sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O nível de desenvolvimento de cada nação

Essa reportagem dá uma exata noção de como a manutenção de programas sociais, em profusão, agride o essencial desenvolvimento de nosso infra-estrutura, ou seja, fica patente que o objetivo é a manutenção do aumento do poder aquisitivo e não a melhoria da qualidade de vida.

[...] Façamos juntos uma reflexão: por que smartphones, películas para cinema e até a subsidiária instalada no Brasil pela Fifa não pagam PIS/Pasep e Cofins e quem trata e fornece água para a população paga?[...]

[...] O grau de desenvolvimento de um país só é aferido de fato pela qualidade de vida da população. Água limpa e esgoto coletado e tratado são fundamentais. Nesse aspecto, o Brasil exibe níveis críticos de subdesenvolvimento. Isso explica o veto do governo federal à visita de uma comitiva da Organização das Nações Unidas que avaliaria a situação do acesso à água e saneamento no país, conforme denúncia publicada no site da entidade.[...]



O nível de desenvolvimento de cada nação
Dilma Pena
FOLHA.com.br 

Uma parceria só é justa e eficiente quando há equilíbrio na divisão de responsabilidades e benefícios.

O novo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) passa a impressão de que o governo federal ainda não assimilou essa lógica.

Apesar de contar com Estados, municípios e empresas privadas para investimento e execução de quase metade dos R$ 508 bilhões previstos para os próximos 30 anos, o governo federal tapou novamente os ouvidos para a mais importante reivindicação do setor: a redução da carga tributária imposta.

Em 2012, as empresas de saneamento depositaram cerca de R$ 2 bilhões nos cofres federais na forma de PIS/Pasep e Cofins. A Sabesp respondeu por cerca de um terço desse valor, com R$ 654 milhões. No total de tributos, a Sabesp repassou R$ 1,2 bilhão aos fiscos no ano passado.

Façamos juntos uma reflexão: por que smartphones, películas para cinema e até a subsidiária instalada no Brasil pela Fifa não pagam PIS/Pasep e Cofins e quem trata e fornece água para a população paga?

O grau de desenvolvimento de um país só é aferido de fato pela qualidade de vida da população. Água limpa e esgoto coletado e tratado são fundamentais. Nesse aspecto, o Brasil exibe níveis críticos de subdesenvolvimento. Isso explica o veto do governo federal à visita de uma comitiva da Organização das Nações Unidas que avaliaria a situação do acesso à água e saneamento no país, conforme denúncia publicada no site da entidade.

Em São Paulo, a Sabesp caminha para universalizar o atendimento no interior em 2014 e em todo o Estado até o fim da década. No Brasil, mais da metade da população ainda não é atendida por esgotamento sanitário, segundo dados de 2011 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. A estrutura disponível para tratamento de esgoto é ainda pior: alcança 37,5% do volume coletado. E, em pleno século 21, 18% dos brasileiros ainda não têm acesso a água tratada.

Na última disputa presidencial, tivemos a impressão de que o saneamento, finalmente, passaria a fazer parte das prioridades nacionais. Os principais candidatos, incluindo a hoje presidente Dilma Rousseff, comprometeram-se com a desoneração do setor. Nosso ânimo aumentou quando o Ministério das Cidades informou, no ano passado, que a esperada medida estava a caminho. Mas as expectativas se frustraram.

E o Plansab não é um alento. Embora tenha sido constituído, conforme anuncia o Ministério das Cidades, "a partir de ampla participação cidadã e de diferentes setores da sociedade", o plano ignorou a proposição das empresas de saneamento, personagens-chave desse processo.

Carvall

Temos uma proposta clara: reverter todo o valor da isenção do PIS/Pasep e Cofins em investimento direto em infraestrutura. Essa alternativa oferece de imediato ganho de tempo e eficiência em prol da universalização do saneamento no país, já que falamos de companhias com conhecimento técnico e projetos de expansão já estruturados, mas que necessitam de fôlego financeiro para colocá-los em prática.

A desoneração pode detonar um ciclo virtuoso no país. Em nada colide com a bem-vinda disposição do governo federal de investir anualmente de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões em saneamento. Menos ainda impede a concessão de linhas de créditos a prefeituras e Estados.

É uma proposta que se soma às demais diretrizes do Plansab. Inclusive incentivaria a ampliação de parcerias entre empresas e municípios para a elaboração dos planos de saneamento requisitados para a transferência das verbas federais. Na atual situação, inúmeros municípios correm o risco de ficar sem o repasse pela falta de experiência na elaboração de planejamento.

Aprovado pelo conselho do Ministério das Cidades, o Plansab aguarda agora a apreciação da presidente Dilma. Esperamos que seja ouvida essa reivindicação. Afinal, o que está em discussão são serviços essenciais à vida e não meros bens supérfluos de consumo.

DILMA PENA é diretora-presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de SP)
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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Cubanos presos, aqui e lá

 CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO


E se algum cubano entrar, por exemplo, na embaixada dos EUA e conseguir refúgio, o que fará o governo brasileiro?

O problema não é que sejam médicos, muito menos cubanos. O problema é o método de contratação, que convalida grave violação de direitos humanos.

Importar trabalhadores é normal. Importam-se, por exemplo, os melhores profissionais, para agregar conhecimento e expertise às práticas locais. Ou se traz um tipo de trabalhador que não se encontra no país importador. Ou ainda pessoas que topam salários e serviços que os locais não aceitam.

Este é o caso da importação de médicos pelo governo brasileiro. Tanto que os estrangeiros só poderão exercer um tipo de medicina e apenas nos lugares para os quais foram designados. Não vieram para transmitir alguma ciência ou prática nova. O médico de família e o atendimento básico não são novidades por aqui.

Mas são insuficientes, diz o governo. É um argumento. As entidades médicas brasileiras, portanto, não têm razão quando se opõem à importação em si.

Ocorre que a história não termina aí. Tão normal quanto a importação de trabalhadores é a exigência de qualificação - algum tipo de avaliação do profissional estrangeiro para saber se atende às necessidades nacionais. Todos os países fazem isso.

Portanto, o governo brasileiro pode abrir uma espécie de concurso internacional para contratar médicos. Mas, primeiro, eles têm que passar por prova de capacitação, como passa qualquer brasileiro quando entra para qualquer serviço público. Segundo, esse mercado deve ser livre.

Assim: o país importador oferece a oportunidade e dá as condições de trabalho, os estrangeiros, pessoalmente, se candidatam, fazem os testes e assinam o contrato. Esse documento, obviamente, pode ser rescindido. Imagine que o médico chega numa cidade remota e verifica que não tem a menor condição de atender. Ou não recebe o salário acertado. Ele pode retirar-se e rescindir o contrato. Inversamente, se começa a fazer besteira, o governo, o contratante, pode afastá-lo.

E se o médico, afinal, achar que entrou numa fria, e que sua família não se adaptou - ele pode pegar um ônibus, ir até o aeroporto mais próximo e embarcar, com seu passaporte e o de seus familiares, de volta para casa. Ou para Miami.

Essa é a situação dos médicos argentinos ou portugueses. Não é, obviamente, o caso dos cubanos. Estes não têm o contrato de trabalho com o governo brasileiro ou outra entidade local, não recebem salário brasileiro, não têm o direito de desistir, não têm passaporte, não têm, pois, a liberdade de deixar o Brasil e ir para qualquer lugar que desejarem.

São funcionários do governo cubano, destacados para trabalhar no Brasil - sob as regras contratuais do regime cubano, uma ditadura. E não poder trazer a família, que permanece refém em Cuba, sem poder viajar para o Brasil ou para qualquer outro lugar - isso é de uma violência sem limite.

Os médicos ficam presos no Brasil, suas famílias, em Cuba. Parece exagerado, mas é a pura verdade. Tanto que o governo brasileiro foi logo avisando os doutores cubanos que não tentem fugir ou pedir asilo, porque serão presos e deportados.

