segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Uma assombração chamada guerra fiscal



Delcídio Amaral

Dois anos depois de audiências e reuniões com governadores, secretários de Fazenda, empresários e outras autoridades, podemos dizer que nunca o Brasil esteve tão perto da sonhada reforma tributária. Por outro lado, também devemos advertir que poucas vezes o equilíbrio federativo esteve tão ameaçado.

Não tenho medo de dizer que essa será a reforma mais importante do governo Dilma Rousseff. Estamos num ponto de inflexão, que tanto pode levar o país ao pleno e harmônico desenvolvimento, como também lançar os Estados numa disputa fratricida e alguns setores produtivos a uma crise sem precedentes.

Essa é a discussão que pretendemos encaminhar a partir do relatório, de minha autoria, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O documento modificou alguns aspectos da medida provisória nº 599/2012, que previa a unificação das alíquotas de ICMS em 4% no país todo e a criação de dois fundos: um de compensação, para eliminar as perdas dos Estados, e outro de desenvolvimento regional, com participação do Orçamento Geral da União e com operações de financiamento aos Estados.

Propusemos, em caráter excepcional, por causa dos custos logísticos, nova alíquota de 7% para o Espírito Santo e para os Estados em desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste, que representam apenas 6% do total das operações. Bem mais impactante é o efeito da alíquota proposta de 4%, que incidirá sobre mais de 94% das operações de ICMS, atendendo a demanda de São Paulo e dos outros Estados do Sul e do Sudeste.

Não se trata de privilégios, mas de reconhecer uma situação histórica: o Brasil ainda não tem uma convergência do padrão de desenvolvimento econômico entre suas cinco regiões. Para que ela ocorra, será necessário que as menos desenvolvidas cresçam acima da média nacional. O alcance dessa meta, todavia, depende de políticas de desenvolvimento regional.

É disso que se trata. Não vamos resolver um problema fingindo que ele não existe ou ignorando suas causas. Igualdade entre desiguais não produz justiça, só perpetua e aumenta as diferenças.

Com a inclusão desses novos dispositivos, temos convicção de que, finalmente, poderemos livrar o país dessa verdadeira assombração chamada guerra fiscal, uma prática que não beneficia ninguém, um jogo de soma zero e que, se não for enfrentado logo, ainda vai causar sérios e irreversíveis danos ao país. Porém, esse combate precisa ser feito com bom senso, o farol na proa, e não o olhar fixo no retrovisor.


É justo reconhecer o esforço do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) para garantir a validade desses benefícios.

Já o projeto de lei complementar nº 238/13 prevê a mudança do indexador da dívida dos Estados, fator fundamental para aliviar o dispêndio financeiro das unidades da Federação em desenvolvimento.

Na prática, se o Supremo Tribunal Federal decidir publicar amanhã uma súmula vinculante sobre a inconstitucionalidade cometida na guerra fiscal, as empresas beneficiadas com isenções serão obrigadas a recolher os impostos não pagos. Como farão? Quantos empregos e investimentos isso vai custar? Seria um prejuízo incalculável.

Precisamos trabalhar pela convalidação dos incentivos, algo essencial para trazer tranquilidade aos investidores e às populações dos Estados que receberam os aportes.

Não há ninguém no Brasil que não queira pagar imposto, desde que seja um imposto justo, um imposto bem aplicado, um imposto que, efetivamente, não inviabilize os seus negócios. É nosso dever --dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário-- garantir essa correção a todos os cidadãos brasileiros.

DELCÍDIO DO AMARAL, 58, engenheiro eletricista, é senador pelo PT do Mato Grosso do Sul

Pornopolítica e violência “black bloc”

CARLOS ALBERTO DI FRANCO
O ESTADÃO 

A história mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política. Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica. A vida pública, com raras e contadas exceções, se transformou em um espaço mafioso, em uma avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público. Os protestos que tomam conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública.

A violência “black bloc”, equivocadamente, visa chamar atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp, e Rafael Alcadipani, professor de Estudos Organizacionais da FGV-Easp. A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática black bloc, policiais e membros da imprensa. O universo black bloc é composto por jovens de 17 a 25 anos. São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares.

Ficou claro que para esses jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressar socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente. O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: “Protesto pacífico não adianta nada, só com violência o governo enxerga nossa revolta”. A intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate. Uma frase que retrata isso é “a causa de o black bloc agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vândalos, vândalo é o Estado que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS”.

A pesquisa cumpriu um papel importante. Procurou entender o que se passa na cabeça do pessoal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante eventuais matizes ideológicos e fortes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacionada a uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e tudo o que depende do Estado funciona mal. A corrupção rola solta e a percepção de impunidade é muito forte. O julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco.

Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, esperam uma resposta efetiva e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas.

Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos condenar a violência black bloc, sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).

Jornalismo de transeuntes

CLAUDIO DE MOURA CASTRO
O Estado de S.Paulo 

Entram em greve os funcionários de hospitais do Estado de Minas Gerais! Obviamente, é notícia para a imprensa. Entrevistam-se grevistas e sindicalistas, com queixas dos salários aviltantes, das condições de trabalho, das promessas feitas, da ausência de reajustes nos últimos dois anos, etc. Depois falam os pacientes que tiveram suas cirurgias adiadas ou, depois de longa espera, não foram atendidos. Chega, então, a vez dos administradores dos hospitais. E, de quebra, o que pensa o incauto que vem passando pela rua. Tudo é razoavelmente apresentado. Mas isso é bom jornalismo?

Em princípio, há dois destinatários para essa notícia. O primeiro são os interessados diretos em saber como evolui o confronto, o que há de novo. O segundo é o grande público, precisando tomar conhecimento do que acontece no seu entorno.

Se estivéssemos na Somália, uma sociedade reduzida ao mais primitivo nível de governabilidade, o natural é que os dois lados se digladiassem e, por conta própria, encontrassem a solução. Se tivessem de matar uns aos outros, o que fazer? É a lógica do sistema. A sociedade seria mera espectadora.

Mas é diferente numa sociedade democrática. Não evapora o embate entre as partes, é óbvio. Mas entra em cena um elemento novo e fundamental, algo que podemos chamar de "opinião pública" - embora seja mais complicado que isso. Essa visão da sociedade sobre o bem comum ou o interesse coletivo é fundamental para lançar as âncoras que permitem mediar o conflito. A sociedade "acha" que esse trabalho precisa ser mais bem remunerado - ou não. Ou acha que é inaceitável uma greve de pessoas tão críticas para a saúde coletiva - ou não. Ou aceitaria arcar com mais impostos para dar aumentos a esses funcionários - ou não.

Uma sociedade democrática destila posições sobre grandes temas e vai formando consensos à medida que novos se vão sucedendo. Embora o Estado tenha seu espaço de manobra, numa democracia, precisa dessas percepções e desse valores, para que possa melhor legislar e encaminhar a solução dos conflitos. O Estado deve refletir em suas ações o que percebe ser a visão do bem comum, compartilhada pela sociedade.

É alimentado com tais percepções que vai intervir no caso. Se o governante interpretar mal o que se passa na cabeça dos membros da sociedade, não será reeleito. Apesar das imperfeições dessa mecânica, democracia é isso. Contrasta com versões mais tecnocráticas de governo, nas quais os administradores têm mais latitude para usar seus próprios valores e julgamentos.

Se o conflito for resolvido apenas como resultado do choque de forças entre as partes, nada impede que a solução se distancie do interesse da sociedade. O governo pode ceder demais, criando um sistema de saúde financeiramente inaceitável. Ou se cria um confronto violento, com cicatrizes difíceis de sarar. Por isso o governo deve desempatar os impasses, considerando o peso da opinião da sociedade, pois, indiretamente, esta é também parte interessada. E é assim que deve ser.

Mas para que seja assim é preciso que a sociedade entenda o que está acontecendo. E a fonte principal de informação é a imprensa, seja ela em papel, na nuvem, no rádio ou na TV.

