sábado, 30 de junho de 2018

Os pássaros amarelos

Ana Carla Abrão - O Estado de S.Paulo

O Brasil de hoje é um filme de Hitchcock com pássaros furiosos e descontrolados

Na semana que passou, assistimos à cena grotesca em que uma pessoa, fantasiada de pássaro, impediu que Wilson Ferreira, presidente da Eletrobrás, falasse em um evento comemorativo dos 50 anos da Eletrosul. Desconsiderando que vivemos numa democracia – e em um país civilizado, o pássaro atacou o palestrante sem expor o motivo do protesto ofensivo e deseducado. Mas não é preciso saber muito dos tempos atuais para entender que ele certamente estava ali defendendo seus interesses e não os dos 200 milhões de brasileiros que vêm assistindo seus recursos consumidos por desmandos, assaltos e capturas de empresas estatais, em particular da Eletrobrás.

O lamentável evento me remeteu ao processo de privatização das Centrais Elétricas de Goiás – Celg-D. Assim como a Eletrosul, a Celg também tinha como controladora a Eletrobrás e, assim como no evento da semana passada, não faltaram pássaros a atacar o processo. Apesar disso, a venda foi levada a cabo com sucesso em novembro de 2016, quando a empresa foi arrematada pela italiana Enel com um ágio de 28% sobre o preço mínimo de R$1,7 bilhão.

A Celg-D era então um grande problema e um dos principais gargalos de infraestrutura de Goiás. Os recorrentes problemas de fornecimento de energia, com interrupções e dificuldades em ampliar a área de distribuição, eram apontados como os maiores riscos para viabilizar novos e manter os atuais projetos de investimento, em particular no agronegócio, vocação da região. Além disso, a empresa vinha perdendo capacidade operacional, consequência da falta de investimentos que a Eletrobrás – e tampouco o combalido Tesouro estadual – não poderia arcar. Com isso, até mesmo a manutenção da concessão estava ameaçada. Estrangulada financeiramente, com custos elevados, salários com ordens de grandeza acima dos de mercado e perdas operacionais relevantes, a empresa apenas sobrevivia. 

Como agravante adicional, a Celg era um dos maiores contribuintes de ICMS em Goiás e ao caminhar na direção do colapso financeiro, levaria à bancarrota também o Estado. A privatização foi, portanto, a saída para sanear a empresa, viabilizar os investimentos necessários para mantê-la funcionando de forma mais eficiente, e, mais importante, a garantia de uma prestação de serviços de qualidade para os consumidores goianos, sem onerar os cofres públicos.

Entre a decisão de venda e o leilão, foram 18 meses de idas e vindas. Durante o governo Dilma, a privatização envergonhada era chamada de desestatização e cada avanço era acompanhado de um retrocesso, com reuniões infindáveis no Planalto e constantes observações de que aquilo era uma traição às origens petistas e aos movimentos sociais que defendiam um governo moribundo. No apagar das luzes do impeachment, o governo voltou atrás na decisão de privatizar a empresa em favor do troca-troca final com um exército sindical que se preparava para ir às ruas, mas nunca foi.

O novo governo retomou o processo com convicção e, mesmo após um primeiro leilão deserto, logo pudemos bater o martelo três vezes, garantindo o investimento necessário para que o consumidor goiano tenha acesso a um serviço de qualidade, o Tesouro estadual goiano mantenha sua arrecadação e o fornecimento de energia deixe de ser um empecilho para a pujança de um Estado próspero.

Mas os pássaros amarelos não atentam aos fatos e muito menos à realidade se o único objetivo é a defesa dos seus interesses pessoais – mesmo que em detrimento dos interesses coletivos. Não é em defesa do pagador de impostos que ano após ano transfere parte da sua renda para financiar altos salários, ineficiências e ostracismo que eles partem. Os pássaros amarelos defendem a si próprios, a sua ineficiência, a sua própria ociosidade. Eles atacam protegendo a expropriação do que é público e com isso atentando sobre o outro, nesse caso, sobre todos nós.

O Brasil de hoje é um filme de Hitchcock. São muitos os pássaros furiosos, descontrolados e assassinos. Eles nos quebram as vidraças, nos atacam por todos os lados, nos furam os olhos e nos deixam em frangalhos. Esse filme de terror precisa acabar.


Eleições, Lava-Jato e BC aceleram agenda

Angela Bittencourt- Valor Econômico

As "condições financeiras" por Bradesco, Itaú, UBS

O primeiro semestre do ano termina nesta semana. Além do relevante calendário contábil, de fechamento de balanços de bancos, empresas e grandes investidores, neste 2018 julho abre a agenda eleitoral e uma maratona a pré-candidatos e partidos políticos interessados em disputar para valer a presidência da República em outubro. A maratona se estende ao governo que, em seus três níveis federal, estadual e municipal, se apressa a executar sobretudo transferências de recursos nos próximos 15 dias. A partir de 7 de julho, a administração pública estará impedida, pela Lei Eleitoral, de gastar mais do que o pré-contratado e justificado, demitir e admitir servidores.

Também neste fim de semestre, a Operação Lava-Jato acena com uma nova etapa, a partir da homologação do acordo de delação firmado entre Antonio Palocci e a Polícia Federal anunciada na sexta-feira. Palocci teve participação decisiva nas eleições dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto, comandou o Ministério da Fazenda de Lula e a Casa Civil de Dilma. E conquistou o setor privado tornando-se o ministro do Partido dos Trabalhadores (PT) com maior prestígio junto a empresários e banqueiros por mais de uma década.

O ex-ministro está preso desde 2016 e é um dos expoentes do PT que melhor conhece as mudanças que podem ocorrer em consequência de uma sucessão presidencial e num momento único da história do país. O momento é único pela judicialização da política, pela possibilidade de radicalização entre direita e esquerda no 2º turno de votação ao comando da República, pela péssima avaliação que os brasileiros fazem do atual governo e do presidente Michel Temer e também pela dificuldade de a economia brasileira engrenar um ciclo de crescimento.

O Brasil está empacado em condição ímpar. A inflação está há 11 meses consecutivos abaixo de 3%, piso da meta vigente; a taxa de juro segue em queda; há uma inédita liberação de bilhões de reais que trabalhadores, empregadores e próprio governo depositaram obrigatoriamente em fundos institucionais durante décadas; e o Banco Central (BC) domina o mercado de câmbio - o ativo financeiro que atordoou governos durante sucessivas crises que sacudiram o Brasil na história recente.

Nenhum dos componentes do cenário acima representa reformas estruturantes, uma espécie de passe livre para crescimento consistente a médio e longo prazo. Contudo, esse cenário é superior ao que se viu no passado. Até por isso, o BC não precisa exibir parcimoniosa cautela em suas decisões. O comando da instituição sabe o que está em risco. Em cerca de 40 dias, o BC colocou no mercado mais de US$ 42 bilhões, em contratos de swap que ajudaram a aplacar uma movimentação contra o real não só por razões domésticas. Também porque o dólar se fortaleceu no mercado internacional.

Hoje, o BC colocará à venda US$ 3 bilhões, além da oferta de swaps. Esse dinheiro sairá das reservas internacionais, mas os interessados em participar do leilão de dólares deverão se comprometer formalmente, diga-se, com a devolução desses recursos em determinada data que será definida pelo BC. Esse "compromisso" garante que o Brasil não perderá seus dólares.

A agenda de eventos desta semana - divulgação da Ata do Copom na terça, Relatório Trimestral de Inflação, na quinta, com entrevista do presidente Ilan Goldfajn e o resultado das contas públicas -, justifica, para além de razões operacionais, o cerco que o BC ergue em torno de eventuais especuladores.

Na sexta-feira, a coluna conversou com economistas do Bradesco, Itaú Unibanco e UBS Brasil. Os três bancos calculam índices de condições financeiras (ICF). Perguntamos se os indicadores haviam identificado um enfraquecimento da atividade em momento anterior à paralisação dos caminhoneiros. E os economistas ainda não dão o ano de 2018 por "perdido".

O economista Igor Velecico, do Bradesco, conta que o ICF não antecipou a retomada mais gradual. "Nos chamou a atenção, porém, uma divergência observada entre a velocidade de crescimento sugerida pelas condições financeiras (entre 3% e 4%, em termos anualizados) e pelos dados correntes (mais próximos de 2%). Num primeiro momento, desconfiamos que isso poderia ser algum efeito 'devolução' da liberação das contas inativas do FGTS, que impulsionou o consumo e o emprego em meados do ano passado, e que seria, portanto, temporário. Mas os dados do 1º trimestre continuaram indicando que a velocidade de retomada seria mais gradual do que a esperada."

