sábado, 30 de junho de 2012

Leitura, reflexão e conhecimento





‎"Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo"


Paulo Francis

O Mercosul sob influência chavista



 EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO

A reunião de cúpula do Mercosul, em Mendoza, teria, em condições normais, ampla agenda para discutir, pois ocorre no momento em que o eixo do bloco comercial, Brasil-Argentina, enfrenta graves problemas, devido ao protecionismo crescente dos argentinos. Mas terminou dominada pela questão político-diplomática do destino do Paraguai no acordo comercial, pauta imposta pelos interesses chavistas representados no grupo.

Não é por acaso que, segundo consta, Dilma Rousseff foi alertada pela presidente argentina, Cristina Kichner, na Rio+20, sobre o processo de impeachment em curso contra o paraguaio Fernando Lugo. Cristina K. há tempos assume ares bolivarianos, e se mostra bem mais próxima do caudilho venezuelano, do qual o ex-bispo Lugo também é aliado.

O governo brasileiro reagiu num impulso - erro primário em política e diplomacia -, ao entrar no coro de denúncia do "golpe parlamentar" supostamente desfechado contra Fernando Lugo. Horas depois, Brasília reduziu os decibéis das declarações e, em alguma medida, atenuou o tom. Mas, na essência, manteve o sentido punitivo contra um dos fundadores do Mercosul, um país com o qual tem laços estreitos de interdependência, mais que a Argentina.

O chavismo não perdoa o Congresso paraguaio por ele ter sido o único obstáculo a que a Venezuela chavista entre no Mercosul, um passo temerário, diante do conhecido poder desagregador do caudilho e do seu isolamento crescente no mundo.

Afastar o aliado Lugo, num processo de impeachment muito rápido, contra um dos requisitos da democracia que é o amplo direito de defesa - mas sem ferir qualquer dispositivo da Constituição do país -, colocou o Congresso de vez na linha de tiro dos interesses de Chávez no continente.

Alertada Dilma por Cristina K., o Brasil aceitou ser terceirizado no contra-ataque ao Paraguai. Sério equívoco diplomático. Espera-se que haja em Brasília alguém preocupado com alternativas para reduzir danos futuros decorrentes desta terceirização deplorável.

O maior dos danos é o óbvio: problemas no fornecimento de energia de Itaipu, pouco mais de 15% do consumo nacional, incluindo a parte não utilizada pelos paraguaios e comprada pelo Brasil. É uma parcela significativa. São risíveis as tentativas de autoridades brasilienses de minimizar esta dependência, com o argumento do atual desaquecimento econômico. Ora, teria de haver uma depressão para o Brasil poder abrir mão de Itaipu.

Segundo o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Antonio Patriota, há o consenso de não se impor sanções ao Paraguai, por suposta afronta à "cláusula democrática" do Mercosul. Mas o país continuaria suspenso do bloco, até as eleições do ano que vem. Pode não atender aos espíritos mais radicais existentes em Buenos Aires, Brasília e Montevidéu, mas abre uma janela para Chávez, enfim, entrar no acordo comercial, com todo seu poder de desagregação. E quando o Paraguai voltar ao grupo?

Um erro, como se vê, costuma produzir outros erros, em sucessão. O Mercosul sai menor de todo este episódio.
.

Mercosul e autoritarismo


Quem tem legitimidade de decidir as ações do Executivo é o Senado Federal.
Onde estão?!?! Certamente reféns de uma reforma tributária que jamais existirá que sufoca e retém recursos de quem não vier a apoiar tal insanidade e deletério.
Os sinais são claros, cristalinos acerca do perfil autoritário e excludente dos governantes signatários do Foro de São Paulo. Nossa sociedade se permite, por intermédio de sua omissão e comodismo, ser representado por um governo ditatorial e arbitrário que, inclusive e sem nenhuma preocupação do cidadão normal, fã de novelas e futebol, venha a fazer correlação de causa e efeito com a Comissão da Verdade. 
É muito aparvalhamento, é muita anomia.




Mercosul e autoritarismo
 EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo


O Mercosul será um bloco muito menos comprometido com a democracia se os presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai decidirem afastar o Paraguai, temporária ou definitivamente, e abrirem caminho para o ingresso da Venezuela, país comandado pelo mais autoritário dos governantes sul-americanos, o presidente Hugo Chávez. Mesmo sem esse resultado, qualquer punição imposta ao Paraguai será uma aberração. Será preciso imputar ao Legislativo e ao Judiciário paraguaios a violação de uma regra jamais escrita ou mesmo consagrada informalmente pelos quatro países-membros da união aduaneira.

Até a deposição do presidente Fernando Lugo, a Constituição de seu país foi considerada compatível com os valores democráticos. Segundo toda informação disponível até agora, nenhum item dessa Constituição foi violado no rapidíssimo processo de impeachment concluído na sexta-feira passada. Diante disso, nem mesmo o governo brasileiro, em geral afinado com a orientação dos vizinhos mais autoritários, qualificou como golpe a destituição de Lugo. Se não foi um golpe, como caracterizar a ação antidemocrática?

Ataques aos valores democráticos ocorrem com frequência tanto na Venezuela quanto em outros países sul-americanos, mas sempre, ou quase sempre, sem uma palavra de censura das autoridades brasileiras. Ao contrário: a partir de 2003, a ação diplomática de Brasília tem sido geralmente favorável aos governos da vizinhança, quando atacam a imprensa, quando se valem de grupos civis para praticar violências e outros tipos de pressão contra os oposicionistas e quando trabalham para destroçar as instituições e moldá-las segundo seus objetivos autoritários.

Não é preciso lembrar detalhes da ação do presidente Chávez para mostrar como seu governo se enquadra nessa descrição - embora na Venezuela, segundo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, haja excesso de democracia. Mas o chefão bolivariano é apenas um entre vários dirigentes sul-americanos com vocação autoritária.

A presidente Cristina Kirchner é um exemplo especialmente notável. Como presidente pro tempore do Mercosul, condenou prontamente a destituição do presidente Lugo e se dispôs a excluir o governo paraguaio da reunião de cúpula marcada para esta sexta-feira. Mas os compromissos da presidente argentina com a democracia são notoriamente frágeis. Não há nada surpreendente nesse fato, porque é muito difícil a convivência do populismo com os valores democráticos. A incessante campanha do Executivo argentino contra a imprensa é apenas uma das manifestações da vocação autoritária dos Kirchners e, de modo geral, dos líderes peronistas.

Essa campanha foi levada pelo chanceler argentino, Héctor Timerman, a Mendoza, onde ministros de Relações Exteriores se reuniram para preparar o encontro presidencial.

Já na quarta-feira à noite o ministro argentino falou sobre tentativas da "direita golpista" de enquadrar os governos da região e atacou o jornal ABC, de Assunção, acusando-o de haver incitado os políticos a depor o presidente Lugo. Atacou também os diários La Nación e Clarín, de Buenos Aires, por haverem, segundo ele, justificado o impeachment do presidente paraguaio. "Vemos diariamente", acrescentou, "a ideia de enquadrar presidentes como Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica."

Não por acaso o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, saudou com entusiasmo os colegas argentino e brasileiro, ontem de manhã, no hotel onde os chanceleres começariam a discutir as sanções ao Paraguai. O Senado paraguaio tem sido o último obstáculo à inclusão da Venezuela entre os membros do Mercosul. Os Parlamentos do Brasil, da Argentina e do Uruguai já aprovaram.

Suspenso ou afastado o Paraguai, o obstáculo será removido e o Mercosul será governado pelo eixo Buenos Aires-Caracas. Quaisquer compromissos com a democracia serão abandonados de fato e as esperanças de uma gestão racional do bloco serão enterradas. Para precipitar esse desastre bastará o governo brasileiro acrescentar mais um erro diplomático à enorme série acumulada a partir de 2003.
.

A natureza ao alcance da mão


MARCELO COELHO
FOLHA DE SP 

Cachorros com preferências menos eruditas podem encontrar programação cultural dentro de casa

Já existem bolos de aniversário para cachorros, assim como sorvetes e chocolates, sem contar com psicólogos e spas para os que abusaram das guloseimas.

Mesmo quem acha normal esse tipo de coisa deve ter se espantado com a notícia que saiu na "Ilustríssima" deste domingo. Uma das maiores exposições de arte contemporânea do mundo, a Documenta de Kassel, organiza agora visitas guiadas para cães.

