quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Depende...

Caros amigos, conforme já lhes falei, por diversas vezes, o livro "A cabeça do Brasileiro" nada mais é do que uma revisão científico-metodológica de um resultado levantado, "in loc" por pesquisadores da UNCAMP e UFF no projeto governamental P.E.S.B (Pesquisa Econômico-Social Brasileira). Nela, dentre vários resultados surpreendentes colhidos dos respondentes espalhados por diversas cidades no território brasileiro, há uma verdadeira dificuldade para o cidadão brasileiro, em ser pragmático e ABSOLUTO acerca da ÉTICA. Eles, os respondentes, relativizam. Demonstra a pesquisa não terem qualquer noção de definir o que é favor, de "presentinho" ou..

Bem, o autor do livro é discípulo de nosso principal, e mundialmente reconhecido, antropólogo Roberto DaMatta que escreve este ótimo artigo que segue onde o "Depende..." denota nossa inexorável capacidade de "relativizar" a ética.

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Depende... 
ROBERTO DAMATTA
O GLOBO - 25/02

Quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço


“O Brasil está na idade da tramela!”, dizia um grande intelectual. Tendo estudado nos Estados Unidos e lá, como dizia Monteiro Lobato, fora lapidado, pois jamais rejeitara o seu lado brasileiro (o qual foi, ironicamente, intensificado na convivência por contraste com o que, àquela época, chamava-se de “países adiantados”), ele era capaz de enxergar o que todo mundo simplesmente via como as nossas arqueológicas tramelas.

Quem saiu do Brasil para as “Europa” ou “América” até os anos 60 (como foi o meu caso), ficou espantado com a ausência das “tramelas” e das gigantescas chaves de ferro; esses instrumentos dos superiores que permitiam abrir ou fechar portas, cadeias, porões, dispensas e gavetas. Esses compartimentos que até hoje são vedados a quem continua a ser tratado como “povo”, pois jamais foi lapidado ou visto como cidadão.

Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, recebi a chave não só do meu modesto escritório mas — eis o susto — a do prédio do famoso Departamento de Relações Sociais de Harvard!

No Brasil, receber essas máquinas “depende”.

O ministro tem a chave de todos os prédios e somente ele abre a sua porta. Nas democracias, todos têm precisamente a chave da porta dos que governam, já que presidentes, ministros, governadores, senadores e deputados servem ao povo. É, pois, do povo a propriedade das chaves!

Não há, nenhum “depende...” a condicionar a transparência. Não existe o famoso, lamentável e onipresente “eu não sabia” ou a divisão permanente entre “público interno e externo”, rotineiros na ditadura militar e no lulopetismo.

O roubo público, o assalto irresponsável em escala bíblica e pornográfica aos bens coletivos e à Petrobras — símbolo de independência econômica que suicidou quem teve honra e foi incestuosamente agredida por quem não sabe o significado dessa palavra — continuam sujeito ao “depende...”

Depende de quem. Se foi do tempo deles vale, se foi nessa nossa década de poder, não vale. Na Alemanha nazista, todos os males eram atribuídos aos judeus vistos como agentes de impureza diante da superioridade indiscutível da raça germânica. Os judeus eram o veneno ao lado dos homossexuais, dos ciganos e dos deficientes. Eles conspurcavam a “raça superior” — emblemática de uma integração perfeita porque seria biológica, entre o indivíduo e a coletividade. Esse problema de todas as nossas antropologias e sociologias que, em geral, leem o individuo como algo separado do grupo quando de, fato, seja nas suas formas mais ativas (como na América sem tramelas) ou brandas, como no Brasil relacional das trancas e frestas, o individuo é a expressão de uma cosmologia ou ideologia. A redução individualista é dominante na vida moderna que, conforme sabem alguns, não é, como o jazz, tão moderna assim.

Sem o “depende” não se entende a hipocrisia política dominante. Ela é a chave que abre ou fecha os baús de escândalos que, de tão rotineiros, chegaram ao carnaval, uma celebração aberta a tudo, mas hoje manchada pelo financiamento questionável.