O Itaú Unibanco tem um índice antecedente de atividade (IAM-IU) e, segundo o Departamento de Pesquisa Macroeconômica, chefiado por Mário Mesquita, esse indicador antecipou a retomada mais gradual. "Percebemos que o IAM-IU apresentou recuo expressivo, ainda que ao longo do 1º trimestre tenha permanecido em patamar positivo. E, se mantido nos níveis atuais, é compatível com atividade econômica bastante fraca. Algumas das variáveis financeiras trazem cenário parecido: recuo dos preços de ativos, alta da taxa de câmbio (que afeta a economia via aumento da alavancagem das empresas que têm dívida em dólar) e aumento dos juros de mercado. De fato, os patamares atuais do Ibovespa em dólares (30% abaixo do fim do ano passado) e dos juros de mercado (como indica o swap pré-DI de 360 dias em 8,2%) também são consistentes com o enfraquecimento da atividade econômica. No entanto, mesmo se ocorrer uma estagnação de agora em diante não significa que 2018 será um ano perdido, mas é necessário melhora das condições financeiras dos atuais patamares."

O economista Fábio Ramos, do UBS Brasil, informa que o ICF não antecipou "no momento" anterior à greve dos caminhoneiros um enfraquecimento da atividade. "Agora, sim, o ICF traz resultados mistos. Ainda há empuxo por conta dos juros reais baixos, mas variáveis como câmbio real e bolsa, entre outros, já contaminam as expectativas. Hoje, o indicador sugere crescimento entre 1,5% a 2% ao ano. Mas já sugeriu 3%."



sexta-feira, 29 de junho de 2018

O REPERTÓRIO DE PULOS DOS GATOS


por Percival Puggina. Artigo publicado em 01.05.2018



 É exaustivo. O tal “exercício” da cidadania, no Brasil, é de pôr os bofes para fora. O brasileiro é um cidadão em luta contra as instituições. Precisamos defender-nos delas, precisamos enfrentá-las, somos compelidos a fazê-lo como forma de autopreservação e isso cansa mais do que “puxar ferro” numa academia. Os poderes de Estado, que constituímos e regiamente remuneramos, na esperança pueril de que viessem a zelar pelo interesse geral enquanto cuidássemos de nossas vidas e amores, se converteram em nossos não dissimulados adversários. Cuidam de si mesmos a nosso despeito e à nossa custa.

 A Constituição cidadã, sabe-se hoje, abriu um leque de oportunidades de negócios com os recursos públicos e fechou em torno delas um círculo de ferro de proteções recíprocas. Levamos 30 anos para entender a fria em que havíamos entrado. Primeiro, pressentimos; depois intuímos; e, agora, empírica e dolorosamente, constatamos o quanto o Estado brasileiro protegeu-se de seus cidadãos. Às vezes me dá vontade de sentar e ficar apenas observando o repertório de pulos desses gatos. São verdadeiros artistas nos seus ramos de atividade.

Já no ano passado, aquela parte da sociedade que não corteja bandidos decidiu que precisaria de um Congresso quase inteiramente renovado. Só assim, talvez – talvez! – pudessem ser desmontadas as armadilhas institucionais, bem como a arquitetura juspolítica de fossos, muralhas, escarpas e contraescarpas, que protegem as cidadelas do poder. Um legislativo que, em quatro anos, nada fez nessa indispensável direção, e que, ao contrário, sempre cuidou de sua própria cidadela, nada faria para mudar substancialmente as regras do jogo. O Brasil precisa mudar. Renovação já, portanto!

Eis que diante desse óbvio sentimento nacional, o sistema reage – escândalo! – com novas trancas e ferrolhos para garantir a renovação dos atuais mandatos. Os partidos políticos adotam estratégias para impedir que se cumpra o inequívoco e indispensável anseio dos eleitores. Não lembro de já haver visto algo assim. Tanto se empenharam pelo “virtuoso” financiamento público e contra o “vicioso” financiamento privado das campanhas! Resultado: os partidos dispõem, agora, de dinheiro dos nossos impostos para distribuírem, prioritariamente, aos atuais parlamentares, não por acaso as pessoas mais influentes dentro deles. As nominatas de candidatos serão formadas pelos próprios e mais uns poucos, bem poucos, para dificultar o ingresso de novos no círculo de ferro do poder e na distribuição da grana. Logo estaremos vendo isso tudo acontecer. Digam-me se não dá uma canseira.

Diante disso, ponho-me a pensar na recente experiência francesa. Esclareço: estou apenas pensando. O eleitorado gaulês escolheu um candidato (Emmanuel Macron) e seu partido (La République en Marche), conferindo-lhes vitória consagradora e uma base política amplamente majoritária. Não poderíamos reproduzir algo parecido por aqui, com as limitações, claro, do nosso sistema proporcional? Centrarmos a renovação em candidato e em poucos partidos?

Não sei. Mas sei que precisamos interromper o curso dessa bandalheira que pretende usar nosso dinheiro para forçar a reeleição de parlamentares que não queremos ver reeleitos e preservar essas desavergonhadas estruturas de poder.



* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Enigma energético

Míriam Leitão- O Globo

O setor energético está para viver mais uma confusão. O governo colocou a leilão seis distribuidoras de energia da Eletrobras, mas a Câmara não aprovou o PL que daria segurança jurídica à venda. Com isso, elas podem ser liquidadas, o que é mais fácil falar do que fazer. Como seria deixar dois estados do Nordeste e quatro do Norte sem uma empresa de energia? Ninguém sabe porque nunca aconteceu.

O governo tentou aprovar a urgência no projeto que facilitaria a privatização dessas concessionárias, mas não conseguiu. As concessões já venceram e foram renovadas até 31 de julho. Durante o debate do assunto, o governo disse que ou venderia ou simplesmente as liquidaria. E agora?

— Ninguém sabe ao certo porque é uma situação inédita. Nunca aconteceu no Brasil de uma concessionária que presta serviço público ser liquidada — diz Edvaldo Santana, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).

Essas concessionárias provocam prejuízo de R$ 220 milhões por mês, R$ 2,4 bilhões por ano. São as dos estados de Sergipe e Alagoas, Amazonas, Acre, Rondônia, Piauí e Roraima. De todas, a que tem o maior rombo é a Amazonas Energia. O governo pensou em privatizálas por um preço simbólico com o compromisso, pelo comprador, de investir. No caso da liquidação, a Eletrobras tem que lançar a prejuízo R$ 20 bilhões, mas o mais importante é o que acontece depois.

— Liquidar é o governo pegar de volta a concessão e deixar a empresa sem receita — diz Santana.

Parece completamente inviável. O governo deixaria um terço do território, 13 milhões de brasileiros sem uma empresa responsável pelo fornecimento de luz? A melhor opção talvez seja baixar outro decreto cobrindo este custo anual e deixar isso ser resolvido pelo próximo governo. Aprovar o projeto no Congresso da privatização dessas concessionárias era o primeiro passo para privatizar a própria Eletrobras.

O projeto que está no Congresso, e que não foi votado, nem conseguiu a aprovação de urgência, permitiria resolver inúmeras pendências complexas, como compatibilizar o prazo de concessão, com o prazo de outorga das usinas termelétricas, e do gasoduto Urucu-Coari-Manaus. A maior das dificuldades é a Amazonas Energia que, em qualquer cenário, vai obrigar a Eletrobras a assumir uma parte do passivo.

O setor de energia no Brasil é uma sucessão inacreditável de confusões, prejuízos, regulação errada, má gestão e ocupação política de cargos. O que animou o mercado, quando se falou na venda de ações que faria o Estado perder o controle da Eletrobras, foi a esperança de acabar com décadas de nomeação política e má gestão na estatal de energia.

A Eletrobras chegou a valer R$ 46 bilhões em 2010. Durante o governo Dilma, a perda foi progressiva, mas ela desabou mesmo após a aprovação da MP 579, de setembro de 2012, que mudou o marco regulatório do setor e obrigou a Eletrobras a aceitar contratos que eram lesivos aos interesses da empresa. No ano seguinte, chegou a valer apenas R$ 7 bilhões. A partir de 2016, com a perspectiva do impeachment, e, depois, com nova gestão, ela foi recuperando valor e chegou a R$ 35,6 bilhões. Nos últimos meses, com a possibilidade de aprovação ficando mais remota, ela voltou a cair na bolsa e hoje vale R$ 18 bi, segundo a Economática.

O que fazer com as distribuidoras é só um dos vários problemas que ainda aguardam solução. O próximo governo terá que começar a consertar erros que ficaram de gestões passadas e procurar caminhos para tornar a regulação mais simples e o setor mais eficiente.