Conduzidos por veterinários, os cães são levados para "farejar objetos das instalações que encontram no parque Karlsaue", conta a jornalista Silvia Bittencourt.

Cachorros com preferências menos eruditas podem encontrar programação cultural dentro de casa mesmo. Surgiu, nos Estados Unidos, um canal a cabo especializado em distrair a população canina.

A DogTV funciona 24 horas por dia, e suas atrações se dividem em três tipos. Há cenas para estimular o cão, para adormecê-lo, e para acostumá-lo ao convívio social.

Procurei pela coisa no YouTube, e coloquei a tela do computador na frente do meu cachorrinho. Ele não reagiu a nada. Talvez prefira a Documenta de Kassel. Em todo caso, os criadores desse canal certamente precisam aperfeiçoar a programação. Talvez, pagando uma taxa extra, sejam fornecidos óculos 3D, sem contar com uma necessária máquina de reprodução de odores.

Sem isso, tudo indica que ver um cachorro adormecendo ou correndo atrás de uma bola não é suficiente para induzir o animal doméstico a um comportamento parecido.

A psicologia por trás da criação desse canal, segundo reportagem na revista "Época" desta semana, está no fato de que muitos cachorros se sentem abandonados dentro de casa, enquanto seus donos saem para trabalhar. Como resultado, latem, urinam e destroem objetos, como forma de protesto; ou apenas para chamar a atenção dos humanos demasiado relapsos.

Mesmo que o canal não funcione, é certo que o humano se sentirá menos relapso pagando uma mensalidade para o canal. Reproduz-se, evidentemente, o fenômeno clássico da "babá eletrônica", que distrai as crianças enquanto os pais têm mais o que fazer. Sem disposição para ter filhos, o jovem adulto sai de casa para morar sozinho. Sente necessidade de alguma coisa, que seria difícil definir: Companhia? Afeto? Responsabilidades?

Melhor, quem sabe, chamar isso de "vida". Vida animal, vida selvagem, vida infantil -qualquer vida que, sendo outra, é ainda parte de nós mesmos, e não inteiramente igual a nós. Imediatamente -cachorro ou criança-, as encrencas começam. E o esforço do dono da casa será, sempre, o de "humanizar" aquele novo tipo de ser. Com crianças, isso dá muito trabalho, mas tende a dar mais certo.

Com os cachorros, vejo que não é só consumismo o motivo de tantas atenções e produtos à disposição. Trata-se de uma forma especial de nostalgia, uma herança a mais do velho pensamento de Rousseau.
A natureza, quase inteiramente domesticada pela cultura industrial, pareceu nos últimos séculos nos encarar com aquele jeito de cachorrinho abandonado na rua. Torna-se objeto de ternura, magnificada pela distância.
De resto, por falar em seres abandonados na rua, foi provavelmente o mesmo romantismo que levou o curador de outra exposição de arte, a Bienal de Berlim, a chamar pichadores brasileiros para mostrarem o seu trabalho numa igreja de 1830.

Eles "demarcaram o seu território", emporcalhando não só o patrimônio histórico da cidade, mas o próprio curador. Pelo menos assim a iniciativa ganhou sentido. Foram convidados porque eram "transgressores", e não se corromperam com o convite. Transgrediram.

Já o cachorro de apartamento, tendo uma vocação obediente e domesticável, é a natureza ao alcance da mão. Mais do que uma cena campestre, corresponde ao nosso olhar; comunica-se conosco, mas sua linguagem não tem palavras.

Queremos que se humanize, assim como o apaixonado por jardinagem refaz a desordem vegetal em canteiros bem comportados.

Somos entretanto incapazes de levar com sucesso o plano de humanização. Isso não seria desejável, aliás. Imagine-se conviver com um cachorro falante à mesa do jantar. Basta que conviva conosco à frente da televisão. Logo brigaremos pelo controle remoto. Não importa. É possível que os canais para humanos, psicologicamente testados para distrair, socializar e acalmar a nossa espécie, não sejam tão diferentes assim.
.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Enriquecer é glorioso

Uma oportuna reflexão.


Enriquecer é glorioso
DAVID COIMBRA 

Zero Hora



Depois que Mao morreu, no fim dos anos 70, seu sucessor, Deng Xiaoping, pronunciou uma frase que mudaria o mundo: 

“Enriquecer é glorioso”. 

Essa sentença foi mais do que a liberação dos chineses para o capitalismo. Trata-se de um conceito comportamental. Uma filosofia. Uma ideia próxima da lógica calvinista, que prega que o rico é rico porque merece, porque recebeu as bênçãos do Senhor devido à sua bondade. No caso chinês, o Senhor é substituído pelo Estado, e o melhor: um Estado comunista. 

Se enriquecer é glorioso, não existe culpa no enriquecimento. Exatamente o contrário do que se pensa aqui, do lado de baixo do Equador. Para a América católica em peso, enriquecer é quase vergonhoso. Em vez do princípio calvinista, exalta-se a advertência de Jesus de que “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”. 

O rico, para a América católica, é sempre suspeito de algum ilícito. Porque a civilização de origem ideológica judaico-cristã, ao contrário da chinesa, ceva-se na culpa. O que leva ao Reino dos Céus é o jejum, o sacrifício e a dor, nunca a alegria e a fortuna. O homem sofre agora para obter a recompensa mais tarde, no Além. 

Assim, as soluções da América católica para atenuar o padecimento deste mundo em geral são de subtração, não de soma. Os culpados pela vida precária dos que não têm, obviamente, são os que têm. Lugo caiu, no Paraguai, porque queria tirar dos brasiguaios o que eles têm. Lugo identificou nos brasiguaios as razões dos males dos paraguaios. Estive no Paraguai, em algumas coberturas jornalísticas. Conheci alguns desses brasiguaios. São pessoas que foram para o Paraguai há décadas, que lá tiveram filhos, que lá moram, trabalham e consomem. Não são estrangeiros usurpadores. 

Não sei se a derrubada de Lugo será boa ou ruim para o Paraguai, não tenho certeza de ter sido legítima, mas sei que sua verdadeira causa, o assaque aos brasiguaios, vem precisamente desse conceito latino-americano de que existe culpa na fortuna. Onde está o Mal? Está nos grandes, nos poderosos, nos ricos. A solução, portanto, está em tirar deles. Você não cria riqueza, você divide a riqueza. 

Para o governante da América católica, o que há é o que existe. Está posto. Pronto. É impossível fazer algo maior a partir do que já foi realizado. A riqueza das nações não pode ser aumentada. Muito menos a dos indivíduos. Afinal, tornar as pessoas ricas seria uma demasia. Seria suspeito, e jamais, jamais!, glorioso.

.

RIO+20 E SEUS RASCUNHOS



EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)


A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, resultou mais uma vez na frustração típica dos encontros de cúpula. A reunião de chefes de Estado que fechou a Rio+20 foi marcada por discursos cheios de intenções, sem tradução concreta em compromissos tangíveis. Para piorar, o documento final, elaborado pelas delegações que anteciparam as comitivas presidenciais, depois de perder a ênfase desejada, resumiu-se a um texto generalista, desprovido de metas e sem sinais de que os países assumem, a partir de agora, qualquer tipo de decisão para tentar reverter a crise ecológica que ameaça a biodiversidade do planeta, exaure os recursos naturais e coloca a humanidade em risco. 
Embora tenha festejado o evento com entusiasmo e exagerada benevolência, o governo brasileiro não sai incólume do fracasso e das críticas feitas ao Rascunho Zero, o documento que os chefes de Estado apenas corroboraram, salvo raras exceções. Cabia ao Brasil uma posição mais firme na defesa de uma mudança real, que implicasse em um programa de passos digno de otimismo compartilhado por todos, e não no otimismo de fachada para as câmeras de televisão. “Ficamos aquém de nossas responsabilidades”, declarou o recém-eleito presidente da França, François Hollande, com razão. E mais do que todos, o governo anfitrião ficou devendo honrar a responsabilidade da liderança, preferindo receber o aplauso unânime pelo esforço na construção dos consensos gerais, do que insistir em iniciativas ousadas que dificilmente escapariam da discordância necessária aos avanços, de fato, importantes.
Mas a sociedade brasileira não amarga apenas o gosto da oportunidade perdida pelo governo Dilma Rousseff. A Rio+20 mostrou claramente a distância entre o nível elevado e quase inútil das formulações diplomáticas e o chão das experiências valorosas que não podem ser desperdiçadas. As manifestações populares que aconteceram todos os dias da semana passada no Rio de Janeiro, bem como os intensos debates nos eventos paralelos, e as parcerias firmadas, provaram que o povo está cada vez mais adiante de seus representantes. Se uma agência de governança global dentro da ONU continua um sonho distante, se o financiamento da sustentabilidade ainda não alcançou o patamar esperado nas burocracias nacionais, resta da Rio+20 a satisfação de ver prefeitos, empresários, ambientalistas, cientistas e outros setores da sociedade de mãos dadas pelos objetivos comuns que não são assumidos pelos países que compõem as Nações Unidas.
Até o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi obrigado a afirmar o óbvio, ao lembrar aos signatários do documento final da conferência que o modelo antigo de desenvolvimento está falido. Ecoando as entidades não-governamentais e a repercussão negativa da inação dos líderes, ele disse: “O recurso mais escasso de todos é o tempo, e não podemos mais nos dar ao luxo de adiar decisões”.
Ou fazemos agora o rascunho do futuro, ou penalizamos irredutivelmente as próximas gerações.
.

