sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Que crise é esta? Como sair dela?

Seguramente, há que reduzir o arbítrio das instituições judiciais e que transformar o vigor republicano que delas provém em reformismo democrático

         
BRASILIO SALLUM JR.*, O Estado de S.Paulo - 29 Julho 2018 

Como responder a isso? As crises políticas são muito difíceis de analisar, mesmo quando encerradas. Que dizer, então, quando ainda estão em curso?

Nas crises se quebram as hierarquias que estruturam a vida política. Os atores – chefes de poder, lideranças, partidos, movimentos sociais, etc. – não conseguem ter uma razoável antevisão de como cada um vai agir e reagir diante dos posicionamentos dos outros. Aumenta muito a incerteza, já presente nos momentos normais da política.

E quanto à crise política atual? Acho que não há dúvida de que ela está pondo em jogo a democracia de 1988. Mas de que maneira, se todos a defendem? Alguma força maléfica a está atacando desde fora? Ou o funcionamento de suas próprias instituições acabou por levar ao evidente desequilíbrio que precisamos superar? Mas como?

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, no livro de entrevistas Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual, lança luzes fortes sobre o período difícil que atravessamos. As entrevistas cobrem um período que começa em 2007 e vai até final de 2017. Surpreendentemente, para análises feitas ao longo de dez anos, há no livro notável consistência. Com efeito, há que reconhecer que o livro mantém uma perspectiva analítica e acaba por gerar interpretações agudas do processo que vivemos. Em vez de resumi-las – desmanchando o prazer dos que quiserem conhecê-las por si mesmos – destacarei apenas duas delas, especialmente relevantes para a análise e superação do presente.

Corrupção, moralismo e instituições judiciais. Desde as primeiras entrevistas do livro – de meados de 2008 –, Werneck Vianna chama nossa atenção, a propósito das acusações de corrupção contra Daniel Dantas e Eike Batista, para a forma espetaculosa e a índole messiânica das intervenções da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário. Longe está o entrevistado de desqualificar o combate à corrupção. O problema está em converter esse combate em centro dos problemas nacionais, exacerbando o moralismo da classe média. Com isso, as questões centrais da política – a mediocridade de nosso crescimento econômico, a concentração extrema da propriedade, a desigualdade social e a má representação política – ficariam relegadas a segundo plano.

Claro que o julgamento do mensalão e, especialmente, a Operação Lava Jato, revelando o alto grau de corrupção vinculada ao financiamento das campanhas eleitorais, exacerbaram o ativismo judicial, acabando por produzir um desequilíbrio institucional entre os poderes da República, em favor do Ministério Público e do Judiciário. O moralismo tem levado a desqualificar os poderes que devem sua legitimidade ao voto popular e, portanto, estão no cerne da democracia. Este ativismo – e os abusos que ocasiona – não se dá conta de que, apesar dos pesares, é a política que pode superar nossas deficiências, acentuando a dimensão democrática e republicana do regime de 1988.

O problema não está, pois, na Lava Jato. Ela tem função republicana, de denúncia do imbricamento espúrio entre a ordem pública e a esfera privada brasileira. Procuradores e juízes querem romper tal esbórnia, retomando – agora em nome da moralidade – o impulso reformista dos antigos tenentes. Tornaram-se “tenentes de toga”, que veem no Direito uma forma de transformar a vida social, de purificá-la, de construir uma verdadeira República. Não se dão conta de que é a política que, apesar dos pesares, pode reorganizar o Estado, acentuando sua dimensão democrática e republicana.

O ativismo judicial moralista não deve – em nome da ética da convicção – menosprezar as consequências mais amplas de suas decisões, deixando de lado a ética da responsabilidade. Conduzir coercitivamente para interrogatório um ex-presidente da República, tentar denunciar outro, recém-empossado, com base em denúncias pouco investigadas, bloquear com sucesso uma nomeação de ministro sem amparo constitucional e permitir o “vazamento” de denúncias e tantas outras manifestações contra políticos ajudam a desqualificá-los, produzem resistências, mas não estimulam a reforma das instituições políticas. A crítica não atinge o conjunto dos magistrados e dos procuradores nem descrê de sua capacidade de mudar, como atesta a substituição de Rodrigo Janot por Raquel Dodge – saudada como uma lufada de ar fresco.

A democratização, a esquerda e o Estado. Mas quais forças podem transformar a política brasileira? Certamente, as esperanças de Werneck estão na atuação das forças de esquerda. Tais esperanças, porém, têm sido frustradas porque elas abandonaram o caminho e as tarefas de organização e mobilização autônoma das classes subalternas. Este caminho que empolgou os que aderiram ao Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980 foi, aos poucos, abandonado em favor da composição com as forças políticas tradicionais, patrimonialistas. Depois, com a ocupação do poder central pelo PT, houve composição não só com as forças tradicionais – sem as quais não se governaria –, mas também se estimulou a absorção dos movimentos sociais e associações autônomas no Estado. Eles tornaram-se penduricalhos, dependentes do poder e dos seus recursos. Enterrou-se no governo Lula a reforma da legislação varguista, que eliminaria o imposto e a unicidade sindical. Foram mantidas as mesmas regras que perpetuam a dependência do Estado. E ainda se deu uma fatia do imposto sindical para as centrais sindicais. Retomou-se, assim, a idolatria do Estado, nascida da experiência fascista e da crença soviética no Estado libertador. A esquerda só retomará seu vigor se escapar ao estatismo e se orientar para a autonomia.

Por fim, como sairemos desta crise? Seguramente, há que reduzir o arbítrio das instituições judiciais e que transformar o vigor republicano que delas provém em reformismo democrático. Estas são algumas das muitas observações com que o sociólogo Werneck Vianna nos ajuda a ver luzes no fim do túnel.

*PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Fôlego do investimento direto diminuiu até julho


 Editorial | Valor Econômico

O investimento direto estrangeiro no Brasil segue encolhendo e acendeu um sinal de alerta em julho, ao despencar 40%. Conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC), o investimento direto no país (IDP) ficou em US$ 3,9 bilhões no mês passado, em comparação com US$ 6,5 bilhões em junho. O BC já havia abandonado a previsão de que o IDP chegaria a US$ 80 bilhões neste ano. Agora aposta que o saldo será de US$ 70 bilhões, praticamente o mesmo patamar de 2017, que foi de US$ 70,7 bilhões e colocou o país como o quarto país d mundo que mais recebeu recursos diretos. Em agosto, entretanto, esses investimentos deram um salto expressivo. Até o dia 23, totalizavam US$ 8,5 bilhões e a estimativa é de que cheguem a US$ 9,5 bilhões.

Apesar disso. uma nova revisão pode ser necessária, porém. O investimento direto no país acumula US$ 33,8 bilhões neste ano, até agora. Para atingir os US$ 80 bilhões inicialmente estimados, a média mensal de ingresso teria de chegar a US$ 8,3 bilhões. Para repetir os US$ 70 bilhões de 2017, poderá ser menor, de US$ 5,8 bilhões, ainda assim uma meta desafiadora para o patamar atual. A reversão das expectativas começou a ficar mais evidente em abril, após a campanha eleitoral começar a ganhar corpo. A greve dos caminhoneiros no fim de maio confirmou a avaliação de que este ano tem motivos de sobra para ser diferente dos demais.

A turbulência política, as dúvidas em relação à implementação das reformas, a virtual paralisação do programa de concessões e a queda dos juros deixaram os investidores ressabiados. Como se tudo isso não bastasse, houve também influência do cenário internacional nada favorável aos emergentes, com a elevação dos juros americanos e o acirramento da guerra comercial promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Nem sempre a tensão eleitoral produz esse resultado. Na eleição presidencial passada, em 2014, o investimento direto no país cresceu quase 40%, de US$ 69,7 bilhões para US$ 97,2 bilhões, a segunda maior marca da história, depois dos US$ 101,2 bilhões de 2011. Em 2010 também houve crescimento vigoroso e o volume investido quase triplicou para US$ 88,5 bilhões. Influência claramente negativa houve apenas em 2002, quando o ex-presidente Lula foi eleito, e as dúvidas em relação a seu governo derrubaram o investimento estrangeiro praticamente pela metade, para US$ 16,6 bilhões.

Certamente influencia o ânimo do investidor estrangeiro a escassa oferta de boas oportunidades de negócio, que esfriou tanto no campo das transações privadas quanto no das concessões e privatizações. Com exceção de alguma atividade na área de energia elétrica, petróleo e gás, predominam os empecilhos políticos para a aprovação das operações, como está ocorrendo agora com as distribuidoras da Eletrobras.

