.

Eles até podem combinar uma balada para a noite de folga, mas não no campo.
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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Escolha Seu Chefe e Suba Com Ele



http://blog.kanitz.com.br


Esta estória é meio lenda meio fato, mas merece ser contada como se fosse real.

Quando Bill Gates estudava em Harvard, ele tinha um professor de matemática fantástico e muito exigente.

Tanto isso é verdade que Bill Gates se classificou em 18º lugar num teste nacional de matemática.

Esse professor dava uma prova final dificílima e poucos alunos conseguiam acertar todas as questões.

“Se alguém conseguir acertar completamente esta prova, eu renunciarei ao meu cargo de Professor de matemática e trabalharei para ele“, dizia o professor no início da prova, com total seriedade.

Em inglês esta frase soa bem mais forte, tipo “eu serei seu subordinado para sempre“, uma forma simpática de dizer que se aceita a derrota e que finalmente se encontrou alguém superior.

Bill Gates foi o aluno que mais próximo chegou de encontrar todas as soluções, tendo errado uma única questão, somente no finalzinho da dedução.

Passados vinte anos, se alguém for para Boston poderá encontrar o tal professor batendo a cabeça na parede de Harvard Square, balbuciando: “Por que eu fui tão rígido? Por que eu fui tão rígido?”

Tivesse sido menos rigoroso, o agora anônimo professor seria hoje, provavelmente, o segundo homem mais rico do mundo.

O interessante dessa estória é o fato de que alunos de Harvard ouvem de seus professores o seguinte conselho: “Se um dia você encontrar alguém, um colega ou um subordinado, mais competente que você, faça dele o seu chefe, e suba na vida com ele“.

No Brasil, um colega de trabalho que comece a despontar é imediatamente tachado de picareta, enganador e puxa-saco.

Em vez de fazê-lo chefe, começa um lento e certeiro boicote ao talento.

Nossa mania de boicotar chefes lembra a mentalidade do “Se hay gobierno soy contra”. Somos intelectuais e poetas nos ensinam a odiar patrão, chefe, gestor, diretoria. Isto porque historicamente estes eram notoriamente incompetentes, gestores que gesticulavam exigindo indicadores de eficiência.

Nestas condições, equipes dificilmente conseguem ser formadas no Brasil, e temos um excesso de prima-donas, donos da verdade sem nenhuma equipe para colocar as ideias em prática.

Se não aprendermos a escolher os nossos chefes imediatos, como iremos escolher deputados, governadores e presidentes da República?

Milhares de jovens acreditam ingenuamente que, apesar de ter cabulado a maioria das aulas, quando adultos contratarão pessoas inteligentes que suprirão o que não aprenderem.

Ledo engano, pessoas inteligentes são as primeiras a procurar parceiros competentes para trabalhar.

Melhor do que procurar as melhores empresas para trabalhar é procurar os melhores chefes e trocar de emprego quantas vezes seu chefe trocar o dele.

Como fizeram as dezenas de programadores que decidiram trabalhar para a Microsoft, na época em que ela era dirigida por um fedelho de 19 anos e totalmente desconhecido.

Achar um bom chefe não é fácil.

Temos muito mais informações sobre empresas do que sobre pessoas com capacidade de liderança.

Mas, na próxima vez que encontrar um amigo para saber se o emprego dele paga bem, pergunte quem são os bons chefes e líderes da empresa em que ele trabalha.

É muito melhor promover um subordinado a seu chefe se ele for claramente mais competente do que você, do que ficar atravancando a carreira dele e a sua.

Subordinar-se a um chefe competente não é sinal de submissão nem de servilismo, mas uma das melhores coisas que você poderá fazer para sua carreira.

Embora ser o número 1 de uma organização seja o sonho de muitos jovens, a realidade é que 95% de sua carreira será desenrolada como o número 2 de algum cargo.

A pior decisão na vida do professor de Bill Gates foi a de não seguir o seu próprio conselho.

Portanto, fique de olho nos seus colegas de trabalho e faculdade que parecem ser brilhantes e tente trabalhar com eles no futuro.

Eles poderão ser o caminho para o seu sucesso.

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7 competências que o mercado busca nos profissionais

Domínio da tecnologia, foco em resultados e comunicação apurada estão entre as características mais procuradas pelas empresas





Quais são as características que um profissional precisa ter, além, é claro, daquelas específicas de cada ramo de atuação? Victor Martínez, especialista em treinamentos comportamentais e projetos de RH e CEO da Thomas Brasil, empresa especializada em gestão de pessoas, listou sete talentos que as empresas buscam nos profissionais. Veja abaixo:

1. Autogerenciamento - É a capacidade de motivação, disciplina e auto-avaliação do indivíduo. Trata-se do profissional capaz de realizar projetos, buscar soluções e identificar formas de implementar as soluções.

2. Comunicação múltipla - Segundo Martínez, o mundo é uma aldeia global, por isso, a capacidade de se comunicar de modo realmente eficaz em inglês deve ser prioridade em determinadas áreas. "Há outras formas de comunicação que devem ser exploradas, como por exemplo, a informática, os blogs, a intranet, os processos e sistemas de informação e transmissão de dados."

3. Negociação - Reflita sobre sua capacidade de negociação e dê atenção especial às suas habilidades nesse campo. Apresente suas ideias de forma clara e convincente e argumente de forma positiva, franca e objetiva.

4. Adaptabilidade - "Mudança é uma das duas grandes certezas da vida", diz Martínez. Por isso o profissional do futuro deve procurar prevê-las e antecipar-se a elas.

5. Educação contínua - Novidades tecnológicas, descobertas, novos processos mais eficazes aparecem a cada momento. Por isso, é fundamental a busca continua por aprimoramento.

6. Domínio da tecnologia - Como já dizia Ayrton Senna, tecnologia faz diferença. Use e fomente a tecnologia de ponta sempre que possível ou quando houver necessidade. Para evoluir nesse quesito, decrete sua própria obsolescência e parta para patamares mais altos de tecnologia.

7. Foco nos resultados - São os resultados que interessam, mas lembre-se que a ética deve ser respeitada. Na busca pelos resultados, as pessoas também são avaliadas por suas ações. Vale refletir e analisar o que você busca e o que agregará valor em termos de custos/esforço. Concentre-se nisso. 
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terça-feira, 10 de junho de 2014

Disparidades no serviço público

 EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

As gritantes disparidades encontradas pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) na folha salarial do funcionalismo federal reclamam urgente correção de rota. A onerosa e ineficiente máquina do Estado brasileiro paga a seus trabalhadores salários quase cinco vezes superiores à média do que é praticado pela iniciativa privada nas seis principais regiões metropolitanas do país - R$ 9.504, contra R$ 1.977. E essa é apenas uma entre muitas distorções.