Por isso, não vale a comparação com empresas brasileiras que levam trabalhadores brasileiros para suas obras em outros países. Os brasileiros foram livremente e podem voltar ao Brasil (ou qualquer lugar) quando quiserem.

Tudo considerado, o governo brasileiro pode importar médicos, mas não praticar a violação de direitos humanos embutida no contrato dos cubanos. Os médicos brasileiros podem exigir provas de validação dos estrangeiros. Mas não podem hostilizar pessoalmente os cubanos. Tirante os militantes, a situação pessoal deles é penosa.

O governo brasileiro mentiu várias vezes nesse episódio. Em maio último, o então chanceler Patriota havia dito que se preparava a importação de 6 mil cubanos. Dada a reação ruim, o ministro Padilha disse que o governo havia desistido do projeto. Agora, assim de repente, aparecem 4 mil médicos preparados para vir ao Brasil.

O governo apenas aproveitou o momento para lançar o Mais Médicos, com esse propósito principal de trazer os cubanos. Com marketing: quem pode ser contra a colocação de médicos em lugares carentes? Por outro lado, a presidente Dilma comprou uma briga feia com os médicos brasileiros, caracterizados como ricos insensíveis no discurso oficial e aliado. Uma ofensa, claro, mesmo considerando que há médicos que não cumprem suas obrigações. A grande maioria está aí, ralando.

Finalmente, e se algum cubano entrar, por exemplo, na embaixada dos EUA e conseguir refúgio, o que fará o governo brasileiro?
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Recordar é viver: apagões


 VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP


Seja culpa de governo ou não, a frequência de blecautes pede explicação melhor do problema

Desta vez foi uma queimada no interior do Piauí, explicam as autoridades elétricas sobre o apagão de ontem. Parece razoável, embora pareça precipitado explicar tão cedo um problema tão grande.

Pode ser azar mesmo. Mas, dada a recorrência de azares, a gente espera ver um balanço consolidado a respeito dessas improbabilidades. Não necessariamente para malhar o governo.

O sistema de transmissão brasileiro é extenso, em parte bem antigo, foi instalado em lonjuras e não dá para resolver isso tudo rapidamente. Por isso mesmo, e dada a frequência de apagões nos últimos anos, o público mereceria uma explicação: o que está pifado? O que precisa ser consertado? Quanto custa? O que está sendo feito?

A ideia de que tantos blecautes não são normais nem devem ser tolerados com cara alegre é, de resto, compartilhada pelo próprio governo. Recordar é viver. Abaixo, o que autoridades disseram sobre apagões recentes.

"Eventos como esse não são normais e a coincidência, então, é que é mais anormal ainda. Então é isso que está sendo avaliado."

Márcio Zimmermann, então ministro interino de Minas e Energia, 26 de outubro de 2012, sobre o apagão de 25 e 26 de outubro, no Norte e no Nordeste, então o quarto de uma série iniciada em setembro do ano passado.

"Vocês se lembram da história do raio? De que caiu um raio? No dia em que falarem para vocês que caiu um raio, vocês gargalhem.... Raio cai todo dia neste país, a toda hora. O raio não pode desligar o sistema. A nossa briga contra os raios é o seguinte: se desligou, é falha humana."

Dilma Rousseff, sobre explicações oficiais sobre apagões, em 26 de dezembro de 2012, num café da manhã com jornalistas.

"Para o consumidor de energia, uma queda de 3 MW ou de 1.000 MW dá no mesmo. Ele perdeu a luz dele. Ele está sofrendo as consequências. O aparelho dele queimou. Ele sofreu um ônus danado... O setor elétrico tem, tanto no que se refere à distribuição quanto à transmissão, de ser implacável, implacável com a interrupções, de que tamanho for. Porque a gente não pode aceitar conviver com isso." (Idem).

"Focamos a transmissão e a geração porque não tinha e diminuímos o investimento em manutenção, mas não reduzimos a zero, só diminuímos. Agora, vamos fazer as duas coisas, justamente porque temos dinheiro, o que não tinha antes..." (Idem).

"Não teve. Você está confundindo duas coisas, minha filha. Uma coisa é blecaute... Nós trabalhamos com um sistema de transmissão de milhares de quilômetros de rede. Interrupções desse sistema ninguém promete que não vai ter. O que nós prometemos é que não terá neste país mais racionamento. Racionamento é barbeiragem. Por que é barbeiragem? Porque racionamento de oito meses implica que eu, com cinco anos de antecedência, não soube a quantidade de energia que tinha de entrar para abastecer o país. Vocês vêm me dizer hoje que nós estamos nessa situação? De jeito nenhum."

Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil de Lula, 12 de novembro de 2009, sobre um apagão que afetou 18 Estados entre 10 de novembro e 11 de novembro daquele ano, em resposta a repórter que lembrava a promessa do governo de que não haveria mais apagão no Brasil.
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Economia mundial é atingida em ataque a Síria


EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO


Energia mais cara e turbulência cambial afetaria emergentes, que já recebem menos investimentos por conta da futura mudança na política monetária dos EUA


A perspectiva de um iminente ataque militar à Síria já fez vítimas no mercado mundial. O preço do petróleo, que já vinha em alta de 15% nos últimos três meses por conta da situação em Egito e Síria, saiu de US$ 107 o barril para US$ 112 ontem. Uma ação militar no Oriente Médio poderia ter impacto diferente nas diversas regiões. A economia dos EUA, que se recupera lentamente, poderia ganhar algum impulso pelas encomendas à indústria de armamentos, mas nada que compense algum impacto negativo de fora. Já a Europa, que engatinha para sair do fundo poço em que se meteu, poderá sofrer com o aumento do custo da energia.

Não são boas as perspectivas para os países emergentes, entre eles o Brasil, que já sentiam os efeitos da desaceleração da China — o importador universal — e da mudança do fluxo financeiro planetário. Durante a crise mundial, os emergentes receberam muito capital em fuga dos baixos rendimentos em EUA e Europa, por conta da política de afrouxamento monetário adotada. Com o anúncio, pelo Fed (BC americano), de que esse recurso para deprimir juros e facilitar a recuperação econômica tende a ser descontinuado a partir de setembro, muitos investidores começaram a “repatriar” seus recursos, em busca do aumento de ganhos nos mercados mais tradicionais. Outros buscam refúgios clássicos, como o ouro.

As ameaças aos emergentes com o provável ataque à Síria começa pelo aumento do custo da energia e passa pela turbulência nos mercados cambiais — as moedas se desvalorizam frente ao dólar, barateando as exportações, mas encarecendo as importações, que tendem a cair e também gerar inflação.

O Brasil é exemplo de emergente em apuros. Se não é tão atingido na área energética diante do aumento da produção nacional (a não ser o caixa da Petrobras, que compra combustível no mercado externo mais caro do que vende no país), sofre com o elevado custo Brasil (excesso de burocracia, legislação confusa e Estado paquidérmico, consumidor de recursos que deveriam ser aplicados em infraestrutura, Saúde, Educação) num momento de volatilidade dos fluxos de capitais.

Ação militar na Síria, para punir uma ditadura que mata com armas químicas, enviaria ondas de choque a uma região conturbada, com muito petróleo e interesses conflitantes dos diversos atores e alianças que se entrecruzam. Zbigniew Brzezinski, assessor de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, aconselha, em artigo no “Financial Times”, que é esta a hora de mobilizar a opinião pública mundial contra a guerra sectária na Síria; e de medidas abrangentes para evitar uma explosão no Oriente Médio.

Se a comunidade internacional concluir que não existe solução fora do ataque punitivo, pelo menos que ele seja o mais breve possível.
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Médicos cubanos



Um dos raros intelectuais eruditos não-alinhados com o governo atual faz uma análise ponderada acerca da vinda dos médicos cubanos. Vale a leitura. A propósito, é um tributarista de reconhecimento internacional, portanto, sabe bem o que fala sobre o impacto no combalido sistema de saúde.