Uma coisa é noticiar um ladrão preso em flagrante. A vítima relata o roubo. O ladrão confessa. Não chega a haver visões discrepantes. Outra é uma greve ou qualquer confrontação. No caso, há três lados, cada um puxando a brasa para sua sardinha. Houve promessas de aumento? Os salários são baixos, comparados com categorias semelhantes? As negociações foram conduzidas corretamente? Há recursos para pagar mais? Em suma, quem tem razão?

Para formar uma opinião ponderada é preciso conhecer as respostas e depois integrar os elementos, dando a cada um o peso que lhe corresponde. Mas isso exige tempo e conhecimentos técnicos. De economistas que acompanham as finanças e os custos da saúde, de especialistas em saúde pública, e assim por diante. Portanto, a imprensa não estará cumprindo o seu papel de alimentar o sistema democrático com notícias se não for além de entrevistar as partes. É claro, jornalistas não têm nem tempo e nem conhecimento técnico para tais aprofundamentos. Portanto, é preciso ir bem mais longe.

Para sanar o problema a primeira providência é limpar o campo, desqualificando as afirmativas factuais que são incorretas. Por exemplo, os salários são realmente piores? Houve promessas? Como são as condições de trabalho? E por aí afora. Em seguida, mapear os contornos do problema. Daí a importância vital de consultar quem sabe, e não apenas quem vem passando pela rua. Há pessoas cujas trajetória profissional e formação técnica permitem interpretar com maturidade os argumentos que estão em jogo. É essencial ouvir essas pessoas, reconhecidas por seu conhecimento e sem interesses diretos em uma parte ou outra. Muitas vezes, quem mais sabe também torce para algum lado. A solução é ouvir também quem torce para o outro.

Já se disse que o jornalismo é o rascunho da História. Mas é preciso uma séria interpretação, em muitos casos, mediada por pessoas que dominam o assunto e falam sobre ele. Para ser bom jornalismo é preciso ir além do que disseram as partes interessadas ou gatos-pingados pescados na rua. Mas nos livremos de intelectuais deitando falatório incompreensível. Nem eles são tão infalíveis nem há mais clima para uma sociedade tutelada por "sábios".

Na cozinha das redações há que decidir quanto espaço abrir para os observadores qualificados. É correta a preocupação de tornar a notícia fácil de ler e atraente - ajudada pelo pitoresco de quem passa na rua. Equilibrar esses ingredientes é um dos legítimos desafios da profissão. O inaceitável é limitar-se a um amontoado de veemências do sindicato, lamentos dos não atendidos, burocratês dos administradores e opiniões de transeuntes.

Sob o manto do anonimato

PAULO MELO
O GLOBO 

Ninguém que seja comprometido com o regime democrático ousa negar o direito constitucional à manifestação de pensamento e à reunião pública. Alongar-se em citações dos dispositivos da Constituição é tarefa para os juristas. Se a todo direito corresponde um dever, nunca é demais lembrar que a Constituição proíbe o anonimato e exige que as manifestações sejam pacíficas e desarmadas.

Neste ano, o povo brasileiro, lançando mão de um direito seu, as manifestações públicas, ocupou o que é seu, as ruas, a fim de reivindicar direito seu, um poder público eficiente. Pelos cidadãos que, pacificamente e sem armas, assim agiram, tenho mais do que admiração: tenho orgulho. O exercício da cidadania, que inclui o direito de criticar asperamente os erros dos políticos, é mais que um direito: é uma demonstração de compromisso com o futuro do Brasil.

No Brasil, país que ostenta amplas liberdades públicas, cidadãos podem exercer seu dever cívico com a certeza de que nenhuma represália estatal ocorrerá. Assim, aquele que ocupa as ruas pacificamente e sem armas pode ostentar publicamente sua indignação estampada em seu rosto, podendo associar suas ideias à identidade. Todavia, alguns desajustados tentaram infiltrar-se nesses movimentos a fim de cometer os mais variados atos de vandalismo. Para lograrem êxito, usaram paus, pedras e mascararam seus rostos. Por que, no Brasil democrático do século XXI, é necessário usar máscara para criticar qualquer governo? Por que portar paus e pedras em manifestações?

Os mascarados, envergonhados de seus atos ignóbeis, armados e escondidos sob o manto do anonimato, costumam dizer que erradas são as votações secretas dos Parlamentos. O argumento não me constrange porque sempre lutei por votações abertas e públicas na Assembleia Legislativa. Aprovamos uma emenda constitucional nesse sentido, mas o STF considerou-a inconstitucional. Essa luta, porém, continua.

Por outro lado, tais direitos não são exclusivos da Carta de 1988. As democracias mais célebres, a alemã, a austríaca, a belga, a canadense, a estadunidense, a francesa, a italiana e a suíça, ostentam garantias constitucionais extremamente similares. Interessantemente, todos os países acima enumerados editaram leis, nacionais ou regionais, proibindo máscaras em reuniões públicas na vigência de regimes democráticos.

No caso do Estado de Nova York, uma quadrilha da pior espécie ajuizou uma ação visando à declaração de inconstitucionalidade de lei que proibia o uso de máscaras em reuniões políticas: a Ku Klux Klan, notoriamente conhecida por seus membros usarem máscaras quando espancavam, estupravam e matavam negros.

O mais terrível é constatar-se que, sem dar-se conta da péssima influência, algumas entidades repetem o argumento da quadrilha racista americana, afirmando que o uso de máscara em manifestação pública pode significar a tentativa de envio de mensagem. Infelizmente, no ponto, eles têm razão: o uso de máscara em manifestação pública veicula uma mensagem. Para a quadrilha racista americana, a ideia por trás do uso daquelas máscaras brancas de forma triangular é afirmar ódio a negros e judeus.

A lei estadual que proíbe o uso de máscaras em manifestações públicas - além de seguir a linha de democracias consolidadas - nada mais faz do que assegurar o direito à livre manifestação do pensamento, honesta, ordeira e pacífica por aqueles que amam o Brasil.

Para isso, sem medo, é preciso mostrar a cara.

Sem sentido

Vivaldo Barbosa
O Globo

Libra foi leiloado, sua propriedade — e os lucros — foi transferida para o consórcio. Quando o poço for ao fimdo e o petróleo se exaurir, nada restará, a não ser os lamentos, pois petróleo, como mineração, "não dá duas safras" nas palavras de Artur Bernardes. Eqüivale à privatização da Vale.

A Petrobras ficou em minoria. A maioria do consórcio, a Shell e a Total, vai querer explorar Libra com rapidez para realizar logo os lucros. Os chineses, consumidores, vão querer igualmente apressar a exploração para aumentar a oferta de petróleo no mundo e baixar os preços, assim como o querem EUA e Europa. Esta posição da maioria do consórcio é contrária à estratégia do Brasil. Interessa ao Brasil manter suas reservas.

Quando começar a escassear no mundo, o Brasil ainda teria petróleo por muito tempo. Com o leilão, o eixo da estratégia passou para mãos estrangeiras.

Por outro lado, os grandes países produtores como Arábia Saudita, Noruega e Venezuela, ficam com 80% do petróleo na partilha. Os 20,8% dados pelo consórcio para a União (41,65% sobre o óleo lucro) ficaram muito baixos (a União tinha 100% antes do leilão). Os 79,2% do petróleo ficam com o consórcio, sem parâmetro no mundo. Vai gastar 1/3 com custos, mais os royalties (15%), sobram mais de 30% do petróleo. E o consórcio nada tinha antes do leilão. Além do mais, dos 12,5% do petróleo que caberão à Petrobras, um terço vai para os acionistas estrangeiros (Soros e cia).

Foi a Petrobras quem descobriu libra. A Shell o havia arrematado, nada achou e o devolveu à ANP. A Petrobras trabalhou na área em busca de 5 bilhões de barris que a União aportaria em seu capital, e descobriu petróleo em abundância. Então, a ANP o retoma, deixa a Petrobras com a área de Franco, estimada em 5 bilhões, e coloca libra, bem maior, em leilão. Libra é uma extensão do campo de Franco.