Como explicar, por exemplo, que um servidor do Poder Executivo custe, em média, R$ 8.465 por mês, enquanto o do Judiciário sai por R$ 13.575 e o do Legislativo por R$ 14.721? Por que funcionários lotados em São Paulo têm média salarial de R$ 8.150 e os do Distrito Federal, de R$ 4.458? Qual a razão para os quadros de pessoal dos ministérios da Educação e da Saúde estarem, respectivamente, em 12º e 15º lugares na escala descendente de ganhos mensais?

Urge pôr ordem na casa. O trabalho da Enap deve servir de ponto de partida para a correção de toda e qualquer falta de lógica, de transparência e, sobretudo, de justiça na estrutura funcional da República. É preciso fazer fotografia mais abrangente, que também revele as lotações dos funcionários. Afinal, assim como há concentração de salários em determinados órgãos, é possível que haja carência de pessoal em alguns setores, e excesso em outros.

Cabe aos chefes dos Três Poderes tomar a decisão política de buscar uma solução conjunta. Tendo a meritocracia como norte, será possível encontrar modelo capaz de uniformizar os critérios de remuneração, carreira por carreira. Não se trata de definir estrutura única, pois, mais do que razoável, é aconselhável contemplar as diferenças. O importante é que haja coerência, equilíbrio e correspondência com a realidade do mercado de trabalho. Não só para fazer justiça com os servidores e o contribuinte - que paga os salários - como para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população.

 Milhões de brasileiros ocupam bancos de cursinhos preparatórios para concursos públicos país afora. A disputa, por si, é fator de qualificação. E desmistifica a ideia de que serviço público seja sinônimo de pouco esforço. Agora, é dever do Estado otimizar o aproveitamento de profissionais cada vez mais graduados que passam a compor seus quadros, oferecendo a eles salários condizentes com sua formação e produtividade, em estrutura orgânica, livre de influências políticas, que permita vislumbrar e programar a ascensão funcional desde o primeiro momento até a aposentadoria.

Supersalários pagos a uma minoria ou a grupos de privilegiados, serviços que não atendem à expectativa da sociedade, falta de transparência desqualificam e desmotivam. Já em uma estrutura justa, o servidor se sentirá estimulado a produzir mais e melhor, o que poderá, ainda, ser recompensado com bonificações aos que cumprirem metas, em benefício de toda a população.
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Eleitoreira, não inconstitucional

MERVAL PEREIRA
O GLOBO

A decretação pela presidente Dilma Rousseff de uma Política Nacional de Participação Social (PNPS), criando conselhos populares sem uma prévia discussão com a sociedade civil e o Congresso, indica uma democracia eleitoreira , que restringe a noção de participação somente para os períodos eleitorais, na opinião do constitucionalista e ex-deputado federal Marcelo Cerqueira, e aponta para uma tentativa do PT de organizar os movimentos sociais sobre os quais está perdendo o controle, de acordo com o sociólogo Bernardo Sorj, professor do Instituto de Ciências Avançadas da USP.

No entanto, como afirma Marcelo Cerqueira, a PNPS, embora feita por decreto, mais uma desagradável contribuição à anomia congressual, não é inconstitucional .

Para Sorj, se a intenção do governo tivesse sido a de promover uma maior abertura dos órgãos do Executivo para com a sociedade civil, nada a criticar ou comentar . Mas se o próprio decreto fala de consulta com a sociedade civil, o óbvio teria sido que ele fosse inicialmente discutido com a mesma .

Teria sido suficiente uma diretiva interna instando a um diálogo com os diferentes setores da sociedade civil, que dependendo do órgão do governo podem ser sindicatos, organizações profissionais, ONGs, movimentos sociais etc. O problema com a PNPS é sua vontade de definir e subsumir a sociedade civil dentro de um órgão de governo .

Como a própria PNPS reconhece, ressalta Sorj, a sociedade civil é autônoma, livre para se organizar, se reinventa constantemente e não pode ser formatada . Ele cita as manifestações, uma das principais formas de expressão da sociedade civil, que não são citadas no decreto, que inclui a Internet, espaço virtual.

Na verdade, o decreto não é sobre a sociedade civil, comenta Sorj, e nisso ele vê seu principal problema e fonte de confusão. O que ele de fato sistematiza e regula são instâncias organizadas pelo governo que seriam os veículos legítimos de comunicação com ele .

A participação social numa sociedade democrática sempre será mais ampla e desbordará as instâncias formais que o governo possa estabelecer. Essa tendência estatizante se reflete na linguagem do decreto que confunde várias vezes participação social com as instâncias definidas pelo decreto , comenta Bernardo Sorj.

A sociedade civil é fundamental para a democracia. O papel da sociedade civil é criticar, denunciar e promover novos direitos, e não comentar políticas de governo: Renovar a própria política, não pode nem deve ser enlatado numa instância formal decretada pelo governo , protesta Bernardo Sorj.

Mas a legitimidade da sociedade civil é de ordem moral, lembra ele, e nisso Sorj vê sua fragilidade e potencial manipulação pelo governo: ela pode ter ´representantes´, mas não pode ser ´representada´. Afinal, se decreto do governo define a sociedade civil como sendo formada por ´cidadãos´, então seus representantes são os membros do Congresso e governantes .

Na opinião do sociólogo Bernard Sorj, o decreto em si mesmo é uma expressão de vontade do governo de manter o controle sobre uma sociedade civil que lhe está fugindo das mãos.

Marcelo Cerqueira lembra que a Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política, estabelecendo mecanismos de reforços às iniciativas populares. Dessa forma, a gestão pública passaria a contar com a participação daqueles que não detêm obrigações legais para com o Estado .

A sociedade civil, em conjunto com o poder público, traçaria as metas a serem atingidas, uma vez que os cidadãos, lembra Cerqueira, mais bem conhecem as reais necessidades locais e poderiam, quem sabe, intervir em favor de seus interesses, nas decisões relacionadas à escolha e gestão de políticas públicas. Já são feitos, aqui e acolá, orçamentos participativos .

Cerqueira admite que não falta razão à crítica da participação decretada vinculada ao período eleitoral, principalmente em época de campanha, que funciona como ´moeda de troca´, em favor do voto . O desconhecimento das determinações constitucionais restringe a noção de participação somente para os períodos eleitorais, denunciando a democracia estritamente eleitoreira .