O investimento direto no país tem mantido um estoque ligeiramente acima de US$ 700 bilhões, equivalente a 25% do PIB, caracterizando-se pela menor volatilidade em comparação com o investimento em carteira (portfólio). Em julho, o ingresso de US$ 8,2 bilhões surpreendeu. Já em agosto, a saída líquida soma US$ 5,894 bilhões, confirmando a tendência para a volatilidade desses fluxos.

Em benefício do Brasil, deve-se dizer que não é o único a ser afetado por esse movimento de saída de capital de curto prazo, impulsionado pela elevação dos juros americanos, que tornou bastante atraente o investimento em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Dados do Instituto de Finanças Internacional (IIF) mostram que, em junho, houve uma aceleração da saída de investidores estrangeiros dos mercados emergentes de aproximadamente US$ 8 bilhões, entre títulos de dívida e ações quase em partes iguais, depois de um maio com saques de US$ 6,3 bilhões, tornando o segundo trimestre no pior para os investimentos de portfólio desde o fim de 2016.

Mesmo em queda, o fluxo de investimentos diretos vinha sendo suficiente para financiar as transações correntes. Em julho, porém, depois de quatro meses de superávit, o resultado em conta corrente ficou negativo. No balanço do ano, o déficit chegou a US$ 8,1 bilhões e o BC projeta que fechará o ano em US$ 11,5 bilhões, ou 0,6% do PIB. O saldo da balança comercial vinha ajudando a engordar as receitas em dólar. Mas foi afetado pela greve dos caminhoneiros em maio, e teve impacto negativo de operação ficta de plataformas de petróleo em julho, que influenciou tanto as exportações quando as importações.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Compromisso com o caos


A dramática situação do Rio de Janeiro pode ser explicada pelo absoluto desdém com que o Legislativo parece tratar de questões como responsabilidade fiscal e pacto federativo
         
O Estado de S.Paulo - 26 Agosto 2018

A dramática situação do Rio de Janeiro, um Estado dragado por uma crise moral, política e econômica sem paralelos na história recente, pode ser explicada, entre outras razões, pelo absoluto desdém com que o Poder Legislativo estadual parece tratar de questões como responsabilidade fiscal e pacto federativo. Às favas com estes conceitos caros apenas aos que exercem o múnus público imbuídos por genuíno espírito republicano quando o que está em jogo é o agrado à poderosa casta do funcionalismo.

Com 36 votos favoráveis e nenhum – pasme o leitor –, nenhum contrário, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) derrubou o veto do governador Luiz Fernando Pezão (MDB) aos projetos de lei que aumentam em 5% os salários dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RJ), do Ministério Público estadual e da Defensoria Pública.

“Não será congelando os salários que o Estado do Rio vai sair da crise”, disse o deputado Gilberto Palmares (PT). Para a deputada Lucinha (PSDB), “o governador fez uma maldade com as pessoas e nós impedimos”. Flávio Bolsonaro (PSL) justificou seu voto favorável ao aumento alegando que “o projeto é anterior à recuperação fiscal e o governo tinha essa dívida a honrar”. Como se pode ver, demagogia e incúria no trato das finanças públicas podem ser mais fortes do que circunstanciais desavenças no campo político-ideológico. Em especial durante ano eleitoral.

A bem da verdade, não se pode dizer que o governador Luiz Fernando Pezão tenha força política para, com folga, fazer passar na Alerj quaisquer projetos de iniciativa do Poder Executivo ou para barrar vetos como o que ora foi derrubado. O governador do Estado está na pior posição em que poderia estar, uma espécie de limbo político, espremido, por um lado, pela pressão da realidade – qual seja, governar um Estado falido sem ter apoio na Alerj – e, por outro, pela aproximação de seu autodeclarado ocaso na política: Pezão já manifestou a intenção de não disputar mais eleições após o término de seu atual mandato, no fim deste ano. Mas ele teve a decência de vetar o aumento descabido.

A irresponsabilidade da Alerj é particularmente grave porque, além de esgarçar ainda mais o rombo da Previdência estadual em R$ 77 milhões anuais, o aumento de 5% dado aos servidores públicos põe em risco a permanência do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) – Lei Complementar Federal n.º 159 –, ao qual o Estado aderiu no ano passado para recompor suas finanças.

Caso o Estado seja excluído do RRF, que veda terminantemente a concessão de aumentos a servidores públicos, entre outras imposições, poderá ser obrigado a ressarcir à União cerca de R$ 18,8 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional. Não são necessários cálculos muito sofisticados para estimar o impacto que isso teria no já depauperado cofre do Estado.

Os deputados da Alerj bem que poderiam ter sopesado as dificuldades que se avizinham. Não o fizeram por uma razão muito simples: não importam as barbaridades fiscais cometidas no Estado; a União, por meio do Tesouro Nacional – vale dizer, o conjunto dos contribuintes brasileiros –, vem em socorro na undécima hora. E quando a União tenta fazer valer a força dos contratos, há a mão generosa do Supremo Tribunal Federal (STF) para relativizar o que deveria ter a inarredável força das leis, não só para fazer valer cláusulas pactuadas de acordo com o bom Direito, como para servir de exemplo didático. Em pelo menos duas ocasiões recentes a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte Suprema, concedeu liminares sustando bloqueios de recursos do Estado que deveriam ter sido feitos pela União em função do descumprimento de cláusulas previstas no RRF pactuado com o Rio de Janeiro.

O governo estadual disse em nota que irá ao STF contra a decisão da Alerj que derrubou o veto ao aumento dos salários dos servidores públicos. Será bom para o País se a Corte, ao menos desta vez, olhar com mais atenção para aqueles que nada têm a ver com a crise do Estado, mas pagam a conta.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Usinas nucleares para o Brasil?


Os próximos tempos trarão importantes notícias sobre o nosso panorama energético

*WASHINGTON NOVAES, O Estado de S.Paulo - 17 Agosto 2018 

Dizem os jornais que “Temer retoma plano nuclear e governo prevê várias usinas” (Folha de S.Paulo, 25/7). Além do abastecimento interno, prevê-se “aumentar a exportação”. O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro estaria encarregado de um “programa para ampliar no País a geração de energia a partir do urânio e dinamizar a mineração no setor”. Mas é um tema que divide especialistas e enfrenta a oposição de ambientalistas internos e externos.

O projeto foi produzido pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, vinculado ao Palácio do Planalto e integrado por representantes de 11 ministérios, aos quais tem sido dito que o governo pretenderia construir usinas nucleares em várias partes do País e retomar a construção da usina Angra 3, paralisada desde a Operação Lava Jato.

O panorama na área anda agitado com a notícia de que a estatal russa de energia nuclear já tem uma frota de quatro quebra-gelos a propulsão nuclear, únicos no mundo, e uma unidade de processamento de lixo atômico, com dois reatores de 35 MW cada, abastecidos com combustível nuclear. Após testes no início de 2019, eles deverão ser rebocados para 5 mil quilômetros de distância, no extremo leste do Ártico, onde poderão abastecer 100 mil pessoas. Segundo o Greenpeace, é “um risco sem igual de acidente”, já que a barcaça de transporte tem seu fundo achatado e seria mais vulnerável no mar bravio da região. E também precisa de rebocador – outro risco. Mas a Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica aprovam o projeto, que substituirá outro mais antigo, com reator semelhante ao que explodiu em Chernobyl em 1986. O novo o substituirá com menor impacto ambiental no Ártico, em região que em 2012 teve a menor cobertura de gelo polar da história. O combustível, após 40 anos de uso, irá para aterro de lixo atômico.

Ambientalistas têm dito que o Brasil não precisa deste tipo de projetos com tanto risco. Segundo representante do Greenpeace (22/7), foram gastos R$ 300 bilhões para cobrir danos provocados pelos acidentes em Fukushima, em 2011, e R$ 1,5 trilhão em Chernobyl (1986) – sem falar em gastos para receber o lixo atômico e para desmontar as usinas a serem desativadas quando não mais produtivas. Por essas e outras, Francisco Whitaker, que em 2006 recebeu o Prêmio Nobel Alternativo do Parlamento sueco, diz que a atual proposta do governo brasileiro significa “remar contra a maré e a História”. E lembrou que diversos países estão abandonando a opção nuclear, entre eles a Alemanha, que até 2022 desligará todas as suas usinas nucleares.