Em situações assim, a prática recomenda fazer a unitização das áreas, para evitar uma sugar petróleo da outra. A Petrobras, que já está com uma área, por que não ficou com a outra? Além do mais, a nova lei do petróleo determina que as áreas estratégicas sejam entregues à Petrobras para extração. libra enquadra-se, perfeitamente, como área estratégica. Poderia e deveria ser entregue à Petrobras. É preciso lembrar que 90% das reservas mundiais são detidas pelos estados ou por empresas estatais.

Leiloar petróleo é transferir a propriedade, os lucros astronômicos decorrentes e o controle estratégico do petróleo para mãos estrangeiras. A história registra inúmeras guerras, golpes de Estado, interferência e invasão de países, assassinatos, negociatas e outras coisas terríveis por causa do petróleo.

A Petrobras já descobriu cerca de 60 bilhões de barris no pré-sal, o que garante o abastecimento do Brasil nos próximos 60 anos. Além do mais, nenhuma nação leiloa campo de petróleo já descoberto.

Então, por que foi leiloado o campo de Libra? •

Vivaldo Barbosa foi deputado federal

sábado, 26 de outubro de 2013

Eficiência na energia, sem horário de verão

Washington Novaes
O Estado de S. Paulo


Diz o noticiário (Agência Estado, 20/10) que será de R$ 400 milhões a economia de energia (0,5%) que o País fará com o horário deverão, nas duas horas de pico do consumo (19 às 21 horas), até 10 de fevereiro. Serão 2.065 MW no Sudeste e no Centro-Oeste, mais 630 MW no Sul, "sobretudo de usinas térmicas". A razão invocada pelo Ministério de Minas e Energia é o baixo volume de água retido em reservatórios de usinas hidrelétricas.

No País todo, diz a Empresa de Pesquisa Energética, o consumo per capita de energia é de 2.500 MWh, que, multiplicados por mais de 200 milhões de pessoas, se traduzem em 532 mil GWh. Nageração de energia em 2011 - segundo conferência do professor José Goldemberg (Problemas Brasileiros, setembro/outubro 2013) – a hidreletricidade respondia por 86%; pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), por 4%; térmicas a gás, por 3%; nuclear, por 3%; eólica, biomassas, a óleo (biocombustível, gás/óleo), por 1% cada; e usinas a carvão mineral, também por 1% cada.

A ABE Eólica, que congrega as usinas movidas por ventos, afirma que o setor já tem hoje 2,7 GW e chegará a 16 GW até 2021 (o que nos poderia dispensar das usinas movidas a carvão mineral, as mais poluidoras entre todas). É preciso acrescentar que, até aqui, a área federal tem desestimulado os projetos nessa área das eólicas, a ponto de haver impedido, recentemente, sua participação em leilão para novas usinas depois de vir a público que dezenas de usinas já instaladas no Nordeste não entravam em atividade porque o governo federal, a quem cabia a obrigação, por contrato, não construíra as linhas para levar a energia das turbinas até as linhas de transmissão. Também há fontes, já citadas em outros artigos neste espaço, segundo as quais estamos perdendo nas linhas de transmissão até 17% da energia gerada - a área federal dá números menores.

A inconveniência das térmicas a carvão, além da poluição gerada, está também no preço -a ponto de, no mais recente leilão de novos projetos, nenhuma das três que concorriam pôde ir adiante, já que seu preço, de R$ 170 por MWh, era superior ao teto do edital, de R$ 140 (Folha de S.Paulo, 11/9).

Seria o horário de verão indispensável mesmo? Não haveria outros caminhos para evitar os contratempos para mais de 100 milhões de consumidores? No debate com o professor Goldemberg mencionado há poucas linhas, Mário Ernesto Humberg (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) citou estudo segundo o qual seria viável reduzir o consumo de energia no País em 30%. O próprio professor Goldemberg lembrou, em outra ocasião, que hoje mais de 50% do consumo de energia nos shopping centers brasileiros vai para sistemas de ar-condicionado, que, por sua vez, servem para enfrentar o aquecimento gerado pelo sistema de iluminação em estabelecimentos absolutamente fechados para o ambiente externo, que não se servem em nada da iluminação natural. Um círculo vicioso de desperdício.

É assim mesmo. Há pouco tempo o autor destas linhas, ao participar de um evento no auditório da Oca, no Parque do Ibirapuera, às 10 horas de uma manhã luminosa, de céu azul, fez questão de contar: havia centenas de luminárias acesas no salão, exatamente porque não entrava no ambiente nenhuma iluminação natural. E teve oportunidade também, na época em que foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal (1991-1992), de participar de um episódio demonstrativo.

O Distrito Federal importava na época, de usinas em outros Estados, 97% da energia que consumia e, na prática, exportava renda - num lugar com crescimento vertiginoso da população, por causa das migrações, e; que precisava também por isso gerar renda e empregos em alta densidade. A secretaria propôs, por essa razão, implantar um programa de conservação de energia e eficiência energética. Começando pelo setor público, que consumia cerca de 20% da energia total. Se conseguisse reduzir em 25% o consumo, seriam 5% do consumo total que deixariam de ser providos pela energia gerada fora.

Criado um grupo de trabalho com vários secretários e dirigentes de empresas para conceber e implantar o programa - que começaria pelo edifício anexo ao Palácio Buriti, onde havia várias secretarias -, na primeira reunião, logo que expostos os objetivos, um dirigente da empresa distrital de energia afirmou que não cumpriria o programa porque ""seria linchado por funcionários e fornecedores", com a redução do faturamento da empresa (proporcional à redução do consumo). Foi preciso criar um caminho adicional para que o governo levasse para a empresa, sob a forma de aporte de capital, o equivalente à redução do faturamento.

Iniciada a implantação no anexo do Buriti, verificou-se que, em projeto recente, o arquiteto optara pelo comando centralizado de energia por pavimento. Para acender uma única luminária era preciso acender todo o pavimento, houvesse ou não necessidade. A única forma foi desligar manualmente luminárias, porque um estudo da iluminação demonstrara que a luz que vinha do exterior era três vezes maior que a necessária naquele lugar. Mas com o desligamento e outras providências foi possível reduzir em 40% o consumo de energia no anexo. Só que com a saída do secretário de Meio Ambiente todo o programa foi esquecido.

O episódio serve para mostrar quanto desperdício pode ser evitado ou combatido - sem obrigar a população a fazer sacrifícios. E a necessidade de caminhar em direção a outros programas de implantação de energias renováveis, de microgeração distribuída (como se está fazendo no Paraná, gerando energia a partir de dejetos de animais) e outros caminhos. Só nos edifícios brasileiros a economia seria enorme, pois eles respondem por 47% do total da energia elétrica consumida no País (urbanista Mônica Welker, UFRJ, revista Eco 21, setembro 2013).

Com mudanças na matriz energética e programas de conservação de energia não precisaremos de horário de verão.

Biografias inacabadas

FERNANDO GABEIRA
O Estado de S.Paulo


Na cadeia se diz: aqui o filho chora e a mãe não ouve. Na política a expressão é outra: a situação está de vaca não reconhecer o bezerro. Ambas denotam uma crise, pela suspensão do amor materno, e revelam um certo desamparo, um mundo de ponta-cabeça.

Às vezes a atmosfera político-cultural do Brasil, neste longo período de dominação do PT, transmite essa sensação, mais evidente nas ruas, onde quase toda manifestação termina em violência, mesmo quando sua bandeira é a defesa dos animais.

Marina Silva lançou a ideia de salvar Dilma Rousseff dos políticos fisiológicos, evitando que deles se torne refém. Não ficou muito claro para mim. Passa a ideia de uma donzela imaculada assediada por experientes chantagistas, como se o governo não fosse também um fator decisivo nesse processo. Onde a proposta de Marina sugere dependência, vejo uma interdependência. Se consideramos o governo refém da fisiologia, é preciso reescrever a história do mensalão, isentando o partido do governo de sua maior responsabilidade.

