domingo, 27 de abril de 2014

Futebol no Marco Zero


Considerações sobre um circunlóquio de improvável entendimento.

Passeava eu com um casal de amigos no calçadão da praia de Boa Viagem em um início de noite muito quente. Eis que fomos literalmente bloqueados por um repórter e um cinegrafista pedindo uns breves minutos de nossa atenção. Descia dos céus, ali, uma chance de se materializar nossa crítica contra a sociedade e a gestão do país, papo que nos impulsionava na caminhada.

Ao concordarmos logo soubemos do assunto: A discussão sobre o Fun Fest no Marco Zero, no centro do Recife Velho.
Informei-lhe que estava por fora do assunto ao que ele, com espanto, perguntou o motivo. Retruquei dizendo que este tipo de assunto varejo não me interessa a leitura e o acompanhamento, que usava meu pouco tempo com temas mais macro e relevantes. E prossegui completando que não leva a nada de significativo.

Então ele se propôs a um breve histórico dizendo que a FIFA estava reclamando da posição contrária do prefeito ao evento. Perguntei-lhe o motivo e ele disse que, de acordo com o prefeito, não havia recursos para tal. Eu defendi o prefeito.

O cinegrafista quieto, até então, também se interessou e se aproximou de nós, ao que o repórter perguntou o motivo de eu ter concordado com o prefeito.
Impacto ambiental de mais de um milhão de pessoas no Marco Zero, impacto na segurança pública com verbas extras e falta de policiamento municipal deslocado para o local, custo de banheiros sanitários, fontes de energia elétrica  para dar apoio, controle de comerciantes ambulantes, zonas de estacionamento com guarda improvisados e mobilidade para o local de mais de um milhão de pessoas seria algo por demais complexo e caro para todos os jogos. 

Foi a vez do repórter se preocupar com os fudidinhos, os coitadinhos que não poderiam ir ao estádio ver os jogos. Eu lhe retruquei observando que o prefeito tem que usar os recursos para a cidade e seus habitantes, eleitores dele ou não, torcedores ou não, incluídos e excluídos. O uso intempestivo de uma fabulosa quantidade de orçamento não previsto iria dar um significativo impacto nas contas municipais e outros setores seriam prejudicados se ele gerenciasse com base na emoção e na ideologia. Defendi que o prefeito estava certo em ser pragmático. De chofre ele perguntou se eu havia votado nele. Retruquei que pouco o conhecia e que pensaria o mesmo de qualquer prefeito das 5 565 cidades ao longo do país com orçamentos apertadíssimos e com elevada carga tributária. Ele retrucou dizendo que o interesse dos cidadãos deveria ser contemplado e que a copa era um evento significativo e que o prefeito poderia estar privando o cidadão que não poderá ir aos estádios. Foi minha vez de lhe perguntar se ele achava justo o valor do PIB destinado a educação no país. Ele, claro, desconhecia. Prossegui lhe dizendo ser 3,14 % do PIB a ser empregado em 5 565 cidades e que esse tipo de despesas e outras assumidas intempestivamente por Estados e Municípios perfaziam, com o pagamento de juros e correlatos mais de 40% do PIB versus 3,14%.

Atônito com minhas respostas de pronto ele pediu para gravar uma breve entrevista. Concordei. Ele, enfim, perguntou meu nome e o que fazia. Ao dizer ser um militar, coronel da reserva seu espanto foi nítido. Eu não entendi seu espanto sobre esse perverso paradigma da sociedade para com militares, ademais poucos fazem idéia do que um militar tem que estudar e línguas a dominar para chegar ao posto de coronel, além da experiência gerencial altamente complexa a qual passamos, daí minhas respostas serem de pronto.

Enfim, veio-me a primeira pergunta e eu discordei. Ele pediu o motivo eu defendi o prefeito e QUALQUER prefeito no Brasil gerenciando, com responsabilidade os recursos orçamentários. Ele insistiu ser um evento especial e que a FIFA reclamou do fato de não haver orçamento e eu falei que se a FIFA quisesse teria pedido a inclusão em outubro do ano passado, pois um evento dessa natureza leva-se anos para ser planejado e com ele os eventos complementares. Ele prossegui na pergunta e eu lhe respondi que o Executivo municipal havia ido a sociedade por intermédio de associações e partidos para saber de suas necessidades, apresentou à Câmara dos Vereadores um planejamento específico e o Tribunal de Contas fiscalizaria esse acordo e que mudanças intempestivas teriam que ser acordadas pela maioria dos vereadores e que, para tanto, haveria vários pedidos de concessões fora do previsto para se ter aprovação e que esse tipo de manobra prejudicaria, sobremaneira, a sociedade para um evento em um ano que logo seria esquecido sem pouco de substancial para se ganhar com ele, a não ser o populismo irresponsável. 

O repórter não se dando por vencido fez uma pergunta com um estranho brilho nos olhos: A FIFA ameaça entrar na justiça contra a decisão do prefeito em não investir no evento. De chofre lhe respondi que não acreditava que a FIFA, com sua história e penetração no mundo cairia no ridículo de gastar em um processo judicial contra uma decisão legal, com uma liturgia orçamentária e jurídica perfeita que é a proposição, aprovação e execução de um orçamento, com três esferas, executivo, legislativo e judiciário envolvidos. Ele então, para encerrar falou: Para você um a zero para o prefeito! Eu disse que não e ele perguntou o motivo: Para mim o prefeito como cidadão e torcedor pode até concordar, mas como prefeito estava cumprindo, de forma responsável e ética, o que seus eleitores, ou não, esperam dele e que era um a zero para o administrador público responsável, de qualquer partido. E que se a sociedade fizesse uma pressão irresponsável não poderia reclamar de falta de açao e de recursos por parte do prefeito como fez nas recentes enchentes que tivemos na cidade, do engarrafamento diário, da insegurança pública etc etc. Sempre criticam sem se darem ao trabalho de conhecer sobre o que falam ou criticam.

O jovem que tem, por profissão, ser formador de opiniões, encerrou o diálogo, apertou minha mão e prosseguiu para meu amigo.

O resultado? Bem, menos de três segundos de aparição no jornal onde uma entrevista com dois ladrões de uma lotérica teve bem mais tempo. Esse é o Brasil, país da festa, do futebol e da estultice institucionalizada.

Não sei o motivo, mas a vontade de ir para Pasárgada vem a tona com muita frequência ultimamente.
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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Ouvirumdum!!


Sobre urnas, lotéricas, Independência e o caminho para Pasárgada.

O que mais está me incomodando é que nos últimos dois anos de FHC a mídia e as redes sociais, poucas na época, estavam repletas de notícias de fofocas políticas, preocupadas com o que FHC comia, espirrava, se fazia cara de zangado, com quem Lula falava, a cerveja que Lula bebia, enfim, uma cacetada de detalhes inúteis enquanto o país, principalmente nas grandes cidades, em manobras orquestradas pelo PT, vivia paralisado por sindicatos em greve, invasões do MST inclusive em estradas e pedágios, invasões de índios e sem-tetos em órgãos públicos, greves e paralisações em Correios, centrais de distribuição de energia elétrica, transportes, hospitais etc etc etc.

Mas o brasileiro, por gostar de novelas, seguia embevecido por notícias padrão "do último capítulo da novela" sendo alimentado na tola impressão de estar acompanhando e por dentro do dia a dia do país.

