quinta-feira, 24 de março de 2016

O dia depois de amanhã

ALEXANDRE SCHNEIDER, CARLOS MELO E RUBENS GLEZER
O Estado de S. Paulo - 24/03

Não há bola de cristal, mas diante dos últimos fatos é plausível que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff tenda ao desfecho de um fim prematuro de seu mandato. Incerteza maior, no entanto, está mesmo nos rumos do País, pois há uma série de problemas que demorarão a ser equacionados. E, ao mesmo tempo, um sentimento de frustração toma conta da sociedade brasileira – qualquer que seja sua vertente política, neste momento de tão grande polarização. É preciso reagir a isso, compreender a natureza dos problemas e propor saídas.

A frustração tem diversas raízes. Uma delas se relaciona com o abismo entre o discurso da candidata Dilma e o Brasil real, o que certamente contribuiu para a corrosão da confiança dos brasileiros no governo e na presidente. Com efeito, o processo eleitoral de 2014 ultrapassou limites de civilidade e deixou feridas abertas no meio político; obstruiu as pontes necessárias em momentos de crise. A presidente Dilma está só. E muito menor do que saiu das urnas.

A economia patina a olhos vistos, seja pelos erros na condução da política econômica desde o início da década, seja por motivos estruturais. Desde 1991 a despesa pública vem crescendo acima da renda nacional. Com o fim do ciclo de ouro das commodities, o Brasil caiu na real: o Estado não “cabe” no produto interno bruto (PIB). Os brasileiros estão mais pobres e o desemprego aumentou. Em paralelo, a Operação Lava Jato contribui para aumentar o quadro de incerteza. Há uma sensação de que não existe saída para a crise, o que leva pessoas às ruas desde o início do ano passado.

Outra raiz das frustrações se aterra na fragilidade do nosso sistema político: os dois mais relevantes partidos, que se revezaram no poder nos últimos 20 anos – PT e PSDB –, dão sinais não apenas de crise, como também de fragmentação, perda de representatividade, de credibilidade e de importância na sociedade mais ampla, que tem autonomia diante dos partidos. O primeiro, após 13 anos no poder, está destroçado pela exposição em horário nobre das entranhas de práticas políticas que, supunha-se, o PT seria capaz de superar. O segundo, o PSDB, após o governo de Fernando Henrique Cardoso, perdeu identidade gradativamente: abdicando da possibilidade de construir propostas para o País, preferindo definir-se tão somente pelo seu contrário, como um antípoda petista.

Ambos perderam densidade política e o centro de importância dos dois campos que imaginavam representar: um, mais voltado para os movimentos sociais e a ação do Estado; o outro, mais liberal, voltado para os setores mais dinâmicos da sociedade. Enquanto se dedicam a um debate estéril, o sistema se fragmenta, até porque ainda não se encontraram atores políticos capazes de efetivamente substituí-los, tomando-lhes o eleitorado.

Efetivamente, acentua-se o advérbio, porque as ruas rugem como leões contra o governo e contra a política, e opções radicalizadas e autoritárias aparecem já não tão timidamente à esquerda e à direita. Sectariza-se o debate: nem sequer se pode vestir vermelho ou verde e amarelo. É uma sandice. Por falta da grande Política, o País começa a tangenciar alguns absurdos.

Se a política – a falta dela ou a má política – nos trouxe a este ponto, também é ela, a grande Política, que nos poderá levar a um melhor lugar. Sem ela o rugido das ruas não ressoa, não ganha forma, liquefaz-se em ressentimento puro e simples que se espalha no ar. Aguarda-se a próxima manifestação como se espera pela batalha final, até que nova frustração se venha instalar mais uma vez. Em resumo, há dois países que não se compreendem, se detratam, se ofendem e, ao final, toda essa fúria significa nada, além de mais frustração e ressentimento. Incendiários, é claro, aproveitam-se disso. Mas o Brasil sensato, moderado, uno e acolhedor que somos, de fato, clama por bombeiros.

É hora de a sociedade abraçar a Política, não de afastar-se dela. É hora de construir a transição. É hora de pensar no dia seguinte, depois de amanhã, quando continuaremos a existir como um só país, com ou sem Dilma.

O primeiro passo é o de garantir que, aconteça o que acontecer, a Operação Lava Jato vá até o fim: que se varra tudo o que houver de podre, que não seja abrupta e cinicamente interrompida. Se for o caso e havendo elementos, o “pau que deu em Chico” terá de “dar também em Francisco” – não se deve temer fazer o que é certo. Já sabemos que seu escopo é amplo e não há personagens de apenas um partido envolvidos. É preciso que a operação continue até que tudo seja investigado, esquadrinhado, e que todos os que estiverem envolvidos em crimes sejam exemplarmente punidos. O pior que nos pode acontecer é que a Lava Jato passe para a História como um mero golpe contra um grupo político em particular. A sociedade não aceitará algo que pareça um acordo que indique punição seletiva.