Também não entendi, no front político-cultural, a defesa da autorização prévia de biografias. Tantas pessoas queridas, entre elas Caetano Veloso - a quem tenho gratidão - embarcam num equívoco por falta de um debate mais amplo.

Para começar, a importância das biografias em nossa formação. Pela trilogia de Isaac Deutscher sobre Trotsky muito se aprendeu sobre a Revolução Russa e os bolcheviques. Sem Rüdiger Safranski não teríamos uma história equilibrada da vida de Martin Heidegger, sem Robert Skidelsky não conheceríamos a vida de lorde Keynes. É um território delicado, pois sem as biografias não conheceríamos a vida de Mao Tsé-tung, nem os pecados dos nossos políticos - que certamente iriam aproveitar-se desses dois artigos inconstitucionais que determinam autorização prévia para publicação de biografias.

Os argumentos também foram defendidos de forma ambivalente. Na maioria das vezes, falava-se em defesa da privacidade. Mas, em outras, surgia a questão do dinheiro, da falsa suposição de que biografias no Brasil rendem fortunas. O artigo de Mário Magalhães contando suas dificuldades para biografar Carlos Marighella é muito mais próximo da realidade, pois revela como ele gastou dinheiro do próprio bolso para completar o seu livro.

Quando surgem de um mesmo núcleo a defesa da privacidade e demandas financeiras, cria-se a falsa impressão de que são intercambiáveis. Quanto custariam, por exemplo, os detalhes da relação com a cunhada numa biografia de Sigmund Freud?

De um ponto de vista existencial, os admiradores dos grandes artistas que participam do movimento ficam preocupados com um debate biográfico. Ainda esperamos deles tantas canções, tantos espetáculos, tantas aventuras políticas, tantos amores... Quem sabe o melhor não virá nos últimos capítulos, nos anos ainda não vividos?

Nas ruas, os black blocs de uma certa forma conseguiram propagar a violência. Isso só é possível por falta de uma certa cartilagem tecida pela política. Tudo vai direto ao osso, termina em incêndio e pancadaria.

Historicamente, essas ondas de violência levam a leis mais rígidas e mais repressão. Quem vem de longe tem o dever de lembrar isso. Mas leis mais rígidas não resolvem sozinhas. O sistema político no Brasil precisa recuperar o mínimo de credibilidade e o sistema repressivo, desenvolver o mínimo de inteligência e capacidade de análise.

No passado os políticos metiam-se no meio dos conflitos com a disposição de atenuá-los. Hoje fogem dos conflito com medo justificado de apanhar da multidão. O Congresso foi incapaz de produzir um debate sobre a violência nas ruas. A sensação é de que as raposas políticas aceitam a explosão de violência porque sabem que ela os ameaça menos que os grandes protestos de massa. Na verdade, ao inibir potenciais manifestações pacíficas os black blocs criam uma camada de proteção útil ao político que se aproveita da confusão para seguir sendo o que é.

O mundo está mesmo virado. Os black blocs consideram-se revolucionários. E no momento em que poderosos instrumentos internacionais devassam a privacidade de bilhões de pessoas, nosso tema central é a biografia de pessoas famosas.

A defesa do aumento do consumo como o único valor político moral nos levou a esse abismo. A gente não quer só comida. Os artistas têm um grande papel na superação dessas ruínas, sobretudo as de Brasília. Grandes momentos nos esperam e Chico Buarque foi bastante simples ao dizer: "Se a lei é esta, perdi".

A lei é a Constituição. Se não for essa, teremos perdido nós. Não deixarei de lamentar uma contradição tão explícita entre a sentença e um dos seus artigos essenciais: o que prevê a ampla liberdade de expressão.

No momento, o filho chora e a mãe não ouve, a vaca não reconhece o bezerro. É a crise. Suspensa a presença materna, temos de enfrentar uma certa solidão na busca pela saída. O caminho será encontrado via diálogo, mas sem a ilusão de considerar o governo refém da picaretagem. Foi o governo, em sua estreiteza e seu materialismo vulgar, que acabou provocando essa crise: a galinha aterrissou do voo econômico e só cacareja no chão suas previsões otimistas.

Estamo-nos acostumando com as chamas urbanas. Uma pedrada aqui, um coquetel molotov ali, produzimos uma rotina burocrática, sintonizada com o pântano político. Nos fronts político, social e cultural o alarme está soando há algum tempo. Conseguimos sobreviver a uma longa ditadura militar. Será que vamos capitular diante de um governo que distribui cestas básicas e Bolsas Família?

O País foi moralmente arrasado pela experiência petista e de todos os cafajestes que o governo conseguiu alinhar. Predadores oficiais e predadores de rua se encontram nessa encruzilhada em que um profundo silêncio político se abate sobre nós, com exceção de vozes isoladas.

Precisamos reaprender a conversar, reafirmar valores políticos que não se resumem a casa e comida. Precisamos viver a vida, cuidar mais da bio que da grafia. Precisamos sair dessa maré.

'Os 178 Beagles'


 REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP

A fúria justiceira dos bons pode ser tão desastrosa como a justiça seletiva dos maus

As ruas, ente divinizado por covardes, pediram o fim do voto secreto para a cassação de mandatos. Boa reivindicação. O Congresso está a um passo de extinguir todas as votações secretas, o que poria o Legislativo de joelhos diante do Executivo. Proposta de iniciativa "popular" cobra o financiamento público de campanha, o que elevaria o volume de dinheiro clandestino nas eleições e privilegiaria partidos ancorados em sindicatos, cujas doações não são feitas só em espécie. Cuidado! O povo está na praça. Nome do filme dessa mímica patética: "Os 178 Beagles".

Povo não existe. É uma ficção de picaretas. "É a terceira palavra da Constituição dos EUA", oporia alguém. É fato. Nesse caso, ele se expressa por meio de um documento que consagra a representação, única forma aceitável de governo. Se o modelo representativo segrega e não muda, a alternativa é a revolução, que é mais do que alarido de minorias radicalizadas ou de corporações influentes, tomadas como expressão da verdade ou categoria de pensamento.

A fúria justiceira dos bons pode ser tão desastrosa como a justiça seletiva dos maus. Quem estava nas ruas? A imprensa celebrou os protestos como uma "Primavera Árabe" nativa. Nem aquela rendeu flores nem o Brasil é uma ditadura islâmica. Até houve manifestações contra o governo, mas todas foram a favor do "regime petista". O PSDB talvez tenha imaginado que aquele "povo" --sem pobres!-- faria o que o partido não fez em 11 anos: construir uma alternativa. Sem valores também alternativos aos do Partido do Poder, esqueçam.

Há 11 anos o PT ataca sistematicamente as instituições, quer as públicas, quer as privadas, mas de natureza pública, como a imprensa. Dilma ter sofrido desgaste (está em recuperação) não muda a natureza dos fatos. Da interdição do direito de ir e vir à pancadaria e ao quebra-quebra como forma de expressão, passando pela reivindicação de um Estado-babá, assistiu-se nas ruas a uma explosão de intolerância e de ódio à democracia que o petismo alimentou e alimenta. O Facebook não cria um novo ator político. Pode ser apenas o velho ator com o novo Facebook --como evidenciou a Irmandade Muçulmana no Inverno Egípcio.

Em política, quando o fim justifica os meios, o que se tem é a brutalidade dos meios com um fim sempre desastroso. A opção moralmente aceitável é outra: os meios qualificam o fim. Querem igualdade e mais Justiça? É um bom horizonte. Mas será o terror um instrumento aceitável, ainda que fosse eficaz? Oposição, governo e imprensa, com raras exceções, se calaram e se calam diante da barbárie que deseduca e que traz, volte-se lá ao primeiro parágrafo, o risco do atraso institucional.