Por um Congresso inexpressivo

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FOLHA DE SP 


Serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações às comissões de consulta popular, num verdadeiro aparelhamento do Executivo

A Política Nacional de Participação Social (PNPS), tal como descrita no decreto nº 8.243/14, tende a substituir o Congresso Nacional na representação popular, para "fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas de diálogo" e em "atuação conjunta com a administração pública federal" da "sociedade civil" (art. 1º), criar conselhos e comissões de políticas públicas e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo povo, objetivando auxiliar a Secretaria Geral da Presidência da República (artigo 9º) a monitor e implementar as políticas sociais por eles definidas, com atuação junto às diversas instâncias governamentais.

Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível de força que se pretende atribuir a instrumentos "populares", na promoção com o governo, das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos representantes do povo, que são os senadores e deputados.

Como os conselhos e as comissões serão eleitos pelo "povo", mas a eleição não é obrigatória e o "povo" dificilmente terá condições de dedicar-se em tempo integral, deixando trabalho ou ocupações diversas, para estar presente nessas "eleições", serão os "amigos do rei" os beneficiados pelas indicações, que lá estarão presentes, num verdadeiro aparelhamento do Executivo e redução do Congresso Nacional à sua expressão nenhuma.

Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele está contida 100% da representação popular (situação e oposição). No atual Executivo, nem 50% do povo brasileiro está representado, pois a atual presidente teve que ir ao 2º turno para ganhar as eleições.

Em outras palavras, pretende o decreto que a autêntica representação popular de 140 milhões de brasileiros seja substituída por um punhado de pessoas, que passará a DEFINIR A POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR!

A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa de tertúlias acadêmicas, pois os conselhos e comissões eleitos pelo "povo" serão aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a comissão encarregada da comunicação social poderá determinar que o ministério correspondente imponha restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a "vontade do povo", que será "obrigado" a atender aos apelos populares.

As políticas públicas e sociais não mais serão definidas pelo Legislativo, mas, por este grupo limitado de cidadãos enquistados nestes organismos. Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais insidiosa e sorrateira, do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), que recebeu repúdio nacional e, por isto, não foi aplicado da maneira como pretendia o governo.

Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho pela figura da presidente da República, que ela tem recaídas "guerrilheiras". Talvez, a "devoção cívica" que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel Castro --tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente visita a Cuba-- a tenha levado a conceber e editar essa larga estrada para um regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais do Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o "povo" são os verdadeiros poderes, sendo --é o que está naquelas leis maiores-- o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos, vicários, secundários e sem maior expressão.

Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é diretamente inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a autonomia e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III).

Espero que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no artigo 49, inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua competência legislativa.

Plano inclinado

RUBENS BARBOSA
O ESTADO DE S.PAULO 

Neste espaço, em artigo intitulado Sumiço do Brasil e Itamaraty marginalizado (25/3), critiquei há quase três meses proposta em estudo na Presidência da República de criação de um Conselho Nacional de Política Externa, para institucionalizar o controle dos movimentos sociais sobre a formulação e a implementação da política externa. Fui desmentido e alvo de ataques na mídia social. Agora, porém, com a edição de decreto presidencial que cria o Sistema Nacional de Participação Social, meu receio em relação ao Itamaraty não só se confirmou, como minha preocupação cresceu ainda mais, pois a medida, recém-anunciada, foi ampliada e se tornou obrigatória para toda a administração pública federal, direta ou indireta.

A Política Nacional de Participação Social (PNPS), recentemente criada, é uma das medidas mais ousadas adotadas pelo PT em todo o seu governo. A nova legislação tem como objetivo fortalecer a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil, definida como "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações".

A medida legal determina que os ministérios, autarquias, empresas estatais e até agências reguladoras devem considerar as diretrizes da política de participação social na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas. Os mecanismos de participação social criados para interagir com o governo são conselhos e comissões de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias, mesas de diálogo, audiências e consultas públicas e ambiente virtual de participação social. Os conselhos de políticas públicas têm competência para "participar no processo decisório e na gestão de políticas públicas", a conferência nacional "pode interferir na formulação e na avaliação" dessas políticas" e a mesa de diálogo "poderia mediar e solucionar conflitos sociais".

A Secretaria-Geral da Presidência da República presidirá um novo órgão da administração, a mesa de monitoramento das demandas sociais, responsável pela coordenação e pelo encaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas. Essa competência parece chocar-se com a disposição constitucional que dá atribuição exclusiva aos ministros de Estado de coordenar os demais órgãos e entidades da administração pública federal em sua área de competência.

A Constituição federal prescreve que a soberania popular se exerce pelo voto, com igual valor para todos. O controle partidário dos movimentos sociais fará com que as plataformas políticas do partido sejam necessariamente examinadas por todos os ministérios e entes públicos, já que a legislação determina sua participação no processo decisório e na formulação dessas políticas. O controle social das ações públicas trará profundas repercussões na vida diária das empresas e dos cidadãos.

O Legislativo, que, segundo a Constituição, tem a atribuição de exercer o acompanhamento e a fiscalização dos atos do Executivo, terá de competir com os movimentos sociais, visto que, na realidade, estará sendo substituído por um poder paralelo com funções mais amplas que as do Congresso Nacional.

Ninguém pode ser contra audiências e consultas públicas, como vem ocorrendo no âmbito do Congresso, com ampla participação da sociedade civil. As preocupações surgidas são legitimas, porque a política de participação social inova na medida em que passa a interferir na formulação e no processo decisório de políticas públicas. Essa é a grande novidade, que vai além de um mero órgão consultivo, como poderia ser entendido pela possibilidade de levar propostas para consideração dos órgãos públicos. Em vista da legislação vigente, para entrar em vigor a nova política deveria ser amplamente discutida e aprovada pelo Congresso, visto que interfere nas competências constitucionais do Executivo e do Legislativo. Da forma como foram criados, os mecanismos de controle social despertam preocupação sobre suas motivações e oportunidade. O uso da expressão "mesa de dialogo", inexistente em português, mas corrente nos países bolivarianos, pode dar uma pista...

A política de participação social, embora de difícil execução na prática, caso seja efetivamente aplicada, vai transformar o País num grande fórum de discussão de políticas governamentais, muitas delas confidenciais por sua própria natureza. Trata-se de assembleísmo elevado à potência máxima, que deverá tornar o País muito mais burocrático do que já é.

Como o Ministério da Fazenda ou o Banco Central vão discutir a taxa de câmbio com os movimentos sociais? A criação desses mecanismos de participação social, dependendo de como forem constituídos, completará, na política externa, o processo de esvaziamento do Itamaraty, já sem força para formular plenamente políticas que envolvem os interesses do Brasil em relação a terceiros países.