Há quem discorde de certos pontos. Por exemplo, o professor do programa nuclear da Coppe/UFRJ Alberto Luiz Coimbra Reis, segundo quem a energia nuclear pode ser considerada “limpa”, pela baixa emissão de gases do efeito estufa. E embora o País tenha tecnologia e matéria-prima indispensáveis, além da sexta maior reserva de urânio do mundo. Mas também ele critica o momento da elaboração da nova política de governo, a apenas seis meses do fim da atual gestão federal.

O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, reinstituído no ano passado, elabora uma proposta de Política Nuclear Brasileira, que deverá ser capaz de nortear o desenvolvimento futuro do programa nuclear. Mas ele não tem tratado de questões como a construção de usinas nucleares.

No âmbito mundial, prossegue a discussão acirrada. O próprio papa Francisco afirmou durante viagem ao Chile que “teme” o risco de uma guerra nuclear. Segundo ele, o mundo está “no limite de uma guerra nuclear” (Estado, 15/1/2018). E acrescentou: “Estou realmente com medo disso. Um acidente é o suficiente para precipitar as coisas”. Ele também tem endurecido suas falas contra as armas nucleares. Acha que os países não devem estocá-las, mesmo para dissuasão.

Nem todos se convencem. A Rússia, por exemplo, inaugurou há pouco tempo uma usina nuclear marítima, com reatores nucleares flutuantes, que vai bombear energia para cidades portuárias e plataformas de perfuração em busca de petróleo. Segundo a empresa estatal russa de energia nuclear, a usina tem “uma grande margem de segurança”, pois é “resistente a tsunamis e desastres naturais”. Segundo grupos ambientais, o projeto deveria chamar-se “Titanic Nuclear” ou “Chernobyl Flutuante”.

Nos últimos meses, as esperanças maiores recaíram nos encontros entre o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, e dirigentes da Coreia do Norte, como Kim Jong-un, nos quais foram tratados temas que preveem a desnuclearização coreana, apoiado até pela China.

À margem de tudo isso, no Brasil ganha força um movimento em favor da ampliação do parque nacional de energia eólica, já que a energia dos ventos responde por 8,5% da potência instalada no País e deve ultrapassar a biomassa (Estado, 5/8) em 2019, para transformar-se na segunda maior fonte geradora de energia, após a eletricidade. A energia dos ventos tem ganhado maior força principalmente nas Regiões Nordeste e Sul do País, “onde giram hoje 6,6 mil cataventos, espalhados por 534 parques eólicos”. A energia solar também tem avançado em algumas regiões.

Seja como for, não é difícil de prever que os próximos tempos trarão notícias importantes sobre o panorama energético brasileiro. E que deverão tratar basicamente da diversificação das nossas fontes de energia – um avanço decisivo para o País. Porque não faz sentido continuarmos presos a poucos mananciais, sem considerar a possibilidade de avanços na diversificação e de ganhos nas estratégias de implantação e de preços, com muitos benefícios para o consumidor. E sem falar, também, que será possível rever a estratégia de grandes barragens, com os problemas que as envolvem (e que afetam recursos hídricos), inclusive o de lobbies e de corrupção.

*JORNALISTA

E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR

Desperdício do fator humano


A mão de obra desempregada, subempregada ou mantida à margem do mercado de trabalho é raramente analisada como um fator de produção ocioso

O Estado de S.Paulo - 17 Agosto 2018 

O maior desperdício cometido no Brasil é também o mais cruel. É a subutilização de 27,64 milhões de pessoas, ou 24,60% da força de trabalho, um enorme recurso produtivo em parte paralisado e em parte utilizado muito abaixo de seu potencial. A noção de capacidade ociosa é quase sempre associada, quando se analisam as condições da economia, a máquinas e equipamentos parados nas fábricas, nas fazendas e em outras unidades de produção. A mão de obra desempregada, subempregada ou mantida à margem do mercado de trabalho é raramente analisada como um fator de produção ocioso e, sob esse aspecto, comparável, portanto, ao capital físico paralisado.

Em junho, a mão de obra subutilizada incluía 12,96 milhões de desempregados, 6,51 milhões de indivíduos ocupados em jornadas insuficientes e 5,39 milhões de integrantes da força de trabalho potencial. Esta última parcela corresponde a pessoas fora do mercado apesar de terem idade e condições para produzir.

A porcentagem de mão de obra subutilizada ficou estável entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano. No período de abril a junho foi maior, no entanto, que em igual período de 2017, quando esse contingente correspondia a 23,80% da força de trabalho total, formada pela soma das pessoas no mercado e daquelas potencialmente empregáveis. Neste grupo se encontram algumas das experiências mais dramáticas. A mão de obra potencial é formada por indivíduos dispostos a ingressar na população ativa e pelos desalentados. Estes desistiram, pelo menos por algum tempo, de participar do mercado por causa de condições muito adversas.

O aumento dos desalentados - de 4 milhões para 4,8 milhões entre o segundo trimestre de 2017 e o segundo deste ano - é um dos indicadores mais claros do emperramento do mercado de emprego apesar da recuperação, mesmo lenta, da atividade econômica.

Esse emperramento é um dos sinais mais fortes e mais preocupantes da insegurança dos empresários. Mesmo quando revelam algum otimismo quanto à evolução dos negócios, eles mostram pouca disposição para contratar pessoal e para investir em máquinas, equipamentos e instalações. Essa cautela tem sido mostrada seguidamente em levantamentos da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A fabricação de bens de capital, isto é, de máquinas e equipamentos, tem sido uma das atividades industriais com maior crescimento desde o ano passado, mas isso se explica basicamente como recuperação depois de uma longa fase de retração. Boa parte das compras, é razoável supor, deve ser destinada à reposição e à substituição de bens depreciados ou desatualizados.

De modo geral, a indústria ainda tem de colocar em operação um grande número de máquinas e equipamentos antes de cuidar de novos investimentos. Em junho, a indústria operou com 76,7% da capacidade instalada, nível pouco inferior ao de um ano antes (77,2%), segundo a CNI. Mais investimentos poderiam movimentar um número importante de fábricas fornecedoras de bens de capital e de insumos básicos, mas para investir mais os dirigentes de empresas precisariam de maior confiança e de visão mais clara do futuro, algo muito difícil diante da enorme incerteza política.

Mais contratações também teriam múltiplas consequências positivas. A mais evidente seria a melhora das condições de vida de milhões de pessoas e de famílias assoladas pelo desemprego e pela subutilização da mão de obra. Mais contratações permitiriam maior consumo e maior impulso à produção de bens e serviços. Isso produziria um ciclo virtuoso.

Mas também as contratações dependem da confiança empresarial. Hoje as incertezas são ligadas basicamente às eleições. Para bem avaliar o quadro convém lembrar mais um ponto: desemprego prolongado pode afetar a qualificação. Os desempregados por mais de dois anos eram 3,16 milhões no segundo trimestre. Como se enfrenta uma entrevista de emprego depois de tanto tempo fora da atividade?

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Floquinhos de neve no metrô

[...]Eis um dos maiores erros dos utilitaristas ao determinarem que gerar felicidade em larga escala seria nossa “salvação”. Pelo contrário, a lucidez parece continuar habitando o território da dor. Esse fato essencial nenhum autor de autoajuda ousa enfrentar.[...]

Floquinhos de neve no metrô 

LUIZ FELIPE PONDÉ - FOLHA DE SP - 13/08

Não esperem nada da linha verde, a salvação virá da azul e da vermelha

Outro dia eu conversava com um amigo meu, médico homeopata, e ele, num arroubo sociológico, afirmou: “Não esperemos nada do pessoal da linha verde, a salvação virá das linhas azul e vermelha!”

Para quem não conhece o metrô de São Paulo, as linhas estão divididas por cores, como é comum se fazer pelo mundo afora. Quando meu amigo fez esse comentário, me chamou a atenção o caráter absolutamente científico da sua empreitada: havia algo de um espírito sociológico selvagem na sua fala. 

Eu sei que a linha amarela ficou de fora dessa sociologia. Vou ser fiel à minha fonte e nada direi acerca da linha amarela, mas suspeito que pelo menos parte dela cairia na classificação da linha verde.

Devo esclarecer o contexto da conversa em que surgiu essa observação fundamental acerca de nosso futuro. Falávamos de um certo sentimento de falta de esperança, não só para com o Brasil, mas para com nosso mundo ocidental –tema já banal. O resumo era o termo “snowflake”. Você conhece?

O termo é muito comum na Inglaterra. A tradução é floquinho de neve. A expressão é usada para designar pessoas que se ofendem facilmente. Como caráter epidêmico, é usado para descrever gente que, a partir de 2010, virou adulto jovem. Qual a relação entre a linha verde do metrô e a personalidade “snowflake”?