O problema de fundo eram os grandes temas relegados ao esquecimento mas que influenciavam, sobremaneira, a saúde, o conforto e a segurança do cidadão eleitor, mas ele insistia em não se preparar para entender e melhor votar.

Venderam a idéia da MUDANÇA. Pois como se fora em uma perversa loteria, o cidadão votou para MUDAR. Hoje estamos não só na mesma merda mas em merda pior, no trânsito, na segurança, nos sinais de celulares que não funcionam, etc etc

A loteria teve um resultado perverso e nítido.
O que temos, então, após onze anos de PT no poder? Em que você pode dizer, com certeza, que melhorou? Em quase nada, em quase absolutamente nada. Não adianta contabilizar acesso a automóveis e bens de consumo, pois são passageiros e incidem de forma perversa nos demais segmentos. De que adianta ter carro novo se o atendimento hospitalar público não melhorou? Apenas a título de exemplo.
O que mais me preocupa é que o cidadão comum teve o acesso a informação aumentado substancialmente nesses últimos onze anos, todavia sua capacidade de perceber e processar, de forma útil, a informação ao seu redor, não melhorou em quase nada.
Uma sociedade preguiçosa, que não gosta de ler, portanto não se prepara para os desafios e para o futuro. Sociedade educada e habituada aos resuminhos para passar na prova ao invés de pesquisar os motivos e dinâmicas dos fatos sociais e econômicos que em nosso caso teimam e se repetir. Uma sociedade que se diz consciente mas não faz a menor idéia do que venham significar os versos e estrofes do próprio hino nacional. O doloroso e vergonhoso "ouvirundum" de mãos dadas com jogadores mascando chicletes nas hipnotizantes aberturas de jogos da seleção. Uma sociedade que não se dá ao valor e, por isso, é sistematicamente manipulada.

Novamente estamos prestes a comprometer o país em mais uma loteria, principalmente com os candidatos que temos nas três esferas do poder e, nova e dolorosamente, propostas cretinas, mentirosas e  manipuladoras, todavia simpáticas, charmosas e inclusivas. novamente a aceitação geral em função da incapacidade de absorver os deletérios e mentirosos conteúdos das promessas eleitorais e, de forma  repetida a atenção da sociedade em temas banais, em fofocas sobre candidatos, uma vez mais sendo vergonhosa e descaradamente, manipulada pela mídia controlada pelo PT.

A imaturidade, a letargia e o desinteresse da sociedade nos temais mais fundamentais (saneamento, educação, saúde pública, transporte, mobilidade urbana, resíduos sólidos, energia, relações internacionais, geração de empregos, previdência deficitária, etc etc) uma vez mais para o buraco, bem esquecido pelo desinteresse e pela contumaz e inexorável imaturidade do cidadão brasileiro.

Quando é que a sociedade irá se tornar digna de sua cidadania? Quando é que vai adquirir responsabilidade social e vergonha na cara? O futuro está-nos sendo roubado de forma inclusiva e politicamente correta e charmosa e a anomia social não se esgota. Uma vez mais trocaremos seis por meia dúzia e os problemas de base ignorados. Lamentável, lamentável.

Se pudesse já estaria com o pé na estrada, em busca de Pasárgada, não para ser amigo do rei, mas na vã esperança de viver entre gente séria e comprometida. 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Não é culpa do Prefeito!!


Choveu toda madrugada no Recife (O nome oficial da cidade é "O Recife", por isso se vai AO Recife, se vem DO Recife, "for good portuguese's sake"!!) como resultado, falta energia, a internet fica lenta, a água dos rios e canais sobem, o lixo bóia, os sinais de trânsito falham, carros irregulares enguiçam nas vias, motoqueiros tornam o trânsito um risco enorme, mesmo com seu carro parado e os "ixpertos", sim, sempre eles, que acham que sua pressa é mais importante que a dos demais, começam a fazer suas bandalhas.

Bem, acabo de lever 01:14h para cobrir 2,9 Km, do Edf Acaiaca até minha casa, na Av Boa Viagem, uma avenida RETA e SECA.

Que culpa tem o Prefeito com tudo isto? 
Eu não culpo porque não faria melhor que ele. Eu não culpo porque por intermédio da "leitura útil" analiso os recursos do orçamento, ano após ano, e vejo que seria impossível cuidar de mobilidade urbana e transporte público com o orçamento próximo de UM por cento. Duvido quem faça melhor, de maneira ética e legal. 

Não culpo o Prefeito porque toda e qualquer ação de mitigação dá sérios impactos no meio-ambiente e a "indústria do ambientalismo jurídica" impõe paralizações e sérios impactos de aumento de preços nos projetos, além da muitas mudanças de regras ambientais com os projetos em andamento. O que ele poderia fazer contra o judiciário ambientalista? Quem poderia fazer melhor do que ele?

Eu não culpo o Prefeito porque a sociedade é irresponsável e omissa, pois qualquer mudança na gestão para realocar orçamento requer autorização dos vereadores, em maioria, aqueles mesmos que pedem um "por fora" para aprovar os projetos de interesse do executivo municipal. Onde está o eleitor para coibir isto? Alheio e omisso, como dolorosamente de hábito.

Eu não culpo o Prefeito pois os carros que enguiçam nas ruas, as carroças lentas quando não atolam são frutos da anuência simpática e inclusiva da omissa sociedade que acha que "ele tá defendendo o dele". Ademais eu não culpo o Prefeito, principalmente quando um enorme bando de idiotas de plantão dizem "Falta policiamento nas ruas", esquecendo-se do altíssimo custo que é o policial ou guarda municipal (esse, coitado, não manda em porra nenhuma, pois as bandalhas acontecem na frente deles e eles, por força de lei, não tem "ação coibitiva de Polícia". Eu não culpo o Prefeito por não contratar mais policiais, culpo o irresponsável e egoísta cidadão que trafega com carros com baixa ou nenhuma manutenção e quero que o coitadismo sobre ele se lasque.

Eu não culpo o Prefeito porque sei qua a carga tributária municipal é altíssima e, em função do crescimento inclusivo das classes E, D e C, os problemas de infra-estrutura se agravam com a enorme quantidade de carros e motos que trafegam hoje em dia fruto da facilidade de financiamento, de crédito e da redução de IPI, para que o Brasil "inclusivo" possa fazem com que o cidadão excluído possa ter seu carrinho e sua motinha sem que a cidade tenha capacidade financeira de investir em infra-estrutura.

Eu não culpo o Prefeito porque acho o fim da picada a visão obtusa e linear de muitos que fazem questão de meter o pau e reclamar sem se dar ao trabalho de pesquisar, estudar e interferir junto ao político que elegeu.

Eu não culpo o Prefeito porque não faço a menor idéia de como ele poderia fazer melhor, ou não faço a menor idéia de como se resolvem problemas de base, sem maquiagem, sem qualquer maquiagem em um país com uma sociedad omissa e um governo populista.

Eu não culpo o Prefeito porque procuro ser coerente, para ser coerente eu estudo e leio muito. Eu procuro dar exemplo de cidadania responsável. E cidadãos e eleitores responsáveis procuram descobrir a raiz dos problemas para buscar soluções e não caem na tentação de transformar eleição em irresponsável loteria.