O anúncio dessa política adiciona mais um elemento da plataforma do PT nas ações de governo. Nas últimas semanas foi anunciado que, em eventual segundo mandato, o atual governo petista vai buscar aprovar medidas para efetivar o controle social da imprensa e o controle econômico dos meios de comunicação. De quando em quando se fala em recorrer a plebiscitos para aprovar certas medidas difíceis de serem aprovadas segundo a legislação vigente.

Não conheço nenhum país onde os movimentos sociais participem das decisões e da formulação de políticas no Executivo, a não ser países como a China, a Venezuela e outros onde o Executivo é submetido ao domínio do partido único, que diz atuar em nome da sociedade civil.

Esse é um dos temas mais relevantes da atualidade, pois tem tudo que ver com a democracia e a representação, segundo a Constituição.
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Lucros na África

JOSÉ CASADO
O GLOBO


Crescem suspeitas sobre contratos de US$ 1,1 bilhão concedidos a uma empresa brasileira pela cleptocracia do Congo, que recebeu o perdão de 79% da dívida do país


Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.

O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.

O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.

Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.

Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos. Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.

O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.

Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.

Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos. Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.

A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo. No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).
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Esguelha ideológica

 XICO GRAZIANO
O ESTADO DE S.PAULO


O teatro separatista, mais uma vez, repetiu-se no campo. Na primeira cena, o governo anuncia o Plano Agrícola e Pecuário para a "agricultura empresarial". Passado alguns dias, divulga o Plano Safra da "agricultura familiar". Belos discursos, amoldados para cada evento, animam uma trama típica do maniqueísmo político. Um país, duas agriculturas.

O Brasil é a única nação importante do mundo que separa a sua agropecuária em dois lados: o do "agronegócio" e o "familiar". Uma política que deveria reforçar a ação pública em favor dos pequenos produtores no campo, desgraçadamente, serve ao modo de governar que distingue a sociedade entre "nós" e "eles". Ou, pior, entre os "bons" e os "maus". Dividir para reinar, ensinava Maquiavel.

Quem, em 1996, criou o programa de apoio e fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf) foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ideia inicial era, na prática, resguardar uma fatia dos recursos do crédito rural - sempre abocanhado pelos poderosos do agro -, obrigando sua alocação compulsória aos pequenos produtores rurais. Estes foram definidos como os de área máxima com até quatro módulos fiscais. Havia ainda a destinação de recursos públicos, a fundo perdido, para investimentos na infraestrutura de produção e comercialização de núcleos associativos e cooperativados. Funcionou muito bem.

Essa estratégia de desenvolvimento rural considerava que, pequenos ou grandes, todos os agricultores, independentemente das características da produção, precisam e merecem progredir na vida, incorporando as modernas tecnologias para elevar a produtividade, conquistar qualidade, conseguindo, assim, competir na economia de mercado. Sob esse prisma, qualquer política voltada para o meio rural deve ser integradora. Jamais divisionista.

Ao mudar o governo, de Fernando Henrique Cardoso para Lula, a gestão da agricultura brasileira acabou separada em dois ministérios. A partir de então, o conceito de "agricultura familiar" começou a ser totalmente deformado, passando a significar os "pobres" no campo, em oposição aos "ricos", aglutinados no "agronegócio". Jamais, em tempo algum, se produziu tamanha bobagem no pensamento agrário. Mera, e retrógrada, ideologia.

Sabem os estudiosos da economia e da administração, mesmo os iniciantes, que por "familiar" se considera a gestão de um negócio, independentemente do tamanho do empreendimento. Ao contrário das corporações, uma empresa familiar se rege pelas decisões de seus próprios donos. Na agricultura significa que os proprietários tocam com seu trabalho a fazenda, havendo apenas auxílio eventual de mão de obra assalariada. Familiar, sempre, refere-se ao comando da atividade produtiva.

Nos EUA, as estatísticas mostram que cerca de 90% dos agricultores se classificam como familiares. Graças ao avanço da mecanização, um pai com dois filhos, por exemplo, mostra-se capaz de conduzir áreas de terra cada vez maiores, submetidas à elevada tecnologia. Essa tendência da agricultura norte-americana se assemelha aqui, no Brasil, especialmente à das fronteiras do Centro-Oeste. Grandes fazendas, com soja ou milho, exploram-se espetacularmente com mão de obra familiar, não raro a mulher participando dos trabalhos de campo, sentada no banco do trator, ao lado do marido e dos filhos. Agronegócio familiar.

Inexiste contradição nos termos. Mas, por aquelas razões difíceis de explicar, talvez por causa da histórica ojeriza ao sistema latifundiário, aqui somente se considera familiar quem é pequeno produtor rural. Passou a ser o tamanho, e não a gestão, o critério fundamental. Remetido ao jogo da política, o conceito de agricultor familiar desvirtuou-se completamente, acabando associado à pobreza rural, ao atraso, à subsistência na terra. Nele se incluíram os assentamentos da reforma agrária.

A esguelha ideológica cresce quando se limita o agricultor familiar à produção de comida popular. O discurso enviesado diz assim: "O agronegócio serve à exportação, quem alimenta o povo é a agricultura familiar". Besteira pura. No Paraná, por exemplo, que é grande produtor nacional de soja, quem domina o campo são os sitiantes enquadrados no Pronaf. Seu sucesso depende do cooperativismo. Na famosa Cocamar, situada em Maringá, entre 12 mil associados, 80% cultivam até 50 hectares. Conduzem suas lavouras familiarmente, participam diretamente do agronegócio, remuneram-se pela receita da exportação dos grãos. Modestos, mas capitalistas, numa boa.

Sim, é verdade que a maioria dos alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, leite, batata) advém de pequenas propriedades. Fato estatístico. Quando, porém, se analisam as condições da produção e o fluxo de comércio, verifica-se que, majoritariamente, o abastecimento nas grandes cidades se garante pelo trabalho de agricultores que, embora pequenos, utilizam elevada tecnologia, ligados no mercado. Pequenos, e bons, empresários rurais.

Essa complexidade da economia agrária submerge no palco da encenação política. Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou, primeiramente, um crédito de R$ 156,1 bilhões para o agronegócio e, depois, de R$ 24,1 bilhões para a agricultura familiar, cavou artificialmente um fosso que, na realidade, inexiste na roça. As cerimônias turvam a realidade agrária.