A linha verde corre, em grande parte, pela zona oeste e avenida Paulista –que, por sua vez, corre da zona oeste em direção à zona sul (e vice-versa, claro, não quero ofender ninguém!). Atende, portanto, em grande parte, a uma população floquinho de neve. 

Sei que há nessa afirmação muito de uma generalização selvagem. Mas o que seria da sociologia sem uma razoável dose de generalizações selvagens? Nem o velho Marx ficaria de pé.

A linha verde do metrô (pelas regiões que percorre) serve como metáfora de gente que perdeu um pouco a noção de como a vida é, devido às garantias materiais com as quais vive. Tipo: você nasceu com suíte para você desde bebê, logo, você acha que suítes deveriam ser um direito de todo cidadão.

A linha verde aqui, e sua “zona oeste paulistana”, representaria, em grande parte, o pessoal que acha possível salvar o mundo com alimento orgânico produzido na sua varanda. Ou gente que sofre de “síndrome traumática Trump” (nova síndrome descrita entre pessoas que nunca lavaram um tanque de roupa suja ou um banheiro na vida). Essa síndrome, de fato descrita nos EUA, é apenas um exemplo da condição floquinho de neve.

Gente assim se ofende se você a convida para jantar e oferece frango. “Seu frango me ofende”, diria um floquinho de neve.

Já as linhas azul e vermelha representam, nessa generalização sociológica selvagem, a moçada que cresceu com um banheiro para dez pessoas em casa. 

Suspeito que uma situação como essa educa mais do que dez anos de aulas de felicidade, autoestima e empatia nas escolas. Uma fila no banheiro, de manhã, em casa, é mais poderosa, no sentido civilizador, do que escolas que ensinam respeito às diferenças. À medida que o mundo vai ficando confortável, vamos perdendo a forma.

Pelas regiões geográficas que essas linhas percorrem (zonas norte, leste e sul profunda), elas seriam a metáfora de gente que não perdeu (ainda) a noção da realidade. Sabe o quanto as coisas custam, e que, normalmente, você sangra até morrer sem conseguir a maior parte delas. Acho que o “horror ao sangue” que marca a moçada na linha verde representa a perda dessa noção.

Uma das razões que me leva a suspeitar da chamada “esquerda” é que, em vez de enxergar os danos inexoráveis que a riqueza instalada está causando às pessoas, ela (à semelhança de seu profeta maior) acha que a solução é universalizar essa riqueza instalada, declarando que suítes devem ser um direito de todo cidadão. E mais: que as suítes devem cair do céu.

Portanto, voltando ao meu sábio amigo, não esperemos nada da linha verde. Quem salvará o mundo é o pessoal das linhas azul e vermelha porque, sangrando todo dia, eles ainda mantêm uma mínima lucidez em meio a esse parque temático que o mundo virou.

Eis um dos maiores paradoxos da condição humana: devemos fugir do sofrimento, mas, quando conseguimos, viramos floquinhos de neve. 

Eis um dos maiores erros dos utilitaristas ao determinarem que gerar felicidade em larga escala seria nossa “salvação”. Pelo contrário, a lucidez parece continuar habitando o território da dor. Esse fato essencial nenhum autor de autoajuda ousa enfrentar.

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

A democracia precisa dos partidos políticos

Bem, não me surpreende nem um pouco as opiniões desse brasilianista, afinal o insumo principal são informações colhidas na mídia e de artigos acadêmicos, dois ambientes coalhados de petistas nos últimos trinta anos. Não poderia sair opiniões diferentes dessa.

‘A democracia precisa dos partidos políticos’, diz brasilianista

O cientista político americano David Samuels diz que siglas vivem ‘situação de descrédito’, o que ‘abre a porta’ para candidaturas como a de Jair Bolsonaro nas eleições 2018

 Ricardo Brandt, O Estado de S.Paulo - 14 Agosto 2018 

O cientista político americano David Samuels estuda o sistema partidário brasileiro há duas décadas. Professor da Universidade de Minnesota (EUA), o brasilianista afirma que a polarização hoje no Brasil se dá não entre direita e esquerda, mas entre petistas e antipetistas – dois grupos de perfis semelhantes que, somados, representam quase a metade do eleitorado. Ele também diz que os partidos ficaram em descrédito com os escândalos de corrupção, mas enfatiza que “a democracia precisa de partidos”. Samuels está no País para apresentar o livro que lançou nos EUA em parceria com o cientista político brasileiro Cesar Zucco Júnior, da FGV do Rio, sobre o comportamento do eleitorado e o sistema partidário brasileiro (Partisan, Antipartisans, and Nonpartisans – Voting Behavior in Brazil, ainda sem tradução).

David Samuels
O cientista político americano David Samuels, que estuda o sistema partidário brasileiro há duas décadas 

O eleitor brasileiro é indiferente aos partidos ao votar?

Existe uma coerência do sistema partidário no eleitorado. Mais ou menos a metade pensa politicamente em termos de ‘eu gosto ou não gosto do PT’. E a outra metade é, na maioria, não politizado, não partidário. Um grupo que não têm afinidade nem é contra partido algum. As qualidades pessoais dos candidatos e a performance do governo são importantes – por isso, dizemos que o candidato governista terá poucas chances nessa eleição. Mas nossa conclusão é que, para os eleitores partidários, a atitude partidária, seja ela positiva ou negativa, molda ou filtra as percepções políticas, como as de performances pessoais e de governo.

Os partidos vivem seu pior momento no Brasil, depois dos escândalos de corrupção?

Todos partidos ficaram em situação de descrédito. A democracia precisa de partidos políticos. Esse é o problema da democracia. O eleitor não gosta de partidos, os partidos são de elites. E o eleitor não gosta de elites. Mas qualquer sistema político precisa de elites. Tem um amigo que diz ‘olha, uma democracia precisa de partidos da esquerda e da direita’. Não é somente o partido de esquerda que vai consolidar e aprofundar a democracia. O Brasil carece de partidos conservadores com raízes na sociedade, só existem candidatos conservadores. Isso abre a porta para candidatos como Jair Bolsonaro (PSL).

O Brasil vive um cenário de polarização excepcional?

Não é somente no Brasil que tem polarização, é no mundo inteiro. Nos últimos 30 anos, a economia brasileira tem mudado muito e isso deu vantagens para muita gente, mas também trouxe desvantagens para uma porção enorme da população. A precariedade de empregos cresceu, afetou a classe média, as pessoas que têm emprego no setor formal. E isso tem a ver com a política, com os padrões de atitudes políticas. 

É uma polarização estilo democratas versus republicanos?

Mais ou menos dois terços ou três quartos dos partidários são petistas. Mas tem uma proporção grande do eleitorado brasileiro que é somente antipartidário, não tem partido que goste. Aqui, tem mais antipartidário puro do que na maioria dos países. Nos EUA, todo antipartidário também tem uma afinidade partidária. No livro, mostramos vários países com antipartidarismo, mas o Brasil tem muitos. E a maioria desses antipartidários são antipetistas, 75% a 80%. 

Qual o perfil do petista e do antipetista?

Eles não vêm de classes sociais diferentes. Não é que o antipetista seja da elite e o petista é pobre, da classe média e baixa. Uma pessoa politizada tem de ter um certo grau de educação, um desejo de se engajar na política. E, geralmente, essas pessoas são de classes socioeconômicas mais altas. São 20 milhões de antipetistas. Não podem ser só pessoas das elites. E também tem pobre e gente com PhD que estão entre os petistas. 

A aliança do PSDB com o Centrão indica um alinhamento dos tucanos com a direita?

A moderação do PT fez o PSDB migrar mais para a direita. O PT era a esquerda, se moderou, mudou para o centro e ocupou o espaço do PSDB. O PSDB queria ser um partido de centro-esquerda, mesmo no momento de fundação. O PSDB tem dois problemas principais. Um é tentar tirar os eleitores do Bolsonaro e mostrar que é realmente conservador. O outro é como vai fazer campanha sem dizer que é governo hoje. 

O PT vai sobreviver sem Lula?

Acho que sim, é uma questão aberta ainda. Bolsonaro tem fãs, mas não tem uma organização que dá apoio. É a fraqueza principal da campanha dele. A prova foi a incapacidade de conseguir se coligar com grandes partidos e achar um candidato a vice que adicione alguma coisa. Mas, para o PT, o partido não é só uma pessoa, é uma organização grande que tem recursos, tem milhões de simpatizantes e diversos políticos pelo Brasil inteiro. 

Nos EUA seria possível um candidato condenado e preso?