Bem, essa maturidade e a busca do conhecimento, pelo menos, me dão serenidade para enfrentar o caótico trânsito e a certeza de que se alguém me perguntar ou se for abordado por um repórter, não vou falar bobagem.

O populismo da inclusão social sem investimentos em infra-estrutura e sem responsabilidade do eleitor está tornando a vida do cidadão nas grandes cidades uma deplorável aventura diária.
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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Enfim, descobriram o óbvio

Acredito que na frase abaixo mostra-se o nível de patriotismo do atual partido no poder:
"o ministro dos Transportes, César Borges, atribuiu os atrasos à burocracia e à necessidade de emissão de diversas licenças. Lula, por sua vez, admitiu que uma parte dessas exigências foi criada pelo próprio PT quando o partido estava na oposição, para dificultar o trabalho do governo, "sem levar em conta que, um dia, podíamos chegar ao poder".:
Enfim, uma apologia ao óbvio ululante.

Enfim, descobriram o óbvio
O Estado de S.Paulo


A incapacidade do atual governo de entregar o que promete chegou às páginas do New York Times.

A realização da Copa do Mundo, que deveria ser a vistosa prova da capacidade brasileira de ombrear com as grandes potências globais, acabou servindo para chamar a atenção do mundo para as deficiências crônicas do País. A principal delas, conforme constatou o NY Times, é desperdiçar dinheiro e energia em projetos que nunca chegam a termo ou que se provam inúteis ou caros demais.

Assinada pelo correspondente Simon Romero e intitulada Grandes visões fracassam no Brasil (no Boston Globe, onde foi reproduzida, o título foi Da explosão do crescimento à ferrugem, grandes projetos definham no Brasil), a reportagem mostra que pouco se sustenta na narrativa triunfalista do governo.

Bilhões de reais foram gastos com obras que deveriam comprovar a irresistível ascensão do Brasil em meio a um cenário de relativa bonança financeira - em seu primeiro mandato, ao anunciar a caríssima e ainda inconclusa transposição do Rio São Francisco, o então presidente Lula disse que faria "uma obra que Dom Pedro II queria fazer há 200 anos".

Quando o efeito dessa enlevação passou, veio o que Romero chamou de "ressaca", que "está expondo os líderes do País a duras críticas, alimentando denúncias de desperdício de dinheiro e de incompetência, enquanto os serviços básicos para milhões de pessoas continuam deploráveis".

A reportagem explora, claro, os atrasos das obras para a Copa do Mundo, pois é isso o que atualmente chama a atenção internacional. Constata, por exemplo, que há projetos de transporte público que deveriam servir aos torcedores, mas que "não estarão prontos senão muito depois que o campeonato tiver acabado".

É evidente que a Copa é irrelevante quando se levam em conta as necessidades de infraestrutura do País, razão pela qual pouco importa se as obras de mobilidade urbana estarão prontas antes ou depois do Mundial. O importante é que sejam finalizadas no prazo mais curto possível e que sirvam adequadamente aos brasileiros em seu duro cotidiano.

Mas é compreensível o espanto do jornalista estrangeiro ao constatar a divergência entre o discurso retumbante do governo sobre a capacidade do Brasil de realizar a Copa do Mundo e a realidade dos atrasos das obras anunciadas e dos gastos exorbitantes com elas.

Além de abordar esses problemas, o correspondente do Times foi ao Piauí para ver de perto uma parte das obras da Transnordestina, ferrovia que começou a ser construída em 2006, deveria estar concluída em 2010 e que hoje, ainda incompleta, tem vários trechos que, abandonados, servem de ganha-pão para catadores de sucata.

Na hipótese de ser concluída algum dia, a obra de 1,8 mil km, de vital importância para o Nordeste, ligará o sudeste do Piauí, o sul do Maranhão e o oeste da Bahia aos Portos de Suape (PE) e de Pecém (CE). No momento, contudo, o que se vê, nas palavras do jornalista americano, são "longos trechos desertos onde trens de carga deveriam estar trafegando", enquanto "vaqueiros magrelos cuidam de seu gado à sombra de pontes ferroviárias abandonadas". Certamente não foi a isso que Lula quis se referir quando lançou a Transnordestina, ao dizer que a ferrovia seria a "redenção" do Nordeste.

Como sempre, os governistas se defendem responsabilizando os outros. Ouvido na reportagem, o ministro dos Transportes, César Borges, atribuiu os atrasos à burocracia e à necessidade de emissão de diversas licenças. Lula, por sua vez, admitiu que uma parte dessas exigências foi criada pelo próprio PT quando o partido estava na oposição, para dificultar o trabalho do governo, "sem levar em conta que, um dia, podíamos chegar ao poder".

Esse discurso maroto, porém, serve apenas para tentar disfarçar algo que todos - brasileiros e estrangeiros - já começaram a perceber: que concluir obras e evitar desperdício de dinheiro público definitivamente não é o forte do atual governo.
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sábado, 19 de abril de 2014

Vou-me embora para Bruzundanga

    
Marco Antônio Villa
 
    O Brasil é um país fantástico. Nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos exemplos. O mais recente é Dilma Rousseff.

    Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as lideranças. Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco expressivas. Tentou fazer pós-graduação em Economia na Unicamp, mas acabou fracassando, não conseguiu sequer fazer um simples exame de qualificação de mestrado. Mesmo assim, durante anos foi apresentada como “doutora” em Economia. Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias populares, conhecidas como “de 1,99″. Não deu certo. Teve logo de fechar as portas.

    Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos fracassos acabou premiada: virou ministra de Minas e Energia. Lula disse que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um laptop. Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito.

    Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou como marca um absoluto vazio. Nada fez digno de registro. Mas novamente foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta: por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma marca administrativa ─ um projeto, uma ideia ─, foi alçada a sucessora de Lula.
    Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar, durona, implacável e desinteressada de política. Como deveria ser uma presidente ─ a primeira ─ no imaginário popular.

    Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi dura, muito dura. Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático à então candidata. Foi transformada em “mãe do PAC”. Acompanhou Lula por todo o País. Para ela ─ e só para ela ─ a campanha eleitoral começou em 2008. Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao eleitorado. Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela ─ e violando abertamente a legislação eleitoral.

    Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da corrupção. Também, pudera: não há na História republicana nenhum caso de um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público.

    Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo, a presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto (PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%), apesar de todos os artifícios utilizados, em 2011 o crescimento foi de apenas 2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%. Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente, na América do Sul, do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da balança comercial caiu 35% em relação à 2011, o pior desempenho dos últimos dez anos, e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em 24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle. E a dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões.

    As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram. Os milhares de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais transformaram-se em meros instrumentos políticos ─ a Petrobrás é a mais afetada pelo desvario dilmista.

    Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o governo Dilma Rousseff é um fracasso. E pusilânime: abre o baú e recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica. É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande novidade para combater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da Sunab.

    Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga. Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o presidente “devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total”.
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quarta-feira, 16 de abril de 2014

I-Juca Pirama, ruas, efemérides e História

I-Juca Pirama, ruas, efemérides e História
Breves considerações sobre um cárcere, que sem saber, nos furtou o futuro

Quando jovem estudante tive a sorte de ter uma professora excepcional, Dona Emília, isto mesmo, "dona". Ninguém a chamava pelo primeiro nome e todos levantávamos quando ela entrava em sala. Isso na mui modesta Escola VII I XXII Paraíba. Da estação de Anchieta, olhando-se a leste, no alto da colina vê-se a velha, imponente e majestosa escola que me acolheu na primeira infância e deu-me bases para uma vida adulta profícua e enriquecedora.
Seu pai um velho e modesto dono de botequim, logo abaixo do velho sobrado onde moravam.