Nova e covarde guerra do Paraguai

Conseguimos mais um feito em nosso omisso e anômalo perfil de viver democracia. Estamos permitindo que o governo petista -eleito para trazer justiça e inclusão social- nos  represente em ações arbitrárias e ditatoriais contra uma sociedade que, por intermédio de seus políticos adotou uma decisão democrática contrária aos interesses dos governantes signatários do Foro de São Paulo. 

Parabéns para nós, estamos reeditando outra Guerra do Paraguai. 
Enquanto nossa sociedade não se interessar estaremos reeditando a covarde e deplorável Guerra do Paraguai, só que desta vez, assim como antes, nos aliamos a Argentina e Uruguai para defender interesses do Foro de São Paulo e de Chavez ao invés da Inglaterra.

É exigir muito que a sociedade largue a novela, o futebol, o UFC/MMA e BBB para agir com maturidade e responsabilidade social.





ANÁLISE ESPECIAL: PARAGUAI DÁ UMA CACETADA NO FORO DE SÃO PAULO. É POR ISSO QUE OS COMUNISTAS ESTÃO ENLOUQUECIDOS!





O grande assunto político continua sendo a destituição do ex-bispo comunista Fernando Lugo. Todos os demais assuntos referentes à política interna brasileira ou a decantada crise européia têm suas estaturas diminuídas face aos acontecimentos no país vizinho.
Por que? Esta indagação tenho certeza é formulada pela maioria dos brasileiros. Quem acompanha a política tanto nacional como internacional e, sobretudo latino-americana, entenderá as razões que fundamentam a minha assertiva.
É que desde a criação do Foro de São Paulo, a organização esquerdista fundada em reunião na capital paulista no inicio dos anos 90 por Lula, Chávez e outros  comunistas e os ditos "movimentos sociais", implementa um plano continental que visa à implantação de regimes socialistas em todos os países latino-americanos.
É por isso que a destituição de Lugo, como foi a destituição de Zelaya em Honduras, soou como um um petardo de grandes proporções entre os comunistas do Foro de São Paulo.
A designação de comunista sempre acaba sendo aparentemente descabida depois da dèbacle do comunismo no final dos anos 80. Todavia o movimento comunista, embora tenha levado um baque significativo, rearticulou-se e continua tão vivo como nos tempos de Lenin. O que houve foi uma mudança de estratégia, mas o objetivo continua o mesmo.
Como não teria mais sentido a violência pura e simples que o comunismo sempre utilizou para conquistar o poder, até porque seria rechaçada, mudaram a estratégia para "paz e amor", ambientalismo e a utilização dos conceitos politicamente corretos. Valeram-se por exemplo, da questão dos direitos humanos consagrada na Carta da Onu e a primeira coisa que fizeram foi transformar comunistas em vítimas, embora sejam eles protagonistas de uma história pregressa de horror e assassinatos brutais como ocorreu na ex-URSS e continua ocorrendo em Cuba e na Coréia do Norte, que são ditaduras comunistas.
Até hoje nenhum país comunista foi democrático. Todos foram ditaduras e são ditaduras, como a cubana que já tem mais de 50 anos.

Mídia cala sobre o Foro de S. Paulo
Os comunistas então passaram a aceitar - entre aspas - as regras democráticas e começaram uma luta para alcançar o poder dentro da lei. Todavia, uma vez no poder passaram à uma segunda fase, que constitui no aparelhamento de todas as instâncias do Estado. O avanço desse projeto diabólico, até que seja consolidado, obedece a etapas. Basta que observem como era agia o PT no início do governo Lula ou como agia Chávez nos primeiros tempos de seu governo e até mesmo o tiranete da Bolívia.
Em mais de uma década de poder em vários países, os comunistas já estão aprofundando o seu processo de conquista total do Estado e, mais ainda, dos corações e mentes, através da lavagem cerebral que começa no jardim de infância e segue até as universidades. Quem conhece Antonio Gramsci, o italiano vagabundo e mentiroso metido a intelectual, verá que os comunistas do século XXI seguem sua cartilha.
Já conseguiram êxito no domínio de todos os sindicatos de trabalhadores, universidades, bem como das redações dos veículos de comunicação, já que os cursos de jornalismo formam a cada ano um grupo mais ou menos homogêneo que vai para o mercado de trabalho de cabeça feita.
Em linhas muito gerais é isso que vem ocorrendo. No entanto a palavra "comunismo", quando falada ou escrita, é repudiada pelos próprios comunistas que se apressam em ridicularizá-la e afirmam que "comunismo não existe mais". (Todo comunista é um doente mental e o sintoma dessa moléstia é a mentira). Todavia isso é um embuste, porque a palavra comunismo passou a ser odiada justamente porque todas as ditaduras comunistas liquidaram a liberdade e a democracia e prenderam ou assassinaram seus oponentes. Imaginem se esses embusteiros contumazes admitirão que são comunistas?

Gramsci: o embusteiro italianoE aí vem a questão: por que países pequenos e frágeis como o Paraguai e Honduras adquirem essa notoriedade toda? Ora, porque foram até agora os únicos que, com  sucesso e dentro da democracia, sem tanques e soldados nas ruas, sem macular a liberdade de expressão e de ir e vir das pesssoas, sem prisões e opressões, conseguiram assestar um poderoso revés aos planos do Foro de São Paulo.
Infelizmente a grande imprensa nacional e internacional já está em boa parte controlada pelos comunistas. E isto faz com que o noticiário do Paraguai seja completamente distorcido, como foi o de Honduras. A mídia dá relevo não para a questão principal, que é a ameaça comunista. Sim, porque os jornalistas militantes cuidam zelozamente para que este aspecto ideológico seja escamoteado. É como se os fatos sofressem uma "lavagem" depurando-os do conteúdo eminentemente político. O foco é dirigido no interesse dos comunistas e a palavra de ordem desde o início foi "golpe". Os comunistas como vítimas!, mais uma vez. A sordidez não tem limite. Invocam instituições democráticas para depois destruí-las.
Então, o que houve no Paraguai foi uma reação notável não só à figura de Fernando Lugo e seus bate-paus, mas cravou um dardo certeiro no coração do Foro de São Paulo, razão pela qual em uníssono todos os tiranetes vagabundos do continente latino-americano gritaram: "é golpe". Mas não colou. Pegaram o bonde errado justamente num país em que davam como favas contadas o seu domínio absoluto. Nenhum tanque na rua. Forças Armadas nos quartéis.  Nenhuma prisão, nenhum ato de violência por parte do novo governo. Nada. Os paraguaios seguem a vida normalmente.
Esta é, acreditem prezados leitores, a verdade absoluta sobre o episódio paraguai; uma leitura honesta do ponto de vista político e jornalístico.
Conclusão: o sonho democrático latino-americano voltado para a paz, a liberdade e o desenvolvimento ainda prevalece e com ele a ajeriza ao arreganho de qualquer tipo de ditadura.
Os paraguaios surpreenderam o mundo! E, sobretudo, a canalha comunista do Foro de São Paulo.
Pena que as oposições aos velhacos aqui no Brasil, na Venezuela, no Uruguai, no Chile, na Argentina, no Peru, no Equador e demais países do continente sul-americano, ficaram mudas!
Em troca, líderes como Fernando Henrique Cardoso preferem sair por aí defendendo a liberação da maconha ou dando discursos idiotas sobre desenvolvimento sustentável.
Até agora não ouvi e nem li pronunciamento de qualquer liderança de nível internacional importante fazendo uma crítica leal e justa sobre o evento político paraguaio e seus reflexos sobre a América Latina. O continente faz pouco que saiu de ditaduras de despotas cucarachas e corre o risco de ser dominado por ditaduras comunistas. Em pleno século XXI!
Hora de reagir. O Paraguai já está fazendo a sua parte.
.