O outro ponto consiste em reestruturar a casa que hoje parece ruir. Uma reforma política, sobretudo da Política, é urgente. Pelos vícios do atual sistema, não há como fazer essa reforma com o Congresso que temos hoje e que tende a se favorecer de novas regras que ele mesmo vier a estabelecer. A Constituinte exclusiva para a reforma política, por mais polêmica que seja, faz-se necessária. Para esse fim seus membros devem ser novos e exclusivos; candidatos avulsos – desvinculados dos atuais partidos –, impedidos de disputar novos mandatos, teriam maiores condições de reorganizar o jogo sem advogar em causa própria.

Com isso se espera recompor o sistema político e as pontes do diálogo para reformas futuras, realizadas, aí, sim, por um Congresso regular capaz de construir um pacto que tanto “coloque o Estado dentro do PIB” como incorpore os mais pobres na sociedade, com democracia e transparência – estes, sim, os imperativos morais e políticos de qualquer sociedade. Chegou a hora, basta de política pequena, para desavenças de grupos e para visões tão sectárias quanto estreitas. Fica aqui a nossa crença na Política, a grande, nobre e imprescindível Política.


*Alexandre Schneider, Carlos Melo e Rubens Glezer são respectivamente, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV, cientista político e professor do Insper e professor da FGV Direito SP
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terça-feira, 22 de março de 2016

Precisamos falar sobre Kevin...





É amigos, ando assustado. Não pelos eventos impostos, goela abaixo, pela mídia sem qualquer preocupação em esclarecer a sociedade. Pelo contrário, a mídia ganha rios de dinheiro alienando a sociedade ao transformar eventos simplórios em uma atração como se fora uma novela onde os capítulos são, sofregamente, aguardados pelo cidadão. Em meio a fatos banais e platitudes, conseguem dar um vulto desnecessário a fatos cujo lide instituições fortes já estão dando conta, sobretudo por serem de competência exclusiva delas.

O título é de um filme cujo livro comecei a ler nos idos de 1980. Pesado demais para mim por ser um thriller psicológico e por não ter tido estômago de completar a leitura. Confesso que, também, não tenho coragem de assistir ao filme.

Trata de uma mãe que não queria engravidar, recusa-se a aceitar o filho e, junto a pequena família via tergiversando, sem querer encarar o enorme problema para corrigir em tempo oportuno,  até que o menino cresce e então...Mata sete de seus colegas, uma professora e um servente em sua escola nos subúrbios classe A de Nova Iorque.

O ato de tergiversar e fugir da realidade, uma procrastinação da cidadania responsável, vem acometendo a sociedade brasileira mormente após o "milagre do Real" e, dando continuidade, quando ingressamos no "reino do nuncadantes".

Acontece que o "berço esplêndido" está se exaurindo e os cidadãos de Pindorama nada mais querem falar a não ser de campeonatos estaduais de futebol, Lava-Jato, Triplex e outras banalidades comparadas ao grave e sufocado pedido de socorro de um país que se exaure.

A breve análise de um jornalista especializado em economia precisa ser lida, pensada, refletida e espargida entre amigos, parentes, próximos etc etc

Só para ser um introito, nossa divida ativa pública, o nosso cheque-especial no vermelho, gira na ordem de 60% de tudo o que podemos arrecadar com uma carga tributária de 28% do PIB...

Ah! Bem, é economia, é política..."e eu não gosto" diria alguns, aliás, diria muitos. Comparado pelo que está por vir, daí a pertinência com Kevin...

Tenho esperanças que venhamos, ao menos, acordar e iniciar uma trôpega marcha, dentro de uma loja de cristais finos, até conseguirmos nos equilibrar, em profunda ressaca, apoiado em cambaleantes e claudicantes pernas, até emergirmos do fundo de um corredor cercado de vidros e peças finas de cristal e, com todo o prejuízo que daí advier, consigamos chegar, de alguma forma, na calçada.
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Agora que empresas e pessoas perdem fôlego e pedem suporte, setor público está exaurido
[...] a partir da crise de 2008, uma dinâmica bem definida: enquanto o setor público avança, o setor privado encolhe – e numa velocidade que chama a atenção.
[...] “O que aparece é que o setor público demanda mais da metade da poupança financeira existente não para sustentar investimentos, mas para fazer frente a seus desequilíbrios” [...]
[...] 70% de todos os empréstimos bancários e de recursos gerados por emissão de títulos de divida, no período, foram absorvidos pelo financiamento dos desequilíbrios do setor público”,[...]
[...] O excesso de ativismo estatal por um período demasiadamente longo, além das disfunções que produziu na estrutura de financiamento da economia, aspirou tantos recursos do Tesouro Nacional[...]
[...] Agora que empresas e famílias perdem fôlego, sucumbindo à recessão, desemprego e alta da inadimplência, os bancos públicos, em tese mais aptos a socorrê-las, se encontram exauridos.[...]
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segunda-feira, 21 de março de 2016