Ela inovou ao colocar seu pequeno e velho radinho de pilhas everedy no meio da mesa e obrigar-nos ao silêncio de ouvir o Repórter Esso, edição das oito da manhã. Ao fim comentava todas as notícias que éramos, em tenra idade, capazes de absorver. Estávamos nos preparando para o exame de admissão ao ginasial, onde, sem cursinho, logrei êxito ao ser aprovado no saudos Colégio Pedro II no Engenho Novo.

O que mais me facinava eram suas aulas de História do Brasil, onde ela fazia questão de pesquisar efemérides a partir de nomes de ruas, praças, pontes e vias no Rio de Janeiro. Facinado todos os dias com algum evento histórico marcante, ansioso por passear, quando maior e "mais independente" por tais locais para tentar "sentir" a História.

Ela também nos introduziu a detalhes da vida pública, tais como funções de um vereador, prefeito, deputado, senador, ainda que de forma genérica. 

Também comentava alguns personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, hoje patrulhado pelo estúpido sentimento do "politicamente correto".

Não perdi o hábito até hoje. Quando tenho tempo, passo por uma rua e ao pressentir ter um peso, procuro no google e volto aos meus mais difícieis tempos de buscar no Arquivo Nacional ou em alguma biblioteca mais modesta. Aliás, boas bibliotecas foram os locais mais difíceis de achar na Baixada Flumense onde me criei, notadamente em Mesquita. Tinha que encarar o trem para tanto. Agora templo e banca de jogo do bicho, em quase todas esquinas, o que me leva a uma leve suspeição de patinarmos, eternamente, no subdesenvolvimento.

Essas breves linhas dizem respeito ao contumaz movimento politicamente correto do atual governo de mudar nomes de escolas, ruas, praças por pessoas que marcaram a História da região onde estão inseridos por nomes de guerrilheiros que mataram pessoas, tudo em nome de uma "democracia" que eles diziam defender. Atônito, li quase todos os artigos com meias-verdades sobre o movimento iniciado em 1964 e o inexorável furto da verdade isenta, que nos desprepara para o futuro e nos deixa a mercê de sermos governados por ex-guerrilheiros hoje tão corruptos e opressores quanto àqueles que diziam nos livrar do jugo. Não há o que fazer, lá estão por vontade democrática do povo por intermédio do voto popular.

Talvez Antonio Gramsci, o covarde anarquista italiano esteja regogizando em júbilo em suas cinzas, afinal, somos o único país de vulto a adotar, quase que na íntegra, sua torpe ideologia nos mais altos escalões do governo sob a cochilante e omissa atenção de nossa sociedade. 

Seus escritos, de própria lavra, em mais de duas mil páginas, denominado memórias do cárcera, trazem um perfeito endoutrinamento para se extinguir a sociedade formalmente estruturadas por intermédio da cultura, via peças teatrais, poesias, livros, mostras culturais, etc. Irá demorar até a sociedade se dar conta dos prejuízos do politicamente correto e não-opressivo ensino, notadamente a mote e batuta do Paulo Freire, que produziu um verdadeiro exército de educadores e professores preocupados em não oprimir, mas, no fim, condenando jovens estudantes e o futuro da sociedade ao ensino como prática e necessidades diretas da sociedade ao qual pretendiam-se servir com o fruto do ensino amealhado. Ao contrário, vemos exclusão em postos de trabalho de qualidade, um enorme e desesperado intento em ombrear as folhas de pagamento do Estado por concurso público e matando, aos poucos, o empreendedorismo e a liberdade econômica no futuro, isto sem falar na agressão física gratuita em salas de aula e nos logradouros a qualquer hora.

Vejo, com tristeza e desesperança, sermos, lenta e charmosamente, abraçados pelo socialismo irresponsável que alimenta a desigualdade social ao invés de solucioná-la. Vejo referenciais e ícones sendo varridos da memória, vejo várias pessoas absolutamente perdidas sem a menor noção de, ao menos, olhar para o lado certo, em busca de uma bússola, uma liderança, uma luz, ou mesmo um túnel para afunilar seus desesperos, desconfortos e angústias. 

Lembro-me da poesia troncha de Gonçalves Dias, sobre o Velho Guerreiro, I-Juca Pirama, da tribo Tupi, ao falar dos erros e cochilos de seus ancentrais que quase os levara a derrocada, educando os jovens para a dureza da vida, nem um pouco preocupado com a opressão educativa, afinal, da dureza dependeria a sobrevivência de sua tribo:

"Assim o Timbira, coberto de glória
guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!"
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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Cuidado, Brasil

 RAUL VELLOSO
O Estado de S.Paulo  

A atual situação da Argentina, caracterizada por crescente deterioração das contas públicas, inflação em alta, forte fuga de capitais e drástica queda de reservas externas, combina todos os elementos de uma enfermidade muito grave. A esses problemas se somam, ainda, uma intensa crise energética e déficits no balanço de pagamentos que, mesmo inferiores aos do Brasil, enfrentam um quadro de financiamento externo quase nulo.

Até recentemente, o País crescia a "taxas chinesas", impulsionadas pela bonança externa das commodities. O ponto de inflexão foi 2007, ano da chegada de Cristina Kirchner ao poder, quando o crescimento do gasto público, muito superior ao da arrecadação, praticamente eliminou os superávits primários obtidos nos anos anteriores. Ante a perspectiva de uma inflação na casa dos 20% ao ano, o governo recorreu ao controle de preços e à adulteração das estatísticas oficiais.

A despesa pública não parou mais de crescer, principalmente pela expansão dos subsídios à energia e ao transporte público, que permaneceram congelados ou com preços fixados abaixo dos custos. Hoje, esses subsídios atingem 5% do PIB e são em grande parte responsáveis pela geração de déficits primários acima de 4% do PIB.

As baixas tarifas de energia, resultantes de intervenções nos preços e subsídios, além de incentivar o consumo, levaram a uma situação de altíssimo risco no setor, com falta de investimentos, ocorrendo falhas frequentes no sistema elétrico, que se traduziram nos múltiplos apagões observados no último verão em Buenos Aires.

Situação similar é observada no segmento de petróleo e gás, em que as distorções de preços e o baixo investimento em pesquisa e exploração se somam ao estímulo ao consumo de veículos. O aumento na demanda e a queda na produção tiveram de ser compensados por importações cada vez maiores de gás natural e petróleo, com fortes impactos negativos nas contas externas.

Quando a gastança não pôde mais ser financiada pelo aumento da arrecadação, foram expropriados os recursos do sistema de fundos privados de aposentadorias, e o Banco Central vem sendo crescentemente utilizado como "caixa" do governo para cobrir os buracos do Tesouro.

O descaso com a inflação, o intervencionismo sem limites nos mercados, a piora no balanço de pagamentos e a situação fiscal cada vez mais frágil levaram a uma enorme perda de confiança, observada não só na queda do investimento, mas, muito mais preocupante no curto prazo, na enorme fuga de capitais e na galopante perda de reservas internacionais, que caíram pela metade nos últimos dois anos.