Acho que é coisa inédita no mundo. Acho que não aconteceria.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

A crise financeira dos Estados


É até surpreendente que 60% dos governadores pretendam renovar seus mandatos na eleição de outubro

O Estado de S.Paulo 13 Agosto 2018 

Diante da dramática situação financeira dos Estados, agravada nos últimos anos pela queda da arrecadação em razão da crise econômica e pelo crescimento contínuo das despesas – especialmente com pessoal –, é até surpreendente que 60% dos governadores pretendam renovar seus mandatos na eleição de outubro. Estarão dispostos a enfrentar nos próximos quatro anos os graves problemas que não enfrentaram com a coragem necessária durante o mandato que se encerra no dia 31 de dezembro? Infelizmente, o acompanhamento da evolução recente das finanças estaduais sugere que não.

A recessão teve papel decisivo na redução das receitas nos últimos anos. Entre 2015 e 2017, como mostrou reportagem do Estado, a receita dos Estados poderia ter sido R$ 278 bilhões maior do que o valor efetivamente arrecadado caso se mantivessem as condições econômicas anteriores. Como disse o economista Raul Velloso, esse é o dinheiro adicional que teria entrado nos cofres estaduais caso o País não tivesse mergulhado na recessão.

Estados mais industrializados perderam mais receita, proporcionalmente e em valores, porque a crise afetou mais duramente, e por mais tempo, a produção de bens industriais. No Rio de Janeiro, a receita caiu até mesmo em valores nominais. 

Os valores impressionam, especialmente se se lembrar que o dinheiro não arrecadado daria para cobrir os custos da construção de mais de mil hospitais do nível da unidade que o Hospital Sírio-Libanês está construindo em Brasília, com 144 leitos. Daria também, como lembrou Velloso, para pagar o aumento das despesas com o sistema previdenciário.

Em boa parte dos casos, porém, à gravidade do impacto da crise sobre a arrecadação não correspondeu a necessária austeridade que se espera de um gestor comprometido com o bom uso do dinheiro do contribuinte.

Em 2017, por exemplo, quase todos os Estados gastaram mais da metade de sua arrecadação líquida no pagamento dos servidores públicos, ativos e inativos, segundo dados informados pelos governos estaduais à Secretaria do Tesouro Nacional, como exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa lei (Lei Complementar n.º 101, de 4/5/2000) estabelece em 60% da receita corrente líquida o gasto máximo com pessoal dos Estados. Quando os gastos com pessoal atingirem 95% desse limite (ou 57% da receita líquida), os Estados não poderão conceder vantagens, aumentos ou reajustes aos servidores, nem criar cargos ou funções.

No ano passado, uma parte dos Estados conseguiu reduzir os gastos com pessoal ativo, em razão da não substituição dos servidores que, por alguma razão, saíam da folha do pessoal em atividade. Mas, desde 2015, os gastos com inativos estão crescendo mais depressa e é praticamente nula a competência dos governos estaduais para conter esse crescimento.

A combinação de gastos em crescimento e arrecadação em queda (o aumento da receita real no ano passado não foi suficiente para compensar as perdas dos dois ou três anos anteriores) resultou no crescimento da dívida dos Estados, que no segundo semestre do ano passado somava R$ 781 bilhões. Renegociadas em 1997 com grande ônus para o Tesouro Nacional, mas com regras rigorosas para evitar seu crescimento, as dívidas estaduais voltaram a aumentar a partir de 2009, em razão de financiamentos concedidos por instituições federais e organismos multilaterais.

Cercadas de medidas de prudência no início, as operações com bancos federais tornaram-se mais fáceis para os Estados depois que o governo do PT autorizou empréstimos sem o aval do Tesouro Nacional. O risco da operação, antes bancado pelo Tesouro, passou a ser da própria instituição financiadora. Chegou-se à situação em que a Caixa Econômica Federal tem a receber R$ 21,4 bilhões de empréstimos concedidos a Estados e municípios sem aval do Tesouro, como mostrou o Estado. Foi um estímulo para os gastos estaduais e para a deterioração de sua já combalida situação financeira.

domingo, 12 de agosto de 2018

Como Alcântara pode ajudar o Brasil


Temos pela frente uma excelente oportunidade para nos posicionarmos no mercado espacial

*NIVALDO LUIZ ROSSATO, O Estado de S.Paulo - 11 Agosto 2018 

Há décadas, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), localizado no Maranhão, tem sido alvo de polêmicas baseadas, em boa parte, na desinformação sobre sua relevância para o Brasil. O País precisa saber que Alcântara não está à venda, não será arrendada e que tampouco haverá cessão de área ou qualquer outra ação que afete a soberania brasileira.

Na verdade, o que se pretende é viabilizar o uso comercial do CLA. Feito isso, Alcântara vai oferecer a possibilidade de empresas privadas efetuarem lançamentos de engenhos espaciais a partir das suas instalações, proporcionando uma nova e significativa fonte de recursos financeiros para o Programa Espacial Brasileiro e seus importantes projetos.

A Estratégia Nacional de Defesa, já em 2008, designou o Comando da Aeronáutica como o responsável pelo setor espacial brasileiro, entretanto, como não há programa espacial exclusivamente militar, é imprescindível que toda a sociedade brasileira conheça a importância de Alcântara.

Nosso país tem o tamanho de um continente. São praticamente 200 milhões de habitantes que usam diariamente serviços providos por satélites, sem nem sequer notar que o fazem. Essas tecnologias estão em nossos telefones celulares, no GPS, na previsão meteorológica, no levantamento de imagens para diversas finalidades – como as usadas para previsão de safras agrícolas e monitoramento de desmatamentos – dentre inúmeros outros serviços. Diante da relevância de tantas possibilidades de uso do espaço, a questão que se impõe é: queremos ter essa indústria aqui, no Brasil, gerando empregos e desenvolvimento, ou vamos seguir sendo ultrapassados por outros países na corrida espacial?

Infelizmente, hoje o Brasil está praticamente fora do mercado espacial mundial. Estamos falando de um volume de negócios estimado em mais de US$ 300 bilhões por ano. E, como não temos empresas nacionais explorando profundamente esse segmento, nossos profissionais altamente capacitados acabam sendo absorvidos por empresas de outros países, pondo em risco um legado de décadas de trabalho no Brasil.

Atualmente, países que iniciaram seus programas espaciais junto com o Brasil, por volta da década de 1960, já se valem de uma considerável autonomia. Diferentemente do que acontece aqui, mesmo tendo em nosso território um dos melhores locais do mundo para lançamento de satélites. Situado a apenas 250 km ao sul da Linha do Equador, nosso centro em Alcântara propicia uma economia de combustível de pelo menos 30% nos lançamentos. Além disso, sua posição estratégica apresenta meteorologia favorável e saída para o mar, fatores igualmente importantes para um centro espacial.

Para minimizar os danos da estagnação do programa espacial, algumas ações de alta relevância têm sido tomadas em prol do setor espacial brasileiro. Prova disso é o recém-assinado Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (Pese) – parte do Programa Nacional de Atividades Espaciais –, que tem uma concepção dual, englobando ações de defesa e de ciência e tecnologia. Com essa formatação, o Pese oferece possibilidades de serviços de satélites não só para as Forças Armadas, mas também para atendimento a necessidades governamentais em diversas áreas em prol da sociedade, notadamente no fornecimento de internet de banda larga a regiões mais remotas.

Além disso, acompanhando o surgimento de novas ondas como a nanotecnologia, e sua decorrente miniaturização de produtos espaciais, o Programa Espacial Brasileiro tem focado atualmente na viabilização do desenvolvimento do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM). Trata-se de um novo nicho muito explorado por companhias privadas. As filas de espera nos centros de lançamento de artefatos desse tipo ao redor do globo estão em torno de três anos, o que corrobora a carência dessas instalações no mercado e reforça a oportunidade que surge para recuperarmos o tempo perdido.

Porém, para que satélites estrangeiros possam ser lançados do território brasileiro são necessárias proteções legais, conhecidas no mercado aeroespacial como Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, ou AST, um contrato recíproco de proteção legal de tecnologias.

Com o acordo, os países estabelecem um compromisso mútuo de proteção das tecnologias e patentes contra uso ou cópia não autorizados. Esses acordos são praxe no setor espacial e não representam ameaça alguma à soberania brasileira. Infelizmente, este tema tem sido distorcido com alguma regularidade, gerando uma falsa ideia de que o AST seria prejudicial para o País. E isso não é verdade.