A agricultura sustentável de que o Brasil carece não se construirá apartando os agricultores entre patronais e familiares, como se existissem os de primeira e os de segunda classe. Ao contrário. Ao favorecer os mais fracos, incluindo os assentados da reforma agrária, uma política agrícola inteligente buscará integrá-los, juntos, ao ciclo do progresso tecnológico no campo.

Sem segregação.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

As pulgas

AS PULGAS: ENSINANDO MUITO SOBRE MUDANÇA!


Max Gehringer

Duas pulgas estavam conversando e então uma comentou com a Outra:

- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos saltar. Daí nossa chance de sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é zero. É por isso que existem muito mais moscas do que pulgas.

E elas contrataram uma mosca como consultora, entraram num programa de reengenharia de vôo e saíram voando. Passado algum tempo, a primeira pulga falou para a outra:

- Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro e nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da coçada dele. Temos de aprender a fazer como as abelhas, que sugam o néctar e levantam vôo rapidamente.

E elas contrataram o serviço de consultoria de uma abelha, que lhes ensinou a técnica do chega-suga-voa. Funcionou, mas não resolveu. A primeira pulga explicou por quê:

- Nossa bolsa para armazenar sangue é pequena, por isso temos de ficar muito tempo sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando direito. Temos de aprender como os pernilongos fazem para se alimentar com aquela rapidez.

E um pernilongo lhes prestou uma consultoria para incrementar o tamanho do abdômen. Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado maiores, a aproximação delas era facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar. Foi aí que encontraram uma saltitante pulguinha:

- Ué, vocês estão enormes! Fizeram plástica?

- Não, reengenharia. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos, picamos e podemos armazenar mais alimento.

- E por que é que estão com cara de famintas?

- Isso é temporário. Já estamos fazendo consultoria com um morcego, que vai nos ensinar a técnica do radar. E você?

- Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia.

Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as pulgonas não quiseram dar a pata a torcer:

- Mas você não está preocupada com o futuro? Não pensou em uma reengenharia?

- Quem disse que não? Contratei uma lesma como consultora.

- O que as lesmas têm a ver com pulgas?

- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas. Mas, em vez de dizer para a lesma o que eu queria, deixei que ela avaliasse a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela passou três dias ali, quietinha, só observando o cachorro e então ela me deu o diagnóstico.

- E o que a lesma sugeriu fazer?

- “Não mude nada. Apenas sente no cocuruto do cachorro. É o único lugar que a pata dele não alcança”.

MORAL: Você não precisa de uma reengenharia radical para ser mais eficiente. Muitas vezes, a GRANDE MUDANÇA é uma simples questão de reposicionamento.


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PREPARE-SE PARA SER DEMITIDO, E VOCÊ NÃO SERÁ!

PREPARE-SE PARA SER DEMITIDO, E VOCÊ NÃO SERÁ!
Max Gehringer
Rádio CBN.

JÁ HOUVE UM TEMPO EM QUE “SER DEMITIDO” ERA QUASE SINÔNIMO de “ser publicamente humilhado”. Um funcionário dispensado, com ou sem justa causa, ficava marcado para o resto de sua carreira. Era o que se chamava, até 1980, de “sujar a Carteira”. Mas até 1980 demissões eram raras.

Funcionários só eram demitidos por razões muito óbvias, como desonestidade comprovada ou tentativa de estrangulamento do chefe. Esse tempo acabou. De dez anos para cá, as demissões viraram rotina. Grandes empresas mundiais anunciam cortes de dois, cinco mil, dez mil funcionários. E ainda recebem elogios dos analistas de mercado. A conclusão é simples.

Funcionários bons e eficientes, que passaram anos recebendo elogios por seu desempenho, de uma hora para outra podem se ver sem emprego. Logo, uma salutar medida que qualquer pessoa que esteja empregada deve tomar é se preparar para a demissão. Se ela não vier, ótimo. Mas, se vier, quem estiver preparado vai se estressar menos e, com certeza, vai encontrar um novo emprego mais rapidamente. Mas pouca gente se prepara. A maioria dos funcionários acha que as coisas ruins até acontecem, mas só acontecem com os outros.

Se você, caro ouvinte, está empregado, há quatro coisas que precisa fazer já, se é que já não fez, porque prevenir é melhor que remediar. A primeira é ter um currículo atualizado. De cada dez pessoas que estão empregadas, oito não têm um currículo atualizado. A segunda, e muito importante, é ter uma lista de contatos, com números de telefone e e-mails. A coisa mais chata que existe é alguém receber uma ligação e do outro lado alguém dizer: “Você se lembra de mim? Nós estudamos juntos em 1989. E aí, tudo bem?”. A terceira é ter um fundo de reserva.

Deixar um dinheirinho de lado todo mês, para poder passar pelo menos três meses sem aquela angústia de ter que arranjar um novo emprego amanhã porque as contas estão vencendo. A quarta e última é ter um Plano B para se tornar autônomo. Se eu ficar desempregado, e se não aparecer nada, o que eu posso fazer para me virar enquanto a situação não melhora? Finalmente, aquela regrinha de ouro: quem está bem preparado para ser demitido, dificilmente é.
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Habitação carente

Em meu entender ambientalismo e redução de desigualdade não se dão as mãos em muitos aspectos e moradia com dignidade é um deles posto que os impactos ambientais para construção E assentamento de 6,9 milhões de moradias são altíssimos. 

O artigo abaixo é, por demais, esclarecedor de um dos dez temas que considero serem fundamentais para a sociedade prestar a atenção e acompanhar de perto.

Note-se que São Paulo é APENAS uma pequena parte de um iceberg de problemas nacionais.

Habitação carente
FOLHA DE SÃO PAULO

Recentes manifestações promovidas na cidade de São Paulo trouxeram à tona, e não pela primeira vez, um grave e crônico problema do país: o deficit habitacional.

Segundo estudos do governo baseados no Censo-2010, há carência de 6,9 milhões de unidades no Brasil, montante que equivale a 12,1% do total de domicílios existentes.

Entram nessa conta não só casos de moradia precária (como em favelas) mas também de coabitação familiar, de aluguel urbano excessivamente oneroso para famílias de baixa renda (despesas acima de 30% da receita) e de residências em que vivam mais de três moradores por cômodo.

O poder público, em todas as instâncias federativas, procura dar atenção a esse preocupante quadro, mas os protestos organizados por movimentos de trabalhadores sem teto deixam cristalina a insatisfação com as respostas oficiais.