Ponham barbas e batons de molho

 Luiz Felipe Pondé - Filósofo

FOLHA.COM.BR 21/03/2016

Luiz Felipe Pondé
Hoje quero pensar, com você, em duas questões relacionadas ao tema da corrupção da política no Brasil. Uma primeira, fruto de uma pergunta que ouço muitas vezes das pessoas, e uma outra, sobre a aposta do PT que Lulinha resolverá o problema do governo salvando todo o sistema político corrupto brasileiro, aniquilando a Lava Jato com a discreta aceitação de grande parte dos setores da oposição e do alto clero jurídico do país. Vamos por partes.
Vamos à primeira questão. Muitos se perguntam a razão da maioria esmagadora dos intelectuais, artistas e estudantes de humanas ser tão caninamente a favor do PT. Na semana passada, nesta coluna, me referi à seita da jararaca (o PT) como uma "religião". Hoje, vamos olhar de outra forma esse fenômeno que é espantoso para muita gente, mas que, na realidade, pode até ser visto de forma "filosófica".
Caros, prestem atenção: verdade seja dita, muita gente da academia é caninamente fiel ao PT, mesmo sendo evidente que ele participa profundamente do esquema de corrupção da política brasileira.
É claro que, praticamente, todos os partidos também o fazem, e isso é fundamental pra você entender a segunda questão que tratarei abaixo. Muitos jovens aderem de forma impensada e estimulada por professores que construíram e constroem suas vidas intelectuais e institucionais em cima da seita marxista e associadas.
Essa adesão significa poder nos departamentos, órgãos colegiados e instituições que financiam pesquisas. Entendeu? Grana e poder localizado dentro do espaço institucional acadêmico. O mesmo serve para os editais de cultura dos artistas que vivem do governo.
Muitos alunos são tragados, em seu impulso de querer mudar o mundo (muitas vezes, em detrimento de arrumar o próprio quarto), por essa máquina de corrupção interna ao mundo intelectual institucional. De um ponto de vista da carreira, essa adesão pode, inclusive, garantir concursos e parcerias interessantes.
Mas existe uma causa mais "metafísica" ou mais sofisticada para gente "inteligente" apoiar caninamente e violentamente o PT e associados, em sua saga pela corrupção ideologicamente justificada.
Eis a causa: para a moçada "inteligente", o horror à corrupção é coisa do humanismo burguês ("coxinha", numa linguagem mais atual).
Para esses "inteligentes", se a corrupção, o crime, a mentira, a violência, forem em nome da "causa", tá valendo. É isso que grande parte das pessoas não entende quando se choca com o fato que a universidade, a "arte" e a "cultura", em grande parte, apoia caninamente corruptos com metafísica, como a tropa de choque do PT e associados.
Marx (1818-1883), Bakunin (1814-1876) e Nechayev (1847-1882), para ficar apenas em três grandes estrelas desse mundo, pensavam exatamente assim. Portanto, caros, para os "inteligentes", a corrupção tem "metafísica": essa metafísica é a justificativa de que ela é parte das ferramentas necessárias para a luta. Você, burguês, coxinha, na sua ingenuidade, pensa que sendo eles "cultos", pensariam de forma "simplista" como você?
Agora vamos à segunda questão de hoje. Por que Lula foi indicado para o ministério? Não, não estou me referindo à forte indicação de que isso foi um truque para tirá-lo das mãos do algoz Moro. Refiro-me à sua missão "superior" de salvar o sistema corrupto inteiro que a Lava Jato pode vir a engolfar em seu processo "pós-PT". E aí, caros irmãos, a coisa pega.
O PT, caso confirme seu superministro, aposta no medo do alto clero jurídico e da "oposição" como apoio ao aniquilamento institucional e burocrático da Lava Jato.
É um papinho aqui, uma leizinha ali, um parecerzinho acolá, e pronto: a Lava Jato vira pizza, como as Mãos Limpas viraram na Itália graças a Berlusconi (e Moro sabe muito bem dessa história). Nosso Berlusconi é o Lula. Não é o Moro que é o Berlusconi (como muitos desavisados pensam), é o Lula. O Moro tá mais pra Batman do que pra Berlusconi.
Portanto, ponham suas barbas e batons de molho. Lulinha paz e amor da manifestação da última sexta veio pra salvar a corrupção de todos.

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Fim de jogo

Josef Barat
O ESTADO DE SÃO PAULO 
 19 de Fevereiro de 2016.