Congresso não respeita regra constitucional ao criar despesa

Editorial | Valor Econômico

Na semana passada, o país foi surpreendido com a informação de que a Emenda Constitucional 99, aprovada em dezembro do ano passado, obriga a União a criar linha de crédito subsidiada para os Estados e municípios pagarem precatórios judiciais. É mais uma despesa a ser arcada pelo governo federal, que, desde 2014, registra déficits primários elevados em suas contas, isto é, não consegue arrecadar o suficiente em impostos para bancar os gastos e, por essa razão, tem recorrido ao aumento explosivo da dívida pública.

O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, disse que o governo percebeu que a medida seria aprovada pelo Congresso em dezembro, mas não conseguiu evitar o movimento dos parlamentares realizado no encerramento do ano legislativo. Na verdade, as lideranças do governo na Câmara e no Senado orientaram suas bancadas a aprovar a medida, como mostram os mapas de votação das duas Casas. Pelas declarações do ministro, pode-se concluir que, mais uma vez, o governo apoiou suas bancadas contra as recomendações da equipe econômica.

Na votação em segundo turno na Câmara, a emenda recebeu 390 votos favoráveis e nenhum contrário. No Senado, também não houve voto contrário. Naquela Casa, a medida foi aprovada no primeiro e segundo turnos no mesmo dia.

O dispositivo que prevê a linha de crédito subsidiada foi incluído por um deputado, pois não constava da proposta original do senador José Serra (PSDB-SP). As mudanças feitas pela Câmara na emenda voltaram ao Senado e foram rapidamente aprovadas.

A Emenda 99 determina que, no prazo de seis meses, o governo crie a linha de crédito. No entanto, o tema ainda não foi regulamentado e tudo leva a crer que a equipe econômica fará um esforço para adiar a aplicação da medida.

Os precatórios são dívidas do Poder Público que a Justiça manda pagar quando não há mais a possibilidade de recursos judiciais. A Emenda 99 estabeleceu que o custo da linha de crédito será equivalente ao rendimento da caderneta de poupança. Como o custo de captação da União é dado, grosso modo, pela taxa básica de juros (Selic), superior aos juros da poupança, a diferença será um subsídio.

Especialistas consultados pelo Valor estimam que o custo da medida ficará entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões ao ano. O cálculo foi feito com o pressuposto de que existem, atualmente, cerca de R$ 100 bilhões em precatórios estaduais e municipais. Alguns dirão que não é muito, mas o custo é apenas um aspecto da questão.

Quando aprovaram a Emenda 95, que criou o teto de gastos para a União, os parlamentares escreveram na Carta Magna que a proposição legislativa que crie despesa obrigatória ou reduza receita deve ser acompanhada da estimativa de seu impacto orçamentário e financeiro. Ao incluir esse dispositivo na Constituição, imaginou-se que os parlamentares teriam colocado uma barreira à chamada "pauta bomba" - proposta feita por parlamentares que eleve gastos e inviabilizem o equilíbrio das contas. Ledo engano.

Ao aprovarem a Emenda 99, os congressistas desobedeceram à regra, pois não fizeram qualquer estimativa de quanto custará à União a linha de crédito criada para Estados e municípios pagarem os precatórios ou de como ela será custeada. Quantas proposições já foram aprovadas nos últimos meses que não obedecem à regra inscrita na Constituição?

Todos se lembram dos dispositivos incluídos pelos parlamentares na Lei 13.606/2018, que parcelou os débitos dos produtos rurais com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). As emendas feitas por deputados e senadores permitiram a renegociação de dívidas com crédito rural, estimadas em R$ 17 bilhões, com novas despesas para o Tesouro. O presidente Michel Temer vetou as benesses, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso com o apoio dos próprios governistas. Também não houve qualquer estimativa do impacto orçamentário e financeiro das medidas.

O Congresso demonstra, infelizmente, que ainda não entendeu a gravidade da situação das contas públicas. Ao mesmo tempo em que aprova um teto para os gastos, cria sem parar novas despesas para a União. Esta não é a trilha que levará o país a superar definitivamente a longa recessão do período 2014-2016 e acelerar a taxa de expansão da economia.


Um escândalo sem fim

Editorial | O Estado de S. Paulo

Não cessa de render frutos, dos mais amargos, o escândalo da delação premiada do sr. Joesley Batista. E, a cada nova informação que surge, a cada notícia que alcança as manchetes, pior fica a imagem da Procuradoria-Geral da República nesse lamentável caso, que tanto mal causou ao País.

No mais recente desdobramento, a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-procurador da República Marcelo Miller por corrupção passiva. Segundo a investigação, Miller, ainda na condição de procurador da República e lotado na equipe dedicada à Operação Lava Jato, assessorou o escritório de advocacia que trabalhou para os irmãos Joesley e Wesley Batista na negociação do acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral, em março de 2017. Miller só deixaria o cargo em abril – para trabalhar de vez no escritório de advocacia que prestava serviços para a JBS, a empresa dos irmãos Batista.

De acordo com o relatório da PF, Miller recebeu R$ 1,8 milhão em “vantagens indevidas” por parte do escritório de advocacia – que, segundo a investigação, tinha plena ciência do vínculo de Miller com a Procuradoria-Geral e pretendia explorar esse trunfo para favorecer seus clientes, os irmãos Batista. Por essa razão, conforme o relatório, duas advogadas desse escritório, que participaram das tratativas com Miller e com os donos da JBS, também foram indiciadas por corrupção passiva. Para reforçar esse vínculo triangular, a PF informa que a atuação de Miller ocorreu “comprovadamente” desde 6 de março de 2017, data da assinatura do contrato do tal escritório de advocacia com a JBS.

O mais espantoso da informação sobre o indiciamento de Marcelo Miller pela PF é que nada do que ali vai descrito, salvo os detalhes, chega a ser novidade. Desde setembro do ano passado o País sabe que o sr. Miller, que era um dos principais assessores do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajudou o sr. Joesley Batista a alcançar o melhor acordo de delação premiada da história – total imunidade e impunidade, mesmo tendo confessado mais de 200 delitos. Em troca, o empresário envolveu o presidente Michel Temer em um escândalo feito sob medida para que o sr. Janot passasse à posteridade como o herói da luta anticorrupção, acima de partidos e preferências políticas – afinal, ainda que não houvesse senão fiapos de suspeitas, era preciso demonstrar que, a começar pelo presidente da República, todos os políticos eram corruptos, e não apenas os petistas e seus associados, presos ou processados em decorrência dos comprovados casos do mensalão e do petrolão.

Essa fogueira de vaidades atirou o governo e o País em uma crise da qual ainda não se recuperou. Fiel a seu estilo, contudo, o sr. Janot nunca tratou desse caso com o devido empenho, preferindo, ao contrário, desmerecer as cobranças por correção e por uma investigação séria, atribuindo as críticas que recebeu a uma tentativa de “desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”.

O sr. Marcelo Miller, por sua vez, disse que não prestou serviço aos irmãos Batista – apenas examinou por “cortesia” um dos anexos da delação e que só fez “ajustes linguísticos e gramaticais” no texto. A PF não deve ter tido muito trabalho para concluir que tal versão é falsa – além de ser um insulto à inteligência do distinto público.

Enquanto isso, a Procuradoria-Geral da República, cuja tarefa de defender a ordem jurídica demanda total transparência sobre seus métodos, não consegue concluir sua própria investigação sobre o caso. O sr. Janot chegou a pedir a prisão de Marcelo Miller, para mostrar algum empenho, no que não passou de um arroubo tardio. A sucessora de Janot, Raquel Dodge, avançou um pouco mais, ao pedir ao Supremo Tribunal Federal a revogação dos acordos de delação de Joesley Batista e ao ampliar a investigação. Mas, até agora, nada. Como essa investigação está sob sigilo – e, ao contrário do que acontece com a investigação de políticos em geral, as informações sobre esta não vazam –, o País segue sem saber se e quando os principais envolvidos nesse vergonhoso escândalo serão devidamente responsabilizados pelo que fizeram.



quinta-feira, 28 de junho de 2018

A VIOLÊNCIA NO BRASIL E AS FAKE ANALYSIS


por Percival Puggina. Artigo publicado em 06.06.2018

 Os principais sites de notícias divulgaram, hoje (05/06), dados do Atlas da Violência 2018. O foco das informações centrou-se no aumento da letalidade intencional de negros e pardos e na redução dela entre a população branca. O maior índice de crescimento se deu entre as mulheres negras.

 Os comentários correram todos para o leito habitual das fake analysis nacionais: é tudo causado pelo racismo e pelo machismo, donde se conclui, sem precisar afirmar, que a culpa cabe à população masculina de pele branca... As duas palavras, principalmente a primeira – o racismo – deram tom aos comentários jornalísticos e às opiniões das personalidades ouvidas. Fake analysis são muito mais frequentes e enganosas do que fake news.