Soberania, democracia e enxeridos



A regra é clara: cartão vermelho 
NELSON MOTTA
O Estado de S.Paulo 


Certos jogos de futebol são tão ruins que parecem intermináveis, quando os comentaristas dizem que os dois times poderiam continuar jogando a noite inteira que não sairiam do 0 a 0. A metáfora de sabor alulado é perfeita para expressar a destituição de Fernando Lugo da Presidência do Paraguai, mas não pela legalidade ou velocidade com que foi goleado por 76 a 1 no Congresso e depois no Tribunal Eleitoral e na Suprema Corte: na Constituição deles a regra é clara.

Mas caso os paraguaios resolvessem instaurar uma comissão de impeachment, cumprindo todos os ritos e formalidades do barroco latino-americano, como exigem os democratas Chávez, Cristina e Correa, até os paralelepípedos das ruas de Ypacaraí sabem que eles poderiam ficar num diálogo de surdos meses a fio, como num jogo ruim de futebol, que o resultado final não seria diferente.

Então, por que perder tempo e dinheiro e parar o país? Para ouvir estrangeiros dando pitaco nos problemas dos paraguaios, alguns até dispostos a dar dinheiro e armas para os "movimentos sociais" defenderem Lugo numa guerra civil? Em time que está perdendo não se mexe?

Até seus parcos partidários sabem que Lugo se embananou, tanto que entubou resignado a sua destituição ao vivo, diante de todo o país. Além da gestão desastrosa, Lugo decepcionou seu eleitorado popular desenvolvendo uma paixão por hotéis cinco estrelas e restaurantes de luxo em suas frequentes viagens ao exterior, no mínimo uma por mês, sempre com festivas comitivas, para agendas duvidosas. Descontente com o desconforto da primeira classe nos voos comerciais, tentou que a Itaipu Binacional lhe comprasse um Aerolugo da Embraer, mas a diretoria cortou suas asas. Negociava um Challenger usado de um cartola do futebol quando foi defenestrado.

O que a nossa diplomacia companheira vai fazer agora, além de estender o tapetão para a entrada da Venezuela no Mercosul? Vão obrigar o Paraguai a desrespeitar ou a mudar a sua Constituição? Vão dar ao novo governo direito de defesa na Unasul? Ou vão dar um chapelão a Lugo e abrigá-lo na Embaixada do Brasil em Assunção?
.

Sociedade condenada







"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".

Ayn Rand 

Filósofa russo-americana (judia, fugitiva da revolução russa, que chegou aos Estados Unidos na metade da década de 1920).

Um mundo requentado



ROBERTO DaMATTA
O Globo 


Dizem que o mundo está aquecido. Eu afirmo que é pior: vivemos num mundo requentado. Servir uma comida requentada é sinal de preguiça; melhor seria fazer um prato novo. É como ensinar a quem acha que sabe - essa multidão que povoa o mundo. O que singulariza um universo globalizado é um excesso de meios e uma enorme carência de fins. Nele, o velho tende a retornar como novo. No mundo diário isso surge com os homens de cabelo pintado da cor de burro quando foge. 

A vida é uma linha. Ela começa no nascimento, passa por um longo período de consolidação física e ética; segue para uma aliança conjugal cuja consequência é geralmente a criação de novas vidas e a responsabilidade de transformá-las em pessoas e, finalmente, ela nos leva a um ponto sem futuro (toda mudança na velhice é problemática porque não se mexe em time que está ganhando) que antecede a saída deste dramalhão barato e belo do qual tomamos parte sem termos sidos convidados. 

Não obstante essa implacável linearidade, cada fase da vida tem seus impulsos, seus dilemas e suas regressões. Uma nova etapa não acaba automaticamente com a outra. Exceto nos rituais e por isso eles são tão importantes, essas fases todas se confundem e criam dilemas dentro de dilemas e regressões (bem como saltos e rompimentos) em meio aos retornos. Continuar crescendo (dizendo não a nós mesmos) ou voltar a irresponsabilidade da infância? Caminhar sozinho na tempestade ou desistir? Como saber se o Brasil vai dar certo se ele continua e nós um dia partimos? 

Na meio do jardim podado da velhice encontramos o menino inseguro ou o adolescente moleque; na juventude tentamos viver o idoso que fala pausadamente e imagina que sabe tudo. As fases da vida seguem como um trem de ferro, mas a composição não é fixa. Muitas vezes a locomotiva é empurrada por vagões vazios... 

Tenho a sensação do requentado. A Rio+20 me reitera - apesar do esforço de alguns grupos e do Sergio Besserman - a Torre de Babel. E existe coisa mais velha do que redescobrir em meio a fanfarra da mídia e da presunção dos "chefes de estado" que nós, humanos, não nos entendemos nem quando se trata de salvar o teatro no qual atuamos? O único modo de encontrar o acordo é saber que estamos sempre em desacordo. Geralmente em nome de algo maior que para o outro é obviamente menor. Movidos por um enredo individualista, mas ignorando-o, queremos discutir o planeta sem nos darmos conta da força dos nossos tabus nacionais e patrióticos. O resultado é uma conta que não fecha, pois nossa maior dificuldade é justamente perceber o planeta como um englobante - como uma totalidade que tem suas razões e demandas. 

Há algo mais cinicamente requentada do que essa CPI Cachoeira-Demóstenes-Delta num momento eleitoral? Pode haver algo mais lamentável numa democracia do que a mentira e a mendacidade como valores políticos? O caso Demóstenes é culminante - como ter democracia sem oposição? Melhor do que isso, só o encontro de Lula com Maluf - essas criaturas da modernidade paulista -, ambos candidatos a padrinhos do candidato Haddad. Mas, no meio do retorno do nosso velho personalismo negativo e onipotente, surge uma Erundina que usa sua individualidade para dizer que sem os valores nenhum de nós é coisa alguma. E não há nada mais patético do que um ator sem texto. 

Eis uma pergunta que não pode calar: é possível fazer política - essa esfera da vida que hoje substitui a religião - permitindo tudo? O cálculo do poder pelo poder, o vencer a qualquer custo, a norma brasileira segundo a qual em política o pecado é perder, a ideia de que os adversários são canalhas são concepções vencedoras? 

Será que perdemos o senso e não nos importamos com a politicalha de alguns políticos? Pode-se viver democraticamente numa sociedade que tem uma multidão de leis, mas que não pune os privilegiados - os que, como Lula e Maluf e Haddad - entram no grupo do "nós somos tu e tu é nosso"? É possível conviver com o roubo aberto de bens essenciais para a nossa própria existência como escolas, hospitais, polícia e saneamento? Nem num livro de ficção científica escrita por um cínico se encontra essa combinação que hoje permeia a cena nacional: essa divisão de tarefas na qual um monte de gente trabalha para sustentar uma aristocracia estatal que nada faz e tem a arrogância de alardear isso como algo normal, comum em todos os países. 

Será que vivemos num país que conseguiu encaixar nos pagamentos rotineiros da vida pública algo que vai além dos dinheiros, pois nesse Brasilzinho de hoje a ideologia - que era o último reduto do altruísmo - virou também moeda corrente e sonante? 

"Um povo livre, escreve Karl Jaspers no seu "Introdução ao pensamento filosófico", sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação - continua - não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."
.

A GUARÂNIA DO ENGANO


Por Chiqui Avalos (*)

“A história do Brasil, vista desde o Paraguai, é outra”
(Millôr Fernandes)



Como num verso célebre de meu inesquecível amigo Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, alguns governos latino-americanos redescobrem o velho e sofrido Paraguay e resolvem salvar uma democracia que teria sido ferida de morte com a queda de seu presidente. Começa aí um engano, uma sucessão de enganos, mentiras e desilusões, em proporção e intensidade que bem serve a que se companha uma melodiosa guarânia, mas de gosto extremamente duvidoso.