De sorte que, pela irresponsável anuência de 54 milhões de eleitores, segue o festival de insanidade gerencial pública.


[...]A presidente do Brasil financia o regime cubano com dinheiro que melhor poderia ser utilizado para atender às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), dando-lhe maior eficiência em estrutura e incentivos.[...]

[...]Empresta dinheiro a Cuba e a outros países bolivarianos, mas não aplica no nosso país o necessário para que haja assistência gratuita, no mínimo, civilizada.[...]

[...]O cúmulo dessa irracional política, contudo, parece ocorrer na admissão de 4 mil agentes cubanos, que se dizem médicos - são servidores do Estado e recebem daquela ditadura o que ela deseja pagar-lhes -, para os instalar em áreas desfavorecidas do Brasil, sem que sejam obrigados a revalidar seus títulos nos únicos órgãos que podem fazê-lo, ou seja, os Conselhos de Medicina.[...]




Médicos cubanos
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
O Estado de S.Paulo 


A preferência da presidente Dilma Rousseff pelos regimes bolivarianos é inequívoca. Basta comparar a forma como tratou o Paraguai - onde a democracia é constitucionalmente mais moderna, por adotar mecanismos próprios do sistema parlamentar (recall presidencial) - ao afastá-lo do Mercosul e como trata a mais sangrenta ditadura latino-americana, que é a de Cuba.

A presidente do Brasil financia o regime cubano com dinheiro que melhor poderia ser utilizado para atender às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), dando-lhe maior eficiência em estrutura e incentivos.

Em período pré-eleitoral, Dilma Rousseff decidiu trazer médicos de outros países para atender a população do interior do Brasil, sem oferecer, todavia, as condições indispensáveis para que tenham essas regiões carentes hospitais e equipamentos. Empresta dinheiro a Cuba e a outros países bolivarianos, mas não aplica no nosso país o necessário para que haja assistência gratuita, no mínimo, civilizada.

O cúmulo dessa irracional política, contudo, parece ocorrer na admissão de 4 mil agentes cubanos, que se dizem médicos - são servidores do Estado e recebem daquela ditadura o que ela deseja pagar-lhes -, para os instalar em áreas desfavorecidas do Brasil, sem que sejam obrigados a revalidar seus títulos nos únicos órgãos que podem fazê-lo, ou seja, os Conselhos de Medicina.

Dessa forma, trata desigualmente os médicos brasileiros, todos sujeitos a ter a validade de sua profissão reconhecida pelos Conselhos Regionais, e os estrangeiros que estão autorizados exclusivamente pelo governo federal a exercer aqui a medicina.

O tratamento diferencial fere drasticamente o princípio da isonomia constitucional (artigo 5.º, caput e inciso I), sobre escancarar a nítida preferência por um regime que, no passado, assassinou milhares de pessoas contrárias a Fidel Castro em "paredóns", sem julgamento, e que, no presente, não permite às pessoas livremente entrarem e saírem de seu país, salvo sob rígido controle. Pior que isso, remunerará os médicos cubanos que trabalharem no Brasil em valores consideravelmente inferiores aos dos outros médicos que aqui estão. É que o governo brasileiro financiará, por intermédio deles, o próprio governo de Cuba, o qual se apropriará de mais da metade de seu salário.

Portanto, a meu ver, tal tratamento diferencial fere a legislação trabalhista, pois médicos exercendo a mesma função não poderão ter salários diversos. O inciso XXX do artigo 7.º da Constituição federal também proíbe a distinção de remuneração no exercício de função.

Acontece que pretende o Estado brasileiro esquivar-se do tratamento isonômico alegando que acordo internacional lhe permite pagar diretamente a Cuba, que remunerará seus médicos com 25% ou 40% do valor que os outros médicos, brasileiros ou não, aqui receberão.

É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os tratados entram em nosso ordenamento jurídico como lei ordinária especial, vale dizer, não podem sobrepor-se à Constituição da República, a não ser na hipótese de terem sido aprovados em dois turnos, nas duas Casas Legislativas do Congresso Nacional, por três quintos dos parlamentares (parágrafo 3.º do artigo 5.º da nossa Lei Maior).

Ora, à evidência, o acordo realizado pelo governo brasileiro não tem o condão de prevalecer sobre a nossa Carta Magna, por ter força de lei ordinária especial, sendo, pois, de manifesta inconstitucionalidade. Francisco Rezek, quando ministro do STF, certa vez, a respeito da denominada "fumaça do bom direito", que justifica a concessão de liminares contra atos ou leis inconstitucionais, declarou, em caso de gritante inconstitucionalidade, que a fumaça do bom direito era tão grande que não conseguia vislumbrar o rosto de seus pares colocados na bancada da frente. Para a manifesta inconstitucionalidade do ato a imagem do eminente jurista mineiro calha como uma luva. O tratado do Brasil com a ditadura cubana fere o artigo 7.º, inciso XXX, da Constituição federal.

O que me preocupa, no entanto, é como uma pequena ilha pode dispor de um número enorme de "médicos exportáveis", que, se fossem bons, não deveriam correr nenhum risco ao serem avaliados por médicos brasileiros dos Conselhos Regionais, e não por funcionários do governo federal.

Pergunto-me se tais servidores cubanos não terão outros objetivos que não apenas aqueles de cuidar da saúde pública. Afinal quando foram para a Venezuela, esse país se tornou gradativamente uma semiditadura, na qual as oposições e a imprensa são sempre reprimidas.

E a hipótese que levanto me preocupa mais ainda porque foi a presidente guerrilheira e muitos de seus companheiros de então haviam sido treinados em Cuba e pretendiam impor um governo semelhante no Brasil, como alguns deles afirmaram publicamente.

Tenho a presidente Dilma Rousseff por mulher honesta e trabalhadora, embora com manifestos equívocos em sua política geradora de alta inflação, baixo produto interno bruto (PIB), descontrole cambial e déficit na balança comercial e nas contas externas. O certo, contudo, é que a sua preferência pelos regimes bolivarianos e a sua aversão ao lucros das empresas talvez estejam na essência de seu comportamento na linha ora adotada.

Respeito a presidente da República eleita pelo povo, mas tenho receio de que suas preferências ideológicas estejam na raiz dos problemas que vivemos, incluída a importação de agentes públicos de Cuba que se intitulam médicos.
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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Diógenes e a lanterna entre a morenidade de Pindorama.