O PSOL conduziu uma greve de professores contra o excelente plano de carreira proposto pela Prefeitura do Rio. Era a racionalidade contra a agenda "revolucionária". Luiz Fux, do STF, posando de juiz do trabalho, chamou os dois para conversar. É degradação institucional com toga de tolerância democrática.

O sequestro dos beagles, tratado com bonomia e outro-ladismo pelo jornalismo, é um emblema da ignorância dos justos e da fúria dos bons. Eles atrasaram em 10 anos o desenvolvimento de um remédio contra o câncer, mas quem há de negar que os apedeutas ilustrados têm um grande coração?

Hora de repensar o pré-sal

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O GLOBO

O melancólico desfecho do leilão de Libra deveria dar lugar a criteriosa reavaliação


Era mais do que sabido que o governo estava pronto para comemorar em grande estilo o leilão de Libra, qualquer que fosse seu desfecho. Mas a comemoração acabou passando dos limites. E deixou transparecer clara intenção de lançar poeira nos olhos da opinião pública, para disfarçar as dificuldades expostas pelo leilão.

Tendo em conta as dimensões do campo de Libra, é natural que as cifras relacionadas à sua produção potencial pareçam impressionantes. Especialmente se acumuladas num período de 35 anos. A questão é o quão mais impressionantes poderiam ter sido se o leilão tivesse sido pautado por regras bem concebidas.

É lamentável que, com seis anos de preparação, a licitação montada pelo governo só tenha conseguido atrair um único consórcio que, com toda tranquilidade, arrematou o campo pelo lance mínimo. Trata-se de desfecho melancólico que, num país sério, deveria dar lugar a uma reavaliação criteriosa das restrições que o governo decidiu impor ao leilão.

O lance mínimo foi de 41,65% do lucro em óleo. Descontados todos os custos envolvidos, esse é o percentual do excedente de petróleo produzido em Libra que caberá ao governo. É óbvio que, se o leilão tivesse atraído outros interessados, o governo poderia ter conseguido percentual superior.

Menos óbvia, mas da maior importância, é a constatação de que os custos medidos em óleo, deduzidos da produção total para efeito da apuração do lucro em óleo, estão brutalmente inflados pelas absurdas exigências de conteúdo local em equipamentos. Em bom português, isso significa que, para sustentar vasta gama de produtores nacionais de equipamentos para a indústria de petróleo, o governo aceitou receber parcela menor do petróleo que será produzido em Libra. Menos dinheiro para educação e para saúde. E mais dinheiro para grupos de “interesse especial” que, com crucial ajuda do governo, conseguiram se apropriar de parte substancial do excedente a ser gerado pelo pré-sal.

Causa também preocupação que a Petrobras não se tenha contentado com a já esdrúxula participação legal mínima de 30%. Ao se permitir a extravagância de “fazer bonito”, subscrevendo 40% do consórcio, a Petrobras terá de arcar com encargos bem mais pesados de investimento, que vão muito além do simples pagamento de R$ 1,5 bilhão a mais pelo bônus de assinatura. E, tendo em vista a fragilidade financeira da empresa, teme-se que, mais uma vez, a conta acabe nas costas do Tesouro. O que seria indefensável. Não há por que canalizar mais dinheiro público para o pré-sal. Com regras adequadas, não faltarão investidores privados interessados.

Em entrevista a “O Estado de S. Paulo” (20/10), o ministro Guido Mantega, asseverou que “o Tesouro não dará e nunca deu ajuda à Petrobras”. Mas, logo em seguida, lembrando-se da gigantesca operação de capitalização da empresa em 2010, tentou qualificá-la como “outra história”, em que “o governo vendeu R$ 5 bilhões de barris à Petrobras, e ela nos pagou por isso, em exploração”. Na verdade não foi bem assim. A União dispunha de reservas de petróleo que, se tivessem sido licitadas na época, teriam gerado R$ 75 bilhões ao Tesouro, mais de 2,5 vezes o total de gastos do PAC em 2011. Algo como R$ 90 bilhões a preços de hoje. O Tesouro cedeu essas reservas à Petrobras, no quadro de uma operação de capitalização, e recebeu em troca ações da empresa, que hoje talvez valham metade dos R$ 90 bilhões.

Numa propaganda oficial recente na TV, pessoas com olhos marejados assistem um video em que um robô fixa a Bandeira Nacional no fundo do mar, num poço da Petrobras. A cena traz à mente os R$ 90 bilhões, a preços de hoje, transferidos do Tesouro à Petrobras, em 2010, e a inevitável constatação de que, num país de tantas carências, recursos públicos tão vultosos poderiam ter tido destino incomparavelmente mais nobre. Para ajudar a fixar essa ideia, deveríamos imaginar uma pequena Bandeira Nacional espetada em cada esgoto a céu aberto Brasil afora. Isso, sim, deveria deixar nossos olhos marejados. Já é hora de o País tomar juízo.

Águas da Petrobras

MIRIAM LEITÃO
O GLOBO


A defasagem da gasolina está em 6,5% e a do diesel, 19%, números de ontem, segundo informou a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. Em uma entrevista que me concedeu, ela diz que a produção aumentará muito porque nove plataformas estão entrando em operação. Não falou de reajuste já, mas disse que está trabalhando num modelo para dar previsibilidade aos preços.

Professor da FEA/USP, Adriano Henrique Rebelo Biava defende uma ampla renegociação da dívida i pública no país e não apenas a troca do indexador, que na sua avaliação será uma solução temporária. A atual proposta, segundo ele, acabará por facilitar o aumento do endividamento de estados e municípios. — Da forma como está sendo negociada essa renegociação da dívida agora, vai permitir que os estados e municípios que estão na beira do endividamento possam contrair novos débitos. Isso não é correto—diz ele.

Para Biava, a alternativa que foi aprovada pela Câmara é um acerto parcial e deve ter um prazo de validade pequeno, porque não muda o comportamento de estados e municípios frente aos gastos. Ele ressalta que a discussão atual e a da década de 90 foram marcadas por componentes políticos.

— É preciso um esquema para equacionara dívida como um todo. Sugiro uma câmara de compensação da dívida federal, que liste todos os débitos.

Sem essa negociação mais ampla, afirma o professor da FEA/USP, estados e municípios sem problemas em suas finanças acabarão custeando as dívidas dos demais, já que é a União que assumirá esse custo maior do endividamento. (Lucianne Carneiro)

Petrobras sempre está no centro das atenções, mas nesta semana foi mais ainda. Ela me concedeu uma entrevista na Globo-news em que falou de alguns dos inúmeros assuntos que cercam a operação da empresa.

Graça confirmou que não precisará de endividamento para pagar o bônus.

— O caixa da empresa dá para pagar algumas vezes o bônus de R$ 6 bi. Os investimentos de libra são grandes, mas não a curto prazo. O primeiro óleo sai em 2020 e vamos produzir no pico em 2024 e 2025.0 grande investimento será em 2017 e 2018. Agora, faremos apenas dois poços exploratórios e uma sísmica 3D.

Além disso, segundo ela, começa agora uma escalada de aumento de produção de petróleo:

— Libra veio num momento muito conveniente, quando a curva de produção será ascendente. Pela primeira vez na história da Petrobras, nove plataformas estão entrando em operação quase simultaneamente. Hoje, a P-55 chegou ao nível 3, a P-63 já está em Papa-terra esperando a P-61, que chega em um mês. O ano que vem será totalmente diferente, vamos aumentar mais 150 mil a 200 mil barris, mas todas essas plataformas são mais um milhão de barris/dia.

Eu perguntei sobre os inquietantes dados do endividamento que levou ao rebaixamento da empresa por uma agência de risco. Para se ter uma ideia, em 2010 a empresa devia R$ 132 bilhões e agora R$ 240 bi. A capitalização foi feita porque a relação entre endividamento líquido e patrimônio líquido estava numa proporção de 30, agora está em 34. Perguntei se não era preocupante:

— A gente teve downgrade por uma das agências, mas todas nos classificam como grau de investimento. Ninguém gosta de tirar nota baixa, a gente não quer descer nem um degrau.