A maxidesvalorização do peso, o aumento da taxa de juros e o corte de alguns subsídios, de safra mais recente, não representam uma virada na política econômica, uma vez que permanecem basicamente intactos os controles de preços e o descontrole fiscal. A sua motivação básica parece ter sido a de estancar a sangria das reservas, a fim de evitar o colapso das contas externas, que deterioraria fortemente a situação política até o fim do mandato da atual presidente, em 2015.

Embora distante de uma situação de crise aguda, o Brasil se aproxima das eleições de 2014 com a casa em relativa desordem, afetada por elementos muito parecidos com os de nossos vizinhos: superávits fiscais em queda, populismo tarifário e consequente aumento dos subsídios públicos, inflação em alta, economia em desaceleração, déficits externos elevados, crise de energia, etc. Outro ponto em comum é a popularidade do governo em queda, com o risco de recorrer a remédios menos dolorosos, mas de efeito apenas temporário. A bomba estouraria, obviamente, em 2015.

Para mais detalhes, diante do grave momento vivido no Cone Sul, resolvi, com colegas daqui e de lá, apresentar ao Fórum Nacional do Inae, em 26 de maio, um livro contendo análise aprofundada do caso argentino e algumas lições para o difícil momento que vivemos. Uma versão preliminar estará disponível em breve em www.raulvelloso.com.br.
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terça-feira, 8 de abril de 2014

Os gigolôs da memória


MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO 

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964

A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.

A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)

Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.

Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.

JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.

Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.

A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.

Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?

Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.

É preciso evitar a destruição da Embrapa

 EDITORIAL O GLOBO


O aparelhamento partidário em setores estratégicos ameaça padrão de qualidade técnica que sempre prevaleceu na estatal


A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é reconhecida, no setor estatal do país, pela seriedade, qualidade e relevância de seu trabalho. É um órgão de ponta, considerado um dos grandes responsáveis pelo salto da produção agropecuária devido ao pioneirismo das pesquisas para aumento da produtividade e adaptação de espécies a diferentes regiões brasileiras. Além dos trabalhos com pesquisas na área da genética, responsáveis pelo primeiro clone brasileiro.

É uma empresa estatal diferenciada em que, num universo de 9.870 empregados, apenas dez são comissionados sem integrar o quadro efetivo. Um quarto dos servidores é de pesquisadores, dos quais 74% têm doutorado e 7%, pós-doutorado. Há uma tradição de nomear funcionários de carreira que se destacam para os cargos de direção, uma forma de manter livres de influências políticas externas, tanto quanto possível, as metas traçadas.

Surgem, todavia, nuvens carregadas no horizonte da Embrapa. Há indícios de aparelhamento e apadrinhamento partidário em setores estratégicos da empresa, de afrouxamento de critérios para escolha de diretores, com predominância do critério de indicação política. Esses indícios são uma ameaça ao padrão de qualidade e relevância mantidos pela Embrapa, mas não chegam a surpreender, pois tem sido rotina governamental em relação ao setor estatal brasileiro.

Neste momento, em que espoucam escândalos envolvendo a direção da maior e mais importante estatal — a Petrobras— durante os governos do PT, é desanimadora a perspectiva de a Embrapa — a “joia da coroa”, como uma vez a chamou o ex-presidente Lula — ser afetada no que tem de mais valioso: os critérios do mérito profissional na indicação de seus principais dirigentes.

A atual diretoria foi escolhida, em abril de 2011, dentro dos critérios que prevaleciam na empresa — processo de seleção interno, com análise de currículos e classificação das melhores posições, para posterior indicação dos nomes pelo Conselho de Administração e Ministério da Agricultura. Mas os mandatos terminam este mês e, na nova composição, deve ganhar força a indicação política. Lamentável.

Maurício Antônio Lopes, atual presidente e pesquisador de carreira, chegou à função, em outubro de 2012, por nomeação do Planalto, sem seleção interna. Em entrevista ao GLOBO, negou que haja aparelhamento da Embrapa por partidos políticos, admitindo apenas “preferência política” por parte de alguns diretores e chefes de área.

A Embrapa não precisa de politicagem, mas de profissionalismo, orçamento seguro e parcerias privadas para ter condições de manter sua atuação de ponta num setor tão estratégico para o Brasil somo a agropecuária. É preciso evitar a sua destruição.

Para baixo do tapete

EDITORIAL FOLHA DE SP


De olho nas eleições, governo adia adoção de medidas impopulares, mas necessárias, e problemas se acumulam para 2015

A prática é corriqueira, embora contrária aos interesses públicos de médio e longo prazo. Governantes aptos a disputar a reeleição, assim que divisam a campanha no horizonte, começam a deixar para depois ajustes impopulares, mesmo que necessários.

A presidente Dilma Rousseff antecipou tal rotina. Pesquisas de intenção de voto só agora indicam um cenário conturbado para a petista, mas faz tempo que seu governo adota medidas populistas no comando da economia.

O resultado será visto no tamanho das ações corretivas a serem tomadas a partir de 2015. Os problemas que se acumulam vão da contenção artificial das tarifas de combustíveis e eletricidade à inflação em alta, passando pela expansão de subsídios e garantias pouco transparentes no Orçamento.

As dificuldades do setor elétrico são a consequência mais evidente desse esforço pela preservação do eleitor. O represamento de preços tem causado às distribuidoras de energia prejuízos que podem superar R$ 20 bilhões neste ano.

O caminho mais responsável seria autorizar alta moderada na conta de luz e iniciar medidas de economia, a fim de evitar riscos excessivos. Mas a opção foi jogar o problema para a frente. Estima-se que as tarifas tenham de subir de 15% a 20% nos próximos dois anos.

O mesmo se dá com os preços dos combustíveis, ainda abaixo dos praticados no mercado internacional. A situação deficitária compromete a Petrobras, que amarga forte erosão de sua capacidade de geração de caixa e vê sua dívida crescer de forma temerária.

Quanto à inflação, nem o congelamento das tarifas tem evitado alta desconfortável. Aos preços dos serviços, que continuam subindo no ritmo anual de 8%, soma-se novo choque de alimentos. No conjunto, o índice deve uma vez mais superar 6% neste ano.

A alta da taxa de juros desde abril passado, de 3,75 pontos percentuais até aqui, não conseguiu consolidar na sociedade a expectativa de que a inflação cairá. Apesar de o Banco Central dar sinais de que encerrará em breve os aumentos, permanece o risco de que o controle dos preços exija ainda mais arrocho em 2015.

Há, por fim, a deterioração das contas públicas. O acúmulo de medidas equivocadas minou as condições para o governo manter a dívida estável. Evitar um cenário de desequilíbrio demandará aperto orçamentário no próximo ano. A carga tributária, com isso, deve continuar a crescer.

O adiamento de remédios amargos deixa como legado um cenário ainda mais difícil para 2015: arrocho tarifário, mais impostos e, possivelmente, juros mais elevados.