Caros amigos, tendo em vista os recentes resultados de nosso processo de representação política frente aos graves e complexos temas que a sociedade precisa encarar sugiro uma reflexão.
As intensões de voto e os votos válidos da sociedade, nos últimos seis pleitos (presidentes e prefeitos) tem, sistematicamente, consolidado a presença do PT no poder (ainda bem que não em todas cidades). É fato que o "Brasil cansado de corrupção" enunciado por muitos amigos distraídos, está reiterando sua predileção pelo status quo.
Outro fator que ficou bem claro (pelo menos assim espero) para a sociedade que se dá ao trabalho de, ao menos, assistir televisão, é a truculência que os "exércitos do PT" praticaram e demonstraram caso a presidente não seja reeleita. Quais sejam a mobilização fenomenal ante o boato do fim do "bolsa família", articulação de "índios" em invasões onde a saída fora determinada pela justiça, mobilização do MST, ônibus queimados em grandes cidades, truculência e quebra-quebra nas manifestações de rua nas grandes cidades. Ou seja, conforme digo aos mais chegados: "Prefiro a Dilma no poder para ter a capacidade, ainda que risível, de ir e vir nas ruas sem risco de vida". Para quem não lembra dos seis meses que antecederam as eleições do último ano de FHC foi um verdadeiro inferno o centro de algumas cidades dadas as várias manifestações e "greves extemporâneas".
Ante o acima exposto sugiro que nós passemos a prestar a atenção em uma considerável série de eventos que estão comprometendo nosso futuro.
O mais renitente é o enfraquecimento de nossa indústria que, com ela, trás consigo o desemprego e a queda da arrecadação em uma sociedade onde a carga tributária é a maior do mundo com relação aos serviços retornados (acho que em absoluto está o Canadá, mas os serviços públicos de lá funcionam, por constatação própria).
O saneamento básico é um tema recorrente com pouca atenção da sociedade que apenas se importa por ocasião de enchentes. O saneamento impacta na Saúde Pública já, há décadas, deficiente e que tem como recente fenômeno a importação de médicos cubanos. Saneamento e SUS levam a baixo rendimento escolar e má-formação de mão-de-obra especializada o que aumenta um outro problema que contribui para a desindustrialização, o apagão de-mão-de-obra, encimado pelo fiasco no ensino fundamental público -neste particular não mais se falou no Plano Nacional de Educação tema de fundamental importância.
Também temos em conexão com o fiasco da indústria nossa crise no fornecimento de energia elétrica, a crise da Petrobrás, o nosso risível modelo de extração energética, representado por Belo Monte, termelétricas a carvão e diesel e o agravamento de ambas dada a interferência dos ambientalistas.
Violência urbana, fraqueza e descontinuidade de marcos regulatórios para investimentos e exploração energética, mobilidade urbana, contumácia na crise da redução da desigualdade com o aumento da violência urbana juvenil, gravidez juvenil, consumo de crack que ressecam os já falimentares recursos e suprimentos de uma combalida saúde pública onde o setor privado não consegue suprir por intermédio dos Planos de Saúde.
Para não cansar, pois faltam muitos outros setores e vetores de desenvolvimento sofríveis agravados pela gestão confusa e ideológica do PT, nos últimos onze anos mas que a sociedade, em sua maioria, quer manter no poder, ressalto a confusa, ideológica e perigosa gestão companheira e hermana das Relações Exteriores que está, literalmente, afugentando os investidores internacionais em um país como o nosso de baixíssima capacidade de poupança interna.
Infelizmente a causa disso tudo é que o cidadão brasileiro insiste em entender que sua responsabilidade e alegria em viver em uma democracia encerra-se no risível e fugaz ato de se colocar um voto na urna, fugaz porque a partir daquele momento ele não exerce mais nenhum controle sobre o que fez, se é que assim lhe interesse. Esta é nossa inexorável idiossincrasia morena, nas terras de Pindorama.
De sorte que minha parte continuo fazendo amigos, para contribuir para agregar valor a nossa cidadania: Os artigos que seleciono e posto no blog e os que comento aqui. Eu não perderei meu escasso tempo comentando sobre capítulos das novelas bufas tais como Mensaleiros, assim como não perdi com Cachoeira, lagoas, valões, privadas e similares. Eu sugiro que os amigos passem a ler e pesquisar sobre estes temas, pois foi lamentável, quando não desestimulante, como muitos do que li estavam como cegos em tiroteio por ocasião do "Vem p'rá rua...vem." Alguns parentes e amigos escreveram-me e comentaram magoados com minha postura por demais desacreditadora, cética e pragmática, mas no final acho que não errei e acertei no que antecipei. A receita? Leitura útil e atenção ao nosso dia a dia.
Aos jovens e amigos que encararão um ENEM e um concurso, também sugiro a busca de temas acima alinhavados e se quiserem, tragam a discussão para ouvirmos e lermos os demais.
Enfim, é isso, eu sinto falta neste espaço de temas densos sobe os quais possamos avançar e conectá-los com a realidade que nos incomoda e amedronta no dia a dia real e imediato. Sinto-me como Diógenes e sua lanterna ao longo do dia procurando o homem íntegro, só que em nossa sociedade que relativiza a ética, sentir-me-ia feliz se, ao menos, fosse um mínimo informado de coisas relevantes. 
Convido os amigos a refletirem e darem um passo adiante no exercício da cidadania madura e responsável.
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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Se é assim, governo pra quê?


José Serra 
O Estado de S.Paulo

Não é segredo, mas o fato de a coisa ser óbvia não faz brotar do chão as obras: o principal problema econômico do Brasil é o imenso déficit na infraestrutura - estradas, ferrovias, hidrovias, mobilidade urbana, portos, aeroportos e energia. Esse déficit se deve à incapacidade do governo federal de dar realidade aos investimentos públicos.

Como proporção do PIB, o Brasil está entre os dez países do mundo onde o governo menos investe. Um paradoxo, sem dúvida, se levarmos em conta o tamanho da carga tributária - a maior do mundo em desenvolvimento - e a excepcional bonança externa que favoreceu a economia brasileira desde meados da década passada até recentemente.

Os frutos dessa bonança e os maiores recursos fiscais não foram aproveitados para elevar investimentos, e sim para financiar gastos correntes do governo, consumo importado (que substituiu a produção doméstica), turismo no exterior e grandes desperdícios. Não é por menos, aliás, que o Brasil caminha firme rumo à desindustrialização e, com ela, à queda de investimentos no setor, à exportação de postos de trabalho mais qualificados e à renúncia dos benefícios do progresso técnico que acompanha a atividade manufatureira.

Mais ainda: o País tornou-se vítima, novamente, do desequilíbrio externo, com um déficit em conta corrente caminhando para 4% do PIB. Nota: é bobagem relativizar o peso desse número com a máxima de que temos reservas altas. Relevante é a tendência observada, que piora as expectativas, leva à contração dos investimentos privados e à pressão sobre a taxa de câmbio.

Parece paradoxal, mas o fraco desempenho dos investimentos públicos se deve à inépcia, não à escassez de recursos. O teto dos investimentos federais pode até ser baixo, e é, mas o governo não conseguiu atingi-lo. A falta de projetos, de planejamento, de gestão e de prioridades é o fator dominante.

Há exemplos já "tradicionais" de obras que, segundo o cronograma eleitoral propagandeado, deveriam ter sido entregues, mas percorreram de zero à metade do caminho, como a Ferrovia Transnordestina, a transposição do São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, a Ferrovia Oeste-Leste (Bahia), as linhas de transmissão para usinas hidrelétricas prontas (Santo Antônio e Jirau), etc. A ponte do Guaíba, no Rio Grande do Sul, nem saiu do projeto. Dez aeroportos da Infraero estão com contratos paralisados. Os atrasos das obras nas estradas federais contempladas no PAC são, em média, de quatro anos - para a BR-101, no Rio Grande do Norte, serão, no mínimo, cinco: deveria ter sido entregue em 2009 e foi reprogramada para 2014. Depois de um pacote de concessões de estradas muito mal feito, em 2007, só agora, seis anos depois, o governo anuncia um novo, e em condições adversas, dadas as incertezas da economia e dos marcos regulatórios.

O emblema da falta de noção de prioridades é o trem-bala, anunciado em 2007. Só transportaria passageiros e, segundo o governo, custaria uns R$ 33 bilhões. O Planalto garantia que seria bancado pelo setor privado. O aporte do Tesouro Nacional não passaria de 10% do total. Graças à inépcia - nesse caso, benigna, porque se trata de uma alucinação - e ao desinteresse do setor privado em cometer loucuras (apesar dos subsídios fiscais e creditícios que receberia), não se conseguiu até hoje licitar a obra. Depois do recente adiamento, o ministro dos Transportes estimou que a concorrência ficará para depois de 2014. Ao ser lançado, o governo dizia que já estaria circulando durante a Copa do Mundo...

Desde logo, os custos foram grosseiramente subestimados. Esqueceram-se as reservas de contingência e foram subestimados os preços das obras. O custo dos 100 km de túneis foi equiparado ao dos túneis urbanos, apesar de serem muito mais complexos e não disporem de rede elétrica acessível. Esqueceram-se de calcular o custo das obras urbanas para dar acesso rápido às estações do trem. A preços de hoje, a implantação do trem-bala se aproximaria de R$ 70 bilhões. Além dos subsídios do BNDES, que saem do bolso dos contribuintes, o banco seria investidor direto, ao lado da... Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos!