Este artigo poderia ter um titulo alternativo, à moda de Nelson Rodrigues. "Fim de jogo" ou "O mundo gira e a Lusitana roda". Por saber que o mundo girava, a Lusitana manteve-se viva, rodou por muitas décadas e prestou bons serviços. Não precisou sequer de um marqueteiro "genial" para criar um dos slogans mais conhecidos no país. Enquanto isso, não percebendo as mudanças no mundo que girava, o Brasil rodou devagar e parou, após tentar uma contramão, com a "nova matriz" e a inserção tacanha no mundo globalizado. Rodou no tráfego pouco relevante da América do Sul e África, e ainda deixou-se levar pela nostálgica relação colonial com a China, fornecendo duas matérias primas em troca de bens industriais.

O resultado é lamentável: recessão comparável à de 1930-32 (sem o fator externo da Grande Depressão), inflação e desemprego de dois dígitos, assim como desequilíbrio fiscal elevado e crescente. O que o povo ganhou com a euforia do consumo e programas de redução da pobreza, acabou perdendo rapidamente com a volta da inflação. Na composição do IPCA, 80% dos itens estão em ascensão, revelando uma inflação disseminada e fora de controle. Ao contrário da empresa de mudanças, houve uma vertiginosa queda na qualidade dos serviços prestados pelo governo, que mal e mal se mantém vivo, apesar dos sucessivos slogans criados por marqueteiros "geniais". Culpa-se, por exemplo, o mosquito quando é a precariedade do saneamento básico e da saúde pública que revela a incompetência e descaso do governo.

 Sobre a lentidão com que roda o Brasil, vale um breve retrospecto. O longo período de baixo crescimento e inflação descontrolada dos anos 80 e 90 limitou a capacidade de investimento público. As infraestruturas, em geral, degradaram-se acentuadamente e não se adaptaram às novas exigências mundiais das logísticas da produção e comércio. Reduziu-se a capacidade de planejamento e instituições públicas de excelência foram extintas ou se degradaram na corrupção. As tentativas de recuperar infraestruturas, eliminar gargalos e incorporar padrões mais modernos de gestão fracassaram no âmbito do modelo estatal.

 Com a consolidação da abertura comercial e o êxito da política de estabilização decorrente do Plano Real, abriu-se um novo ciclo da economia brasileira. Ocorreu uma profunda revisão do papel do Estado e capitais privados investiram nas infraestruturas, por meio das concessões. Deu-se, assim, algum suporte às novas logísticas, propiciando maior competitividade externa e reduzindo os custos do abastecimento interno. Houve grandes avanços com as concessões, mobilizando recursos privados e ampliando a capacidade e recuperação das infraestruturas existentes. Um avanço importante foi, sem dúvida, a criação das Agências Reguladoras, infelizmente capturadas depois por interesses partidários e empresariais.

Razões político-ideológicas, no entanto, impuseram um retrocesso nesta evolução. Houve atrasos e incertezas relacionados às concessões, bem como a volta ao ambiente de insegurança anterior ao Plano Real. O problema é que a carência crônica de recursos orçamentários para investimentos em infraestruturas limita drasticamente a capacidade de investimento da União e dos estados. E sabe-se que os investimentos em infraestruturas têm longos períodos de maturação e exigem fluxos continuados de recursos.

A ironia é que há abundância de recursos privados em escala mundial, buscando aplicações seguras de longo prazo e com retorno garantido. Tais recursos provêm de fundos de pensão de profissionais, carteiras de fundos de investimentos, fundos de seguradoras e fundos específicos para empreendimentos de longo prazo. Os investimentos nas concessões de infraestruturas atendem às expectativas de remuneração garantida, retorno no longo prazo e horizontes temporais desses fundos. No entanto, os recursos só fluem para países onde o contexto é de confiança econômica, segurança jurídica, estabilidade política e certificação de agências de risco. Por ora, o Brasil está fora do jogo.                               

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Josef Barat - Economista, Consultor de entidades públicas e privadas, é Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.

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O fugitivo, a rainha e os cidadãos

Denis Lerrer Rosenfield
 O Globo

O fundador de uma dinastia partidária tinha subido na vida política graças a seu carisma pessoal, que o tinha levado ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja que o apoiava e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares.

Conseguiu ardilosamente vender a ideia, falsa aliás, de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, em um acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas de seu antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.

Contudo, a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído de uma ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte — na linguagem moderna, de militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Nela, não faltaram os “bobos da Corte”, na verdade, um bando de espertos que passou a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.

Passado o tempo, o rei e o seu grupo partiram para uma próxima etapa, a de apropriação privada dos bens públicos, com os seus membros aparelhando o Estado, uma espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, acreditada por muitos, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, as leis e as suas empresas.

A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, esqueceram, inclusive, das Leis do Reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isto era coisa de “burguês”, nome utilizado para qualificar qualquer inimigo seu. Não havia mais, na visão deles, adversários, mas, tão somente, inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.

O rei tornou- se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção de seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou- se o “seu” império. Dom Lula da Silva, o onipotente.