A responsabilidade parlamentar com a democracia


 EDITORIAL O GLOBO


A reminiscência dos amargos tempos da ditadura e o valor da democracia deveriam estar presentes em cada ato como uma reafirmação da liberdade


Entre as amargas recordações que a imprensa brasileira resgatou do ciclo ditatorial nos últimos dias, por ocasião dos 50 anos do golpe de 64, os seguidos agravos ao Legislativo (fechamento do Congresso, cassação de mandatos, pressão sobre o exercício da representação política etc) configuram-se como alguns dos mais tenebrosos registros da longa noite em que as instituições do país estiveram sob o efeito de alguma anomalia, por pressão direta ou velada do regime. São lembranças importantes para atestar que o resgate da autonomia dos Poderes, aí incluída a da Câmara dos Deputados e do Senado, e da sua liberdade de ação foi uma sofrida conquista da sociedade.

A reminiscência desses amargos tempos deveria estar presente em cada ato de deputados e senadores como uma reafirmação da liberdade. Agir, acima de interesses pessoais ou de partidos, em consonância com essa responsabilidade histórica é um princípio do exercício da representação. Mas, infelizmente, nem sempre ações em plenário ou acordos de gabinete são feitos à luz desse compromisso. Não têm sido poucos os episódios em que os mandatos parecem obedecer à dinâmica própria de um balcão de negócios. Nos últimos dias, representantes no Congresso voltaram a dar demonstrações desse tipo de desapreço com a opinião pública.

As relações perigosas do vice-presidente da Câmara André Vargas (PT-PR) com o doleiro Alberto Youssef, que já ultrapassaram o limite das simples evidências, reclamam uma investigação séria, profunda. Suas explicações confusas sobre o uso de um jatinho de Youssef, hoje recolhido a um presídio, acusado de crimes fiscais, e as revelações deste fim de semana sobre transações suspeitas da dupla em contratos com o Ministério da Saúde, caíram mal até mesmo entre integrantes da base governista, da qual Vargas é uma das eminências. Mas o encaminhamento proposto pelos representantes no Legislativo para o caso — o licenciamento do vice-presidente — é tão óbvio quanto deverá ser inócuo. A bancada governista afirma que o afastamento do deputado é necessário para que a análise das acusações não seja contaminada por pressões, o que é correto, mas teme-se que, por trás dessa providência, esteja uma manobra para transformá-la numa punição em si, esvaziando a apuração do escândalo.

Em outra ponta, também a indicação do senador Gim Argello (PTB-DF) como candidato do Planalto para um cargo no Tribunal de Contas da União (TCU) joga contra a credibilidade do Legislativo, no caso o Senado. Apadrinhado pelo governo Dilma Rousseff, Argello responde a seis inquéritos no STF, por acusações de lavagem de dinheiro, corrupção, falsidade ideológica e outros “malfeitos”. Não é, por certo, o currículo adequado para um cargo no qual se tem a responsabilidade de julgar as contas do governo e de autoridades que, eventualmente, venham a ser acusadas de crimes semelhantes.

Governança corporativa

 ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
O Estado de S.Paulo  

Episódios questionando a atuação do conselho de administração em duas das maiores empresas negociadas em Bolsa justificam uma reflexão. Os casos referem-se à Petrobrás, na compra de uma refinaria em Pasadena, e à Vale, na compra da participação de 51% num projeto de exploração de minério de ferro nas montanhas de Simandou, na República da Guiné. O primeiro continua a receber extensa cobertura por parte da imprensa, enquanto que o segundo, para os que busquem maiores informações, está muito bem abordado na da revista Piauí (n.º 90), em dois excelentes artigos: Negócios da África, de Patrick Keefe, e Contrato de risco, de Consuelo Dieguez.

Tenho razoável vivência como conselheiro de administração por ter participado de mais de 20 desses conselhos, entre companhias abertas e fechadas, com controle local ou externo, nos últimos 50 anos.

Quais são as responsabilidades e limitações de um conselheiro? Eles estão realmente dando conta de suas atribuições e do que deles esperam, principalmente, os que confiaram sua poupança às companhias abertas?

Iniciaria respondendo que, a percepção da função de conselheiro se alterou substancialmente ao longo do tempo. O pressuposto de que ser conselheiro era ter uma remuneração razoável sem contrapartida de responsabilidade ficou para trás. São vários os casos recentes de conselheiros que estão sendo acusados de negligência ou de desinformação, por não terem exercido em toda a sua plenitude as responsabilidades que lhes eram atribuídas pela legislação.

E os conselhos funcionam?

Minha resposta é clara: conselhos funcionam se estimulados por seu presidente e seus participantes que levam a sério sua missão e suas responsabilidades. O perfil desses conselheiros deve ser diversificado, de forma a cobrir todo o espectro em que a companhia tem sua atuação.

A função básica é ter uma visão estratégica do negócio em que a companhia opera. Não precisa necessariamente ser um expert no setor, mas, se possível, ter algum conhecimento de sua atividade e de finanças (não era o que ocorria no passado). Uma percepção externa atualizada é desejável. No mundo globalizado em que vivemos, manter uma visão paroquial de um mundo restrito às nossas próprias fronteiras não agrega valor. Mas, não sendo ele um especialista, seria apropriado, por exemplo, que o conselheiro, custeado pela empresa, pedisse a consultor externo independente que entrasse no mérito específico de projeto apresentado que requeresse melhor avaliação.

Tive rica experiência como conselheiro independente de uma companhia aberta na jurisdição de Maryland, nos EUA, quando solicitado a chefiar um comitê de litígio para analisar uma ação jurídica impetrada por acionista minoritário que entendia que os dirigentes da empresa, e grande parte do seu conselho, haviam sido negligentes em ato de gestão que considerara lesivo aos interesses da companhia. Para tanto eu e outro conselheiro independente conduzimos todo um processo de investigação para constatar se procedia a reclamação.

O importante é que tivemos a liberdade de escolher um escritório de advocacia que não tivesse nenhum vínculo com os administradores da companhia e com seus conselheiros. Registro que a empresa tinha seu próprio advogado, o conselho tinha outro e, finalmente, no litigation, escolhemos um terceiro. O caso foi encerrado não sem antes termos de atender e proceder a uma entrevista com o referido acionista.

Ao fim de várias semanas, e após proceder a todos os levantamentos e ter entrevistado todas as pessoas envolvidas no processo decisório anterior, preparamos um documento final apresentado ao juiz Robert Sweet, daquela Corte, que não deu ganho de causa ao litigante.

Portanto, gostaria de ressaltar cinco pontos relevantes:

O conselho não deve substituir a Diretoria.

É desejável que o conselho de administração forme comitês estatutários, compostos por representantes do próprio conselho, utilizando seu conhecimento específico, e no qual também poderão estar representados diretores da área e terceiros especialmente contratados em função se sua vivência no setor. Obviamente, comitês não substituem o conselho, mas opinarão e levarão previamente suas considerações a essa instância superior, que tomará a decisão final. Entre os diferentes comitês que conheço, de que participo e participei, estão os de investimentos, recursos humanos (remuneração), estratégico e de sustentabilidade, apenas para citar alguns.

O conselho deve receber o material que entrará em pauta com suficiente antecedência, para uma análise detalhada do seu conteúdo. E as perguntas podem ser formuladas antes da reunião efetiva.

Caso o conselheiro não se sinta tranquilo com o parecer técnico que instrui o processo, deve, com o pleno conhecimento do presidente do conselho, solicitar a contratação de um perito para orientar sua decisão, conversando diretamente com a área envolvida para esclarecimentos adicionais.

Troca de informações entre os conselheiros é desejável.