A obra não foi adiante, mas o governo não desistiu. Para variar, criou uma empresa estatal para cuidar do projeto, que já emprega 140 pessoas. Até o ano que vem, o alucinado gestor governamental do trem-bala anunciou o gasto de R$ 1 bilhão, sem que se tenha movido ainda uma pedra. O atual ministro dos Transportes desmentiu-o, assegurando que seriam apenas... R$ 267 milhões! Sente-se mais aliviado, leitor?

Admitindo que seria possível mobilizar R$ 70 bilhões para transportes, um governo "padrão Fifa", como pedem as ruas, poderia, sem endividar Estados e municípios, fazer a linha do metrô Rio-Niterói, completar a Linha 5 e fazer a Linha 6 do metrô de São Paulo, concluir o de Salvador, tocar os de Curitiba e Goiânia, a Linha 2 de Porto Alegre, a Linha 3 de Belo Horizonte, construir a ferrovia de exportação Figueirópolis-Ilhéus, a Conexão Transnordestina, a Ferrovia Centro-Oeste, prolongar a Norte-Sul de Barcarena a Açailândia e Porto Murtinho a Estrela d'Oeste, o Corredor Bioceânico Maracaju-Cascavel e Chapecó-Itajaí. E, é certo, poder-se-ia fazer uma boa ferrovia Campinas-Rio de Janeiro, com trens expressos normais, aproveitando a infraestrutura já existente.

Nessa perspectiva, seriam investidos R$ 35 bilhões em transporte de cargas e outros R$ 35 bilhões em transporte de passageiros, beneficiando mais de 5 milhões de pessoas por dia. O trem-bala, na suposição mais eufórica, transportaria 125 mil pessoas por dia - 39 vezes menos!

É evidente, leitor, que nada disso é fácil. Acontece que, no geral, as facilidades se fazem por si mesmas. Populações criam o Estado e elegem governos para que se façam as coisas difíceis e necessárias. Só por isso aceitamos todos pagar impostos, abrir mão de parte das nossas vontades e sustentar uma gigantesca burocracia. Os governos existem para tornar mais fáceis as coisas difíceis, e não para fazer o contrário.

*José Serra é ex-governador e ex-prefeito de São Paulo. 
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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Entendendo a queda de preço das commodities

Marcos Jank
O Estado de S. Paulo 


Fala-se cada vez mais do impacto da desaceleração do crescimento da China e de outros países emergentes sobre o valor das exportações brasileiras de commodities. O fim do atual ciclo de alta de preços vem novamente acompanhado da surrada ladainha sobre uma suposta inadequação da nossa pauta de exportações, excessivamente dependente de commodities sensíveis à queda dos preços.

Em primeiro lugar, é fundamental separar as diferenças entre commodities agropecuárias, minerais e energéticas. No caso das energéticas, tivemos uma alta dos preços reais da ordem de 1.000% ao longo dos últimos 6o anos, puxada pela crescente escassez de petróleo barato. Nos minerais e metais, a alta foi da ordem de 100% no mesmo período, porém mais concentrada na última década por causa do forte consumo desses produtos no mundo em desenvolvimento.

Já no agronegócio, os últimos 60 anos foram marcados por uma redução de preços reais da ordem de 25%, chegando a mais de 50% de queda na virada do século. Portanto, ao contrário das commodities energéticas e minerais, na última década os produtos agropecuários apenas recuperaram parte da queda de preços reais ocorrida no século 20. Essa queda secular derivou basicamente da incorporação de novas tecnologias no campo por meio do modelo capital-in-tensivo de produção nascido nos EUA (genética, mecanização, irrigação, etc.), posteriormente reproduzido nas “revoluções verdes” da Ásia e na conquista dos Cerrados brasileiros.


Em segundo lugar, é fundamental separar movimentos estruturais e conjunturais. Con-junturalmente, os preços das commodities podem cair em 2013/14 por motivos semelhantes aos que ocorreram em 2008/09. Naquele momento, a queda momentânea de preços foi provocada pela crise financeira nos países desenvolvidos; neste, as quedas decorrem da desaceleração das economias em desenvolvimento combinada com supersafras em alguns paí-ses-chave, como EUA e Brasil.

Estruturalmente, no médio e no longo prazos, que é o que realmente interessa, a conversa é outra. As commodities energéticas e minerais podem, de fato, viver uma queda mais duradoura após os picos de preços da última década. Alguns fatores que motivariam essa queda são o surgimento de novas tecnologias para a produção de energia - como o gás de xisto nos EUA -e o redirecionamento da China para investimentos em consumo, em detrimento dos investimentos em infraestrutura.

Já no caso das commodities agropecuárias, uma análise mais minuciosa mostra que os preços continuarão elevados no médio e no longo prazos, em função de mudanças estruturais na demanda dos países em desenvolvimento que tendem a superar sua capacidade de oferta. Três fatores explicam essa tendência: 1) o forte crescimento da população mundial, que vai passar de 7 para 9,6 bilhões de pessoas entre hoje e 2050, de acordo com as ultimas revisões da ONU 2) a migração do campo para a cidade, da ordem da 1,6 bilhão de pessoas no mesmo período, sendo que a maioria deixa a agricultura de subsistência para entrar no mercado de consumo; 3) o aumento da renda per capita nos países em desenvolvimento, ainda bastante elevado, apesar da desaceleração econômica. Por exemplo,
A demanda global vai seguir beneficiando o Brasil, mas nosso maior desafio está aqui dentro

no caso da China a constatação é matemática: 7,5% de crescimento sobre um PIB de US$ 9 trilhões este ano representa um valor 37% maior que 14% de crescimento sobre o PIB de US$ 3,5 trilhões de 2007.

Portanto, crescimento populacional, urbanização acelerada e aumento da renda per capita, combinados com as crescentes restrições de terra e água do planeta, são mudanças estruturais que beneficiarão o Brasil. Para ilustrar o potencial basta verificar que o consumo per capita de carne bovina na China é apenas 10% do observado no Brasil; de leite, 16%; de frango, 20%; e de açúcar, 21%.

Outro movimento importante é a mudança dos hábitos alimentares na direção do maior consumo de proteínas animais. Porém, em função das barreiras tarifárias e não tarifárias que dificultam nossas exportações para a Europa, os EUA e as grandes economias emergentes, infelizmente ainda não con-seguimos aproveitar amplamente essa oportunidade. A China, por exemplo, vem abrindo cada vez mais o seu mercado para soja e milho, principais componentes das rações animais, mas mantém proteções cirúrgicas para carnes e lácteos. Em 2050 a produção chinesa vai representar apenas 38% do consumo doméstico de soja e 71% do de milho, movimento que tem impulsionado fortemente nossas exportações de grãos. Mas em aves e suínos a China aparentemente fará de tudo para manter sua autossufi-ciência alimentar.

É por isso que o agronegócio brasileiro, um dos únicos setores globais da economia brasileira, paga caro pela ausência de acordos comerciais do País com os grandes importadores. Nos últimos dez anos nossa política comercial ficou engessada pelos sucessivos impasses do Mercosul. Ficamos à margem e vamos sofrer importantes “desvios de comércio” com a consolidação de duas grandes alianças comerciais: a Parceria Transatlântica entre EUA e União Europeia (TTIP) e a Parceria Trans-Pacífico, entre EUA, Canadá, México, Peru, Chile e pelo menos seis países da Ásia e da Oceania (TPP).