Sucedem-se fatos bizarros na vida das nações em pleno século XXI. Uma leva de chanceleres, saídos da espetaculosa e improdutiva Rio+20, desembarca de outra leva de imponentes jatos oficiais no início da madrugada de um incomum inverno, e - quem sabe estimulados pela baixa temperatura  - se comportam com a mesma frieza com que a “Tríplice Aliança” dizimou centenas de milhares de guaranis numa guerra que arrasou a mais desenvolvida potência industrial da América Latina.


Surpresos? Pois, sim, não é para menos. Éramos ricos, muito ricos, industrializados, avançados, educados, cultos, europeizados, amantes das artes, dos livros, das óperas, do desenvolvimento. Nossos antepassados brilharam na Sorbonne e assinaram tratados acadêmicos, descobertas científicas ou apurados ensaios literários. A menção de nossa origem não provocava o deboche ou ironia tão costumeiros nos dias tristes de hoje, mas profundas admiração e curiosidade dos que acompanhavam nossa trajetória como Nação vencedora. Não ficamos célebres como contrabandistas ou traficantes, mas como povo empreendedor e progressista. A organização de nossa sociedade, a intensa vida cultura, o progresso econômico irrefreável, a bela arquitetura de nossas cidades, a invulgar formação cultural de nossa elite, a dignidade com que viviam nossos irmãos mais pobres (sem miséria ou fome) impressionavam e merecem o registro histórico.  A rainha Vitória, que não destinou ao resto do mundo a mesma sabedoria com que governou e marcaria para sempre a história do Reino Unido, armou três mercenários e eles dizimaram a potência que, com sua farta e boa produção e espírito desbravador, tomava o mercado da antiga potência colonial aqui, do lado de baixo do Equador. Brasil, Argentina e Uruguay, como soldados da Confederação, nos arrasaram. Nossos campos foram adubados pelos corpos de nossos irmãos em decomposição, decapitados à ponta de sabre e com requintes de sadismo. O Conde D’Eu, marido de quem libertaria os negros e entraria para a história, comandava pessoal e airosamente o massacre. Os historiadores, essa gente bisbilhoteira e necessária, registraram seu apurado esmero e indisfarçável prazer. O nefasto delegado Sérgio Fleury teve um precursor com quase um século de antecedência...



Nossas cidades terminaram por ser habitadas por populações majoritariamente compostas de mulheres e crianças. Poucos homens restaram. Pedro II, que marcaria a história do Brasil por sua honradez, comportou-se de forma impressionante nessa obscura página da história do Brasil, mas inversamente conhecidíssima na história de meu país: não moveu uma palha ou disse palavra acerca do sadismo de seu genro criminoso. Documentos por mim revirados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, mostram a assinatura do velho Imperador autorizando a compra de barcos, chatas, cavalos e tudo o que fosse necessário para uma caçada de vida ou morte (mais de morte, certamente) à Lopez. Não bastava derrotar o déspota esclarecido, o republicano que os humilhava, o que havia desafiado todos os impérios, o da Inglaterra, o do Brasil, o da Espanha... Era preciso assinar s eu epitáfio e esculpir sua lápide. E assim foi feito.



Derrotados, nunca mais fomos os mesmos. Passamos a ser conhecidos por uma República já bicentenária, mas atrasada em comparação aos seus vizinhos. Enfrentamos uma guerra cruel com a Bolívia na primeira metade do século passado. Roubaram-nos importante faixa territorial do Chaco, região paradoxalmente inóspita e riquíssima. Ganhamos a guerra. Nossos soldados mostraram a valentia e patriotismo que brasileiros, uruguaios e argentinos bem conheceram meio século antes. Nossa incipiente aviação militar e seus jovens pilotos assombraram os experts norte-americanos, pela refinada técnica e o sucesso de suas ações contra o agressor. Mas numa história prenhe de ironias, vencemos a guerra e... ...jamais recuperamos as terras! Os bolivianos, que jamais olham nos olhos nem das pessoas nem da história, certamente se rejubilam em sua “andina soledad ”, e como os argentinos depois da inexplicável Guerra das Malvinas, sabem-se “vice-campeões”...

Mal saímos da Guerra do Chaco e experimentamos a mesma e usual crônica tão comum a rigorosamente todos os outros países latino-americanos. Golpes e contra-golpes, instantes de democracia e hibernações em ditaduras ferrenhas. Presidentes  se sucederam despachando no belíssimo Palácio de Lopez e vivendo na vetusta mansão de Mburuvicha Roga (“A casa do grande chefe”, em guarani). Uns razoáveis, outros deploráveis. Nenhum deles, entretanto, recuperou a glória perdida dos anos de riqueza, opulência e fartura. Um herói da Guerra do Chaco tornou-se ditador e nos oprimiu por mais de três décadas. Homem duro, mas de hábitos espartanos e por demais interessante, o multifacético Alfredo Stroessner não recusou o papel menor de tirano, mas construiu com o Brasil a estupenda hidrelétrica de Itaipu, a maior obra de engenharia de seu tempo, salvando o Brasil de uma hecatombe energét ica. Foi parceiro e amigo de todos os presidentes do Brasil de JK a Sarney. Com os militares pós-64 deu-se às mil maravilhas, mas foi de suas mãos que o exilado João Goulart recebeu o passaporte com que viajaria para tratar sua saúde com cardiologistas franceses. Deposto, o velho ditador morreu no exílio, no Brasil. Nós que o combatíamos (nasci em Buenos Aires, onde meu pai, empresário de sucesso, mas adversário da ditadura, curtia seu exílio) jamais soubemos de ação qualquer, uma que fosse, do Brasil em seus governos democráticos contra a ditadura do general que lhes deu Itaipu.


Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem os fazendeiros da área. Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem jornalista eleito pelos colorados, resolve seguir o péssimo exemplo de Menem, Fujimori e Fernando Henrique, e deixa clara sua vontade de mudar a Constituição e permanecer no presidência, através do instituto inexistente da reeleição. Seu governo era mais que sofrível e – descupem-nos a imodéstia latreada em nossa história – nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta Magna ao sabor da vontade de presidente algum. O país se levantou contra a aventura e ele, que o bispo bonachão, justamente por não ser polít ico e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro cativou a multidão, deu conta do recado e catalisou imensa indignação da cidadania. A aventura continuísta de Nicanor não foi bem-sucedida, mas, com a sutileza de um príncipe da Igreja nos intricados concílios que antecedem a fumacinha branca, nos aparece um candidato forte à presidência da República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.

Seu primeiro problema foi com a Santa Madre Igreja. O Vaticano, certamente por saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, de jeito algum, ele poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura do general Stroessner com coragem e ação, mas não queria ocupar a presidência do país. “Roma coluta, causa finita” (“Roma falou, questão decidida”), mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou às costas a quem lhe educou e lhe acolheu no seu seio. Poucos e corajosos colegas Bispos e padres o apoiaram abertamente. Na última sexta-feira, depois de três anos sem vê-lo ou serem por ele procurados, esses mesmos amigos e apoiadores foram até a residência presidencial pedir – em vão – que Lugo renunciasse à presidência do Paraguay para que se evitasse derramamento de sangue .



Candidato sem partido, entretanto com as simpatias da clara maioria do eleitorado. Filiou-se, pois, a um partido e o escolhido foi o centenário e respeitável PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.

Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.



Lugo poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento. Filhos impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, uma delas com apenas 16 anos quando da gravidez. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia? E traiu.



Não passou um mês sequer durante seus três anos de governo sem que viajasse a um país qualquer. Com razão ou sem nenhuma, para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem importância ou relevo para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro. O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou, passou a enxergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas à alfa iates da celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos. Afeiçoou-se a lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a banheira Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas delas o precediam mundo a fora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios, nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi auspiciava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo a prostitutas.



Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lulla, outras emprestados sabe-se lá por um tais e misteriosos amigos. Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek, fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente paraguaio: a poderosa binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele precisava ardentemente de um jato para chamar de seu. Depois mandou que o comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha. Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo! Por fim, nos ester tores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de fábrica...



Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia que destoou da regra geral do governo Lugo: competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que o cercava. A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos foros empresarias, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova história de mais uma negociata dos amigos e companheiros de Lugo. Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos).  Já com Lugo deposto, o secretário mais forte de Lugo, Miguel Lopez Perito, telefonou à dir etoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores, "na mala", por fora, não contabilizado, no "caixa 2". Que tal? Fato revelado por um diretor da binacional e revelador do modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.