Curioso que o rei apresentava- se como metalúrgico, embora o tenha sido em um período curtíssimo de sua vida, pois, logo, tornou- se sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve, porém, esta imagem, porque era- lhe útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.

Entretanto, o reino guardava um traço democrático, o de realização de eleições periódicas, voltadas para a renovação de seus quadros dirigentes. Era uma espécie de monarquia eleitoral. Frente a tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora o tenha cogitado, optou por um esperto estratagema, o de criar uma sucessora que seria a sua própria criatura.

Crédulos, os súditos aceitaram a sua escolha e a ungiram. Nomearam- na Dona Dilma, a desconexa. Sua trama política consistia em seu retorno futuro. Ocorre que sua “criatura” botou os pés pelas mãos, como se diz em linguagem popular. Gastou o que o reino não tinha para gastar, maquiou as contas públicas, colocou o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu uma perigosa inflação. Um desastre total.

Neste meio tempo, a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaramse incrédulos em relação ao culto dominante. As manifestações iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas.

Estarrecidos, descobriam que essas contas tinham se tornado privadas, apropriadas pelo rei, pela sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Todos juntos participavam do festim dos bens públicos. Aos súditos, as migalhas!

Começaram um impecável trabalho de resgate do império da Lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, uma oligarquia de esquerda, que vestia tais roupagens com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.

O ex-rei, embora vendesse para os seus crédulos — cada vez menos numerosos — a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam- se sem cessar, até que algum “iluminado” — de poucas luzes — lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados. Por que não fazer o ex-rei vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha.

Esta teria inicialmente hesitado em aceitar essa proposta, pois se tornaria uma mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer uma escolha entre ser figurante e coisa nenhuma, pois arriscava perder todo o seu poder.

Ocorre que a impunidade tinha acabado no Reino. Ninguém estava mais fora do alcance da Lei. Dom Lula da Silva, o onipotente, já não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.

A questão foi: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente, havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético!

Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se este fosse um lugar em que as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam em seu encalço. A manobra foi pueril.

Os ministros da Corte Máxima, insultados por Dom Lula, o onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável tinha sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta!

Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Sem futuro

Ferreira Gullar
Folha de S. Paulo, 20/03/2016

Durante meus 70 anos de observação da vida política brasileira, não me lembro de ter visto tanta gente nas ruas manifestando-se contra um governo. E não apenas para protestar contra esta ou aquela medida considerada inaceitável. Não, as manifestações do último domingo (13) exigiam o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Essas manifestações, que se alastraram por todo o país, desde as grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, a capital da República e demais capitais até as médias e pequenas cidades do interior dos Estados.

Outro aspecto a destacar é o fato de que tais manifestações não foram convocadas nem organizadas por partidos políticos mas, ao contrário, por iniciativa da própria cidadania. Esse fato por si só impede que o Lula e o Wagner aleguem que se trata da iniciativa golpista dos partidos de oposição. Nada disso; as figuras de oposição, que se atreveram a juntar-se aos manifestantes, foram simplesmente hostilizadas.

Noutras palavras: quem pede o impeachment de Dilma e o fim da corrupção petista é o cidadão comum, que se cansou da aventura populista, imposta ao país por Lula e que o levou à situação desastrosa em que se encontra hoje.

Nos cartazes e faixas que exibiam mostravam seu apoio à Operação Lava-Jato e, particularmente, ao juiz Sérgio Moro. Cabe observar também o nível de organização destas manifestações, cujos participantes se vestiam de verde e amarelo, exibindo, além de faixas, cartazes e máscaras dos principais personagens, carros e alegorias denunciando os abusos dos governos petistas. Se se leva em conta que esta foi, certamente, a maior e mais ampla manifestação popular contra um governo, deve-se concluir que Dilma, Lula e o petismo estão postos contra a parede, sem alternativa.

Ninguém dirá que esse impasse ocorre por acaso. Aos crimes praticados contra a Petrobras e ao uso irresponsável dos recursos públicos soma-se a incompetência administrativa, responsáveis por uma crise política e econômica sem igual em nossa história.

O povo nas ruas exige que Dilma deixe o governo. Ela, por sua vez, dois dias antes, convocou a imprensa para dizer que não renunciará, nem que a vaca tussa. Garantiu isso, embora, de fato, não governe, como todos sabem. Cabe então perguntar: pode manter-se à frente do governo de um país alguém que não o governa?

Um dia antes das manifestações referidas, houve a convenção do PMDB, o principal apoio político do governo no Congresso. A expectativa era grande, já que uma parte considerável do partido já se manifestara contra a manutenção da aliança com Dilma Rousseff.

A ruptura, porém, não ocorreu, como aliás já previam os analistas políticos, levando em conta, além do caráter dos peemedebistas, certos interesses em jogo que poderiam provocar uma divisão, muito inconveniente nesta hora. É que, no caso do impeachment se efetivar, o vice Michel Temer assumiria a Presidência.