São nítidos, por exemplo, os limites do Minha Casa Minha Vida, principal ação federal nessa área. Nada menos que dois terços das famílias urbanas mais carentes não se veem contemplados pelo programa, pois há pouco interesse das construtoras no segmento. O setor argumenta que, dado o custo do terreno nas regiões metropolitanas, projetos de baixo preço final não têm viabilidade econômica.

Diante desse cenário –em que frutificam sobretudo os imóveis destinados a um público com renda mais elevada–, constata-se a necessidade de serem adotadas políticas públicas específicas para famílias à margem do mercado. A construção de novas unidades, por si só, não basta para enfrentar o deficit habitacional.

Esforços mais consistentes para promover a regularização e a urbanização de áreas que hoje correspondem a domicílios precários são fundamentais. Em um contexto de escassos recursos públicos, torna-se ainda essencial garantir que os imóveis já existentes e que estão desocupados ou abandonados sejam devidamente aproveitados.

Instrumentos jurídicos para isso já existem. Desde 2001 o Estatuto da Cidade (uma lei federal) estipula a aplicação de IPTU progressivo no tempo para propriedades que descumpram sua função social; permite inclusive, após prazo de cinco anos, a desapropriação dessas edificações.

Também na revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, ora em curso na Câmara Municipal, aprimoram-se mecanismos já existentes para destinar maior ênfase às moradias de interesse social.

Não são poucos os desafios, porém. Às patentes restrições orçamentárias nos municípios, muitos dos quais já além do limite de endividamento, somam-se as resistências da iniciativa privada a maiores interferências no lucrativo mercado imobiliário –que podem gerar litígios e consequências eleitorais que os políticos preferem evitar.
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Destaque dos tributos nos preços

GAZETA DO POVO - PR


Saber quanto paga em tributos pode ajudar o consumidor a melhorar sua consciência tributária


É a partir deste mês que começa para valer a obrigatoriedade de constar, nas notas fiscais de venda, os tributos incidentes sobre o preço final das mercadorias e dos serviços. Essa obrigação foi aprovada pela Lei 12.741/2012 e, depois de idas e vindas, estabeleceu-se, em junho de 2013, o prazo de 12 meses para sanções aos estabelecimentos que não cumprirem a exigência. Afora alguns aspectos controvertidos referentes ao cumprimento da lei – já que o Brasil tem vários entes tributários (municípios, Estados e União) e um leque exagerado de tributos –, o ato de dar mais informação tributária principalmente aos consumidores pessoas físicas é bastante positivo.

O mercado é um processo de trocas mediante pagamento monetário e seu bom funcionamento depende, sobretudo, de liberdade econômica e de um sistema competitivo de preços. É também necessário que os agentes envolvidos nos processos de compras e vendas disponham de informações sobre produtos, qualidade, preços, concorrentes e saibam quais tributos são pagos ao governo, principalmente no Brasil, que criou uma estrutura tributária distorcida que privilegiou os tributos indiretos – aqueles embutidos na cadeia produtiva e de difícil identificação pelo contribuinte.

Um exemplo de ocultação do tamanho da carga tributária é o caso da gasolina. Os consumidores têm dificuldade para descobrir que, ao encher o tanque do carro, em torno da metade do valor pago refere-se aos tributos. Outro exemplo refere-se à energia residencial. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas está entre as quatro energias mais caras do planeta. E a razão são os tributos. No caso do Paraná, somente os tributos informados na fatura da Copel equivalem a 30% do preço-base.

A informação do preço total nas faturas e notas fiscais sem destaque do valor referente aos tributos contribui para manter a população na ignorância sobre a fração de sua renda que vai para o governo. A partir da entrada em vigor das punições para quem não cumprir a exigência de informar os tributos nas notas e faturas, a consciência sobre a carga tributária tende a melhorar. Mas o Brasil ainda não chegou aos padrões de países adiantados, onde o conhecimento sobre a carga de impostos é bem mais amplo, como ocorre nos Estados Unidos, país em que os produtos são anunciados e vendidos por preço sem a inclusão do imposto. Muitos turistas desavisados se surpreendem ao descobrir somente na boca do caixa que devem pagar o imposto separado do preço de etiqueta.

Os tributos indiretos são propícios para levar o comprador a não se dar conta da dimensão da mão pesada do governo sobre seu bolso, o que colabora para reduzir o impacto psicológico sobre o fato de que o governo é sustentado pela população, a quem deve prestar contas da forma como gasta o dinheiro arrecadado. Para os governantes, os impostos indiretos são mais fáceis de manipular e elevar as alíquotas. Já com os tributos diretos, a situação é um pouco diferente. O trabalhador que recebe um demonstrativo de seu salário e nele pode ver o quanto paga de INSS e de Imposto de Renda tem mais disposição para pressionar e fiscalizar as autoridades e é menos passivo diante de tentativas de elevação tributária.

Não é por outra razão que os impostos indiretos estão entre os preferidos pelos políticos no poder e, no Brasil, foram os que mais aumentaram nas últimas quatro décadas. Se o governo eleva as alíquotas dos tributos diretos – aqueles que são cobrados sobre rendas, entre elas o salário –, a reação da população é imediata. Mas quando o governo aumenta os tributos indiretos, o consumidor só percebe caso haja elevação do preço final da mercadoria ou serviço e, ainda assim, se o vendedor lhe explicar a razão do aumento do preço.

Ao exigir que sejam destacados os valores dos tributos nas faturas e notas fiscais de venda, a lei dá ao consumidor uma informação preciosa para melhorar sua consciência tributária e ajuda na construção da cidadania. É difícil, neste momento, avaliar o grau do impacto dessa lei sobre a consciência social a respeito do custo do governo para a população, mas é um passo importante para melhorar o nível de mobilização coletiva no sentido de acompanhar e fiscalizar o comportamento dos governantes.

O monstro burocrático

 EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo

Manter a atividade empresarial - e expandi-la, se possível - sob o peso da excessiva burocracia que dificulta a vida das empresas e dos cidadãos continua sendo um ato de coragem e persistência. Embora já tenham sido bem piores para os brasileiros em geral, muitas exigências burocráticas ainda dificultam as atividades do empreendedor disposto a inovar e crescer, como mostrou reportagem publicada pelo caderno Estadão PME (28/5). O peso exagerado da burocracia continua a tolher o crescimento.

A persistência desses problemas, que empurram o Brasil para os últimos lugares nas classificações dos países que mais favorecem a atividade produtiva, é uma prova da resistência das autoridades e também dos legisladores à modernização e simplificação das normas. Preso a mentalidades antigas, moldadas pela desconfiança que gera o excesso de controle e fiscalização e também a punição excessiva, o setor público não favorece o progresso.