Voltando ao princípio, o que aproxima os dois casos mencionados é, efetivamente, a compra de ativos que se mostraram questionáveis, não apenas por aspectos políticos, mas econômicos e, principalmente, financeiros. Será que existiam nesses casos comitês estratégicos (ou de risco) que tenham sido ouvidos previamente? Os pareceres apresentados foram criticamente analisados?

Não ousaria fazer um julgamento sobre se as decisões foram corretas ou não. Se já é difícil para um conselheiro ter uma opinião e votar nas circunstâncias prevalecentes, então, seria imprudente fazer julgamento a posteriori, não dispondo de todos elementos que foram considerados. Mas fiquei com o benefício da dúvida.

domingo, 6 de abril de 2014

O que ler?

Dez minutos, dez minutos é o que me proponho. Dez minutos você não irá perder tempo e sim ganhar dez minutos de informação valiosa que lhe remeterá a reflexões, considerações e conclusões que lhe ajudarão a entender nossa sociedade hoje em dia. Dez minutos de leitura calma e reflexiva de um artigo ou editorial que posto.

Propuz-me a isto ao iniciar, cinco anos atrás, o blog Assim Somos, após constatar em um teste que na página do UOL mais de 236 links e apenas três naquele formidável emaranhado, remetia a informações úteis que ajudassem a entender o que ocorria em nosso país.

A preferência se dá em temas que considero mais importantes e essenciais a nossa cidadania: saneamento, saúde pública, educação, transporte, mobilidade urbana, energia elétrica, comércio exterior, diplomacia, indústria, tecnologia, enfim, tudo ligado DIRETAMENTE ao dia a dia do cidadão que lhe permita entender, opinar e, quem sabe, votar melhor consciente dos projetos a serem enfatizados e melhor cobrar de quem lhe recebeu o voto.

Esse é o intuito de um trabalho voluntário, como hobby que não tem qualquer propaganda. Ele existe para ajudar a construir, é uma tênue resposta ao "o que ler?"

Enfim, apesar de pouco visitado, está aqui, disponível...
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Diplomacia de Estado

FOLHA DE SP  

Omissão característica da política externa no governo Dilma não se coaduna com um país que tem condições de ser protagonista global

Encerrou-se nesta semana um ciclo de debates organizado pelo Itamaraty com o propósito de discutir os rumos da política externa do país. Participaram não só membros do Ministério das Relações Exteriores mas também entidades da sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e representantes de outros setores do poder público.

O encontro servirá de base para o Itamaraty produzir o "Livro Branco da Política Externa Brasileira", documento no qual serão apresentados princípios, prioridades e linhas de ação da diplomacia.

É difícil saber que impacto a iniciativa terá sobre o corpo diplomático. Um espírito jocoso poderia até afirmar que, se depender do desinteresse da presidente Dilma Rousseff (PT) pela área, o referido livro será editado apenas com páginas em branco, tal é o grau de retração do Itamaraty nos últimos anos.

A orientação é uma novidade. No breve hiato entre a vitória nas eleições de 2010 e sua posse, Dilma ofereceu sinais alvissareiros de que promoveria uma bem-vinda adequação na política externa.

Durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil deu passos equivocados na esfera internacional. Foi o caso do apoio quase incondicional a Mahmoud Ahmadinejad no Irã, apesar das constantes violações aos direitos humanos ali promovidas.

Pouco havia de pragmatismo nessa aliança com um tradicional inimigo dos EUA. Tratava-se, assim como em outros episódios do gênero, de usar uma política de Estado para satisfazer alas à esquerda do PT, descontentes com a condução mais ortodoxa da economia.

Reconheça-se que também se verificou, nesse período, salutar aumento do protagonismo brasileiro nos fóruns globais --papel que o país, por seu tamanho e sua história, merece exercer.

Era clara, portanto, a correção a ser feita: sem abrir mão de seu "soft power" crescente, o país deveria abandonar amarras ideológicas ultrapassadas e recuperar a firme defesa dos princípios universais caros ao Ocidente.

Não se viu uma coisa nem outra com Dilma Rousseff.

Tome-se a Venezuela como exemplo. Em 2012, o Brasil compactuou com a decisão de suspender o Paraguai do Mercosul de forma sumária, ação orquestrada para Caracas poder integrar o bloco --Assunção vetava o ingresso.

Neste ano, enquanto Nicolás Maduro reage com violência física e institucional a protestos da oposição, Brasília permanece calada.

Seria, segundo alguns, um momento de maior discrição da política externa, evitando contenciosos desnecessários. A abstenção diante da anexação da Crimeia pela Rússia se inscreveria nesse contexto.

Para a maioria dos analistas, no entanto, a situação resulta da desatenção presidencial e da ausência de estratégia --opinião compartilhada inclusive por atuais integrantes do Itamaraty.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério das Relações Exteriores vinha procurando conquistar terreno nos fóruns geopolíticos regionais e globais. O fim da ordem bipolar vigente na Guerra Fria abriu caminho para esse tipo de pretensão.

Não faz sentido que o Brasil, uma das principais democracias e sétima maior economia do mundo, adote uma política externa de mínimo esforço. Quando mais não seja, pelas inúmeras oportunidades de desenvolvimento que boas relações internacionais oferecem.

Na contramão do que pede a circunstância, o governo Dilma nada faz de concreto para destravar acordos de livre-comércio com outras nações. Tratativas do Mercosul com a União Europeia permanecem emperradas pela Argentina, fato que o Brasil aceita como se incontornável fosse. Enquanto isso, progride a Aliança para o Pacífico, iniciativa liberalizante de Chile, México, Colômbia e Peru.

A falta de visão estratégica também se faz notar nos laços com os Estados Unidos. Se havia a esperança de uma normalização das relações com a indicação de Antonio Patriota, ex-embaixador em Washington, para o cargo de chanceler (do qual se demitiu no ano passado), o escândalo de espionagem americana interrompeu o diálogo.

Com Dilma na mira das agências de inteligência, era difícil ser de outro modo. Mas a diplomacia, tal como a espionagem, ocorre sobretudo fora dos holofotes. Não há, todavia, esforços para o Brasil se reaproximar dos EUA, maior economia do mundo e segundo mercado para exportações brasileiras.

Sempre há tempo para mudar, felizmente --ainda mais se, na expressão cunhada pelo chanceler Azeredo da Silveira (1917-1990), "a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se".

Passou da hora de o governo Dilma Rousseff formular uma estratégia de inserção internacional pautada por valores democráticos. Uma política de Estado, como o país precisa, e não de partido, como setores do PT desejam.

Autoritarismo crescente

 EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


Governo da Venezuela, já habituado a tomar da iniciativa privada imóveis comerciais, agora se volta aos donos de imóveis residenciais

O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, segue disposto a fazer seu país rumar na direção do caos e do desrespeito completo aos mais básicos dos direitos individuais. Se em 2011 o caudilho Hugo Chávez manifestou o desejo de “expropriar” (o eufemismo comunista para o roubo cometido pelo Estado) as propriedades no balneário caribenho de Los Roques, agora Maduro coloca em prática outra violência, ao dar a proprietários meros 60 dias para vender, a preços muito camaradas, imóveis que estejam sendo habitados pelo mesmo inquilino há pelo menos 20 anos. Se alguém ainda tinha dúvidas de que o direito à propriedade já não vigorava na Venezuela, agora pode ter certeza absoluta disso.

