sábado, 29 de outubro de 2016

O ódio do bem

RODRIGO CONSTANTINO
REVISTA ISTO É

A esquerda politicamente correta monopolizou tanto o ódio como a hipocrisia.
Se você é de esquerda, se você banca o “progressista”, então pode odiar à vontade


Vivemos em tempos de muita tolerância e amor, sem preconceitos. Ao menos é isso que a esquerda prega. Mas essa tolerância toda só vai até a página dois. Quando há do outro lado um conservador, um liberal, um homem, um branco, um judeu, um cristão, um republicano (cruzes!), aí está liberado destilar todo o ódio existente. Afinal, criaturas abomináveis não merecem nosso respeito. Trata-se de um fenômeno espantoso. E mais chocante ainda é ele passar despercebido pela imensa maioria, que considera normal o duplo padrão moral dessa esquerda, toda a sua hipocrisia, sua seletividade. Exagero? Então vejamos.

As pessoas xingam Donald Trump e seus eleitores com a maior naturalidade. São “xenófobos” e “machistas”, para dizer o mínimo. O que apresentam como prova efetiva? Sim, ele apela para generalizações e usa rótulos depreciativos, apesar de a imprensa distorcer muito do que é dito de fato. Mas um momento: não é exatamente a mesma coisa que estão fazendo com o candidato e seus milhões de simpatizantes?

Hillary Clinton, toda enrolada em escândalos sérios, pode simplesmente afirmar que metade dos eleitores de Trump são idiotas. Arnaldo Jabor pode escrever que os republicanos são um bando de reacionários malucos e imbecis. E aí, quando Trump fala dos mexicanos criminosos ou dos muçulmanos terroristas (que existem mesmo), é prova de que ele é um preconceituoso?

Vejamos ainda o caso da eleição para prefeito no Rio. Crivella tem um livro antigo com passagens condenáveis. Para seu adversário, prova da intolerância do pastor. Mas seu partido, o PSOL, publicou um texto chamando o estadista Shimon Peres de “genocida”, e seu companheiro Babá já queimou até bandeira de Israel em local público. Freixo apoia os vândalos dos black blocs também. Mas o ódio, a intolerância, vem sempre do outro lado.

Há, ainda, o caso do Black Lives Matter. É racismo reverso. Negros acusando os brancos de “demônios”, pregando a violência. Mas se alguém afirmar que ALL lives matter, ou seja, que não devemos fazer distinção com base na cor, então esse é o intolerante e o racista. Faz algum sentido? O que fica claro nesses casos – e há diversos mais – é que a esquerda politicamente correta monopolizou tanto o ódio como a hipocrisia. Se você é de esquerda, se você banca o “progressista”, então pode odiar à vontade, rotular o quanto quiser, apelar para generalizações. Basta seu alvo não ser membro de uma das tantas “minorias” que está tudo bem.

É puro ódio. Continua sendo intolerância. E vem com mais força ainda, justamente porque foi sancionada pela ideologia, mascarada pela hipocrisia. Em nome do amor e da tolerância, vamos acabar com essa raça nojenta e asquerosa de republicanos conservadores cristãos e judeus!

Perdão para o ovo da serpente


De GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA


O Brasil chocou o ovo da serpente (ou da jararaca) durante décadas. O filhote, enfim, nasceu forte e esfomeado e devorou a economia popular. Os brasileiros demoraram a admitir o estrago que seu monstrinho de estimação estava lhe causando, e, quando isso finalmente se tornou inevitável, veio a reação: o país encarou a cobra venenosa, disse “ai, ai, ai” e a colocou de castigo. Acredita que assim ela vai passar a se comportar direitinho.

A literatura antiofídica da Lava Jato indica que em 2005, exatamente quando Lula pedia perdão aos brasileiros pelo mensalão, o mesmo Lula tratava da compra escandalosa da refinaria de Pasadena. É compreensível. Gente boa só consegue se arrepender de um roubo de cada vez. E eis que 11 anos depois, preso e condenado pelo petrolão, José Dirceu é perdoado pelo mensalão. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi firme em sua decisão contra o quadrilheiro petista: “Ai, ai, ai, não faça mais isso”.

Quadrilheiro, não. O mesmo ministro do Supremo que acaba de perdoar o companheiro Dirceu, Luís Roberto Barroso, fez sua estreia espetacular na Corte máxima decretando que a quadrilha do mensalão não era uma quadrilha. Ou seja: Dirceu, Delúbio, Valério e companhia, que agiram sistematicamente em conluio para fraudar os cofres públicos e enriquecer o PT, utilizando métodos, álibis e laranjas comuns por vários anos, não formavam uma quadrilha. Quadrilha é aquilo que baila em volta da fogueira nas festas juninas.

Foi também o mesmo companheiro Barroso quem operou o rito do impeachment da companheira presidenta, usando sua mira laser do Supremo para mostrar ao Congresso o que ele tinha de fazer. Assim prevaleceu a formação da comissão especial como o PT queria, o que infelizmente não adiantou nada, porque as instituições brasileiras começaram a ficar com vergonha de proteger governo bandido – e tanto o Legislativo quanto o Judiciário referendaram a legitimidade do impeachment.

Aí uma turma ficou gritando contra o golpe – os mesmos de sempre, que se escondem na mística progressista para viver de símbolos retrógrados. Perdoar a quadrilha é uma ótima forma de continuar chocando os ovos das serpentes simpáticas e revolucionárias.

Então, já que é para chocar, vamos chocar: enquanto era julgado pelo mensalão, Dirceu, o perdoado, cometia os crimes do petrolão; posteriormente, já tendo sido preso por esses novos crimes, as investigações da Lava Jato mostraram que as propinas do esquema engendrado por ele continuavam jorrando nas contas dos guerreiros do povo brasileiro. É mesmo de morrer de pena.

O perdão concedido pelo STF a José Dirceu está em perfeita consonância com a moral vigente no país, ou pelo menos com a moral dominante. O Brasil perdoou Lula quando ele pediu para ser perdoado, em 2005, e no ano seguinte lhe deu a reeleição – com as revelações do mensalão estalando nas manchetes. Comiseração é isso aí, o resto é brincadeira. Lula entendeu muito bem o recado da nação e pisou fundo. O Brasil é sócio do que se passou nos dez anos seguintes – e continua, na prática, perdoando Lula.

O ex-presidente acaba de se tornar réu pela terceira vez. Agora é por tráfico de influência internacional em favor da Odebrecht, usando o BNDES e irrigando a conta de um sobrinho. Quando esta mesma revista ÉPOCA revelou a referida investigação contra Lula, foi xingada por ele em praça pública. Ou seja: o filho do Brasil faz o que faz e continua livre para atacar gravemente a imprensa e subir em palanques para perpetuar seu grupo político no seio do Estado brasileiro. E o país ainda tolera o coro dos hipócritas que acusam os investigadores de fascismo. Essa tolerância é pior do que o pior dos crimes do PT.

É claro que os reis da mistificação vão dizer que a frase acima é uma pregação da intolerância, portanto do autoritarismo, portanto da força bruta contra os democratas, etc. etc. Eles são bons nisso. Quando milhões de pessoas saíram às ruas de verde e amarelo pelo impeachment, essa inteligência de João Santana espalhou que era um absurdo protestar contra a corrupção com a camisa da CBF... Um covarde é capaz de qualquer coisa.

E um país que confunde intolerância com impunidade é capaz de aceitar o perdão mais hediondo. À solta, a serpente agradece.
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