Não obstante –como dizem os comentaristas– foi um aviso prévio a Dilma Rousseff, uma vez que o PMDB prometeu dentro de 30 dias dar sua palavra final, ou seja, desligar-se do governo. Aliás, o discurso de Michel Temer, encerrando a convenção, deixou isso subentendido, quando, sem confirmar a manutenção do apoio a Dilma, afirmou que o fundamental era manter a unidade (dos peemedebistas, claro) para recuperar o país e superar a crise, ou seja, aquilo que o governo petista não consegue fazer.

Enquanto isso, a situação de Lula se agravava, com o risco de ele ser preso a qualquer momento. Essa possibilidade assustou a todos eles, e foi quando se passou a falar na ida de Lula para um ministério, o que lhe garantiria foro privilegiado. Dilma negou que fosse isso, mas o pior estava por vir: a divulgação de uma conversa telefônica sua com Lula, quando ela o avisa de que está lhe enviando um termo de posse, para que ele usasse se necessário. Ou seja, para não ser preso. Uma bomba que pode levar à deposição de Dilma.
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Pró-reitor da FGV apresenta propostas para melhoria do ensino no Brasil

Gostei, muita sensatez e objetividade.
Vale a leitura.

Pró-reitor da FGV apresenta propostas para melhoria do ensino no Brasil 

[...] o Brasil ocupa a 60ª posição entre os 76 países avaliados na última edição do  PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. O país amarga também outros números: há 3,8 milhões de brasileiros, entre 4 e 17 anos, fora da escola; o analfabetismo ainda alcança 13 milhões de pessoas acima de 15 anos, o que corresponde a 8,3% da população; e apenas 32,3% dos brasileiros de 18 a 24 anos cursam ou cursaram o ensino superior. Para agravar esta situação, o Ministério da Educação sofreu um corte de aproximadamente R$ 9 bilhões em seu orçamento no ano de 2015.[...]

[...] “Hoje em dia, a escola tem uma responsabilidade adicional, que é de formação de pessoas, o que há 50 anos era tarefa dos pais (principalmente da mãe), que hoje passam  mais tempo fora de casa trabalhando. Dessa forma, a escola tem que assumir essa posição. Em Israel, por exemplo, no Kibutz [pequena comunidade israelense economicamente autônoma com base em trabalho agrícola ou agroindustrial, caracterizada por uma organização igualitária e democrática], os pais trabalham e há quem cuide dos filhos”. De acordo com Freitas, a escola precisar abordar outros temas além das ciências básicas, como doenças sexualmente transmissíveis, proteção mosquito aedes aegypti e hábitos alimentares.[...]


[...] Os professores explicam que atualmente há uma evasão de 50% dos jovens que concluem o ensino fundamental  para ingressar no ensino médio, visto que não há estímulo para o aprendizado. Uma solução proposta por eles para reverter este quadro é a implantação de atividades práticas nas escolas, para que os jovens adquiram uma profissão, como marcenaria, manutenção predial, computação, entre outras.[...]

[...] A proposta é que todo aluno no ensino médio receba uma formação técnica. Isso quebraria a rotina de seis horas sentado em sala de aula  e seria mais interessante para os  jovens dessa idade”, ressalta. Freitas explica ainda que são necessárias cerca de 1 mil horas para formar um profissional de nível técnico e que, entre cursar uma universidade fraca e fazer um curso técnico,  é melhor adquirir uma profissão técnica.

A ideia dos educadores é que cada região ofereça cursos técnicos de acordo com as necessidades locais, para gerar empregabilidade.[...]
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domingo, 20 de março de 2016

Um naufrágio bilionário

EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 18/03




Os bilhões perdidos com o naufrágio da Sete Brasil, apresentada em outros tempos como a maior empresa do mundo no setor de sondas de águas profundas, apenas começam a aparecer nos balanços de seus acionistas. Mas já se pode ter uma ideia parcial dos estragos, com base nas informações adiantadas por três sócios. São estimadas em cerca de R$ 2,6 bilhões as perdas do banco BTG Pactual e dos fundos de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil (Funcef e Previ). O maior prejuízo, de R$ 1,3 bilhão, deve aparecer no balanço do fundo do pessoal da Caixa, segundo noticiou o Estado na quarta-feira. Além desses três, outros investidores, diretos e indiretos, também deverão reconhecer brevemente os valores perdidos. Além disso, estaleiros e outros fornecedores já foram afetados e dezenas de milhares de empregos foram extintos por causa da redução das encomendas de sondas.

Depois de vários impasses, o futuro da Sete Brasil deve ser novamente discutido pelos acionistas numa reunião no dia 28. Não houve acordo, até agora, sobre uma possível busca de recuperação judicial e há quem duvide, agora, de uma solução desse tipo. Com ou sem falência, investidores e fornecedores terão de se conformar com perdas importantes. De toda forma, as possibilidades de negócios da empresa serão, na melhor hipótese, severamente limitadas pelas más condições financeiras e econômicas da Petrobrás.