O problema é que em 2012 postergamos parte da produção projetada.

Esse atraso impactou a geração de caixa. Nos últimos 16 meses tivemos quatro aumentos de preços (alguns não chegaram ao consumidor pela redução da Cide).

Ficamos em alguns momentos muito próximos da paridade e em maio chegamos a vender diesel mais caro aqui do que lá fora. Mas aí veio o Fed e anunciou que estava pensando em retirar os estímulos e a volatilidade do câmbio nos pegou em cheio.

O dólar já caiu grande parte do que tinha subido, por isso perguntei sobre a atual defasagem:

— Não costumo dizer, mas vou dizer. Hoje de manhã estava em 6,5% a gasolina e 19% o diesel, sem contar os custos de internação. A produção que é postergada pode ser recuperada amanhã, a gasolina vendida abaixo do preço não se recupera mais essa receita.

Mesmo assim, ela não quis dizer se os preços subirão este ano. Preferiu repetir que está trabalhando num modelo de previsibilidade. Negou que fosse como a fórmula paramétrica que funcionou no passado e disse que não quer repassar a volatilidade dos preços e câmbio, mas quer ter previsão desses dois preços que representam, segundo ela disse, 40% do que fatura na venda de combustíveis:

— Para o governo não interessa a inflação e para mim também não, mas eu tenho que fazer um grande investimento e por isso preciso ficar mostrando o tempo todo ao governo que eu preciso honrar meus compromissos. Preciso crescer, gerar renda e dar retorno aos acionistas. O preço da ação não é justo para uma empresa que tem tanto.

Ela disse que enfrentará a queda das ações com mais produção. Disse que os estaleiros do Norte-Nordeste até o Rio Grande do Sul estão trabalhando em plataformas com atrasos menores do que os equipamentos que vêm da China.

Perguntei como ela avalia o fato de ser obrigatoriamente a operadora em todos os campos do pré-sal:

— Isso é lei, e lei é lei. Não discuto. Mas tudo vai depender do ritmo que se quer.

Disse que houve muita competição durante meses, das empresas interessadas em libra. Competição para estar junto com a Petrobras. Acha que foi boa a solução final. Sobre a PPSA, afirmou que sabe pouco sobre a empresa, mas tem confiança nas pessoas escolhidas. 
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Uma agenda em desenvolvimento

PEDRO LUIZ PASSOS
FOLHA DE SP


Nova lei sobre lucros no exterior tem avanços, mas pode evoluir para ampliar a competitividade do país

Pelos padrões internacionais, a nova legislação sobre tributação de lucros no exterior que o governo enviará em breve ao Congresso será uma das mais severas do mundo, mas não deixará de atender, ao menos em parte, o requisito de competitividade das companhias brasileiras com operações internacionais. Como as corporações com as quais concorremos no exterior ainda desfrutarão de vantagens tributárias, esperamos que a modernização legal nessa área esteja apenas começando e que o esforço em prol da competitividade da economia brasileira não seja interrompido.

Persiste, porém, um problema grave na nova regulação: ela não remove a insegurança jurídica quanto à utilização dos acordos celebrados pelo Brasil com outros países para evitar a bitributação.

Eles preveem pagamento de imposto onde o lucro é gerado, em geral, com alíquota inferior à brasileira. A interpretação desses acordos pela Receita Federal gerou um contencioso entre governo e empresas que soma R$ 70 bilhões. Como tal disputa está distante do desfecho, o governo anunciou o abatimento de multas e juros para as empresas que pagarem à vista o valor do principal, estimado em R$ 27 bilhões.

É difícil antecipar o nível de adesão ao programa. De qualquer forma o ideal seria que a nova legislação estabelecesse uma interpretação inequívoca, válida para os acordos em vigor e os futuros compromissos.

A nosso ver, é possível combinar o estímulo à internacionalização com a preservação da base tributária nacional, de modo a assegurar que a maior presença da empresa brasileira no exterior gere em sua plenitude efeitos positivos sobre o desempenho da economia.

Ao longo do último ano, governo e empresas realizaram reuniões com o objetivo de revisar a legislação. O governo demonstrou ininterrupta disposição ao diálogo e, de fato, buscou meios para melhorar a competitividade da empresa brasileira, sem abrir mão de controles fundamentais sobre a base tributária.

Nesse sentido, atendeu a algumas ponderações do setor privado, dentre as quais duas se destacam.

Primeiro, parcelou o pagamento do imposto sobre resultados no exterior em oito anos, embora tenha exigido a incidência de juros baseados na Libor. Com isso, amenizou as desvantagens que as novas regras trariam às corporações nacionais em relação às empresas de outros países que adotam regimes tributários distintos.

Segundo, aceitou compensar o prejuízo em determinado país com o lucro obtido em outro mercado, um mecanismo comum em todo o mundo, mas que, segundo a Receita, pode ser uma fonte de erosão da base fiscal.

Aqui a questão concorrencial também é decisiva: a proibição de abater do imposto devido os prejuízos que normalmente ocorrem nos primeiros anos de operação em novos mercados constituiria uma desvantagem para as empresas brasileiras, ao impedir a redução de seu atraso no processo de internacionalização.

Sugestões levadas ao governo pelo IEDI abriram caminho para uma parcial revisão do tema: a medida somente seria aplicada para as atividades operacionais das empresas fora de paraísos fiscais e que abrissem integralmente suas contas no exterior. Como meio adicional de proteção, o governo optou por aplicar a medida a países e atividades selecionados e definiu um "prazo experimental" de quatro anos para sua vigência.

Entendemos que estabelecer um marco legal para as operações no exterior é tarefa complexa devido à dificuldade em harmonizar dois requisitos: não permitir a erosão da base tributária em razão da expansão das corporações fora do país e incentivar a internacionalização, o que é desejável porque traz vantagens para as próprias empresas, para os trabalhadores e para a economia em geral.

Esse avanço é possível e absolutamente necessário. Ao concorrer no exterior, a empresa assimila e desenvolve padrões superiores de gestão e produtividade. No mundo, está em curso uma revisão dos regimes tributários nacionais visando melhor equilibrar os dois objetivos.

O tema não é isento de polêmicas. A negociação continua sendo o melhor caminho para se construir o consenso.

Mais ou menos dinheiro grátis


VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP


Governo deve reduzir subsídio em empréstimos do BNDES, mas pode criar outras dádivas

O TESOURO DO governo, em suma nós, tem dado ou pretende dar dinheiro a empresas privadas a fim de, em tese, incentivá-las a investir.

Um modo de dar dinheiro é conceder empréstimos por meio de bancos públicos a taxa de juros baratinhas. O governo faz dívida, toma empréstimos caros no mercado, e empresta a taxas menores para empresas (via bancos públicos); a diferença vira uma conta a pagar, mais dívida pública.

Por exemplo, existe um programa do BNDES, o bancão estatal de desenvolvimento, chamado de PSI (Programa de Sustentação do Investimento), criado em 2009.

Nos doze meses até julho, o BNDES emprestou R$ 190,2 bilhões a juros menores que o do mercado. Mas cerca de 40% disso foi emprestado a taxas que vão de 2,5% a 5,5% ao ano (neste ano, mínimas de 3% e 3,5%). A taxa "básica" de juros da economia, a taxa Selic, "do Banco Central", está em 9,5%. Ainda assim, o governo na média não toma dinheiro ao custo da Selic.

O governo pretende dar um tempo no PSI e no estratosférico subsídio, pois os juros crescem e a taxa do PSI continua baixinha. Em tese, o PSI vai até o final de 2013. Deve ser prorrogado para 2014, mas as taxas de juros vão subir, diz gente do governo. Para quanto?

Talvez para mais do que a TJLP, a taxa "básica" do BNDES, ela mesma baratinha, ora em 5,5%, menor que a inflação (portanto, em termos reais, taxa de juro negativa, menor que zero). O subsídio iria, assim, diminuir. A conta ficaria menos salgada para o público.