Seu processo de “Juízo Político” – algo como um processo de impeachment – está previsto na Constituição do Paraguay, e não foi uma travessura histórica de meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares revidando as descortesias de Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos. Que tipo de presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1 solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos contrários contra apenas 4 senadores fiéis ao seu desgoverno? Não teve tempo, apenas duas horas para defender-se. Ora, a Constituição não determina tempo, apenas assegura-lhe o direito de defesa, exercido através de competentíssimos advogados, que fizeram exposições brilhantes na defesa do indefensável. Um deles, Dr. Adolfo Ferreiro, admitiu claramente que o processo era legal. De outro, Dr. Emilio Camacho, em imponente ironia da história, os magistrados da Suprema Corte extraíram em um de seus celebrados livros aqueles ensinamentos necessários e a devida jurisprudência para rechaçar chicana jurídica do já ex-presidente contra o processo legal, constitucional e moral que o defenestrou. C’est la vie, Monsieur Lugo!



Lugo foi um hiato em nossa história. Necessário, mas sofrido. Seus defeitos superaram suas virtudes. Aqueles eram muitos, essas muito poucas. Nós que nele votamos, sequiosos de um Estadista, nos deparamos com um sibarita. Seu legado é de decepção e fracasso. Não choraram por ele dentro de nossas fronteiras, e os que o defendem foram deles o fazem muito mais pensando no que lhes pode ocorrer do que por solidariedade ao desfrutável governante e desprezível homúnculo que cai.



O fim de seu governo dói mais a um dolorido Chávez do que a nós. A Senhora Kirchner, radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas sabendo que se abriu o precedente para que os parlamentos expulsem os incapazes. Na Bolívia o sentimento popular em relação ao sectário e também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá tocar as badaladas do fim de uma aventura mais que improdutiva: raivosa e liberticida.



Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. Nos arrasou como sicário da Rainha Vitória e nós lhe perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. O tratamos bem e ele defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história, em nome do quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e democrático como Pinochet.



Foi deplorável o papel do chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava. Indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje. O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se afi rmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se relevou positiva e decente para ambos os países. Mas não temos da austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento, menos o embaixador brasileiro, que descansa no carnaval de Curitiba, sua cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil. E a Argentina... Bem, a Argentina não tem embaixad or no Paraguay faz alguns meses... Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto. País de necrófilos, chamou um fantasma até a Casa Rosada para consultas.



O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam e reforçam os povos. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram e ele os traiu a todos. E, por isso, Lugo não voltará.



(*) Chiqui Avalos é escritor e jornalista, combateu a ditadura de Stroessner e fez a campanha de Lugo, edita a newsletter "Prensa Confidencial", de grande influência no Paraguai.
.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

CORRUPÇÃO ENDÊMICA



EDITORIAL
ESTADO DE MINAS


É preciso melhorar a sistemática de controle de gastos públicos

Em 1995, um importante jornal norte-americano mencionou em um artigo que a corrupção no Brasil tinha perfil endêmico. Dicionários estampam que essa palavra pode ser traduzida como "próprio de uma região ou população específica". Mas o que a publicação quis expressar foi que, na política brasileira, a corrupção seria algo natural, indissociável dela e inerente à sua natureza. Na época, a manifestação desse jornal provocou muito mal-estar entre os governantes brasileiros, com ecos no âmbito diplomático. Mas passados 17 anos, o que se vê no país é o pipocar de escândalos em todas as esferas de poder. Não precisamos ir longe. O Brasil assiste ao desenrolar da CPI do Cachoeira, que apura um sem-número de maracutaias engendradas pelo contraventor goiano Carlinhos Cachoeira; o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para 1º de agosto o início do julgamento dos envolvidos no esquema do mensalão, descoberto há sete anos. Em Minas Gerais, a PF acaba de desmantelar uma rede de corrupção em 37 municípios do Norte do estado, prendendo 16 pessoas.

O mais lamentável, no entanto, é que, no dia a dia do país, a sistemática de acompanhamento e controle dos gastos públicos, sobretudo os relativos a obras, carece de mais rigor. Ou seja, os fatos são apurados, mas os envolvidos punidos pela Justiça nunca devolvem o dinheiro desviado do erário. Não se sabe se por incompetência da polícia judiciária ou se de fato a inteligência dos corruptos é tamanha que os valores surrupiados vão parar em paraísos fiscais etc. No escândalo da construção do TRT-SP, quando sumiram R$ 200 milhões, foram recuperados, se tanto, R$ 55 milhões – ao limbo foi o restante. Embora enraizada na cultura política brasileira, a corrupção pode, sim, ser debelada, porém isso somente será conseguido se os órgãos de fiscalização e de controle – Tribunal de Contas da União (TCU) e afins – deixarem de ter uma postura meramente repressiva dos atos de corrupção e passarem a ter um enfoque preventivo, para deixar anêmicos os esquemas venais no seu nascedouro, antes de causar danos ao patrimônio público.

Platão (427–348 a.C.) julgava a corrupção conatural com a democracia porque esta seria o regime do abuso, da desordem, do individualismo, do desinteresse dos cidadãos pelo bem comum. Vale discordar do grande filósofo grego. O ideal democrático é o da igualdade, da fraternidade, da solidariedade, da tolerância, da liberdade, mas da liberdade com regras, do governo das leis que visam a realização individual na comunhão do bem comum. Por isso, diz-se que a corrupção é o cancro da democracia, porque, desprezando as leis e as instituições, violando a ética e a justiça, corrompe o ideal democrático da subordinação do egoísmo individual ao bem comum. Como fato individual, a corrupção é crime, reprime-se com a lei penal; como fato cultural, ela é prevenida e curada pela educação cívica, algo que os integrantes de uma comissão especial da Câmara dos Deputados não desprezou ao aprovar medida que garante supersalários para funcionários públicos, nas três esferas.
.

A longa história da cárie

FERNANDO REINACH

O ESTADÃO



Muita coisa melhorou na vida do Homo sapiens nos últimos 20 mil anos, mas uma piorou: a quantidade de cáries. É o que concluiu um grupo de dentistas, antropólogos e arqueólogos.

Saber se diabete ou hipertensão eram frequentes na Idade da Pedra Lascada é praticamente impossível. Esqueletos, ruínas e artefatos são tudo de que dispomos para entender como era a vida de nossos ancestrais.

Algumas vezes encontramos ossos quebrados e marcas de pancadas nos crânios, o que permite avaliar o nível de violência ou os acidentes do no dia a dia. Mas talvez nunca venhamos a saber a incidência de doenças metabólicas ou a prevalência da obesidade.

Mas, se essa ignorância incomoda os médicos, os dentistas têm mais sorte. A quantidade de fósseis de crânios humanos é enorme. Muitos se dedicam a verificar o estado dos dentes de nossos antepassados, correlacionando seus achados com a época em que viveram, seus hábitos alimentares e a idade de cada um.

Nossos parentes distantes, os macacos, dificilmente apresentam cáries durante a maior parte de sua vida. Elas e outras doenças dentárias só aparecem no final da vida e são sinal de envelhecimento.

O que sabemos dos dentes de nossos ancestrais mais antigos vem do exame de crânios de humanos que viveram antes do desenvolvimento da agricultura. Examinando mais de mil crânios dessa época, foi constatada pelo menos uma cárie em só 2% dos indivíduos. Eram coletores e caçadores, comiam raízes, frutos, sementes duras e um pouco de carne.

O estado dental começou a piorar há 13 mil anos, no Neolítico, quando surgiu a agricultura. Nessa amostra de crânios, 9% deles possuíam uma cárie. Nessa época o consumo de grãos moídos, ricos em carboidratos, começou a fazer parte da dieta humana. Muito depois, tanto no Egito (há 3,3 mil anos) quanto nos crânios de aborígenes australianos (há uns 70 anos), a quantidade de cáries era próxima a 2%, mas esses povos não haviam adotado completamente a dieta rica em grãos típica das civilizações que adotaram a agricultura.

Açúcar. Nas populações europeias, há até 4 mil anos, a quantidade de crânios com cáries era de 10%. Há cerca de 2,3 mil anos, Alexandre, o Grande, trouxe o açúcar à Grécia. A quantidade de cáries aumentou lá, em Roma e depois em toda a Europa durante a Idade Média. O mesmo ocorreu na Inglaterra, quando, após a conquista das Índias, os navios trouxeram grandes quantidades de açúcar. O imposto sobre o açúcar foi reduzido em 1874 e o consumo explodiu. A partir desse momento, mais de 90% dos crânios ingleses possuem múltiplas cáries em quase todos os dentes.