 Tenho certeza de que o leitor destas linhas – inteligente que é – já deve estar se interrogando sobre quem mata quem nesse intolerável e vergonhoso genocídio. A resposta seria bem esclarecedora se o Brasil conseguisse melhores resultados na investigação criminal. Em novembro do ano passado, o Estadão informou que o Instituto Sou da Paz consultara os governos de todas as unidades da Federação sobre o índice de solução de homicídios que vinham alcançando nas respectivas investigações. A resposta viera apenas do Pará (4%), Rio (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso do Sul (55,2%). Mesmo assim, a amostra que daí se colhesse, referida a homicídios esclarecidos e informando o perfil de criminosos e vítimas, seria estatisticamente suficiente para identificar quem está matando quem nessa guerra. Sabe-se lá por quais razões, ninguém se interessa em buscar esse dado. Não parece difícil, porém, intuir que o genocídio brasileiro tem quase nada a ver com racismo e machismo, e quase tudo a ver com opção pela vida criminosa, com consumo e tráfico de drogas, e com guerra entre facções.

Se quisermos curar o mal, é nas zonas em que esses conflitos se originam ou se desenrolam, independentemente de cor da pele, que se impõem as ações. Não é digno nem bom que seres humanos vivam sob condições tão vulneráveis.
A criminalidade “explicada” pelo racismo e pelo machismo produzia, ainda há poucos minutos, frêmitos de indignação nos comentaristas da Globo News. É uma sociologia que não convence no armazém da vila, mas comove, Brasil afora, habitantes do mundo das fake analysis. Elas servem para suscitar emoções e reações políticas, na versão atualizada da desacreditada luta de classes. É uma tosca mistificação que nos permitiria, pelo mesmo raciocínio que a constrói, olhando a desigual distribuição da criminalidade nas várias regiões de uma cidade, deduzir que há bairros que matam e bairros que morrem. Arre!



* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Diálogo franco, resultados concretos

Aloysio Nunes Ferreira- O Globo

A cooperação entre Brasil e EUA é crescente. Da saúde, educação e intercâmbio cultural ao espaço exterior e inovação, da segurança e defesa ao comércio e investimentos

Brasil e Estados Unidos são parceiros históricos. Estivemos juntos na construção das Nações Unidas e das instituições de Bretton Woods, que definiram os parâmetros que orientaram nas últimas décadas o equacionamento de conflitos e o intercâmbio de bens, serviços e capital. Brasil e Estados Unidos também protagonizaram os conclaves que normatizaram a proteção dos direitos humanos e o desenvolvimento sustentável.

Sabe-se da determinação do Brasil em questões como a reforma do Conselho de Segurança, a promoção dos direitos humanos e do meio ambiente, o ingresso na OCDE e a defesa do sistema multilateral de comércio. O histórico do relacionamento reclama convergências.

Comprometidos com a Carta Democrática Interamericana, Brasil e Estados Unidos defendem a OEA como foro mais apropriado à coordenação regional em favor de uma restauração negociada da democracia na Venezuela.


Os governos e as sociedades brasileiros e americanos estão envolvidos em uma crescente cooperação em diversas áreas, da saúde, educação e intercâmbio cultural ao espaço exterior e inovação, da segurança e defesa ao comércio e investimentos. Já com o governo Trump, definimos um elenco de prioridades: a “agenda de dez pontos”.

Os resultados incluem ampliação da frequência de voos com o Acordo de Céus Abertos, negociação de um acordo de salvaguardas que viabilize a base de Alcântara e participação do Brasil no mercado de lançamento de satélites e o lançamento do Fórum de Segurança Pública para uma maior coordenação no combate ao crime transnacional.

Os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil e o principal mercado para as nossas exportações de manufaturas. Trabalhamos para desburocratizar as operações de exportação e de importação, ampliar a cooperação em matéria regulatória e promover os fluxos de investimentos. Em 2017 recebemos US$ 11 bilhões de investimentos dos EUA, enquanto nossas inversões já criaram 100 mil empregos nos EUA.

Em relações tão intensas, é natural que surjam discordâncias. Esperamos que seja eliminada a prática cruel de separação de menores migrantes de seus pais e responsáveis, uma afronta aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos das crianças. Discordamos da imposição de tarifas ou cotas à importação do aço e alumínio do Brasil, que não oferece risco à indústria dos EUA.

Não é de hoje que o Brasil e os EUA buscam convergências. A aproximação com Washington foi um dos eixos do paradigma Rio Branco, que inaugurou a política externa republicana. Com a política externa independente, a adoção de uma perspectiva universalista se deu em torno de valores comuns como desenvolvimento, democracia e autodeterminação. O fim da guerra fria acentuou uma aposta no multilateralismo. Há, portanto, um legado a ser preservado. É com esse espírito que damos as boas-vindas ao vice-presidente Pence, em visita ao Brasil.

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Aloysio Nunes Ferreira é ministro de Relações Exteriores

Estado de exceção

Um grupo de ministros do STF está em guerra com a democracia

Por J.R. Guzzo
VEJA - Publicado em 27 jun 2018, 16h51

Esqueça por um momento, se for possível, as ordens do STF que mais uma vez mandaram soltar José Dirceu, o príncipe do PT condenado a 30 anos e nove meses de cadeia por corrupção, além de outros dois colossos da vida pública nacional — um, do PSDB, é acusado de roubar merenda escolar e o outro é tesoureiro do PP. (Só isso: tesoureiro do PP. Não é preciso dizer mais nada.) Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Não existe na história do Judiciário brasileiro nenhum réu condenado a mais de 30 anos de prisão por engano, ou só de sacanagem; dos outros dois nem vale a pena falar mais do que já se vem falando há anos. Mas a questão, à esta altura, já não é o que cada um deles fez ou é acusado de ter feito no mundo do crime — a questão é o que estão fazendo os ministros supremos que abriram a porta da cadeia para os três, e virtualmente para todo o sujeito que hoje em dia é condenado por roubar o erário neste país. Os ministros, pelo que escrevem nas suas sentenças, decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. Tudo bem, mas há uma pergunta que terá de ser respondida uma hora qualquer: é possível existir democracia num país onde Gilmar Mendes, Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 200 milhões de pessoas?

Esse grupo de cidadãos está no STF por indicação, basicamente, de um ex-presidente da República hoje na cadeia, condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, e por uma ex-presidente deposta por quase três quartos dos votos do Congresso. Foram aprovados para seus cargos pelo Senado Federal do Brasil — um dos ajuntamentos mais corruptos que se pode encontrar entre os seres humanos vivos no momento sobre a face da Terra. Jamais receberam um voto. Não respondem a ninguém. Como os loucos, os pródigos e os silvícolas, estão fora do alcance da lei — não podem ser acusados de nada, e muito menos punidos por qualquer ato que venham a cometer. Têm o direito de ficar nos seus cargos pelo resto da vida. Com essa proteção toda, garantida pela Constituição suicida em vigor no Brasil, deram a si próprios o poder de anular provas. Podem ignorar qualquer lei em vigor, recusar-se a aplicar normas legais, não aceitar decisões do Congresso e suprimir procedimentos judiciais. Dizem, é claro, que todas as suas sentenças estão de acordo com as leis — mas são eles, e só eles, que decidem o que a lei quer dizer. Se resolverem que dois mais dois são sete, nenhum brasileiro terá o direito de dizer que são quatro.

Os grandes gênios da nossa criatividade política, com os seus imensos estoques de sabedoria acumulada, devem ter alguma resposta para a pergunta feita acima. Talvez eles saibam como seria possível manter, ao mesmo tempo, o regime democrático e uma corte suprema povoada por Toffolis, Gilmares e Lewandowskis e dedicada a manter a corrupção como uma atividade legal no Brasil. Para os mortais comuns, está difícil de entender. Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que o tribunal mais alto do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os ministros a cada vez que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso; nesse caso, o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. Contra eles, no entendimento de parte do STF, nenhum fato existe; nenhuma prova é válida. Os Toffolis, etc., conseguiram montar no Brasil um novo fenômeno: ao contrário da fábula narrada por Kafka em “O Processo”, o simples fato de alguém ser acusado perante o tribunal é a prova indiscutível de sua inocência.

Retomar os trilhos do desenvolvimento


Um novo arcabouço regulatório amigável ao investimento privado em ferrovias é preciso

*JOSÉ SERRA, O Estado de S.Paulo - 14 Junho 2018  
“Correndo vai pela terra/ vai pela serra/ vai pelo mar”

Ferreira Gullar

A nossa cultura está impregnada do simbolismo das estradas de ferro. Para ficar apenas na música, Villa-Lobos legou-nos o belíssimo Trenzinho do Caipira – a toccata da Bachiana n.º 2 –, que ganhou letra de Ferreira Gullar. Milton Nascimento e Lô Borges compuseram inesquecíveis canções com a temática.