No momento, o Brasil se encontra em plena negociação de um AST com os Estados Unidos. Após sua conclusão, teremos condições legais de atuar conjuntamente não só com a nação que domina simplesmente cerca de 80% do mercado espacial e suas tecnologias, mas também com qualquer outro país que tenha produtos espaciais desenvolvidos com componentes de empresas americanas. Por outro lado, caso o Brasil não permita a formalização desta parceria com os norte-americanos, estaremos impondo ao País óbices extremamente duros para a continuidade do nosso programa espacial.

Temos pela frente uma excelente oportunidade para finalmente nos posicionarmos no mercado espacial mundial, com um protagonismo compatível com a grandeza do Brasil. E o Centro de Lançamento de Alcântara é peça fundamental neste processo. Por isso precisamos incentivar seu uso comercial, o que certamente trará consequências benéficas para o Programa Espacial Brasileiro. Trata-se de um assunto que não pode ficar restrito ao Comando da Aeronáutica ou a apenas um governo. A área espacial sempre foi e continua sendo estratégica para o País, mas, para avançarmos rumo ao seu desenvolvimento, ela deve ser tratada como tal por todos os brasileiros.

*TENENTE-BRIGADEIRO-DO-AR, É COMANDANTE DA AERONÁUTICA


sábado, 11 de agosto de 2018

Facilitar o comércio externo


Entre outubro do ano passado e maio deste ano, os membros do G-20 criaram 39 restrições à entrada de produtos estrangeiros

O Estado de S.Paulo 11 Agosto 2018 | 03h00

A Organização Mundial do Comércio (OMC) tem feito apelos seguidos para que seus membros evitem a criação de barreiras comerciais a pretexto de proteger-se dos efeitos da disputa entre os Estados Unidos e a China. Essas barreiras dificultam ainda mais o fluxo de mercadorias neste momento de tensão no mercado internacional. Apenas entre outubro do ano passado e maio deste ano, os membros do G-20 (as 19 nações mais desenvolvidas do mundo mais a União Europeia) criaram 39 restrições à entrada de produtos estrangeiros, que incluem aumento de tarifas e exigências alfandegárias mais rigorosas, de acordo com recente levantamento da Organização Mundial do Comércio. Para evitar que essas e novas medidas protecionistas afetem ainda mais as exportações brasileiras, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou um movimento para estimular o comércio externo e reduzir as barreiras que prejudicam as exportações brasileiras. Trata-se da Coalizão Empresarial para Facilitação de Comércio e Barreiras (CFB), que reúne representantes de diferentes segmentos industriais.

Estudo encomendado pela CNI à Fundação Getúlio Vargas constatou que o Brasil perde cerca de 14% de suas exportações por causa de barreiras técnicas, sanitárias, fitossanitárias e tributárias. Isso equivaleu a cerca de US$ 30 bilhões no ano passado. Os obstáculos à entrada de bens brasileiros nos mercados estrangeiros afetam sobretudo a produção agrícola e a indústria de alimentos, setores em que o Brasil é mais competitivo.

O estudo identificou 20 entraves, que já estão registrados no Sistema Eletrônico de Monitoramento de Barreiras (SEM Barreiras), criado pelo governo federal como canal com as empresas e entidades do setor privado para tratar de medidas externas que dificultam o acesso de produtos brasileiros aos mercados internacionais. Desse total, 17 são justamente as erguidas por membros do G-20.

A carne, da qual o Brasil é um dos maiores fornecedores, sofre restrições diversas, em diferentes países, de acordo com o levantamento feito pela CNI com empresas e entidades do setor privado. A Nigéria, por exemplo, impede a entrada da carne bovina brasileira para proteger a produção local. O Japão embargou a entrada do produto brasileiro em 2012 por causa da constatação de um caso de doença da vaca louca, prometeu reabrir seu mercado em 2015, mas passou a exigir requisitos que excedem as normais internacionais. A União Europeia barra a entrada da carne suína brasileira por não reconhecer a eficiência do sistema nacional de controle da febre aftosa.

Na lista de produtos brasileiros que não podem entrar no mercado europeu está o pão de queijo. A União Europeia proíbe a entrada de produtos com mais de 50% de lácteos na sua composição, mas os fornecedores brasileiros garantem que o pão de queijo nacional tem apenas 20% de derivados de leite. O suco de laranja brasileiro paga 7,5% de tarifa para entrar na China se o fizer com refrigeração abaixo de 18°C; se a temperatura for mais alta, a alíquota salta para 30%.

“O foco da coalizão será atuar de forma proativa para derrubar barreiras que impedem nosso acesso a mercados no exterior”, disse ao [ ]Estado[/ ] o presidente da Associação da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Valente Pimentel, que presidirá também a CFB.

Esta iniciativa é importante para assegurar mercados para os produtos brasileiros, mas a ação das empresas e do governo não pode se limitar a combater as dificuldades criadas por eventuais compradores de bens nacionais. É preciso também melhorar, e substancialmente, as condições de produção e de exportação de bens brasileiros. A agenda de facilitação do comércio, naquilo que depende de agentes públicos brasileiros, continua à espera de medidas adequadas em itens como redução de tempo, operações e custos dos processos de importação e exportação. Exportadores e importadores ainda reclamam da burocracia aduaneira e do atraso de muitos procedimentos que aguardam modernização.



Desempregado, limpo na praça, dinheiro no bolso e emprego para os outros

O candidato, assim como os demais, não falaram em recuperar a indústria (US $ 1 TRILHÃO apenas para atualização do parque fabril brasileiro).

Ele vai estimular o consumo. E quem produzirá? Os produtores e fábricas brasileiros? NÃO. Estão e continuarão quebrados ou fechando. Quem venderá produtos em profusão para a nova onda "cirilesca" de consumo? OS CHINESES!!


Sabe quem está investindo pesado na campanha de Ciro Gomes? Eles, os chineses. 
Felizes, exultantes e serelepes  os desempregados com dinheiro no bolso manterão os empregos dos chineses, jamais recuperação os seus.

É o que dá...novelinha básica, futebol, programas de auditório, etc etc etc



Ciro diz que plano de limpar nomes é para estimular consumo


Presidenciável do PDT não detalhou como a medida seria viabilizada porque disse que ela seria 'copiada' pelos adversários

Dayanne Sousa, O Estado de S.Paulo - 11 Agosto 2018 

O candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, disse que sua proposta de "limpar o nome" dos brasileiros no cadastro de inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) tem o objetivo de melhorar o consumo das famílias. "Vou ajudar a limpar o nome das pessoas não é porque sou bonzinho. É porque meu projeto prevê que um dos motores da economia é o consumo das famílias", disse Ciro, que participa de transmissão ao vivo no Facebook. No vídeo, ele conversa com candidatos a deputado federal pelo PDT, além de candidatos a governador e senador do partido por São Paulo.

Ciro não detalhou durante a transmissão ao vivo como seria viabilizada a ideia de retirar nomes do cadastro de inadimplentes. "Tudo o que eu falo agora, os meus adversários estão copiando", argumentou.  

A medida tem sido alvo de críticas por parte de candidatos opositores. Em debate realizado na sexta-feira, 10, com assessores de diferentes candidaturas, a proposta de Ciro foi alvo de ataques sobretudo por Persio Arida, assessor econômico do tucano Geraldo Alckmin, que disparou contra o que chamou de "promessas irresponsáveis".

Ele estimou que a proposta de Ciro teria um impacto superior a R$ 60 bilhões nas contas públicas. Em defesa de Ciro, o coordenador do programa de governo do pedetista, Nelson Marconi, contestou o cálculo e disse que a estimativa não poderia ser feita. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Legislação cria coronéis nos partidos políticos

 Editorial | O Globo
Comissões provisórias que se eternizam em diretórios sequestram legendas e impedem renovação dos quadros

Mai suma campanha eleitoral em ques e repetem personagens. Em si, nenhum problema, porque também é desejável que haja políticos experientes. Mas o fenômeno brasileiro é de outra natureza, não demográfica ou geracional. Deriva de distorções do nosso sistema de representação, em que é possível eternizar-se em cargos de direção partidária, pela facilidade que a legislação dá para a existência de coronéis que tudo controlam nas legendas. São chefes quase no sentido tribal do termo.

Reportagem do GLOBO, feita com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral, constatou que 15 dos 35 partidos registrados têm presidentes há muito tempo no cargo. Um exemploéo indefectível Valdemar Costa Neto, de São Paulo, que era “dono” do PL em 2002, quando entabulou negociações com o PT que serviram de pedra fundamental do esquema do mensalão: vender acessão do empresário José Alencar para servi cede Lula e dar um lustro de pluralismo democrático à candidatura do PT. Do pacote, fez parte o apoio político e parlamentar ao governo, também negociado pelos petistas com outras legendas.