Em suma, ao contrário de energia e minerais, a eventual queda de preços das commodities agropecuárias seria apenas um movimento conjuntural. Estruturalmente, o apetite global por produtos alimentares vai continuar mostrando muito vigor e beneficiando o Brasil. Mas nossos maiores desafios estão aqui dentro: redução de custos (já que não somos mais um país de custo baixo na agricultura), investimentos em logística, agilidade nas políticas de defesa sanitária e negociação de acordos comerciais com os grandes importadores mundiais de commodities.
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Mais tempo na escola sempre traz melhorias?


 MÔNICA GOUVÊA
Folha.com.br

O modelo educacional no Chile é considerado um dos melhores da América Latina, e uma de suas forças está em agir com base em dados.

Uma experiência importante foi relatada recentemente pelo professor Sergio Martinic, vice-diretor da Universidade Católica do Chile. Segundo Martinic, entre as mudanças ocorridas no sistema educacional chileno das últimas décadas está o estabelecimento de tempo integral para os alunos da escola pública.

A inovação teve como modelos as escolas da rede privada, bem como a tendência da literatura e dos organismos internacionais em relacionar melhoria da qualidade de ensino a maior tempo dos alunos na escola. Para os professores, o aumento da jornada foi positivo: trouxe acréscimo salarial e o benefício de poderem permanecer na mesma escola o dia todo.

Passados alguns anos, porém, não foi identificado avanço significativo na aprendizagem dos alunos, de forma que passou a ser questionada a hipótese de que maior tempo na escola, por si só, gera incremento da aprendizagem. Sabemos que muitos fatores influenciam o processo de ensino-aprendizagem, entre eles condições estruturais, capital cultural dos alunos etc, mas, segundo Martinic, "a qualidade educativa se dá na sala de aula, na relação entre professores e alunos".

Assim, foram iniciadas avaliações como esta, do Instituto Ceppe, para estudar o que acontecia nas salas de aula, e o que diferenciava um "bom professor" de um "mau professor".

A pesquisa comparativa da relação de ensino/aprendizagem professor-aluno incluiu diversas salas de aulas das séries finais dos ciclos 1 e 2 do ensino fundamental (5º e 9º anos) da rede pública chilena. Foram filmadas 30 mil aulas inteiras de matemática e língua espanhola, o que permitiu a análise minuciosa da gestão do tempo pelo professor, com softwares e metodologias específicas, para observar quanto dos 45 minutos era dedicado de fato ao desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Os resultados revelaram que apenas 39% do tempo - menos da metade da aula - é gasto com o conteúdo instrucional. O restante é ocupado com avisos administrativos, questões disciplinares e intervenções de alunos não vinculadas ao conteúdo.

Além disso, os professores falam durante 52% do tempo, o que limita o espaço para a participação dos alunos com perguntas relativas ao conteúdo. Este modo de trabalhar reproduz o modelo de escola tradicional, na qual o "bom professor" é aquele que passa a maior parte do tempo expondo o conteúdo aos alunos.

Também se observou que a maioria dos professores tem como prática dedicar a maior parte do seu tempo ao grupo como um todo, e quase nenhum aos alunos que necessitam de atenção individualizada.

Apesar de o sistema educativo chileno estimular a participação, observou-se que os alunos perguntam pouco até a metade da aula, e o professor se mostra solícito em responder. No entanto, na última parte da aula, quando o número de perguntas dos alunos aumenta, o professor já não se interessa em estimular o debate.

A inferência foi a de que, provavelmente porque a maneira de gerenciar o tempo de aula continua a mesma, a instauração do período integral nas escolas públicas não melhorou a aprendizagem dos alunos.

O grande desafio não é apenas garantir a permanência dos alunos na escola, mas cuidar de como esse tempo será usado, trabalhado e compartilhado. É da qualidade desta gestão do tempo e das estratégias de ensino que depende o sucesso dos programas de escolas de tempo integral.

A implantação das escolas de tempo integral no Estado de São Paulo atrela as oito horas de permanência do professor na escola a dois objetivos: aprimorar a formação de profissionais para o desenvolvimento de metodologias, estratégias de ensino e de avaliação dos alunos; e ampliar as condições para o cumprimento do currículo, aumentando a oferta de diferentes abordagens pedagógicas.

Esta concepção revela uma preocupação com a qualidade da permanência dos alunos em tempo integral. Hoje o programa acontece em 69 escolas de ensino médio e séries finais do ensino fundamental. Além de formar professores para mais aulas e disciplinas, são dadas condições ao aluno de elaborar seu projeto de vida, o que tem sido muito bem visto e aceito por eles e seus pais.

No entanto, é preciso aguardar os resultados do Saresp e do Enem para avaliar o impacto deste trabalho na aprendizagem dos alunos, a exemplo do que tem sido feito pelos chilenos.

Mônica Gouvêa é socióloga e psicóloga, trabalha na área da Educação, na coordenação pedagógico-educacional e formação de profissionais da rede pública e privada.
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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Populismo improdutivo

Raul Velloso
O Globo 
 

 

O Brasil vem operando de acordo com um modelo de forte expansão do consumo, cujos contornos já expliquei neste espaço. No início, a taxa de crescimento potencial da economia brasileira atingiu a quase 4,5% ao ano, acompanhando a expressiva elevação dos investimentos. De 2009 para cá, contudo, o volume de investimentos, que subira de 14% para 18% do PIB, parou de aumentar. Consequentemente, o crescimento sustentável voltou a cair para uma faixa entre 2 e 3% ao ano.

Passada a crise do subprime , certo amortecimento da força do modelo de expansão do consumo era esperado, resultado de um freio natural na forte expansão do crédito ao consumidor, em resposta ao aumento das taxas de inadimplência. Outro ajuste viria da desaceleração do crescimento chinês, também previsível, que poria alguma trava no forte aumento dos preços externos de commodities e nos benefícios que isso agregava ao Brasil. Mas nunca se deveria esperar que, tudo o mais constante, a relação investimento/PIB parasse de subir no Brasil, acarretando queda do PIB sustentável, inclusive em comparação com os demais emergentes.

Temo, assim, que boa parte da explicação do pífio desempenho da economia de 2009 para cá esteja na excessiva interferência do governo, algo que se acentuou após a crise, e que poderia perfeitamente ser evitado. Crise que, aliás, foi usada como bode expiatório para justificar o forte incremento nos gastos da União e dos empréstimos do BNDES financiados com a emissão de títulos públicos. Passado o pior, o governo resiste em retirar os instrumentos de exceção.

Nesse contexto, uma ampla lista de ingerências governamentais, com nítido cunho populista, contribuiu para a redução das intenções de investimento. Tal comportamento pautou não apenas parte das empresas localizadas no País, como investidores em potencial, internos ou externos. Um deles foi o congelamento dos preços dos derivados de petróleo, que levou à forte expansão de seu uso, aumento das importações e queda no consumo de etanol, prejudicando a Petrobras e o setor alcooleiro.

Outro foi a redução das tarifas de energia elétrica na confusa operação em que as empresas em final de prazo de concessão foram estimuladas a aderir ao plano do governo, em troca de mais uma renovação. Outro item, ainda na área de controle de preços, foi o adiamento do reajuste das passagens de ônibus urbanos que o governo pediu às principais prefeituras no início do ano, tudo isso implicando a necessidade de uma inflação corretiva entre 2 e 3% ao ano, que, como na Argentina, não aparece nas estatísticas oficiais e aguarda diluição.

Finalmente, diante das manifestações de junho, o governo federal e o de São Paulo preparam-se para adiar o reajuste de pedágios previsto para estes dias, o que pode levar a um represamento ainda maior de inflação. As atuais concessionárias estão, obviamente, com as barbas de molho, esperando algo pior à frente e revendo planos de investimento.

Também bateu de frente com a avaliação de risco do País a criação de novos controles à entrada de capitais externos, que ocorreu no ano passado, com vistas a forçar uma depreciação do real acima da inflação, algo que acabou acontecendo, e aumentar a competitividade da indústria de transformação. Isso acabou antecipando, de certa forma, um movimento de desvalorização da moeda que acabaria acontecendo de forma natural este ano, diante do anunciado aperto que deverá ocorrer na política monetária americana, mas não parece ter sido capaz de despertar o espírito animal dos empreendedores na indústria.