Essa fascinação, porém, contrasta com a pouca importância histórica dada pelo Brasil ao transporte ferroviário. Somos um país continental que escoa sua produção preferencialmente pelas rodovias. Trata-se de uma distorção que há muito nos traz custos conhecidos. E riscos até há pouco insuspeitados. 

Essa grave deficiência é o resultado de erros e omissões que se prolongaram por várias gerações. Temos a sétima economia do mundo, mas estamos na 88.ª posição no ranking global ferroviário, segundo o Fórum Econômico Mundial. 

De fato, o Brasil relegou o transporte ferroviário a um papel secundário. Circunstâncias recentes novamente chamaram a atenção dos brasileiros para esse erro histórico. Está mais claro do que nunca que é preciso expandir e modernizar o nosso parque ferroviário. Para tanto temos de elaborar previamente alternativas viáveis – do ponto de vista técnico e econômico – que promovam ganhos de eficiência na rede já existente e sua expansão.

Construir e modernizar ferrovias demanda investimentos vultosos. Dada a situação de recorrente penúria fiscal, isso significa que o grosso dos recursos para esse programa deve necessariamente vir do setor privado.

É necessário compreender por que o atual modelo de concessões adotado no Brasil segura a aceleração de investimentos privados em alguns setores. No caso dos trens, esse modelo foi importante nos anos 1990, pois eliminou uma grande fonte de déficits fiscais – os enormes prejuízos da antiga Rede Ferroviária Federal –, reduziu acidentes e aumentou a produtividade do transporte de cargas.

Tal modelo prevê longos períodos de concessão à iniciativa privada, findos os quais todo o patrimônio envolvido na concessão deve ser revertido ao Estado. O problema é que a partir de certo momento o investidor não tem incentivo para continuar investindo, visto que o prazo de retorno desses aportes seria maior que o período restante da concessão. O resultado prático desse marco jurídico foi o abandono de cerca um terço da rede, mais de 8 mil km de ferrovias.

Instrumentos de regulação já aplicados em outros setores de infraestrutura deveriam ser aditados para o modal ferroviário. Hoje 70% da carga brasileira escoa por portos privados outorgados por autorização, modalidade pela qual o investidor, com a anuência do poder público, constrói e opera as instalações por sua conta e risco. O regime de competição da telefonia móvel – também mediante autorização – superou as expectativas mais otimistas. Em contraste, 100% das ferrovias em operação são outorgadas por concessão, modalidade que exige investimento estatal antes da transferência ao particular e desincentiva o investimento à medida que se aproxima o fim do contrato.

É necessário mudar o esquema de regulação aplicado ao setor ferroviário de cargas. Quem quiser investir e construir ferrovias poderá fazê-lo por sua conta e risco, mediante autorização, sem necessidade de dinheiro público.

Entre 2006 e 2016 o mercado ferroviário de cargas brasileiro investiu cerca de R$ 45 bilhões, três vezes mais que a União. Obviamente, tais investimentos foram feitos porque os atuais concessionários previram retorno financeiro à altura. Quantos outros não construiriam as próprias linhas se não precisassem restituí-las ao Estado?

Os Estados Unidos adotaram com muito sucesso a alternativa da ferrovia sem necessidade de reversão de ativos e têm hoje mais de 200 mil km de trilhos, que competem com outros modos de transporte. Desde 1980, quando foi aprovado o Staggers Rail Act, que reduziu a intervenção estatal no setor, o preço do frete ferroviário americano caiu cerca de 50%, enquanto o volume de cargas e a produtividade cresceram 100% e 150%.

Somente em 2015 o setor ferroviário de cargas nos EUA – integralmente privado – investiu US$ 27 bilhões. Em 2014 foi responsável por US$ 274 bilhões em atividade econômica, US$ 33 bilhões em pagamento de tributos e 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. Esse desempenho foi alcançado na competição com uma malha rodoviária de 4,2 milhões de quilômetros pavimentados. Este é o ponto central: a regulação do transporte por trem não deve ser tão estrita, na medida em que a competição rodoviária – e de outros modais – impõe limites aos preços dos fretes ferroviários.

Outro aspecto dessa nova equação, aqui proposta, é o da valorização imobiliária. Devem-se introduzir mecanismos de cooperação entre os proprietários de imóveis vizinhos aos futuros empreendimentos ferroviários a fim de permitir a justa apropriação dos benefícios gerados pelos novos ramais aos investidores. Isso reduz o custo dos investimentos sobre os fretes e ajuda no florescimento de uma urbanização mais racional.

O mesmo vale para o transporte de passageiros. As cidades sustentáveis do futuro deverão ser densas e sua mobilidade será baseada em transporte de alta capacidade – metrô e trem. A legislação deve permitir maior integração entre o poder público municipal e as administrações ferroviárias, com o objetivo de mitigar conflitos e maximizar o investimento, como ocorreu em Londres, Nova York, Miami e Tóquio, que têm tido grande sucesso no investimento privado em suas redes metroferroviárias.

O Estado exerce papel fundamental na economia, mas não pode atuar em todas as posições. Deve garantir os direitos dos usuários e coibir práticas anticoncorrenciais. Criar um novo arcabouço regulatório amigável para o investimento privado em ferrovias nos ajudará a retomar os trilhos do desenvolvimento econômico.

*SENADOR (PSDB-SP)

Insanidade, esperança e despedida

Ricardo Rangel O Globo

No Brasil, quando uma experiência dá errado, é repetida até dar certo. Apesar disso, aos trancos e barrancos o Brasil avança

A polícia invadiu a Maré com blindados e helicópteros para cumprir 22 mandados de prisão. No fim do dia, nenhum mandado havia sido cumprido, mas jaziam no chão sete corpos sem vida, incluindo o de Marcos Vinícius, de 14 anos, vitimado em seu uniforme de escola por tiros disparados de um blindado.

A principal promessa da intervenção era a depuração da polícia e uma mudança em seus métodos, substituindo o confronto pela inteligência. Passados quatro meses (três do assassinato ainda não resolvido de Marielle), não se vê traço de inteligência, e a polícia continua idêntica. O que mudou foram os helicópteros, que agora cospem fogo.

Dois dias após o incidente na Maré, Jair Bolsonaro prometeu retirar o país da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que “não serve para absolutamente nada”. E, de novo, elogiou o coronel-torturador Brilhante Ustra, com o argumento de que “guerra é guerra”. O Brasil insensível anda de mãos dadas com o Brasil brutal: Bolsonaro é o favorito para o posto de presidente da República.

O capitão desconhece a Convenção de Genebra, o código internacional que regula a guerra — e do qual o Brasil é signatário —, que proíbe maus-tratos a prisioneiros desde 1864. Parece não haver “absolutamente nada” que Bolsonaro não desconheça.

Diz-se que fazer a mesma coisa repetidas vezes esperando diferentes resultados é a definição de insanidade. Simonsen, conhecedor da insanidade brasileira, dizia que, aqui, quando uma experiência dá errado, ela é repetida até dar certo. Talvez daí a insistência numa “guerra às drogas” que dá sempre o mesmo resultado.

A defesa de Lula, que não desiste de tentar a mesma coisa, pediu novamente sua libertação — felizmente, o resultado foi o mesmo.

Nossos parlamentares, que também tentam até dar certo, organizaram, na calada da noite, uma CPI para investigar a Lava-Jato. Ninguém quer investigar nada, claro: é mais uma tentativa de intimidar os procuradores e juízes para que parem a operação. Denunciados, mais de 50 deputados retiraram seus nomes, e a CPI tende a se inviabilizar. Entre os signatários, há gente do PSOL ao DEM, prova de que o Brasil não se divide entre direita e esquerda, mas entre avanço e atraso.

A cada dia, um novo esforço a favor do atraso faz parecer que não há chance de o Brasil se tornar um país decente (62% de nossos jovens querem sair daqui), no entanto, é preciso pôr as coisas em perspectiva. O descalabro na Segurança permanece, mas demos um passo na direção certa com a criação do Sistema Único de Segurança Pública. A prisão em segunda instância é uma realidade. O foro privilegiado foi reduzido.

A tentativa de melar a Lava-Jato ocorre porque a operação, que condenou 160 pessoas, funciona, e, pela primeira vez, criminosos ricos estão indo para a cadeia. O movimento para libertar Lula ocorre porque, bem, ele está preso. “A esperança dança na corda bamba de sombrinha”, como cantava Elis em outros tempos, também difíceis: aos trancos e barrancos, o Brasil avança.