Desestimulados, por exigências às vezes absurdas, a desenvolver a produção no País, empreendedores brasileiros passam a produzir em outros países, para fugir dos custos excessivos que lhes reduzem a competitividade.

Outros, para tentar cumprir com rigor as exigências legais, sobretudo as tributárias - o que nem sempre conseguem, dadas as frequentes mudanças na legislação -, mantêm imensos arquivos de licenças, comprovantes e outros documentos exigidos por lei.

Depois de pesquisar a cadeia de impostos, as exigências formais para a certificação da atividade de sua empresa, os testes exigidos para o licenciamento de seu produto - um cão de pelúcia que interage com o dono por meio de comando de voz -, o empreendedor Marco Carvalho constatou que era tudo tão complicado que o melhor era produzir em outro país. Abriu uma fábrica na Inglaterra; o braço brasileiro da empresa tornou-se uma distribuidora.

A empreendedora Cláudia de Araújo Carvalho, dona de uma fábrica de cosméticos que produz para diferentes marcas, tem uma coleção de pastas de licenças, documentos e comprovantes de pagamento de impostos. Mas nem com todo esse controle sobre as exigências burocráticas sua empresa conseguiu escapar de uma multa: faltava uma licença municipal, instituída em 2008. A situação foi regularizada depois que a empresa tomou conhecimento dessa exigência adicional.

Estudos internacionais - como o relatório Doing Business publicado pelo Banco Mundial, com a colaboração de instituições de pesquisa de diversos países - colocam o Brasil nos últimos lugares entre cerca de 150 países no que se refere ao custo de administração dos tributos.

Estima-se que uma empresa brasileira gasta em média 2,6 mil horas de trabalho por ano para manter-se em dia com suas obrigações tributárias. Na América Latina, que está longe de ser um modelo de ambiente favorável aos negócios, o gasto médio é bem menor, de 367 horas anuais.

A abertura de uma empresa no Brasil, a despeito das simplificações ocorridas nos últimos anos, continua a ser uma novela na maior parte das regiões. Há 13 procedimentos diferentes que exigem o comparecimento do interessado a diferentes órgãos públicos, o que consome tempo de trabalho e retarda o processo. São necessários registros nos órgãos tributários dos três níveis de governo, obtenção de licença ambiental, autorização do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária, além do alvará de funcionamento.

Procedimentos eletrônicos unificaram o processo em algumas de suas etapas em nível nacional, facilitando a vida do interessado, mas a não adesão de alguns governos estaduais e prefeituras a esse modelo limita o alcance da modernização.

Mas o problema não é apenas de procedimentos. Há um número excessivo de leis, algumas complexas demais, e todas sujeitas a mudanças frequentes e com penalidades em muitos casos excessivamente duras. Tudo isso impõe custos adicionais à atividade produtiva, o que limita a capacidade de investimento e a competitividade. De um lado, a burocracia desestimula o crescimento, de outro, estimula a corrupção e a informalidade.

Há Estado?

 DENIS LERRER ROSENFIELD
O GLOBO  

Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública


Há um certo senso comum popular segundo o qual a segurança pública é uma das principais atribuições do Estado. Não se trata de nada corriqueiro, pois estamos falando da conservação da vida, da integridade do corpo, da preservação dos bens e da defesa da família. Todas as pesquisas de opinião mostram que esta é uma das principais preocupações dos brasileiros, que se veem como desatendidos no que deveria ser o eixo mesmo de atuação do Estado. Qual é o destino de nossos impostos, se o Estado nem isto pode assegurar?

Há, também, certo senso comum filosófico que fundamenta essa percepção popular. Caberia ao Estado, dizia Hobbes, assegurar a integridade física e a conservação dos bens de seus cidadãos, via exercício do monopólio da violência. Isto significa que os cidadãos teriam transferido ao Estado o uso da violência, de tal maneira que a ordem pública possa se estabelecer.

O mesmo senso filosófico, desta feita seguindo Kant, estabelece que a lei reja os conflitos em estados republicanos, de modo que sentenças judiciais devam ser aplicadas, pois se isto não ocorre é como se a própria lei não existisse. Uma lei ineficaz não pode ser propriamente denominada de lei.

O Brasil está vivendo uma série de eventos que têm se caracterizado pela desordem pública, pelo emprego da violência por parte de grupos organizados, chamados, genericamente, de “movimentos sociais”, pela não observância da lei e pela imposição, mediante a força, de posições minoritárias. Os cidadãos observam, estarrecidos, como esses diferentes grupos agem, sem a menor preocupação com os direitos e as liberdades dos demais, como se a seara pública pudesse ser, simplesmente, invadida por atos violentos.

As greves dos rodoviários no Rio de Janeiro, em São Paulo e, anteriormente, em Porto Alegre, são exemplos gritantes da inoperância do Estado. Convém aqui observar que a segurança pública se constitui em uma atribuição dos estados, não sendo um papel a ser cumprido pela União, senão subsidiariamente em momentos de crise ou grave tensão social. Logo, estamos falando da falência do Estado no domínio dos estados, onde distintos partidos políticos exercem o poder.

Uma certa cronologia é aqui importante. A primeira greve propriamente selvagem dos rodoviários ocorreu em Porto Alegre, onde os grevistas impediram, graças a atos violentos, a circulação de ônibus em um período que se estendeu, ao todo, por mais de uma semana. O caos urbano foi estabelecido. Grupos minoritários, em boa parte vinculados à extrema-esquerda, impuseram a sua vontade pelo uso da força.

O governador petista, Tarso Genro, tomou a decisão de a Polícia Militar não intervir, para evitar, segundo ele, o confronto com os grevistas, podendo resultar em mortes ou acidentes. Ou seja, o confronto só se estabeleceria com a intervenção da polícia, quando, na verdade, ele foi suscitado por atos violentos dos próprios grevistas. O prefeito, do PDT, José Fortunatti, preocupado com os cidadãos, pediu a intervenção da polícia, no que não foi tampouco atendido pelo governador.

Os grevistas se sentiram ainda com mais poder e puderam infernizar a cidade, contando com a completa impunidade. Uma polícia que não age para coibir atos violentos, evidentemente, não cumpre com sua função. Torna-se uma mera observadora da violência, como se esta não lhe dissesse respeito.

Note-se ainda que a Justiça do Trabalho, normalmente simpática às reivindicações dos trabalhadores, declarou a greve abusiva, estabeleceu punições, que não produziram o menor efeito, pois os grevistas também pensaram que a lei não precisa ser observada. O know-how tinha sido adquirido.