Há justificativa para subsídios? Pode ser. Se o retorno social (isto é, para a sociedade, retorno "geral") do investimento que será feito apenas porque há crédito subsidiado é maior do que o subsídio, em teoria vale a pena. O problema é fazer tal conta ou saber se o investimento não seria feito de qualquer modo, houvesse ou não subsídio.

Se o investimento viria de qualquer maneira, sua taxa de retorno já seria boa a juros de mercado. A juros subsidiados, é uma festa.

Em parte, o subsídio é uma ajuda à sobrevivência de alguns setores econômicos que não resistiriam à competição externa sem o dinheiro público. Por que não resistiriam é outra questão complicada. Mas o argumento a legitimar o subsídio é: bancamos a conta para mantermos tal e qual setor industrial, o que é bom para o país, setor que apenas estaria mal das pernas porque impostos, custos logísticos, juros e câmbio atrapalham. Pode ser verdade, mas é difícil fazer a conta.

Haverá subsídio para várias obras do programa de infraestrutura lançado pela presidente no ano passado e que só deve começar a deslanchar em 2014. Haverá muito juro subsidiado pelo BNDES. Haverá mais. Por exemplo, anteontem a gente soube que o programa de ferrovias a serem construídas pela iniciativa privada deve ser, na prática e em parte, bancado por dívida pública adicional.

Dadas as esquisitices, perversões, precariedade e pobreza da economia brasileira, não há capital privado de longo prazo bastante para financiar o investimento. O subsídio e a estrutura dos bancos públicos podem ser úteis. Mas sabemos cada vez menos do custo dessa conta, cada vez mais complicada e pouco transparente, e está difícil de dizer quão justa é a sua distribuição.

Desonerar para onerar

MONICA BAUMGARTEN DE BOLE
Valor Econômico

"Desoneração gera emprego, segundo o governo", diz a chamada de uma matéria publicada no jornal "O Estado de São Paulo". A reportagem cita um estudo do Ministério da Fazenda no qual se constata que a renúncia fiscal de quase R$ 3 bilhões registrada até agora pelo governo com a desoneração da folha de pagamentos nos setores de couro e calçados, vestuário e tecnologia da informação pode gerar cerca de 21 mil postos de trabalho com carteira assinada por ano. Na concepção do governo, as desonerações não só criam empregos formais, como ajudam no combate inflacionário. Parece um instrumento fabuloso. Será mesmo?

Segundo o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, o estudo revela que uma grande parte da queda na taxa de desemprego dos últimos meses é resultado direto da desoneração da folha de pagamentos. E que a taxa de demissão dos setores contemplados pela medida tem caído sensivelmente.

A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em abril de 2012, sob os auspícios do Plano Brasil Maior II. Tratava-se, na ocasião, de substituir a contribuição patronal de 20% que incide sobre a folha de salários das empresas por um novo imposto sobre o faturamento dessas entidades. Cerca de quinze setores foram beneficiados pelas medidas na ocasião, incluindo os três citados no estudo mencionado pela reportagem. Em todos esses casos, trocou-se a contribuição patronal de 20% por uma alíquota sobre o faturamento que variava entre 1% e 2%, dependendo do setor. No livro que organizei com Edmar Bacha em 2012 - Bacha, E. e Bolle, M.B. "O Futuro da Indústria no Brasil, a desindustrialização em debate" - tratei desse tema junto com a economista Fernanda Guardado.

Partindo de um modelo simples para retratar o comportamento das empresas beneficiadas pelas desonerações do governo, constatamos algumas coisas interessantes. Primeiramente que, ao reduzir o custo de contratação das empresas retirando o imposto que incidia sobre a folha de pagamentos, o governo estaria incentivando o emprego de mais trabalhadores. A razão é simples: uma firma que quer maximizar os seus lucros, quando se defronta com um custo menor por trabalhador, tem o incentivo de contratar mais para produzir mais. Verificamos que, para os valores de 20% da desoneração da folha e sua subsequente substituição por um imposto de 1% a 2% sobre o faturamento, tal afirmativa seria sempre válida.

Portanto, a desoneração da folha poderia vir a pressionar o mercado de trabalho, já aquecido, por essa via. As pressões adicionais sobre o mercado de trabalho poderiam, por sua vez, intensificar a espiral salários-preços, alimentando a inflação. Isso desmontava o argumento do governo de que as desonerações ajudariam a atenuar a alta dos preços, isto é, de que serviriam, também, como instrumento de controle inflacionário.

Até aí, o modelo que desenvolvemos é compatível com as evidências do estudo realizado pela Secretaria de Política Econômica. Mas, há um outro efeito da troca do imposto sobre a folha por um imposto sobre o faturamento. Analisando o comportamento da receita das empresas para cada unidade adicional de capital, a chamada receita marginal do capital, constatamos que a substituição de um imposto sobre a folha por outro que incidia sobre o faturamento poderia afetar a escolha da empresa entre capital e trabalho.

Dito de outro modo, a forma que o governo escolheu para desonerar o setor produtivo acabava gerando um incentivo para que se investisse menos na formação bruta de capital e mais na contratação de trabalhadores.

Eis, portanto, a razão para o título desse artigo. O governo optou por desonerar a folha de pagamentos, aumentando a demanda por trabalho e pressionando os salários, isto é, onerando a inflação. Por outro lado, a adoção de um imposto sobre o faturamento para amenizar o efeito da renúncia fiscal sobre as contas públicas onerou o investimento em máquinas e equipamentos, reduzindo o estoque de capital desejado das empresas.

O estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda ainda não foi publicado. Contudo, as autoridades já permitiram que os jornais tivessem acesso ao que parece ser o lado bom da história. Faltou, entretanto, revelar o resto da trama. Para os setores que naturalmente empregam mais trabalhadores para produzir, a desoneração da folha pode ajudá-los a desfrutar de um alívio significativo. O custo agregado, entretanto, é de uma maior pressão de salários. Ao mesmo tempo, o imposto sobre o faturamento que compensa parte da desoneração implica uma escolha por menos capital. Cai o investimento.

Do ponto de vista do governo, o resultado, portanto, não parece ser dos melhores. Incentiva-se o emprego, que já não precisava de incentivos, aumenta-se a inflação, que não precisa de pressões adicionais, e prejudica-se o investimento do setor privado, que o governo quer tanto destravar.

Se há um caso na política econômica recente em que a emenda saiu pior do que o soneto, esse caso parece ser, indubitavelmente, o das desonerações que oneram.

Deterioração fiscal e solvência do setor público

CLAUDIA SAFATLE
Valor Econômico 

O intenso debate sobre a deterioração fiscal e o aumento da dívida do setor público brasileiro ganhou, esta semana, a contribuição de dois organismos internacionais, com a divulgação dos relatórios da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). É crescente a preocupação com a política fiscal e seus reflexos sobre a dinâmica da dívida bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

O ingresso de organismos internacionais na discussão só realça o que vem sendo debatido no governo, na academia e nos mercados já há algum tempo.

Em um trabalho intitulado "Indicadores de Dívida Pública e Política Fiscal Recente", o economista Josué Alfredo Pellegrini, consultor legislativo do Senado, examina os três indicadores de endividamento - dívida líquida, dívida fiscal líquida e dívida bruta - para ter um diagnóstico mais acurado da real situação fiscal.

Ele conclui que apenas a dívida líquida - indicador preferencial do governo - caiu de 39,1% do PIB em dezembro de 2010 para 33,8% do PIB em agosto deste ano, e não por causa do rigor fiscal, mas pela desvalorização da taxa de câmbio ocorrida no período. Nas duas outras metodologias, a dívida cresce na medida que o superávit primário do setor público vai minguando.

A dívida fiscal - que é a medida da dívida líquida sem os efeitos do câmbio sobre as reservas e sem ajustes patrimoniais - no mesmo período subiu de 32,5% do PIB para 33,4% do PIB. A dívida fiscal informa qual seria a dívida líquida se ela fosse determinada apenas por decisões genuinamente fiscais e, em um dado período, ela equivale ao déficit público.