Termino este artigo com uma nota esperançosa porque acho, mesmo, que “o Brasil tem jeito”, e porque preciso fazer uma pausa na coluna para me dedicar a um projeto que exige muito otimismo. Foi um enorme prazer estar com vocês nestes 18 meses, e uma hora eu volto.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

O Sistema Único de Segurança


Os dados oficiais mostram o medo que faz parte da vida de milhões de brasileiros
     
O Estado de S.Paulo - 14 Junho 2018  

A recente divulgação do Atlas da Violência 2018, levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), não deixa dúvida: o combate à descontrolada violência que tem dizimado milhares de brasileiros todos os anos é um dos maiores desafios que se impõem ao poder público em todas as esferas de governo.

De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), base do Atlas, o Brasil alcançou a marca de 62.517 homicídios em 2016. O número macabro, que ultrapassa o número de mortes em muitos países conflagrados, equivale a 30,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso representa o triplo dos índices europeus e está muito acima do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera “aceitável”, se é que uma palavra como esta possa ser empregada quando se está tratando de mortes violentas.

As estatísticas que saltam dos dados oficiais são a representação fria do medo que faz parte da vida de milhões de brasileiros há muito tempo. Já passava da hora de uma ação coordenada entre a União e os Estados, entes que por comando constitucional têm o dever de garantir a segurança pública, para dar conta da complexidade do crime organizado e da violência extremada que faz desse medo um sentimento que hoje une os brasileiros muito mais do que a paixão pela seleção brasileira de futebol, como revelou uma recente pesquisa de opinião.

Na terça-feira, o presidente Michel Temer sancionou, com vetos, a Lei n.º 13.675/2018, que cria a Política Nacional de Segurança Pública (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), entre outras providências.

Claramente inspirado no Sistema Único de Saúde (SUS), o Susp representa um importante passo dado pelo Congresso Nacional para enfrentar o mal da violência ao organizar todas as esferas de combate à criminalidade em nível federal e estadual, integrar a atuação das diversas forças policiais em atividade no País e, ainda mais importante, criar os meios necessários para a troca de informações entre elas.

Em artigo sobre o tema publicado pelo Estado no mês passado (Um SUS para a segurança pública, de 24/5/2018), o senador José Serra (PSDB-SP) enfatizou, com razão, que “o diagnóstico que levou à aprovação desse projeto é exatamente o de que o combate ao crime organizado se faz com o uso de inteligência, o compartilhamento de informações e o aprofundamento da cooperação e da coordenação entre os vários órgãos de segurança pública, nos três níveis da Federação. O crime sofisticou-se, organizou-se e criou redes hierárquicas nacionais – em alguns casos, até com ramificações internacionais. A resposta do Estado para derrotá-lo é investir em inteligência, informação e planejamento”.

É sabido, porém, que não basta a publicação de uma lei para que o problema que ela pretende resolver desapareça como em um passe de mágica. Há que reconhecer o mérito do Legislativo e do Executivo nos trabalhos que resultaram na Lei n.º 13.675/2018, mas isso não pode obnubilar a visão da sociedade diante dos grandes obstáculos à sua eficácia.

Todas as vezes em que se tentou criar mecanismos para troca de informações básicas entre as forças de segurança dos Estados, não foram poucas as ações que os fizeram morrer no berço. Basta dizer que nem sequer as Polícias Civil e Militar de um mesmo Estado trocam informações entre si, que dirá entre corporações de outras unidades federativas.

Além disso, é importante lembrar que ter informação é ter poder. Na visão de setores das corporações de segurança, “perder” ou “compartilhar” o controle sobre informações é o mesmo que perder poder. Em última análise, significaria perder privilégios. Portanto, não é difícil imaginar o grau de resistência que a implementação de um programa como o Susp sofrerá adiante.

Para a sociedade brasileira, o melhor é que os interesses setoriais sejam superados pelo esforço nacional de dar fim a um dos maiores males que há décadas aflige a Nação. Assim, o Susp poderá, no futuro, ter o mesmo sucesso que seu par na área da Saúde.


Os estragos da greve


O estrago causado pela crise no transporte, ainda sem solução, fica mais claro a cada nova notícia positiva sobre a evolução da economia em abril, o mês anterior à paralisação

O Estado de S.Paulo - 14 Junho 2018 | 03h00

O estrago causado pela crise no transporte, iniciada em maio e ainda sem solução, fica mais claro a cada nova notícia positiva sobre a evolução da economia em abril, o mês anterior à paralisação dos caminhões. Ao pôr em xeque o governo e toda a atividade produtiva, os transportadores interromperam um movimento de recuperação iniciado depois de um primeiro trimestre decepcionante. A expansão das vendas no varejo, divulgada ontem, confirma a tendência já indicada pelo desempenho da indústria, com produção 0,8% maior que a de março, 8,9% superior à de abril de 2017 e crescimento de 3,9% acumulado em 12 meses. No conjunto mais amplo do varejo, todos os grandes componentes tiveram resultado positivo na passagem de março para abril. Não se via esse desempenho desde 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

As vendas no varejo restrito tiveram aumento mensal de 1% em abril e superaram por 0,6% as de um ano antes. No quadrimestre foram 3,4% mais volumosas que as de janeiro a abril de 2017. O crescimento em 12 meses bateu em 3,7%. Incluídos carros, motos e componentes e também material para construção se obtém o varejo ampliado. Nesse caso, o aumento mensal foi de 1,3%. Houve ganho de 8,6% em relação a um ano antes, de 7,4% no confronto dos quadrimestres iniciais e de 7% em 12 meses. 

As comparações interanuais e os volumes acumulados em 12 meses confirmam a tendência de crescimento observada a partir do começo do ano passado – pelo menos até abril. Mesmo com oscilações de um mês para outro, é clara a trajetória ascendente quando a base de comparação está a pelo menos um ano de distância. Esse movimento é evidenciado também pelos números da indústria. A produção do primeiro quadrimestre foi 4,5% maior que a do período correspondente de 2017. O avanço foi de 3,9% no confronto dos 12 meses findos em abril com os 12 imediatamente anteriores. 

Os primeiros efeitos da crise no transporte rodoviário já apareceram em alguns dados da atividade industrial de maio. A produção das montadoras de veículos, até abril em firme recuperação, caiu 20,2% de um mês para outro e 15,3% em relação a maio de 2017. A perda mensal apontada no relatório oficial da associação das montadoras foi de 53,8 mil unidades. Mas esse número só tem sentido quando a base de comparação é o resultado de abril. Quando se considera a tendência de crescimento observada até o mês anterior, percebe-se um prejuízo muito maior, estimado entre 70 mil e 80 mil pelo presidente da organização.

O setor automobilístico vinha liderando a recuperação industrial e contribuindo de forma importante para a reativação das vendas ao consumidor. Essa contribuição explica boa parte da diferença entre a expansão do varejo restrito e a do varejo ampliado. Em abril, por exemplo, as vendas de autos, motos e componentes foram 36,5% maiores que a do mesmo mês do ano anterior. Os números do comércio relativos a maio devem mostrar danos severos causados pela interrupção do transporte rodoviário. Nesse mês, 25 mil veículos deixaram de ser licenciados, segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. 

A crise no transporte provocou uma crise de abastecimento e a extensão dos danos aparecerá no próximo levantamento, comentou a gerente da Coordenação de Serviços e Comércio do IBGE, Isabella Nunes. Mas a perda, segundo ela, será um ponto atípico, fora da série, indicativo de um evento singular. Se essa avaliação estiver correta, a trajetória de recuperação será retomada em pouco tempo. Terá havido danos, mas transitórios. 

É cedo, no entanto, para formular essa previsão com um mínimo razoável de segurança. A extensão real dos estragos é desconhecida e, além disso, ainda há dificuldades para a contratação de transportes. Ontem o governo continuava negociando a formulação de uma tabela de fretes, a terceira, porque outras duas haviam sido rejeitadas por alguma parte interessada. A crise continuava, portanto, e os estragos se multiplicavam. 

Venenosa ganância

José Eli da Veiga 
Valor Econômico 27 jun 2018

Tudo indica que os 'perturbadores endócrinos' estejam entre as relevantes causas da virada à desinteligência

A inteligência das populações dos países mais avançados passou a regredir de forma galopante, depois de firmes e regulares avanços na segunda metade do século passado. Tal reviravolta tem sido chamada de "reversão do efeito Flynn" porque o pioneiro e mais notável analista dos resultados de testes de QI (quociente de inteligência) foi o americano James Robert Flynn, hoje professor emérito de ciência política da universidade de Otago, na Nova Zelândia.