Nessa época a alta incidência de problemas dentários fez com que as pessoas passassem a limpar os dentes: surgiram escovas, pastas, dentistas. Essa nova tecnologia estancou a incidência de cáries, que estabilizou em nível alto (50% a 90% das pessoas com cáries) na a Europa até meados do século 20. Em 1970, foi introduzido o flúor na água, o que melhorou um pouco a situação. Agora, no início do século 21, pela primeira vez a incidência está aumentando novamente.

A introdução de carboidratos purificados (amido) e solúveis (açúcar) em nossa dieta é provavelmente o grande culpado pelas cáries. Esse estudo é um bom exemplo de como a evolução tecnológica da humanidade é muito mais rápida que a biológica.

Nossa espécie viveu por milhões de anos comendo raízes, frutas, grãos e carne. Sobreviveram os indivíduos com dentes que resistiam nesse ambiente, mesmo sem higiene bucal. Mas o homem descobriu a agricultura e, com ela, carboidratos fáceis e baratos. E começou a consumi-los, apesar de seus dentes não estarem adaptados. Os dentes passaram a apodrecer rapidamente, o que deveria ter pressionado a população a comer menos destes alimentos. Mas novas tecnologias, como a escova e a dentadura, livraram-nos da pressão seletiva, a força maior da evolução.

A lição é simples: qual a melhor dieta para o ser humano? Aquela para a qual fomos selecionados durante milhões de anos, a dos que viveram antes da descoberta da agricultura.
.

Sorria!


CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP


Pesquisas mostram que valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão

Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias, sorrindo de boca aberta. Em regra, hoje, os retratos são propaganda de pasta de dentes -se você não acredita, passeie pelo Facebook, onde muitos compartilham seus álbuns, rivalizando para ver quem parece melhor aproveitar a vida.

O hábito de sorrir nos retratos é muito recente. Angus Trumble, autor de "A Brief History of the Smile" (uma breve história do sorriso, Basic Books), assinala que esse costume não poderia ter se formado antes que os dentistas tornassem nossos dentes apresentáveis.

Além disso, os retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para os daguerreótipos e as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Já pensou manter um sorriso por minutos?

Outra explicação é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.

Mas resta que nossos antepassados recentes, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura; enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir -e nada do sorriso enigmático do Buda ou de Mona Lisa: sorrimos escancaradamente.

Certo, o hábito de sorrir na foto se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.

De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, ao risco de parecerem idiotas de tanto sorrir, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes".

Em suma, estampado na cara das crianças ou na nossa, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.

De uma longa época em que nossa maneira e talvez nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a uma época em que saber viver coincidiria com saber sorrir e rir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: o passado parece valorizar uma atenção focada e reflexiva, enquanto nós parecemos valorizar a diversão. Ou seja, no passado, saber viver era focar na vida; hoje, saber viver é se distrair dela.

Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.

Alguém dirá que tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso e o riso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Se o bom humor da diversão afastasse as dores do dia a dia, quem se queixaria disso?

Pois é, acabo de ler uma pesquisa de Iris Mauss e outros, "Can Seeking Happiness Make People Happy? Paradoxical Effects of Valuing Happiness", em Emotion on-line, em abril de 2011 (http://migre.me/9CT8e).

Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado -por exemplo, se valorizo as boas notas, estudo mais etc. Mas eis que duas experiências complementares mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente -ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação?
Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que a gente não tem competência para viver -apenas para se divertir ou, pior ainda, para fazer de conta. Como chegamos a isso?

Pouco tempo atrás, na minha frente, uma mãe conversava pelo telefone com o filho (que a preocupa um pouco pelo excesso de atividade e pela dispersão). O menino estava passando um dia agitado, brincando com amigos; a mãe quis saber se estava tudo bem e perguntou: "Filho, está se divertindo bem?".
.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Leia!!




O ser humano é gregário.
O cidadão precisa viver em comunidade exercendo sua cidadania com participação e responsabilidade.

Para tanto a leitura de livros e material útil para este fim é que melhor prepara o cidadão para atuar, para viver a cidadania.

Se for utilizar seu tempo para leitura leia o que lhe permita perceber e entender o que ocorre a sua volta. Para perceber e entender somente a leitura pode ajudar. Leitura útil.

Se quiserdes ajudar a melhorar nossa sociedade leia literatura, artigos e livros úteis.
Caso contrário tereis sempre impressões erradas e, portanto, suas respostas e atitudes serão inadequadas, quando não inúteis.

Leia!!!
.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O cavaleiro das palavras estranhas


MILTON HATOUM
O Estado de S.Paulo



Adonis é uma fábula fenícia que se irradiou na literatura da Grécia antiga com a força e complexidade dos grandes mitos. Nascido de uma árvore, Adonis tornou-se para os gregos um símbolo do mistério da natureza: um deus da vegetação e da fertilidade, ligado ao ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos.

Ainda jovem, ao escolher esse pseudônimo, o poeta sírio Ali Ahmad Said Esber introduziu na região do islã uma dimensão mítica e pagã, que reúne a literatura e o saber de duas culturas do Mediterrâneo. Esse elo cultural terá uma forte repercussão na obra poética e crítica de Adonis.

Um episódio da infância do poeta já faz parte de sua mitologia pessoal: aos 13 anos ele declamou seus poemas ao presidente da Síria, que visitava uma cidade vizinha a Qassabin, a aldeia onde o poeta nasceu em 1930. Por esse gesto de audácia, ganhou uma bolsa para estudar no liceu francês de Tartus, uma cidade portuária no centro-sul do litoral sírio. Em 1954, quando se formou em filosofia na universidade de Damasco, já havia lido a poesia árabe clássica e pré-islâmica, e também poemas de Charles Baudelaire, Rainer Maria Rilke, René Char, Henri Michaux... Dos dois anos do serviço militar, passou 11 meses na prisão, acusado de atividades subversivas.

Em 1956 mudou-se para Beirute, cidade que o acolheu e onde morou por quase 20 anos. Beirute era - talvez ainda seja - a capital árabe mais aberta à cultura do Ocidente e ao debate e confronto de ideias. Em 1960, quando morou um ano em Paris, conheceu vários poetas europeus e latino-americanos: Henri Michaux, Paul Celan, Tristan Tzara, Octavio Paz, Yves Bonnefoix... A convivência com esses poetas e a vida cultural de Paris - onde passou a morar a partir de 1985 - foram importantes não apenas para Adonis, mas também para a revista libanesa Chiir (1957-64), fundada por ele e pelo poeta e crítico Youssef al-Khal. Em 1959, ambos traduziram para o árabe The Waste Land, de T. S. Eliot, e, quatro anos depois, uma antologia da obra de Robert Frost.

Por certo já existiam outras revistas culturais relevantes em Beirute - como a Al-Adab -, em Bagdá e no Cairo, onde o "movimento do verso livre", liderado pelo poeta iraquiano Abd al-Wahab al-Bayati, se consolidara entre 1947 e 1954, com repercussões na produção literária na Síria, Palestina e Egito. Mas foi a Chiir a que mais se empenhou em estreitar os laços culturais com o Ocidente, tendo publicado manifestos poéticos, entrevistas com T. S. Eliot e outros poetas, e traduções para o árabe das obras de poetas europeus e norte-americanos.

Em 1968, Adonis fundou a revista Mawáqif, cujo objetivo principal era dar voz a jovens poetas, principalmente os que sugeriam formas inovadoras na poesia árabe. Num artigo sobre a história da Mawáqif e sua irradiação na cultura árabe contemporânea, Khalida Said ressalta que a revista "extrapolou questões literárias e abordou temas que até então eram tabus, sobretudo ligados ao nacionalismo e à identidade, à inspiração divina, ao texto religioso, à situação da mulher, da universidade, da educação, às relações entre o Ocidente e o Oriente, à violência, à criação artística e à 'nova escrita'. Assim, operava uma revisão da questão da modernidade e de seus conceitos na poesia e na arte, ou ainda na crítica e no pensamento histórico, filosófico, religioso, social e político".

Ao reivindicar uma mudança na vida intelectual e no fazer artístico, Adonis enfatizava que essa mudança devia ultrapassar o quadro político e nacionalista "para englobar uma dimensão mais profunda e mais vasta: a do homem em sua verdadeira essência". Com isso, ele trouxe para sua poesia um novo espírito, que respondia à mudança por meio de uma compreensão da tradição literária em nome da diversidade. Para ele, tanto a modernidade quanto a renovação da tradição fazem parte de um processo inacabado, contínuo, e relacionam-se de um modo dialético, que transcende ou supera valores e formas rígidos.