Passados 16 anos, Costa Neto, mesmo sem mandato, continua no controle do PL, que agora atende pela sigla de PR. Foi denunciado, processado, condenado e preso como mensaleiro. Cumpriu pena e voltou ao mesmo ofício, agora fazendo acertos com candidatos a presidente, como parte do centrão, junto com caciques do DEM, PP, PRB e SD. O grupo lançou as bases de um acordo, anunciado quinta-feira, fechado para apoiar o tucano Geraldo Alckmin na eleição presidencial.

Há outros personagens neste enredo que fossiliza apolítica brasileira. Um deles, Gilberto Kassab, ministro da Ciência e Tecnologia, prefeito de São Paulo duas vezes, pelo PFL/DEM e representando o PSD, refundado por ele. Tem controle total da legenda. Paulinho da Força é outro que criou um partido, o Solidariedade (SD), o qual maneja da maneira que quer. Na extrema esquerda, há o exemplo de Zé Maria, proprietário do PSTU. Nesta proximidade ideológica, reina, no PDT, Carlos Lupi. Enquanto no PPS, nascido do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Roberto Freire é o chefe desde 1992.

O grande segredo dos coronéis partidários, permitido pela legislação, é intervir em diretórios e nomear comissões provisórias que se eternizam, para dirigi-los, em âmbito estadual e municipal. A Justiça Eleitoral baixou resolução para acabar com a prática, mas sua entrada em vigor tem sido adiada. Há partidos em que todos ou quase todos os diretórios são provisórios.

Não surpreende que a renovação na política brasileira seja muito falada e pouco realizada. A porta de entrada dos partidos é controlada sempre pelos mesmos, que passaram a ter ainda mais poder com o financiamento público total das campanhas, em que o dinheiro é distribuído aos candidatos pelo coronelato partidário. O trabalho de oxigenação da vida partidária é árduo, mas precisa ser executado. Pelo menos tem de ser mais debatido e denunciado. Pode ser um começo.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Conserto da máquina

 Editorial | Folha de S. Paulo
Estado brasileiro arrecada de modo injusto e gasta sem eficiência; tais distorções devem ser atacadas na tarefa urgente de reequilibrar suas finanças

À direita ou à esquerda, não há debate eleitoral relevante que não envolva ou ao menos tangencie a reforma do Estado —ou, vale dizer, a rediscussão das prioridades do poder público e de como devem ser financiadas suas tarefas.

Dos que apontam o gigantismo da máquina governamental brasileira aos que se afligem com sua ineficácia no combate à pobreza e à desigualdade social, são generalizadas as propostas de mudança no arranjo de receitas e despesas.

A Folha pretende aproveitar o período eleitoral e expor neste espaço sua visão sobre os temas mais cruciais para os próximos governantes e legisladores. No contexto nacional, o papel do Estado figura no alto dessa lista.

Trata-se, afinal, de uma estrutura que consome em impostos um terço do Produto Interno Bruto, ou seja, da renda do país, fatia exagerada para os padrões emergentes. Nem todos os recursos, porém, bastam para seus dispêndios, o que resulta em endividamento crescente a sufocar toda a economia.

Na formação desse Leviatã disfuncional está um acúmulo de eras geológicas, diz uma crítica comum. Isto é, são órgãos, funções, políticas e despesas de muitas décadas sedimentadas umas sob as outras, sem que o entulho de decrepitudes, ineficiências e interesses particulares seja removido.

Daí que se lance a bandeira de uma reforma radical, uma refundação. Mudanças de tal amplitude, porém, costumam ocorrer apenas sob ditaduras, ou ao final destas.

Mesmo a Constituição de 1988 teve resultados ambíguos, preservando muito de vícios antigos e introduzindo novos. Note-se que até alterações percebidas como urgentes nos sistemas tributário e previdenciário têm sido adiadas nos últimos 30 anos.

Em resumo, pode-se dizer que a máquina estatal arrecada de forma injusta e daninha, enquanto gasta de modo perdulário e ineficiente.

Nem se fala aqui, por ora, da corrupção que motiva escândalos em escala inédita nos últimos anos. Se o combate aos desvios é imperativo, cumpre desmontar o mito de que seja o bastante para reequilibrar as finanças e promover políticas bem-sucedidas.

Não sendo realista esperar um redesenho completo do setor público, por onde começar a ajustá-lo?

A derrocada orçamentária dos últimos anos tornou a resposta mais simples: não haverá governo viável sem que sejam enfrentadas as pressões por expansão de despesas, em particular com aposentadorias e pensões por morte.

Os pagamentos correspondem hoje a 13% do PIB nos três níveis de governo, segundo dados oficiais; se nada for feito, o percentual crescerá com o envelhecimento populacional e tomará o espaço de saúde, educação, segurança e outros setores prioritários.

O esforço de contenção de dispêndios passa também pela austeridade nas contratações e salários do funcionalismo, cujos privilégios já oneram em demasia os caixas de União, estados e municípios.

Tanto quanto possível, o ajuste das finanças públicas deve se dar pelo controle da despesa, não pela alta da receita, uma vez que a carga tributária já se mostra excessiva.

Entretanto é necessária uma revisão da miríade de benefícios tributários concedidos aos mais variáveis setores, em geral sem avaliação de objetivos e resultados nem prazo para cessação.

Essa tarefa precisa se pautar pela busca de simplicidade e equidade; o mesmo deve ser atingido em uma reforma mais ampla do sistema de impostos, taxas e contribuições.

A tributação brasileira é confusa, injusta, ineficaz e repleta de favores setoriais e regionais. Com grande peso sobre o consumo, prejudica sobremaneira os mais pobres. Regalias e proteções diferenciadas distorcem custos de produção e, pois, a decisão de aplicar de modo eficiente o capital escasso.

Há que trabalhar pela redução do número e do peso dos tributos indiretos, embutidos nos preços das mercadorias e serviços. A taxação deve seguir regras uniformes. Subsídios, se de fato necessários, precisam constar do Orçamento, com começo, meio, fim e avaliação.

Não se desconhece que a agenda aqui delineada, embora não dê conta de todas as deficiências estatais, demanda um esforço político quase revolucionário, dado o conservadorismo do ambiente brasileiro. Seu sucesso será menos plausível caso não se tome o cuidado de sequenciar as medidas.

As chances de levá-las adiante, contra resistências de partidos, corporações e lobbies empresariais, residem na mais indiscutível necessidade. Esgotou-se o tempo em que o crescimento do PIB e da arrecadação mascarava os vícios e as distorções da máquina.

É fato que as condições para as mudanças serão mais favoráveis com uma retomada econômica. Esta, por sua vez, dependerá da confiança de empresários e consumidores no conserto do Estado. Trata-se de equação complexa que consumirá boa parte do capital político do próximo governo.

DIRETRIZES PARA UM ESTADO MAIS JUSTO, EFICIENTE E EQUILIBRADO
• Conter a escalada das despesas com aposentadorias e pensões
• Eliminar privilégios do funcionalismo, com redução do alcance da estabilidade
• Rever benefícios tributários concedidos ao setor privado
• Promover taxação mais progressiva sobre a renda e o patrimônio
• Simplificar os tributos incidentes sobre bens e serviços
• Instituir políticas públicas baseadas em metas de resultados, não de gastos
• Retomar a venda de estatais, associada a investimentos e competição

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O monstro delicado


É possível que o leitor já tenha ouvido os comentários a seguir
     
PEDRO CAVALCANTI*, O Estado de S.Paulo - 06 Agosto 2018 

É possível que o leitor já tenha ouvido os comentários a seguir, que transcrevo sem julgá-los. Seus autores não são os muito pobres vivendo ao relento da própria miséria nem os muito ricos isolados em ilhas. Têm alguma instrução, mas andam desorientados. Não os identifico, pois são comentários colhidos ao acaso.

- Não sei o que são embargos infringentes. Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Também não entendo boa parte do obscuro jargão usado na televisão pelos juízes do Supremo Tribunal Federal, a começar por prescrição intercorrente, perempção, fungibilidade, soberania de Vestfália.

- Não vejo, aliás, por que me envergonharia de tal ignorância, pois estes próprios magistrados se dividiram em duas turmas irreconciliáveis sobre temas básicos.

- Esta é, aliás, uma parte pequena da minha ignorância. Nunca entendi por que tanto se fala em taxa Selic, se ela não parece ter qualquer relação com os juros cobrados pelos bancos na vida real.