Impossível saber a real abrangência geográfica, tanto do próprio efeito, quanto de sua inversão, pois isso depende de acesso a fidedignas bases de dados, como as longas séries com resultados dos testes a que foram submetidos os recrutas das forças armadas de nações como Austrália, Finlândia, Grã-Bretanha, Holanda, Noruega e Suécia.

Na Noruega, por exemplo, de 1976 a 1991 (último ano de serviço militar obrigatório), o QI médio dos alistados caiu 0,30 pontos ao ano, depois de ter aumentado 0,20 pontos ao ano entre as gerações de 1962 a 1975. Pior: há muitos indícios de que essa queda tenha se acelerado desde 1991. O suficiente, portanto, para que o problema seja considerado gravíssimo, já que a expectativa mais negativa seria a de eventual estabilização do grau de inteligência nesse tipo de amostragem.

Possíveis explicações para tão inesperada e preocupante fenômeno geraram ácida controvérsia. De um lado, hipóteses genéticas realçam duas variáveis: são as famílias menos inteligentes as que mais procriam, e são os filhos de pobres imigrantes que carregam menor acúmulo de ativos culturais (capital humano). Do outro, hipóteses ditas ambientais destacam o recuo da leitura de livros frente à onipresença das telas de TV, computadores e celulares; dificuldades do sistema educativo; a crise do Welfare State; e, sobretudo, problemas de saúde pública.

Essa clivagem genética/ambiente se tornou anacrônica desde que foi cabalmente comprovada a importância da epigenética, assim como a pertinência da conjectura de Darwin sobre adaptação/seleção nos âmbitos comportamental e simbólico. À luz das quatro dimensões hereditárias do processo evolucionário, é pura tolice antagonizar genética e ambiente. Além disso, os pesquisadores já deveriam saber que qualquer fato concreto é sempre síntese de múltiplas determinações. O que exige aposta em alguma abordagem de conjunção complexa, em vez de emulação das duas muletas do paradigma cartesiano: disjunções e reduções.

Enquanto isso não ocorre, merece máxima atenção uma das causas ambientais: os estragos provocados por compostos químicos que alteram o sistema hormonal. Tudo indica que os chamados "perturbadores endócrinos" estejam entre as mais relevantes causas da virada à desinteligência.

Por perturbadores endócrinos entende-se um amplo leque de substâncias químicas que interferem no conjunto de glândulas do corpo - pâncreas, tireoide, hipófise e suprarrenais - alterando a eficácia dos hormônios, assim como sua produção endógena. Esses tóxicos são muito comuns nos alimentos industrializados, cosméticos, produtos de higiene pessoal (principalmente sabonetes, loções, desodorantes e dentifrícios), plásticos, tecidos sintéticos, colchões, materiais de construção, e, obviamente, produtos de limpeza e praguicidas domésticos. Tudo vendido pelo comércio varejista sem qualquer tipo de cuidado e informação, ao contrário do que ocorre com muitos remédios e alguns praguicidas agropecuários, pois, em princípio, estão sujeitos a receituário e instruções de uso, além de explícitos alertas sobre os riscos.

As cinquenta páginas do "Statement of the Endocrine Society on Endocrine-Disrupting Chemicals" já haviam enfatizado, em 2009, o quanto os perturbadores endócrinos podem ser deletérios à inteligência. Em especial, a altíssima probabilidade de dano à formação do cérebro do feto sempre que uma grávida tenha contato com tais poluentes. A novidade é que esse alarme acaba de ser ratificado no periódico Endocrine Connections (2018, 7, R160-R186), mediante revisão de 433 trabalhos - "Thyroid-disrupting chemicals and brain development: an update" - conduzida por três feras do sistema de pesquisa francês: B. Mughal, J-B. Fini e B. Demeneix.

A liderança dessa metanálise foi da endocrinologista britânica Barbara Demeneix, que há muitos anos trabalha no CNRS, é autora do livro Cocktail Toxique (ed. Odile Jacob, 2017), e teve participação de destaque em recente documentário que precisa com urgência ser legendado: Demain, tous cretins? (https://www.youtube.com/wach?v=WWNARPyruoQ).

Quem assistir, com certeza ficará bem mais prudente ao compor sua cesta de consumo. Provavelmente também se perguntará como é possível que as indústrias químicas e farmacêuticas, assim como as cadeias de supermercados, consigam ser tão inescrupulosamente gananciosas, enquanto trombeteiam ser "sustentáveis". E verificará o grau de monstruosidade delinquente da atual cruzada de empresários e deputados ruralistas brasileiros contra a regulamentação responsável dos agrotóxicos, via "PL do veneno".
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José Eli da Veiga é professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) e autor de Amor à Ciência (Senac, 2017), o mais recente de seus 27 livros




O golpe do voto impresso

Fernando Limongi Valor Econômico


STF perdeu a chance de pôr uma pá de cal sobre as suspeitas

No início desse mês, por meio de uma decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a impressão dos votos na eleição de 2018. Como de costume, o STF adiou a decisão definitiva e, ao fazê-lo, deixou de se pronunciar sobre o que estava de fato em jogo, a saber, se procedem ou não as suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Os ministros parecem não ter se dado conta da seriedade da questão que tinham diante de si.

Aprovado na reforma eleitoral de 2015, o artigo da lei posto no limbo é de autoria do deputado Jair Bolsonaro e visa, segundo seu autor, contribuir para a lisura do processo eleitoral. A premissa do artigo, portanto, é a de que restam dúvidas sobre a apuração dos votos no Brasil. Para ser mais claro: os defensores do voto impresso não confiam nas urnas eletrônicas. Não confiam é, na verdade, um eufemismo, estão certo de que as urnas abrem brechas para fraudes.

A despeito dessa certeza, os defensores do voto impresso nunca apresentaram provas ou fatos objetivos em defesa de sua tese. O argumento é tortuoso: como as urnas não são auditáveis, não há certeza que os votos dados são os contados. E por que não se dá essa certeza? Ora, porque assim se deixaria a porta aberta para a fraude. Mais um passo e se chega à conclusão de que a oportunidade seria necessariamente aproveitada. Assim, da suspeita se deriva a certeza. As garantias oferecidas pelo sistema são desconsideradas de forma olímpica. Vale a teoria da conspiração, que Bolsonaro reafirmou: a decisão do STF provaria o que vem dizendo faz tempo, que há um conluio entre TSE e Datafolha para fraudar as eleições de 2018.

Em suma, o movimento Voto Impresso é capitaneado por quem quer desacreditar os resultados. Sua precursora foi Ana Prudente, candidata derrotada ao Senado pelo PTC, em 2006. O movimento nasceu patrocinado por candidatos inconformados com o pequeno número de votos que recebiam. E ganhou força nas redes sociais após a eleição de 2014.

Naquele ano, um ato para "demonstrar a insatisfação com os resultados das urnas" foi convocado para a semana seguinte ao segundo turno, em Brasília. Em São Paulo, mais atilados e efetivos, os Revoltados On-line, percebendo que demonstrar insatisfação com resultados eleitorais seria inócuo, foram direto ao ponto e convocaram um ato para pedir a "anulação das eleições". Manifestações similares foram convocadas para outras capitais.

De todos os atos, o de São Paulo foi o único que reuniu gente o suficiente para virar notícia. Lobão, devidamente enrolado na bandeira nacional e em cima de um carro de som, deu veio à criatividade para exigir "a recontabilização dos votos". O perito Ricardo Molina, outro com direito ao uso da palavra, recorreu a seus conhecimentos científicos para decretar: "As urnas são fraudáveis. Qualquer um que não é analfabeto sabe disso."

Molina tem mil e um usos para seus conhecimentos técnicos. Trata-se do mesmo perito que se prontificou a sustentar que as gravações da conversa entre Michel Temer e Joesley Batista seriam montagens, que o presidente não teria dito "tem que manter isso aí, viu".

Voltando à manifestação, o deputado Eduardo Bolsonaro (atualmente no PSL-SP, à época, filiado ao PSC) apresentado como "alguém de uma família que vem lutando muito pelo Brasil", aproveitou a oportunidade para lançar a candidatura paterna às eleições de 2018. Garantiu que Bolsonaro pai "teria fuzilado Dilma Rousseff se fosse candidato" em 2014. Expôs, em seguida, a escala de valores da família: "Voto no Marcola, mas não em Dilma. Pelo menos ele tem palavra."

Naquela mesma semana, ao entrar com pedido de auditoria das urnas, o PSDB deu ouvidos a essas vozes e a esses valores. A petição apresentada se baseou em "denúncias das mais variadas ordens, que se multiplicaram após o encerramento do processo de votação nas redes sociais." Trocando em miúdos, a base do pedido eram "fake news" espalhadas pelos inconformados com os resultados.