Para o Adonis autor de estudos de poética e de antologias da poesia árabe de todos os tempos, o classicismo não é um bloco engessado. Nos poetas e críticos antigos ele encontra saturação, questionamento, rompimento e inovação. Nessa constatação, que aproxima o legado árabe da modernidade ocidental, por exemplo, não cabe nenhuma comparação ou juízo de valor entre os campos da cultura, mas talvez seja um modo de dizer que essa poesia do passado, com traços modernos, precisava de uma nova leitura interpretativa, à luz da contemporaneidade, capaz de confrontar a lírica clássica com a de outras épocas e culturas, e, assim, de tentar elaborar uma poética própria.

Assimilando vozes do Ocidente, como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Nerval e Breton, e do Oriente, como Abu-Nuwas, Abu-Tammam e al-Jurjani, Adonis encontrou um modo próprio e inovador para expressar seu lirismo. Sua experiência individual, e também histórica, está disseminada na vasta obra poética, que opera com uma enorme variedade de temas, misturas de estilos e alternâncias de tons do narrador lírico. Uma parte significativa dessa diversidade temática e formal se encontra na tradução notável do poeta e professor Michel Sleiman.

Das formas breves da lírica aos poemas com versos longos, de corte épico, o leitor se vê diante de uma poesia estranha, que evoca ao mesmo tempo a origem da própria poesia e o que nela há de mais moderno. A elaboração formal dos poemas mais longos lembra, às vezes, a técnica da colagem, usada por poetas e artistas das vanguardas europeias. Adonis também tem usado esse recurso técnico em seus trabalhos artísticos, juntando cacos e fragmentos de pequenos objetos encontrados ao acaso e colando-os sobre textos escritos em árabe, formando uma imagem cujo efeito visual surpreende pela junção de materiais tão distintos: a arte milenar da caligrafia com pedaços de objetos inúteis.

A publicação do livro Cantos de Mihyar, o Damasceno (1961) foi um verdadeiro acontecimento literário, e não demorou a ser traduzido em várias línguas e analisado por críticos árabes e ocidentais. Nesse poema "cantado" por várias vozes, ou por outras vozes de um narrador lírico cambiante, o protagonista passa por sucessivas metamorfoses e adquire múltiplas identidades. A abertura desse excerto dos Cantos de Mihyar é um salmo em prosa ritmada, que anuncia a chegada do "cavaleiro das palavras estranhas", cuja pátria é uma nebulosa e cujas palavras, com seu poder transformador, rumam à perdição: Ele é o vento que não volta atrás, a água que não retorna à fonte. Cria sua espécie a partir dele mesmo.

Adonis recorre ao antigo tópico da viagem como fonte de metamorfoses, da perambulação, da transgressão, do excesso. Sem regressar ao porto de origem, Mihyar é um rei que vive "no reino do vento e reina na terra dos segredos", um rei cujo "sonho é palácio e jardins de fogo", um ser cujos olhos nascem em busca do mito "num mundo que veste o rosto da morte".

Na viagem de um ser desgarrado e errante, o tempo se esfuma numa espécie de fulgor, e o espaço se expande até o "fim do céu". O cavaleiro que "faz errar o desespero" percorre sem esperança o caminho da utopia, anunciando a morte dos deuses e sua própria morte. Cavaleiro de uma travessia ininterrupta, Mihyar é um "bárbaro santo que estende as palmas das mãos para a pátria morta e para as ruas mudas, que avança na estação das novas letras e entrega-se em poesia aos ventos". No poema Exortação da Morte, um coro de vozes dramatiza a fúria de Mihyar, que "queima nossa casca de vida/ nossa resignação, nosso jeito amável". Mais adiante, outra voz exorta para que ele seja crucificado: Ó cidade dos exilados, receba-o/ com espinhos, receba-o com pedras/ pendure suas mãos como um arco/ onde um funeral passe embaixo/ coroe suas têmporas/ com brasa e tatuagem, e que abrase Mihyar.

II

O exílio de Adonis em Beirute, a intuição de que em 1971 o Líbano estava à beira de uma guerra civil, os crimes cometidos pelo exército norte-americano no Vietnã, a consciência crítica da vergonhosa submissão de monarquias despóticas e ditaduras árabes aos interesses de poderosas nações ocidentais, tudo isso está insinuado no poema Tumba para Nova York, em que o lírico e o épico se misturam para evocar um capítulo infernal da história contemporânea, com alusões a outras épocas e culturas, onde líderes políticos, estadistas e poetas aparecem como personagens dotadas de simbologia e relevo histórico.

Para alguns críticos, esse poema marca uma "clara inflexão na poética de Adonis, que dá, pela primeira vez em sua obra, um sentido histórico imediato à escrita". Os leitores brasileiros talvez se lembrem de alguns versos do poema Inferno em Wall Street, de Sousândrade. Ou dos versos do poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade: "Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição/ porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan". De algum modo, ambos criticam a capital mundial das finanças, que, no nosso tempo, é também o centro da cultura do Ocidente. Nesse diálogo sofisticado e alucinado com a metrópole vital e polimorfa, a visão crítica de Adonis é visceral, sem ser maniqueísta. A democracia do país de Walt Whitman e Abraham Lincoln se opõe aos crimes de Richard Nixon, do secretário de Defesa Robert McNamara e de Calley, um militar de baixa patente que chefiou a matança na aldeia de My Lai. A Quinta Avenida e o poder econômico de Wall Street contrapõem-se ao Harlem e ao Greenwich Village, bairros que indicam um futuro mais otimista.

Em várias passagens do poema, os versos longos adquirem o ritmo da prosa e lembram os versículos usados por Walt Whitman, evocado no capítulo IX do poema, em que o narrador se dirige ao grande poeta norte-americano e cita vários versos de Leaves of Grass. O poema de Adonis também dialoga com o Poeta en Nueva York, na medida em que recupera, em outro contexto histórico-político, determinadas reminiscências das imagens de Federico García Lorca.

III

Desde o começo, a linguagem poética de Adonis sonda os segredos das coisas e dos seres; ou, como diz Bandeira em seu Gazal, "o mistério do mundo", que resiste à plena decifração. A certa altura de Nos Braços de Outro Alfabeto, poema longo sobre Damasco, uma voz aconselha: "Diz a teu corpo, amigo do mistério: não poderás transformar as palavras em coisas." E ainda nesse poema, um provérbio que parece vir da voz de um poeta sufi diz: "Não vás até a porta pelo que ela é em si, mas pelo que nela é oculto."

Nessa Damasco fantasmagórica, em que o passado e o presente, imbricados, são evocados por um coro de vozes, há várias referências concretas à cidade e à vida de seus moradores, às palavras escutadas nas ruas, praças, banhos, escolas, cafés e mercados. Uma dessas vozes diz: "Mal te refugias na realidade, vês em seu rosto uma miragem que beija a terra." Nesse verso belíssimo a realidade, transformada em quimera pelo olhar, é o outro refúgio possível: lugar em que a miragem se une à terra por meio de um gesto do desejo.

IV

"Se sou nativo do Oriente", escreveu Adonis, "é porque, antes de mais nada, invento meu próprio Oriente Para mim, o Oriente é o indefinível, a extensão vazia, o nomadismo original." Nessa travessia sem fim, a palavra poética "parece obedecer à vontade, mais utópica que qualquer outra, de fazer dialogar todos os tempos e todos os lugares possíveis no espaço terrestre". Os mitos - e as narrativas que lhes dão significado simbólico e histórico - movem essa viagem da imaginação, às vezes alucinada e delirante a caminho do êxtase. Talvez seja esta a única forma de o cavaleiro das palavras estranhas se acercar do desconhecido, da "essência do impossível", do enigma da vida.

O vinho que corre na veia da melhor poesia árabe também circula nos poemas de Adonis. O vinho como metáfora da grande poesia: assombro, prazer, embriaguez do conhecimento, e uma percepção expansiva da realidade e do eu lírico, capaz de expressar um sentido aguçado de beleza e alcançar o sublime.

"Se sou nativo do Oriente, é porque, antes de mais nada, invento meu próprio Oriente", diz ele
.

GEOMAPS


celulares

ClustMaps