A greve dos rodoviários de São Paulo contou com este know-how. Rodoviários gaúchos transmitiram esse conhecimento aos grevistas paulistas, participando de sua logística. Ou seja, foram a São Paulo para ajudar na organização dos atos violentos. O script foi semelhante, com algumas inovações no que diz respeito à ampliação do uso sistemático da violência. Note-se que não há nenhuma “espontaneidade” aqui, mas sim uma organização digamos “refinada” do arbítrio.

Os grevistas, na mais completa ilegalidade, fizeram uma greve selvagem, sem nenhum aviso prévio. Como a ilegalidade já não é mais coibida, pode ela servir de exemplo para as ações. Usuários foram, no meio de seus percursos, retirados dos ônibus. Os veículos foram atravessados no meio das ruas e avenidas, com o objeto explícito de causar o maior dano aos outros cidadãos. A liberdade de ir e vir foi simplesmente anulada. Houve mesmo o requinte de as chaves dos ônibus serem jogadas fora, para impedir um reposicionamento destes veículos. O objetivo foi o estabelecimento do caos.

A prática amplamente utilizada no Rio de Janeiro de queima de ônibus foi também empregada como se a depredação do patrimônio das empresas fosse algo justificável, como se a sua segurança pudesse ser negligenciada. São as chamas da violência.

Note-se que no caso paulista um script semelhante se desenhou no que diz respeito ao papel dos governantes, embora as posições partidárias não fossem as mesmas. O governo tucano de Geraldo Alckmin optou por sua polícia ser igualmente mera observadora dos atos violentos, não intervindo para coibi-los. É como se a coerção de atos violentos não dissesse respeito ao governo estadual pela greve ter se estabelecido no nível municipal. O absurdo é evidente, pois a segurança concerne à função mesma da esfera estadual.

No caso, foi a administração municipal, a do prefeito petista, Fernando Haddad, que pediu, com razão, a intervenção da força estadual, pois atos violentos devem ser reprimidos seja lá onde ocorram. É incompreensível que o crime corra solto, que a violência se generalize, enquanto a polícia torna-se mera espectadora. Observe-se, por último, que a greve foi considerada abusiva pela Justiça do Trabalho e isto tampouco teve um efeito imediato, pois a ilegalidade tornou-se a tônica dessas manifestações.

Cabe, então, a pergunta: há Estado?

A Copa custou caro mesmo?

Ferreira Gullar

• O governo do PT deve estar perplexo diante do que pode ocorrer e, quem sabe, lamentando sediar o torneio

 Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada

Não há nenhum exagero em afirmar que o que pode acontecer, no Brasil, durante a próxima Copa do Mundo, é imprevisível. De fato, tudo pode acontecer, desde greves de transportes até tumultos na proximidade dos estádios, dificultando o acesso do público ou mesmo provocando a desistência daqueles que preferirem não pôr em risco sua integridade física.

Espero que nada disso aconteça, que o propósito dos vândalos não se realize, e o povo possa assistir aos jogos com relativa tranquilidade. É, sinceramente, o que desejo, mas, se é o que vai acontecer, não sei nem ninguém sabe.

O governo do PT deve estar perplexo diante do que poderá ocorrer e, quem sabe, lamentando a jogada de Lula de trazer a Copa para o Brasil a qualquer preço. E não apenas isso: alcançado esse objetivo, inventou de fazê-la em 12 capitais, em vez das oito previstas pela Fifa. Claro, sua megalomania e seu projeto de poder não deixariam por menos.

O resultado foi o que se está vendo: estádios caríssimos, em cidades onde o público de futebol é escasso e que, passada a Copa, estarão sem a necessária utilização. O estádio de Brasília é um exemplo disso: custou mais de R$ 1 bilhão e dificilmente terá público para encher a casa após a Copa.

Isso sem falar no fato de que alguns desses estádios não estarão prontos e acabados, como era de se esperar, já que nenhum outro país dispôs de tanto tempo para se preparar para a Copa.

Resultado da falta de seriedade com que são assumidas as tarefas importantes no Brasil de hoje, cujos cargos técnicos são ocupados por companheiros de partido sem competência para efetivamente exercê-los. Além disso, há ainda a corrupção, em função da qual as obras nunca terminam no prazo para que o seu custo possa ser duplicado, triplicado, quadruplicado.

Uma vergonha, no final das contas. Por isso mesmo têm razão os que saem às ruas para protestar contra a dinheirama despendida com as reformas e a construção de novos estádios para a Copa do Mundo. Afirmam que, em vez de gastar bilhões de reais nessas obras, o governo deveria gastá-los com a educação, a saúde e a infraestrutura.

Acuado, lançou mão de um argumento aparentemente irrefutável. Mandou um alto funcionário seu declarar que, comparado com os recursos que o governo destina à educação, os gastos com a Copa do Mundo são insignificantes. Segundo ele, enquanto as despesas com o evento esportivo chegaram a R$ 25,8 bilhões, para a educação foram destinados mais de 280 bilhões. Não há, portanto, do que reclamar.

Sim, aparentemente, não há. Sucede, porém, que não é essa a questão, ninguém disse que o governo gastou mais dinheiro com a Copa do que com a educação. O que se diz é que, num país onde a qualidade do ensino é lamentável, não tem cabimento gastar bilhões para construir estádios de futebol.

Se é mesmo verdade que o governo federal destina aquela quantia à educação e, ainda assim, o ensino público é de péssima qualidade, das duas uma: ou essa quantia de reais não é ainda suficiente para atender as necessidades do ensino público, ou parte dela foi desviada da finalidade educativa a que se destinava.

O que é inegável -porque está todos os dias na imprensa e na televisão- é a precariedade da rede escolar, com escolas ameaçando desabar e salas de aula infiltradas pela chuva. Isso sem falar nos casos em que nem escola existe, quando as aulas são dadas em choupanas ou telheiros por professoras que ganham um salário miserável, ou não ganham nada.

É certo que nem tudo isso é responsabilidade do Ministério da Educação, mas tampouco pode ignorá-lo. Já os professores ganham tão mal que são obrigados a ensinar em vários colégios, quando não mudam de profissão para poder sustentar a família.

De qualquer modo, o que se sabe é que os professores ganham mal e que os alunos concluem o ensino fundamental mal sabendo ler e escrever. Essa é uma das razões por que a presidente Dilma Rousseff tem sido vaiada quando aparece em público em diferentes regiões do país. Por isso mesmo, duvido que ela compareça ao jogo inaugural da Copa, quando o Brasil enfrentará a Croácia.
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