A aventura da Sete Brasil é parte dos erros e desmandos cometidos na política do petróleo do governo petista. Os desmandos incluem o aparelhamento da Petrobrás, a pilhagem desvendada pela Operação Lava Jato e a sujeição da maior empresa brasileira às ambições pessoais, políticas e partidárias das figuras instaladas no topo da administração federal a partir de 2003. Não foram casos de corrupção comparáveis àqueles observados, tantas vezes, até nos países com melhores padrões administrativos. O saque da Petrobrás foi parte de uma forma particular de ocupação e de uso do aparelho estatal.

Não é fácil – e talvez seja impossível – estabelecer uma clara distinção entre os erros e os desmandos. Os erros incluem, certamente, a redefinição legal dos objetivos da Petrobrás e a conversão da empresa em instrumento da política industrial. Pior: neste caso, tratou-se de uma política industrial anacrônica e claramente equivocada, baseada em conceitos dos anos de 1940 a 1960.

O governo converteu a exploração do pré-sal numa de suas bandeiras mais vistosas, mas agiu como se fosse incapaz de entender – e talvez nunca tenha entendido – as imensas dificuldades técnicas e financeiras desse empreendimento. Em vez de favorecer a concentração da Petrobrás em suas funções mais difíceis, mais importantes e, afinal, mais vinculadas a seu negócio principal, os governos petistas impuseram à empresa obrigações e custos adicionais. Mesmo sem o saque multibilionário revelado pelas investigações da Operação Lava Jato, a empresa já seria prejudicada pela sobrecarga de funções e de custos.

A criação da Sete Brasil foi parte desses erros. Não haveria por que criar uma empresa especializada no fornecimento de sondas, e muito menos com base em critérios de nacionalização de componentes. A Petrobrás converteu-se em acionista e cliente de uma empresa criada por um equívoco político e administrativo. Investidores privados também se meteram no negócio. Não importa, aqui, discutir suas motivações. Isso é assunto para seus acionistas. Mas fundos de pensão de estatais puseram dinheiro nesse empreendimento, obviamente para cumprir uma orientação política, e perderam recursos de seus associados.

Em outra circunstância, a redução das encomendas de sondas pela Petrobrás seria apenas um episódio lamentável do dia a dia dos negócios. Mas esta história é diferente. Envolve a devastação criminosa da Petrobrás, uma sequência anormal de erros administrativos e a imposição de perdas a milhares de trabalhadores dependentes de fundos de pensão de empresas estatais.

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País em chamas

MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 18/03


Dilma usou Planalto como escritório do partido. Com o país conflagrado, a presidente Dilma fez um discurso incendiário, usando o Palácio do Planalto como se fosse escritório partidário e o clima, obviamente, se elevou mais. A presidente Dilma falou em "conjuração" e afirmou que "é assim que começam os golpes". O vocábulo "golpe" serve como palavra de ordem para militância, mas na boca de um chefe de governo passa a ter extrema gravidade.

A reação dos juízes e procuradores foi imediata, com a leitura de manifestos em que explicaram que a Operação Lava-Jato não é apenas o juiz Sérgio Moro, mas o Judiciário ao qual se pode recorrer das decisões do próprio Moro, além do Ministério Público. Eu entrevistei em Curitiba para meu programa na Globo News os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima. Eles mostraram que já esperavam este tipo de reação às investigações.

- Estamos vendo aumentar as acusações de abusos nas investigações exatamente como aconteceu na Itália depois de três anos da Operação Mãos Limpas. Essas acusações nunca se comprovaram, mas serviram para reduzir o apoio da opinião pública à operação e permitir uma reação do sistema corrupto. Foram aprovadas leis contra a investigação. Uma delas proibia a prisão preventiva por corrupção, que foi chamada de " salva ladrões". Este é o risco que nós corremos, de que surjam acusações infundadas que tirem o prestígio da operação para permitir a reação do sistema.

Ontem Deltan e os outros procuradores foram para a frente do Ministério Público Federal no Paraná para ler um manifesto em defesa da operação. A Associação dos Juízes Federais também fez leituras de manifesto. A presidente disse que o país está atravessando a perigosa fronteira do estado de exceção. Os juízes e procuradores responderam que estamos sob o império da lei.

Dilma chamou de grampo ilegal o que foi escuta autorizada. Chamou de vazamentos o que é suspensão do sigilo. O juiz Sérgio Moro tem explicado, a cada momento que, nos processos, a publicidade tem que ser a regra, a menos que seja decretado segredo de justiça. Se Dilma considerar que seus direitos constitucionais foram feridos pode e deve recorrer à própria Justiça, e não usar o Palácio do Planalto para uma posse-comício em que ataca como inconstitucionais atos que estão sendo referendados nas instâncias superiores.