A fúria de expropriações começou pelas empresas. Chávez não tinha o menor escrúpulo em nacionalizar empresas de agronegócio, siderúrgicas, petrolíferas, metalúrgicas, fazendas e supermercados. No fim de 2013, com a Venezuela já vivendo uma grave crise de abastecimento cujo maior símbolo é a falta de papel higiênico nos supermercados, Maduro, eleito para suceder ao falecido Chávez, ordenou a invasão da rede de lojas Daka, mandou prender gerentes e promovou uma “liquidação bolivariana”, com eletrodomésticos sendo vendidos por menos da metade de seu preço. Mas o ato desta semana indica que a ditadura bolivariana não está satisfeita em tomar para si imóveis comerciais: agora, também quer os residenciais.

Em qualquer democracia, ninguém pode ser forçado a se desfazer de sua propriedade a não ser sob circunstâncias muito específicas, como um evidente interesse público. Mesmo assim, o proprietário tem direito a uma indenização justa. É um princípio tão óbvio que até mesmo Hugo Chávez o deixou escrito na Constituição bolivariana que promulgou. Mas, como diz o ditado, o papel aceita tudo: importa a maneira como se aplica a Constituição, e os três poderes venezuelanos há muito deixaram claro que o texto de nada vale: basta recordar como a lei maior do país foi atropelada para permitir que Chávez tomasse posse de um novo mandato mesmo estando moribundo, em um hospital de Havana. Em comparação com o circo montado por ocasião da posse, roubar imóveis de seus legítimos proprietários soa como tirar doce de criança.

À violência contra os proprietários de imóveis residenciais soma-se a continuação da repressão nas ruas aos protestos de oposição, e especialmente a resposta bolivariana à tentativa da deputada Maria Corina Machado de retomar seu trabalho de parlamentar. Corina teve seu mandato ilegalmente cassado por Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, em uma dupla violação da Constituição: primeiro, porque as razões alegadas por Cabello não se aplicavam no caso de Corina, que aceitou uma oferta do Panamá para poder falar sobre a ditadura venezuelana em uma reunião da OEA; segundo, porque a cassação ocorreu sem processo no Judiciário venezuelano – o Tribunal Supremo de Justiça não a julgou, limitando-se a simplesmente referendar a decisão de Cabello. Na terça-feira, Corina tentou entrar no Parlamento, mas as milícias chavistas a impediram; a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar tanto os apoiadores de Corina quanto os bolivarianos.

Corina veio ao Brasil para falar diante do Senado brasileiro na quarta-feira, denunciando o crescente autoritarismo do governo venezuelano – agora ressaltado até pela conferência episcopal do país – e apelando ao Brasil para que deixe de fazer o lamentável papel de cúmplice da ditadura que vem exercendo até agora. Corina aproveitou os 50 anos do golpe de 1964 para apelar a Dilma Rousseff, perseguida pelos militares durante a ditadura. “Esperamos que todos os líderes que sofreram perseguição tenham solidariedade, uma empatia maior com o que estamos vivendo na Venezuela”, disse Corina. Parece difícil que o pedido seja atendido, pois, para o petismo, Maduro é um democrata, independentemente do que faça, e Corina é a “golpista”, de acordo com essa maneira de pensar que confere à esquerda o monopólio da bondade.

O custo do modelo elétrico

 EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo  

Já se calcula em algumas dezenas de bilhões de reais o custo adicional que recairá sobre os consumidores e contribuintes como consequência do desastroso modelo imposto ao setor elétrico pelo governo. Ao anunciar seu plano para o setor no segundo semestre de 2012, a presidente Dilma Rousseff o classificou como "a maior redução de tarifas de que se tem notícia, que beneficia consumidores e empresários". Quando muito, era uma meia-verdade.

Houve, de fato, redução temporária da tarifa de energia elétrica, em diferentes proporções, conforme o tipo de consumidor e a quantidade de energia consumida. Mas, sendo uma medida de claro objetivo político e eleitoral, o corte não tinha fundamento econômico-financeiro e acabaria por cobrar de alguém, ou de algum setor da sociedade, um preço ainda não inteiramente conhecido.

Esse preço começa a aparecer em cálculos por enquanto esparsos, mas que já alcançam cifras muito altas. Para tornar ainda mais frágil o modelo dilmista para o setor elétrico, esses cálculos vêm acompanhados de um adicional que se poderia chamar de fator meteorológico - o aumento do custo da energia gerada por usinas termoelétricas, acionadas para compensar a menor capacidade das hidrelétricas em consequência da redução do nível de seus reservatórios por falta de chuvas. E, se o fator se estender por muito tempo, poderá provocar falhas de abastecimento ou impor o racionamento.

Já se decidiu que o custo do empréstimo de pelo menos R$ 8 bilhões que as distribuidoras de energia tomarão neste ano - por comprarem caro a energia gerada pelas termoelétricas e venderem a preço controlado pelo governo - será repassado às tarifas, ou seja, será pago pelo consumidor. Por ser 2014 um ano eleitoral, o governo resolveu diluir o custo adicional nas contas a serem pagas em 2014 e 2015, nos meses de reajuste da tarifa de cada distribuidora.

Os valores pagos pelos consumidores irão para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), criada no ano passado para corrigir eventuais desequilíbrios das empresas do setor elétrico. A CDE agora está sendo utilizada pelo governo para solucionar, à custa da população, a crise financeira gerada pelo corte de até 20% das contas de luz e pelo aumento dos custos das distribuidoras.

Mais impressionante é o cálculo das perdas sofridas pela Eletrobrás no ano passado por ter, como impunha o modelo elétrico do governo, aderido à proposta de renovação antecipada das concessões que detém nas áreas de geração e distribuição. De acordo com estudo feito por membros independentes do conselho de administração da empresa - e divulgado pelo jornal Valor (4/4) -, a Eletrobrás teria tido, no ano passado, uma receita extra de R$ 19 bilhões se não tivesse feito a renovação nas condições impostas pelo governo e se beneficiado do alto preço da energia no mercado de curto prazo.

Assim, em vez do prejuízo de R$ 6,3 bilhões que contabilizou em 2013 - o terceiro resultado anual negativo seguido -, a principal estatal federal do setor elétrico poderia ter tido lucro, de que necessita não apenas para remunerar seus acionistas, mas, sobretudo, para poder executar seu ambicioso programa plurianual de investimentos em geração e transmissão de energia.

Os maus resultados seguidos que a Eletrobrás vem apresentando poderão implicar, em algum momento, a necessidade de sua capitalização. Representantes dos acionistas minoritários no conselho da empresa temem que isso possa ocorrer ainda em 2014. Não parecem despropositadas, por isso, notícias de que a Eletrobrás negocia com o Tesouro Nacional uma injeção bilionária de recursos.

A título de compensação, prevista no modelo elétrico do governo, por investimentos feitos antes de 2000, a empresa esperava receber cerca de R$ 30 bilhões, mas está recebendo parceladamente só R$ 14 bilhões. Já em dificuldades por causa de problemas em gestões anteriores, marcadas por interesses político-partidários, a estatal elétrica passou a enfrentar nova crise financeira.

Superá-la implicará custos para o Tesouro, isto é, para os contribuintes, que poderão ser até maiores do que os já projetados.

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