- Dizem, agora, que muitos problemas nossos se resolverão nas próximas eleições, a começar pelo fim do empreguismo no serviço público. Parece uma excelente ideia. Concordo plenamente com que ministros da Saúde ou da Educação devam ter algum conhecimento e experiência prática relativa a esses assuntos.

- Mas tudo tem limites. Se existem cargos de confiança, a lógica indica que, para ocupá-los, devem ser nomeadas pessoas de confiança. Nepotismo é uma coisa, confiança baseada em amizades forjadas na partilha de ideais de juventude ou no conhecimento do caráter é ou deveria ser outra coisa.

- Falo francamente: se eu fosse nomeado presidente de uma estatal qualquer, minha primeira iniciativa seria chamar os amigos da velha guarda, perguntar se alguém estava passando necessidade.

- Se eu vivesse na Suécia, essa atitude não seria aconselhável nem possível. Vivemos, no entanto, no Brasil, em meio a gente de carne e osso. Se um político influente fica sabendo de um amigo morrendo de câncer na fila do SUS e não estende a mão para o telefone à procura de uma vaga para a internação, não merece o voto de ninguém. É uma questão de caráter, que nada tem que ver com opiniões de direita ou esquerda. Infelizmente, até questões de caráter têm sofrido com os efeitos colaterais da Operação Lava Jato.

- Para tornar mais eficiente a técnica de investigações, as delações premiadas acabaram transformando traidores em heróis, deixando de lado noções como solidariedade e fidelidade entre amigos e companheiros, noções que, queiram ou não, sempre fizeram parte da civilização brasileira.

- No início da Lava Jato, fui um apoiador entusiasta e até hoje considero que foi das melhores coisas que nos aconteceram. Mas confesso que o elogio das punhaladas pelas costas entre amigos, a impressão de que ninguém se elege sem caixa 2, que todos os políticos são farinha do mesmo saco me causaram um enorme desalento. As eleições se aproximam em meio a um nevoeiro político que encobre um futuro cada vez mais incerto.

- Sempre votei de cabresto seguindo o candidato indicado por amigos a quem respeito e que gostam de política. Pretendo continuar da mesma maneira. Nunca pensei, aliás, em outra opção. Não conheço pessoalmente nenhum candidato a vereador, deputado estadual, federal ou senador e, francamente, não vejo como poderia me informar.

- Certamente, não será pelos programas de propaganda eleitoral. O fato de os candidatos defenderem pontos de vista com os quais eu concordo ou discordo pouco tem que ver com o que eles pensem realmente e pretendem realizar. Sei como funciona a política: durante a campanha, beijo nas crianças da periferia e pastel de feira. Terminada a eleição, muro alto e cachorro bravo.

- Dizem-me que sempre haverá maneiras de checar o que foi efetivamente realizado por diferentes governos. Quem conhece médicos ou professores da rede pública, gente sofrida e muitas vezes idealista, poderá ter uma ideia sobre se as coisas estão realmente melhorando ou piorando. Acredito que sim. Mas não conheço pessoalmente nenhum médico ou professor da rede pública.

- Também não conheço quem siga a trajetória dos vereadores ou deputados em quem votou. Para falar a verdade, no dia seguinte da eleição já não me recordo do nome de quem votei.

- Votar nos partidos está cada vez mais difícil, pois seus líderes ou estão presos ou ameaçados de ir parar atrás das grades.

- Nem tudo está perdido, dirão os mais otimistas. Ainda temos a grande limpeza política graças aos êxitos da Lava Jato, auxiliada pelo excelente trabalho desenvolvido pela Polícia Federal.

- Infelizmente, me informam agora que, de cada 10 cigarros vendidos no Brasil, 4,5 são contrabandeados do Paraguai. É o novo recorde do chamado exportabando, prática de décadas progredindo diante dos olhos fechados da Polícia Federal. Fumo produzido no Brasil é exportado para o Paraguai e, transformado em cigarros por indústrias locais, é contrabandeado de volta.

- Pode-se argumentar que a Polícia Federal luta contra o exportabando, como luta contra o contrabando de drogas e de armas, e se não obtém maiores êxitos é pela extensão das fronteiras e falta de verbas.

- Mais difícil seria explicar o descaramento como se ostenta em plena Avenida Paulista, a poucos passos do Conjunto Nacional, em São Paulo, um prédio de vários andares integralmente ocupado por cubículos de contrabandistas chineses. Há vários outros na cidade. Poderia dar os endereços. Mas isso seria inútil, pois são mais do que conhecidos. Além do que, minha inocência tem limites. Este pessoal manda prender e anda armado.

*

Seria igualmente inútil identificar os autores das opiniões e dos comentários, alguns deles lamentáveis, citados acima. Lembro apenas em tradução livre dois versos extraídos de As flores do mal, do poeta francês Charles Baudelaire: “Você o conhece, leitor, esse monstro delicado / Hipócrita leitor, meu semelhante, meu irmão”.

*JORNALISTA E ESCRITOR. E-MAIL: PRA@UOL.COM.BR 

A indústria e os novos desafios


No ano passado, indústria brasileira respondeu por apenas 1,98% do total de manufaturados produzidos em todo o mundo
  
O Estado de S.Paulo - 06 Agosto 2018  

A perda de participação da indústria brasileira na produção mundial, que se acentuou nos últimos anos, deixa ainda mais evidente o impacto da recessão iniciada em 2014 sobre a atividade fabril e torna mais urgentes as mudanças que assegurem ao setor manufatureiro nacional condições de competir internacionalmente. No ano passado, a indústria brasileira respondeu por apenas 1,98% do total de manufaturados produzidos em todo o mundo, de acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) cujas conclusões foram divulgadas pelo Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado. A indústria brasileira vem perdendo espaço na produção mundial desde meados da década de 1990, mas o índice relativo a 2017 é o primeiro em três décadas que fica abaixo de 2%.

A profunda crise gerada pela irresponsável política econômica do governo Dilma Rousseff, que impôs severas perdas ao setor produtivo e gerou tremendos desequilíbrios nas finanças públicas, começa a ceder, pelo menos no que se refere à atividade econômica. Mas são muitos os obstáculos que os dirigentes industriais terão de ultrapassar para superar os efeitos da aguda recessão pela qual passou o País. Sem a confiança no futuro, seriamente abalada pela crise, não haverá a retomada dos investimentos na modernização dos processos produtivos, na atualização dos produtos e na expansão da capacidade produtiva. A perda de vigor da recuperação da economia observada recentemente em nada contribui para melhorar o ânimo dos empresários. As incertezas políticas igualmente afetam a confiança do setor produtivo.

Tudo isso torna ainda mais difícil a busca de eficiência, produtividade e competitividade que permitam ao setor produtivo nacional alcançar melhores posições em relação aos seus principais competidores no mercado global ou, pelo menos, para interromper o processo de perda de espaço no cenário mundial.

Em 1994 e 1995, o Brasil detinha 3,43% da produção industrial mundial, de acordo com estudo da CNI baseado em estatísticas e estimativas da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido). A redução da participação do Brasil entre os principais fabricantes industriais vem sendo observada desde 1995. Países mais industrializados na década de 1990 igualmente perderam participação, em razão do rápido crescimento da participação chinesa no cenário mundial. Mas a perda da participação brasileira se acentuou depois de 2014.

De 2,49% da produção mundial em 2014, a participação brasileira caiu para 1,98% em 2017. Entre 2016 e 2017, a participação brasileira diminuiu 0,34 ponto porcentual, perda menor apenas do que a registrada pelos Estados Unidos, de 0,58. Mas, para os Estados Unidos, essa perda resultou no encolhimento de apenas 3,6% na participação da produção mundial, enquanto a redução da participação brasileira foi de 14,7%.

É preciso reconhecer que a recessão iniciada em 2014 apenas acentuou – é verdade que de maneira aguda – um processo que decorre de outros problemas históricos do País, como precariedade de infraestrutura (estradas mal conservadas e em parte intransitáveis; malha ferroviária insuficiente; portos e aeroportos ainda ineficientes e caros; entre outros), complexidade do sistema tributário, burocracia excessiva, insegurança jurídica em razão de decisões erráticas das autoridades, carência de mão de obra preparada, entre outros.

A problemas antigos cuja solução depende em boa parte de políticas públicas adequadas se somam os desafios que surgem para a indústria em todo o mundo. À necessidade de superar dificuldades históricas, que têm provocado a perda de competitividade do Brasil em relação aos outros países, se acrescenta a de estabelecer uma estratégia para o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias que assegurem a melhora da posição da indústria brasileira no novo sistema de produção industrial, conhecido como Indústria 4.0, baseada em conhecimento, integração de processos, conectividade e inteligência artificial.



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