Assim, enquanto a dívida líquida caiu 5,3 pontos percentuais do PIB entre dezembro de 2010 e agosto deste ano, a dívida fiscal cresceu 0,9 ponto percentual do PIB.

A desvalorização cambial representou 5,9 pontos do PIB entre dezembro de 2010 e agosto de 2013 e explica, portanto, quase toda a diferença de 6,2 pontos entre a variação da dívida líquida e da dívida fiscal no período.

A dívida bruta - indicador preferido dos organismos internacionais e das agências de rating - deu um salto. De 61,6% do PIB em 2010 passou para 65,8% do PIB em agosto de 2013, segundo seus cálculos (que inclui Banco Central e exclui a base monetária).

O crescimento da dívida bruta decorre da aquisição de ativos. Em meados da década passada foram as reservas cambiais e, mais recentemente, os elevados aportes de recursos do Tesouro no BNDES. Primeiro, eles foram uma resposta aos efeitos recessivos da crise internacional de 2008-2009. Mais recentemente passaram a ser instrumento de intervenção do governo na alocação dos recursos da economia. O saldo dos créditos ao BNDES, que antes da crise global era de 0,5% do PIB, hoje é de 9,5% do PIB.

Em agosto de 2011, segundo Pellegrini, houve uma guinada na política fiscal simultânea à da política monetária. Em julho de 2011, o déficit público nominal era de 1,9% do PIB (resultado de superávit de 3,7% do PIB e de juros líquidos de 5,6% do PIB). Em outubro de 2008, um mês após o início da crise global, tinha caído para seu patamar mais baixo, 1,35% do PIB, após vários anos de superávit próximo dos 3,5% do PIB e taxa Selic decrescente.

Mesmo com as sucessivas reduções da taxa Selic entre agosto de 2011 e outubro de 2012 - de 12,5% para 7,25% ao ano - a queda dos juros líquidos devidos não compensou a redução do superávit primário. Como consequência, o déficit aumentou e chegou a 3,12% do PIB em agosto de 2013.

Nos últimos meses, na visão do economista, pode estar se iniciando uma nova fase de coexistência entre juros crescentes e superávit decrescente. Se esse cenário se confirmar, o déficit público pode extrapolar o patamar de 3% do PIB, avalia.

O aumento do déficit fará com que a dívida fiscal suba mais rapidamente e impactará negativamente a própria dívida líquida, embora essa também dependa do câmbio.

O FMI, na parte do relatório divulgado quarta feira em que faz uma análise das condições fiscais do país, considera imperativa a recuperação do superávit primário para conter a dívida numa dinâmica sustentável. Os técnicos do fundo apresentam um conjunto de simulações com superávits primários de 3,1%, de 2% e de 1% do PIB e a probabilidade de seus efeitos sobre a dinâmica da dívida bruta até 2025.

Com superávit de 1% do PIB, haveria 50% de chance da dívida chegar a 66% do PIB. Com 2%, a chance da dívida cair para 50% do PIB seria de 75%. E a manutenção de um superávit de 3,1% do PIB, que vinha ocorrendo antes da guinada expansionista, elevaria para 90% a probabilidade de a dívida cair para 31% do PIB - patamar que colocaria o Brasil, lá por 2025, em linha com os países emergentes do G-20.

Já o trabalho da OCDE, além de críticas à gestão fiscal, propõe que o governo brasileiro adote uma meta para as despesas públicas - cujo crescimento tem se acelerado - em substituição ao superávit primário, para evitar os efeitos do ciclo econômico que se concentram na receita.

A discussão sobre a política fiscal e o nível de endividamento do setor público brasileiro tem duas dimensões: a do impacto do gasto público sobre a demanda agregada e seus efeitos sobre os preços; e a de solvência do setor público.

Desde 2002, quando da eleição de Lula para a Presidência da República, não se fala no país em risco de o governo não conseguir honrar seus compromissos. A confluência de tantos alertas vindos de dentro e de fora do país indica que a preocupação começa a se deslocar para o questionamento de solvência.

No governo, é visível a mudança do discurso. Falta, no entanto, identificar a mudança da prática. Colocar a mínima dúvida quanto à solidez das finanças públicas a essa altura seria um pesadelo. 

Paris procura uma mulher

GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo 

A França busca uma mulher. Qualquer uma. Primeira condição: ela deve estar morta. Em segundo lugar, deve ter se distinguido a serviço da França e da humanidade. Uma "campeã" que mereceria ou o Prêmio Nobel de Literatura, o de Ciências ou o Prêmio Nobel da Paz. E o que faremos com ela, quando for encontrada? Nós a enterraremos. Não em qualquer lugar, mas no Panteão, o monumento que domina o Quartier Latin, não muito distante da Sorbonne, e está destinado a receber as cinzas dos "grandes homens".

O problema é exatamente esse: os "grandes homens" são quase sempre "grandes homens" e raramente "grandes mulheres". A lei que estabelece a igualdade entre homens e mulheres, que nos esforçamos para aplicar há alguns anos, não é absolutamente respeitada "pelos mortos".

Dos 71 corpos enterrados no Panteão, 69 são de homens. Aleatoriamente, podemos citar Mirabeau, Voltaire, Rousseau, Saint-Exupéry, Alain Fournier, Charles Péguy. Perdidas nessa corte viril, duas mulheres. E uma delas entrou ali às escondidas. Quase como contrabando. Trata-se de Madame Berthelot, que não se distinguiu por nenhuma grande proeza, mas por ser mulher do químico Marcellin Berthelot. E, como o casal jurou jamais se separar, nem mesmo na morte, a república respeitou esse voto e reuniu marido e mulher.

Belo gesto. Um pouco sexista, acham as feministas (e com razão). De fato, foi apenas por ser mulher de um grande homem que a senhora Berthelot teve direito a tal honra. Como se a existência de uma mulher dependesse do marido, de ser a sua sombra.

Felizmente, a outra mulher que está no Panteão deve tal honra a ela mesma. Trata-se da Madame Curie, física genial. Só que o desequilíbrio entre o alvoroço dos homens e a solidão das mulheres é chocante.

Esse é o problema que o presidente François Hollande pretende atacar de frente. E, para isso, nomeou o "Monsieur Panteão", cuja função é encontrar novos candidatos, com a esperança de que o próximo eleito seja uma mulher.

Algumas mulheres entusiasmadas já iniciaram consultas à internet. E foram recolhidas 30 mil propostas. Claro, as mulheres que responderam são, na maior parte, "feministas". Ora, essas mulheres têm um temperamento revolucionário. Não assusta, portanto, que na multidão prevaleça um grande número de mulheres subversivas, violentas e provocantes, pouco conformes à imagem da mulher, companheira e mãe, devota, meiga, respeitosa e, se possível, cristã e burguesa, que foi o modelo nos séculos 19 e 20.

Entre as eleitas na internet, encontramos Olympe de Gouges, a primeira feminista, também engajada na luta pela emancipação dos "negros", que morreu na guilhotina de Robespierre durante a Revolução Francesa. Uma boa candidata.

Infelizmente, ela não é muito conhecida. Uma outra mulher está bem posicionada. Louise Michel, que é mais conhecida, contudo, nas barricadas de Paris, em 1871, trazia sempre a bandeira negra dos anarquistas. Um pouco molesto para o Panteão.

Há também Simone de Beauvoir, a grande escritora, com certeza. Mas, também ela, tem alguns pequenos inconvenientes: como seu amante Jean-Paul Sarte, Simone era próxima da extrema esquerda. Além disso, recomendava e praticava o amor livre e o sexo em grupo.

Portanto, não é fácil eleger a próxima hóspede do Panteão. Talvez seja por isso que Monsieur Panteão, encarregado dessa escolha delicada, pretenda transportar para lá não uma mulher, mas duas, sem dúvida, para equilibrar as exaltações demoníacas de uma revolucionária com as virtudes silenciosas de uma dama tranquila.
 TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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