A piora da percepção de risco - e o resultante desestímulo aos investimentos - veio também da sensação de que o governo havia abandonado a tríade superávit primário alto/meta de inflação/câmbio flutuante, herdada de FHC. A queda dos superávits resultou em parte do maior aumento dos gastos, mas principalmente da queda inicial de arrecadação, posteriormente acentuada pela desoneração tributária concedida a segmentos escolhidos arbitrariamente. Em vez de explicar que pelo menos parte disso poderia se justificar pela necessidade de responder à crise, o governo manteve a meta de superávit ambiciosa de antes, e introduziu vários artifícios contábeis para esconder a piora fiscal.

Quanto à inflação, parece que o centro do intervalo de metas aumentou informalmente para 5,5% ao ano, e só mais recentemente o Banco Central se mostrou efetivamente empenhado em demonstrar que perseguiria a antiga meta oficial. Nada se disse porém em relação ao "passivo" representado pelos reajustes tarifários não concedidos nas épocas previstas.

Não se pode esquecer a novela das concessões privadas de infraestrutura. O governo sabe que não tem recursos para investir em transportes, se empenhou no lançamento de um parrudo programa de concessões, mas insiste em impor retornos inaceitáveis e outras práticas afugentadoras dos candidatos sérios. Assim não dá.

O futuro ficou mais longe

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O futuro ficou mais longe

Luis Eduardo Assis
O Estado de S. Paulo 
 

 

Em plena gestação do Estado Novo, em 1937, Getúlio Vargas encontrava tempo para partidas de dominó, como revelam seus diários publicados em 1995. Naquele Brasil rural de 30 milhões de habitantes tudo parecia mais simples. Muitos anos depois, o delicioso diário da presidente Dilma da revista Piauí não registra, mas o que ela tem pela frente é um cabuloso jogo de xadrez.

Há poucas peças no tabuleiro, o tempo corre rápido e uma jogada errada pode ser fatal. Podemos assumir, pragmaticamente, que a política econômica de 2013 e 2014 estará subordinada aos interesses eleitorais do governo. A prevalência do que é imediato, no entanto, não pode ser levada ao paroxismo de inviabilizar a gestão de um eventual segundo mandato. A ninguém pode interessar ser o herdeiro de um legado caótico, menos ainda se ele for o seu próprio.

Há três influências não convergentes que pressionam a orientação da política econômica hoje. O ideário do mercado financeiro é uma delas. Aqui tudo ocorre em condições assépticas de laboratório. Os economistas que dão conselhos sentados do outro lado do mundo gostam de dizer que nosso crescimento no longo prazo dependerá de um choque de produtividade (que inclui investimentos em infraestrutura e educação), da promoção da concorrência (que exige abertura da economia), do corte de gastos públicos (que pressupõe a revisão de direitos adquiridos) e da redução consistente da inflação (que depende disso tudo). O problema é que o mundo é mais complexo. Não porque as conveniências políticas conspurquem as equações econômicas, mas porque são raros os governantes que pensam adiante do seu tempo.

Uma outra demanda vem das manifestações de rua. A pauta é difusa e não há por que esperar compromisso com a  viabilidade do que se almeja, mas o fato é que não é possível dar uma guinada na alocação dos gastos públicos. Cobram-se, por exemplo, melhorias no sistema educacional. É justo. A divulgação recente do índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi comemorada com fogos de artifício, mas ainda estamos em 85º lugar, atrás do Peru (77°), do México (61°) e muito atrás da Argentina (45º). Nosso pior indicador é a escolaridade da população, medido pelo número de anos de estudo. Estamos estagnados desde 2010 em 7,2 anos, atrás - atenção agora - do Paraguai (7,7 anos). Pois, mudar esse quadro não é fácil, por mais que seja desejável.

Pode-se fugir do problema atribui rido ao governo falta de a vontade política", mas as limitações são objetivas. E frequente a avaliação de que a péssima qualidade dos serviços públicos é fruto apenas do desperdício, do descaso e da corrupção. É isso também, mas é mais do que isso. Também, falta dinheiro. Não pagamos impostos da Noruega para ter serviços de Botswana (onde, a propósito, a população tem s o anos de estudo). Para uma renda per capita de US$ 55,9 mil e uma carga tributária de 57%, cada norueguês nega, em impostos, US$ 31,8 mil por ano, mais de sete vezes mais do que paga um brasileiro.

Por fim, para complicar, o governo se deixou encurralar desastradamente pela sua própria base de apoio parlamentar, que hoje desempenha com louvor o papel que a oposição recusou. A agenda, aqui, é oportunista. Vale apenas o artifício da troca mesquinha de favores, dos interesses mercadejados, da chantagem vil e do miúdo jogo eleitoral, terreno onde, certamente, não vice ia uma reflexão sobre o futuro do País. É dura vida da presidente Dilma, não só por culpa dela.

No tabuleiro. Nada de bom e importante vai acontecer na política econômica até 2015. Não há espaço para mudanças. Fazer reformas estruturais a essa altura é inviável. Resta a alternativa de mexer poucas peças no tabuleiro.

É imprescindível, em primeiro lugar, sobriedade. A Atual gestão da economia se destaca pela manipulação estabanada dos malabares. Muitas vezes, medidas equivocadas geram a necessidade de correção por meio de novas meninas equivocadas, provocando uma ciranda de desacertos. Convém comedimento nesta fase final. Fazer menos e errar menos.

Favorecia, também, uma mudança na própria equipe econômica. Não porque novos nomes possam fazer muito mais, mas porque uma troca teria o condão de paralisar o relógio momentaneamente o que sempre é bom para quem luta contra o tempo.

A credibilidade também ganharia pontos se o governo se dispusesse a fazer oferendas simbólicas, como formalizar a desistência de concorrer ao Prêmio Nobel de Contabilidade Criativa, ou, melhor ainda, apoiasse o projeto de lei do senador Francisco Dornelles que regulamenta a autonomia do Banco Central Nada de existencialmente revolucionário, mas um afogo que pode ter sua utilidade.

Na mesma linha, medidas pontuais de apreço à frugalidade no trato do dinheiro público podem, ajudar. A maior oportunidade, no entanto, está no cronograma das concessões. Esse é o lance em que o governo não poderá falhar. Para isso, deverá aceitar a platitude de que o interesse da iniciativa privada é maximizar lucros, aqui e no mundo. O sucesso das concessões não será garantia de recuperação da economia, já que os investimentos públicos representam parcela diminuta da formação bruta de capital. Mas seu fracasso apertará ainda mais o torniquete que sufoca o nosso crescimento.

O resumo da ópera é simples. Na ausência de novos erros na condução da política econômica, teremos dois anos de crescimento medíocre, inflação relativamente alta, aumento da dívida pública bruta e nenhum avanço na solução de problemas estruturais, A pauta estará subordinada aos interesses de curto prazo, que tecem uni emaranhado de artifícios que trazem saudades da simplicidade de uni jogo de dominó. O futuro? Ora, o futuro fica para depois.

Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP

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Para não perder o 'bonde da História'

O Globo 
 

 

A ideia de "Brasil, país do futuro", título do livro de Stefan Zweig, virou uma espécie de bordão, com o passar do tempo citado de forma irônica diante das dificuldades de se chegar a este futuro. Pelas dimensões e características da colônia - muita matéria-prima, ouro -, a economia do Brasil não demorou a ultrapassar a da metrópole, Portugal. Proclamada a República, o salto para o Primeiro Mundo continuou a ser abortado, o futuro sendo empurrado para a frente, principalmente pela impossibilidade de se estabelecer um pacto político imune ao populismo e a tentações autoritárias. As tentativas de se alcançar esta mudança de patamar costumam esbarrar em inflação e/ou estrangulamento das contas externas.