Há uma batalha judicial em curso e o país vai travá-la porque o sistema político polarizado não tem sido capaz de organizar suas desavenças. Cada lado coloca seus argumentos. Dilma pode fazer a defesa ardorosa do seu ponto de vista, mas com algumas ressalvas. Se está convencida de que começou um "golpe" precisa alertar todos os poderes constituídos. Não pode falar apenas para a sua militância e dentro da sede do governo.

O Palácio é do povo. O governante é um mero inquilino que lá é colocado temporariamente pelo eleitor. A posse de Lula transformou o Planalto em um palanque extemporâneo no qual Dilma fez um discurso inadequado no tom e no conteúdo.

A Operação Lava-Jato completou dois anos ontem, dia 17 de março, e nesse meio tempo ela conseguiu mais do que qualquer outra investigação em valores tangíveis e intangíveis. O país recuperou R$ 2,9 bilhões, a maior parte disso devolvido à Petrobras, da qual foi surrupiado um valor muito maior com o conluio de políticos do atual governo. No plano intangível o Brasil está construindo, a duras penas, a barreira moral que impedirá os absurdos que o país tem visto e ouvido nos últimos tempos. Até agora foram acusadas 180 pessoas, 70 já foram condenadas a penas que somam 900 anos de prisão. Já foram cumpridas 500 ordens de busca e apreensão e fechadas 100 cooperações internacionais com 30 países.

O dia terminou com duas derrotas para o governo. A posse de Lula foi suspensa por liminar e a Câmara elegeu a Comissão do Impeachment. Como sinal dos turbulentos tempos atuais, no comando desse processo, nesta primeira etapa, está um réu da Lava-Jato e na segunda etapa estará um investigado da Lava- Jato. O procurador Deltan me disse que o que mais o preocupa é que "personalizem" o combate à corrupção em uma pessoa ou um partido. "Se queremos mudar essa realidade temos que nos concentrar nas mudanças das leis".

A outra corrupção

CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 19/03






Os julgamentos por suspeitas de corrupção têm impedido a avaliação do governo Lula/ Dilma na transformação da estrutura socioeconômica do Brasil. Nenhum governo chegou ao poder com tantas promessas de mudar a realidade brasileira e nenhum esteve tanto tempo à frente da nação, à exceção de Vargas.

Mas, ao olhar ao redor, a avaliação não é positiva.

O Bolsa Família, iniciado no governo anterior com o nome de Bolsa Escola, distribuindo anualmente 0,5% do PIB, deve ser aplaudido por seu caráter de rara generosidade das elites governantes, mas não tem sido um programa transformador. A transformação seria emancipar o povo da necessidade de bolsa, e o governo Lula/ Dilma não avançou neste propósito.

Em um país com a memória da escravidão, o governo Lula/Dilma fez o gesto louvável de criar instrumentos para incluir pobres e descendentes de escravos no ensino superior, com cotas, Prouni, Fies, além de abrir mais 14 universidades federais. Criar mecanismos para que os filhos de alguns pedreiros ingressem na universidade é um gesto positivo, mas não tem, em si, caráter transformador da estrutura social. A transformação viria de reformas no sistema educacional, para fazer com que todos os filhos de todos os pedreiros tivessem condições de disputar vaga no vestibular com a mesma chance que os filhos de seus patrões.

O governo Lula/ Dilma não fez avançar a consciência cívica e política: acomodou as massas e cooptou os movimentos sociais, como CUT e UNE; abriu as portas das lojas para grupos que antes estavam marginalizados, mas não os abrigou como cidadãos plenos; aumentou o número de consumidores, não de cidadãos. Ao abandonarem propostas transformadoras, os partidos progressistas e os movimentos sociais agem como ex-abolicionistas que, ao chegar ao poder, contentam-se em emancipar alguns escravos e reduzir o sofrimento dos outros, sem fazer a Abolição.

No futuro, além da nódoa ética sobre o PT e demais partidos da base de apoio e suas avaliações dos 13% de século do governo Lula/Dilma mostrarão a perda de uma grande oportunidade histórica, um partido com propostas transformadoras chegar ao poder, com um líder carismático de origem popular, vencer quatro eleições seguidas, e abandonar o pudor e o vigor transformador.

O governo Lula/Dilma encontrou um país dividido, social e politicamente, agravou a divisão política e, no lugar de derrubar o muro que nos divide socialmente, apenas jogou algumas migalhas para os excluídos, e não cumpriu as promessas de realizar as reformas estruturais.

O perigo é que as forças do pós-Lula/ Dilma não façam o que eles não fizeram; porque juízes prendem políticos e limpam a política por um período, mas não derrubam a "cortina de ouro" que divide o Brasil; julgam a corrupção no comportamento dos políticos, mas não a corrupção nas prioridades das políticas.

GEOMAPS


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