sexta-feira, 3 de junho de 2016

De pior a mal



Carlos Alberto Sardenberg
O Globo 

Sempre há um jeito de ver a cena econômica pelo lado positivo. Não se trata de torturar os números, mas, ao contrário, de aplicar um tratamento de beleza. O desemprego está em alta e os salários em queda? Ok, isso vai ajudar na derrubada da inflação. Faz sentido, não é mesmo? Se as pessoas não estão comprando, os preços não podem subir.

O Produto Interno Bruto, ou seja, produção e consumo caíram 0,3% no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o trimestre anterior? Pois isso saiu melhor que a esperada queda de 0,8%. Além disso, desde o segundo trimestre do ano passado o PIB cai cada vez menos.

Logo, o Brasil vai de pior a mal, na boa frase da revista Economist.
Manipulações à parte, há dois pontos básicos a considerar. Primeiro, é impressionante o tamanho do estrago promovido pelo governo Dilma Rousseff. O número de desempregados chegou a 11,4 milhões — como se uma cidade inteira de São Paulo estivesse sem trabalho. E vai piorar, pois os investimentos continuam em queda — como mostrou o IBGE ontem, na divulgação do PIB. Comparando com um ano atrás, o país tem hoje mais 3,4 milhões de desempregados.

O segundo ponto é a consequência do primeiro: vai levar tempo, esforço e sacrifício para consertar esse desastre. Tem jeito. Quer dizer, há receitas econômicas disponíveis, e o governo Temer montou uma equipe capaz de executá-las.

Há até, com boa vontade, alguns fatores que ajudam. As exportações, por exemplo, estão crescendo. Na verdade, quando se observa o PIB, é o único setor em alta. Menos mal que se trata de uma alta consistente: o real desvalorizado ajuda de maneira decisiva, assim como as importações chinesas de alimentos. E José Serra, no Ministério das Relações Exteriores, tem condições de ampliar os mercados.

No cenário interno, a inflação está de fato desacelerando. É por um mau motivo, a combinação recessão/desemprego, mas vai dar algum alívio nos próximos meses.

Mas, afinal, tudo depende da volta do consumo e dos investimentos. E essa retomada depende da confiança de consumidores e empresários. Há técnicas para medir isso — e elas mostram que todos continuam pessimistas, na indústria, no comércio e no consumo.

De novo com boa vontade, pode-se dizer que esses índices não estão mais afundando. Pararam de piorar. Ok, mas não basta para turbinar gastos e investimentos privados. Como o governo está quebrado, como sair dessa?

Eis o ponto crucial do momento: o ambiente político vai ajudar ou atrapalhar?

Havia um amplo consenso: o governo Dilma não tinha a menor possibilidade de consertar o estrago criado por ele mesmo. Logo, sua queda foi um fator de alívio e alguma melhora na confiança e nas expectativas.

Isso tem prazo de validade — e muito curto. Daqui em diante, não adianta o pessoal do governo Temer dizer que antes era pior e agora só está mal. Precisa mostrar resultados.

Claro, ninguém espera que o Brasil volte a crescer imediatamente. Mas todo mundo espera que o governo coloque em prática a nova política econômica, o que significa, no momento, a aprovação de leis e regras no Congresso Nacional.

Ora, como Michel Temer vai conseguir a maioria para votar essa legislação? Distribuindo cargos para gente envolvida na Lava Jato? Perdendo um ministro por semana?

As delações continuam tumultuando o ambiente político. Há vazamentos para todos os gostos, e nenhum sinal de que isso vá parar. Deputados e senadores sentem-se ameaçados e muitos querem do governo — e dos tribunais — algo impossível, a contenção da Lava Jato.

Se a economia estivesse razoavelmente bem, o presidente Temer poderia dar um tempo. Esperar que a Lava Jato fizesse todo o estrago, e aí então trabalhar com os que sobrassem. É claro que não tem essa alternativa.

Parece que se trata do contrário. Ele precisa de algum resultado na economia para ganhar moral na política. Mas, já perceberam, precisa da política, ou seja, de algumas votações no Congresso para encaminhar a política econômica.

Demanda muita competência. A ver.

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