O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) bem que tentou explicar os objetivos de seu partido, mas o máximo que conseguiu foi fazer um jogo de palavras: "Isso não é para contestar o resultado dessas eleições, mas para checar ponto a ponto todo o processo de credenciamento das urnas eletrônicas, das modalidades de fiscalização e apuração dos resultados para que tenhamos maior segurança quanto à lisura das apurações."

Aécio Neves, tempos depois, em conversa gravada por Joesley Batista, diria, entre umas e outras, que o objetivo era encher, se vingar do PT. Mas a irresponsabilidade não parou ali, pois o partido obteve os dados e a autorização do TSE para fazer sua auditoria. A conclusão, após dez meses de trabalho e um custo estimado de R$ 1 milhão, foi a de que não havia indícios de que a eleição fora fraudada.

Mas o partido não se fez de rogado e para salvar a cara, seu relatório trouxe a seguinte pérola: "Sem a regulamentação do voto impresso, a transparência das eleições será comprometida, pois, como dito anteriormente, o respeito a um sistema democrático se dá quando adotamos mecanismos de verificação que tranquilizem o eleitor quanto à lisura do processo eleitoral como um todo." Ou seja, mesmo sem encontrar indícios de fraude, o PSDB manteve sua disposição para apoiar as visões fantasiosas dos que, quando derrotados, questionam a 'lisura do processo eleitoral'.

Não há razão objetiva ou fato que dê base à 'intranquilidade' que alimenta o movimento pelo voto impresso e que o PSDB resolveu encampar. Fora a intolerância e a irresponsabilidade dos derrotados, nada sustenta a suspeição sobre as urnas eletrônicas e a apuração dos resultados.

O STF perdeu a oportunidade de pôr uma pá de cal sobre essas suspeitas infundadas, afirmando com todas as letras que tal suspeição tem nome: golpe.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

A intervenção sob dois pontos de vista distintos IMPORTANTE LEITURA


Ambos textos são coerentes e fazem uma perfeita radiografia dos nossos atuais problemas. 
Por mais paradoxal que possa lhes parecer, CONCORDO COM AMBOS!!

Encaminho para leitura atenta e reflexão.


NADA MUDARÁ DE UMA HORA PARA OUTRA NO BRASIL!
Gen Bda Paulo Chagas

Caros amigos

Nas FFAA não há ninguém conivente ou contente com o que se passa em nosso país, no entanto, todos confiam que a mudança virá no tempo e da forma que a circunstância ditar.

A grande preocupação dos Militares é com a manutenção da ordem interna. Eles sabem que nada mudará de uma hora para outra em um país que vem sendo destruído pelo populismo socialista, há mais de 30 anos, e que a aquisição de novas ATITUDES e novos VALORES só será feita por intermédio da educação e do acesso à verdade e à cultura!

Eles sabem também que a formação de uma nova geração não é algo que se imponha pela força ou que se conduza por um atalho qualquer! 

Aí ficam as perguntas: Será que o povo brasileiro terá  serenidade para manter a estabilidade e participar da reconstrução? Será que teremos inteligência, perseverança e resignação para sofrer com o Brasil durante o tempo que demandará a formação de uma nova geração com as atitudes e os valore que irão, definitivamente, reerguer e sustentar a Nação? Será que saberemos manter-nos unidos e responsavelmente participativos? Ou será que continuaremos apenas a observar, inertes, como fizemos durante a sua destruição?

Se os brasileiros não estiverem unidos, preparados e dispostos a enfrentar estes desafios só faremos enfraquecer as nossas defesas e preparar o terreno para uma nova e mais poderosa investida dos arautos a inveja, da mentira e da mediocridade.

Gen Bda Paulo Chagas


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Contraponto à opiniões do Gen Paulo Chagas em “NADA MUDARÁ DE UMA HORA PARA OUTRA NO BRASIL!”
Antônio Thomé - Cel QEM e Professor Universitário

A sociedade brasileira vive momentos muito difíceis, sem comparação com qualquer outro ao longo dos últimos sessenta anos. Hoje se colhe frutos de erros e equívocos cometidos, porque não admitir que houveram, e que deram espaço a implementação de um plano bem elaborado, seguindo premissas muito bem formuladas e com o objetivo da implantação de um regime totalitário socialista bolivariano. Quem cala consente e como minha leitura do problema diverge em vários pontos a do autor, sinto-me compelido a refutar suas colocações.

Que nada muda de uma hora para outra é uma verdade, mas também é verdade que nada muda se não for alterado o ponto, a intensidade ou a direção da aplicação da força modificadora. Como esperar que flores germinem em terreno infectado e inóspito? Só por milagre ou ingenuidade daquele que investe tempo e não energia na busca por mudanças.

Que nas FFAAs não há conivência ou contentamento com o que se passa no País, eu continuo fazendo força para crer, pois me custa aceitar que companheiros que passaram pelas mesmas escolas de formação e fizeram os mesmos juramentos em prol da Pátria possam, um dia, vir a mudar as cores de seus uniformes. Que nosso Exército deixe de ser o braço forte e a mão amiga para se tornar o braço forte e a mão opressora, como em todos os países admiradores da foice e do martelo.

Colocar nas costas do povo a responsabilidade por adquirir novas ATITUDES e VALORES e, a partir deles, escolher caminhos virtuosos para construção de uma nova sociedade com esse maiúsculo, é, a meu ver, uma desculpa esfarrapada e uma exigência inviável de brotar do nada. [sobretudo se a formação da consciência de cidadania fica a cargo de instituições contaminadas - igrejas, escolas, família e mídia - a partir dos seis anos de idade] , Temos hoje um País com uma das piores distribuições de renda do mundo, com mais da metade da população praticamente abaixo da linha da pobreza, nunca tivemos uma sociedade tão inculta, com tantos analfabetos funcionais e onde a esquerda, mesmo durante os governos militares, investe numa sistemática doutrinação e lavagem cerebral das pessoas desde a infância e numa dependência fisiológica através das diversas bolsas esmolas praticadas pelos governos.

Adquirir novas ATITUDES e VALORES, é fundamental acho que todos concordamos, mas isso só será viável a médio e longo prazo, como fruto de uma mudança radical em todo o processo de ensino atualmente em vigor e totalmente aparelhado, de cima a baixo, desde o nível fundamental ao superior. Quem fará essas mudanças? E até a colheita dos frutos, como serão os dias da nação? Será que tudo se imobiliza até o bolo ficar pronto? O País precisa de um tratamento de choque, rápido, eficaz e de curta duração, para então colocarmos homens de bem e patriotas no controle do leme.

Me causa espécie ver o imobilismo que impera nas três forças. Será que vocês, companheiros da reserva, e eles, da ativa, conseguem, ainda, ver um mar de rosas onde muitos outros brasileiros, veem só areia movediça engolindo tudo que ainda resta de bom na sociedade? A corrupção sistêmica não é o foco do problema, mas apenas a ponta do iceberg, estabelecida como parte da estratégia de cooptação de “inocentes úteis” e forma de subsidiar o verdadeiro plano de ocupação bolivariana do poder sob a cartilha gramscista do Foro de São Paulo.

A meu ver, só uma intervenção cirúrgica de assepsia seria capaz de unir o povo, artificialmente dividido e patrulhado, e fazê-lo participar, com afinco e patriotismo, da reconstrução do País. A ação não deve ter objetivos de permanência no poder, mas tão somente de restabelecer as condições mínimas para convocar, o quanto antes, uma eleição geral que seja confiável, sem vícios e que o povo tenha apenas candidatos ficha limpa para escolher. Do contrário, nada mudará, a longo nem a longuíssimo prazo, afinal nosso Brasil luta há mais de 500 anos para vencer os entraves de se tornar uma nação de primeira grandeza mesmo sendo o País que está sentado sobre as maiores riquezas naturais do planeta.

Colocar todas as fichas num jogo eleitoral a ser jogado nas regras, no campo e com os juízes escolhidos pelos adversários, é colocar o destino do País em um altíssimo risco de descer de vez a ladeira e sem qualquer chance de recuperação. Analisar e ponderar diferentes cenários é fundamental e aqueles que só veem e lutam por uma solução “politicamente correta” serão os principais responsáveis pela grande derrocada e eu não me permito ficar omisso porque não quero dividir essa mancha na biografia que espero deixar para meus descendentes. Ainda há tempo de evitar o desastre e, como brasileiro, espero que o texto sirva para reflexão dos que detêm o poder de mudar a trajetória do barco, que ruma sem direção e desgovernado.

Antônio Thomé - Cel QEM e Professor Universitário

#intervençãomilitar 

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