O país faz mais um esforço de decolagem, iniciado em meados da década de 90, com a estabilização da economia promovida pelo Plano Real, sob governos tucanos. Encontramo-nos no ciclo petista, cuja marca são os avanços sociais, e o grande desafio é não repetir o drama de sempre: inflação e estrangulamento do balanço de pagamentos. As chances de dar certo talvez sejam hoje as melhores da História. Bem ou mal, o Brasil virou um país de renda média - ainda com enormes desigualdades, é verdade -, conta com mais de US$ 300 bilhões de reservas, e a sociedade não aceita mais leniência com a inflação.

As condições para o salto são boas, mas, do ponto de vista demográfico, elas não se repetirão. Será nos próximos 10 a 15 anos ou nunca. É que o Brasil conta, e assim será até próximo de 2025, com uma população de jovens, de 15 a 24 anos, em crescimento constante. A partir de meados da próxima década, ela tenderá a se reduzir.

Começará, então, a se fechar a porta do chamado "bônus demográfico", o fato de a população de 15 a 64 anos ser maior que a de dependentes, idosos e crianças. Este período precisa ser aproveitado para a geração da renda que deverá financiar os imprescindíveis investimentos na estrutura econômica e no capital humano. Segundo o demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), ouvido pelo GLOBO, esta mutação ocorre no Brasil desde o fim da década de 70. Estamos, portanto, atrasados no resgate deste bônus. Eis por que é crucial melhorar a qualidade dos investimentos - e gastar mais, em alguns casos - em educação, infraestrutura, e saúde. Se os jovens não estiverem minimamente preparados para entrar no mercado de trabalho, não será gerado o excedente de renda para permitir a mudança de status do Brasil.

Há muito o que fazer, não apenas no ensino básico, no qual o ciclo médio é um problema especialmente grave, mas também nos cursos técnicos, para formar uma mão de obra de que o país também é bastante carente. Vai depender do ajuste de foco nos gastos públicos - muito concentrado no custeio da máquina pública, aposentadorias e programas sociais em geral - se o tal futuro chegará de fato para o Brasil. Ou se será perdido o último "bonde da História".

Brasil e União Europeia

Brasil e União Europeia

O Estado de S. Paulo 
 

 

Empacadas há quase dez anos, as negociações de um acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia devem ser retomadas em breve, mas dificilmente chegarão a bom resultado, por falta de entendimento entre os parceiros sul-americanos, A notícia mais otimista sobre o assunto, divulgada neste domingo no site do jornal britânico Financial Times, foi desmentida pelo Itamaraty. Segundo a reportagem, o governo brasileiro planejaria negociar um acordo separado com o bloco europeu, mas com autorização dos sócios do Mercosul. Um esquema discutido entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela permitiria a realização de acertos com velocidades diferentes. O ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, teria fornecido a informação. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa do Ministério, houve um erro de interpretação. Não haverá iniciativas separadas, de acordo com a fonte ministerial, até porque uma união aduaneira, como o Mercosul, tem de operar com tarifas comuns.

O desmentido é compreensível, mas a ideia de um acordo com cronogramas diferentes de implementação já circulou no Brasil e é admitida reservadamente por diplomatas. As condições da negociação ficarão mais claras quando for divulgada a proposta em estudo pelo governo brasileiro.

De toda forma, a reportagem, mesmo com imprecisão, toca indiretamente num problema fundamental da diplomacia econômica brasileira. Lançada em 1999 e interrompida em 2004, a negociação do Acordo de Associação Birregional entre União Europeia e Mercosul foi prejudicada por obstáculos criados pelos dois lados, mas principalmente por desacordos entre brasileiros e argentinos.

Em 2010 discutiu-se o relança mento das conversações e houve encontros nos dois anos seguintes. Mas só com muito otimismo se pode esperar um bom resultado em prazo razoável. O projeto é mais velho que a Rodada Doha, iniciada em 2001, envolve muito menos parceiros, o desequilíbrio entre as partes é menor e a conclusão deveria ter sido mais simples.

Os negociadores brasileiros sempre se mostraram mais dispostos a fazer concessões à União Europeia. A troca de benefícios, como deveria saber até o conselheiro Acácio, é da essência de toda negociação, mas nem todos os participantes parecem acreditar nisso. O governo da Argentina insistiu na linha protecionista adotada durante toda a gestão dos Kirchners, Néstor e depois Cristina.

A política de barreiras tem sido aplicada também no comércio entre os sócios do Mercosul, principalmente contra o Brasil. Essa vem sendo, há anos, uma das causas principais da paralisia do bloco e de seu fracasso como esquema de integração regional e de inserção no sistema global de comércio.

Essa estranha situação se tem prolongado graças à tolerância do governo brasileiro. É uma das manifestações de uma diplomacia baseada, a partir de 2003, numa concepção geopolítica tão ingênua quanto anacrônica. Uma das ilusões criadas por essa concepção foi a crença em uma liderança regional jamais confirmada pelos fatos, mas muito custosa para o País.

De vez em quando, a administração da presidente Dilma Rousseff da a impressão de buscar um rumo diferente. Nos últimos tempos, a diplomacia brasileira tem exibido renovado interesse pela aproximação com os mercados do mundo desenvolvido. Mas esse interesse dará em nada, se a diplomacia comercial continuar na dependência de um Mercosul esclerosado.

A maneira mais segura de reanimar o bloco seria abandonar as amarras de uma união aduaneira fracassada e voltar à condição mais simples de área de livre-comércio. Assim, cada sócio poderia mais facilmente cuidar de seus objetivos. Haveria problemas. Seria preciso rever as bases da negociação com a União Europeia, até agora uma conversação entre blocos. Mas a mudança seria compensadora para o Brasil e, provavelmente, para o Uruguai e o Paraguai. A Argentina também seria beneficiada, se o choque de realidade estimulasse pelo menos o respeito ao livre-comércio com seus vizinhos.

A silêncio das ruas e o silêncio do campo

Ações do documento

A  silêncio das ruas e o silêncio do campo

Antonio Alvarenga
O Globo 
 

 

A inflação, a desorientada política econômica, as inúmeras denúncias de corrupção, a falta de transparência e a sensação de impunidade são algumas das causas da revolta incontida que veio à tona recentemente, de forma inesperada e dramática.

A verdade é que a população está desencantada com os governos, com os partidos e, principalmente, com as práticas políticas vigentes.

Aparentemente, os governantes e os políticos compreenderam o recado das ruas. Apreensivos, e de forma desordenada, procuram saídas. No entanto, a ausência da participação de grupos políticos ou de organizações estruturadas dificulta o entendimento e o diálogo.

E a voz do campo? Como está o ânimo daqueles que trabalham duro em nossa agropecuária para fornecer alimentação farta e de qualidade para os 200 milhões de brasileiros? O que pensam os heróis de nossa economia, que exportam mais de US$ 100 bilhões por ano e suportam o enorme déficit da balança comercial dos demais setores?

O campo também está insatisfeito e tem suas reivindicações. O produtor rural sofre com a insegurança jurídica, a deficiente infraestrutura, o descompasso e a demora na implementação de políticas públicas para o setor.

A questão indígena; os sistemas de transporte, armazenagem e exportação; as ameaças da legislação trabalhista, e os encargos do novo Código Florestal são alguns exemplos dos problemas que afligem e prejudicam o produtor rural.

Nossa agricultura é uma das maiores e mais avançadas do planeta. Somos campeões em produtividade e sustentabilidade. O campo está colhendo a maior safra de toda a história do país, mas ainda não tem o reconhecimento que lhe é devido.

Não bastam discursos empolgados e recursos destinados aos planos da safra 2013/14 para a agricultura empresarial, familiar e do semiárido.

A população das cidades acordou e foi para as ruas. Será que os homens do campo precisarão fazer o mesmo para serem ouvidos?

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