Todos nós admitíamos cinicamente o financiamento carnavalesco de estabelecidos “contraventores”. Notem que não usamos a palavra “bandido” para os que se legitimavam como mecenas das escolas de samba. Por meio do carnaval e do até hoje não legalizado jogo do bicho, eles eram nossos “heróis-bandidos” ou simplesmente malandros, dentro da ética de ambiguidade que proíbe ou torna reacionário dizer isso “não pode!” ou, o muito mais sério, “isso eu não faço!” Mas quando uma escola de samba tradicional é financiada por uma ditadura estrangeira, chegamos ao fundo do poço porque o “depende” tem desculpa: afinal é (ou era) carnaval.

Ao se despedir, o professor Richard Moneygrand riu de sua profecia segundo a qual o fim do carnaval, conforme revelei na semana passada, assinalava o fim da ordem brasileira. Mas até mesmo a ordem, para vocês, disse ele, depende...

O “depende”, em paralelo ao “desculpável”, é parte do nosso Direito fundado no purgatório. Se os extremos e os limites são evitados, como não aceder a filosófica admoestação de batedor de carteira da presidenta Dilma, quando afirma que se a Petrobras tivesse sido investigada no governo Fernando Henrique Cardoso, toda essa roubalheira teria sido evitada?

E por que não nesses 12 anos de PT? Mas isso seria o questionamento do cronista reacionário que publica mas não é ouvido porque a preferência “depende” de quem fala e não do que é dito.
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Frágil Mercosul

No mundo não há mercados em bloco cuja característica de mobilidade física seja tão vantajosa: os quatro países originais qualquer pessoa ou veículo poderia cruzar as fronteiras por terra sem interrupção. Bom para a mobilidade e ótimo para a transmissão de energia elétrica. Há mais outras vantagens.

Enfim, ainda mais com a crise que se avizinha, é um assunto prá lá de maiúsculo para ser discutido até no ponto de ônibus...ledo engano, ledo engano...

"[...] Trata-se de ameaça que não pode ser desprezada, sobretudo pelo Brasil, que tem no Mercosul o principal mercado para manufaturados; cerca de 90% das exportações para a Argentina em 2014 foram de bens industriais.[...]"


Frágil Mercosul  
FOLHA DE SP - 17/02

Acordo comercial entre Argentina e China mostra que o bloco latino-americano representa uma trava apenas para os interesses do Brasil

O acordo comercial entre Argentina e China, assinado na semana passada em Pequim, é a mais recente demonstração de que o Mercosul agoniza, não só na esfera econômica mas também na política.

Os dois países fecharam convênios que envolvem mais de US$ 20 bilhões. São previstos US$ 5 bilhões em financiamentos para duas usinas hidrelétricas, a serem construídas por empreiteiras chinesas, e US$ 2,5 bilhões em ferrovias, entre outros projetos de infraestrutura, indústria e pesquisa.

Em troca do dinheiro, a China poderá fornecer materiais e até mão de obra, condição que só fora aceita por nações africanas. Aponta-se ainda para a possibilidade de isenção tarifária para equipamentos, o que pode tornar produtos chineses mais competitivos do que os oriundos de países do Mercosul.

Com uma decisão unilateral, a Argentina expõe o bloco ao avanço da concorrência asiática, sem contrapartidas. Trata-se de ameaça que não pode ser desprezada, sobretudo pelo Brasil, que tem no Mercosul o principal mercado para manufaturados; cerca de 90% das exportações para a Argentina em 2014 foram de bens industriais.

Sinais de perda de espaço dos produtos brasileiros se acumulam. No ano passado, as vendas para o vizinho caíram 27%, ao passo que as chinesas recuaram apenas 5%.

Para preservar divisas, o governo argentino exige licenças prévias de importação, mecanismo cada vez mais restritivo --ao menos para empresas brasileiras, pois existe a suspeita de que as chinesas venham obtendo facilidades.

Enquanto o Brasil continua a respeitar as regras do bloco, mesmo quando estas impedem avanços importantes, como o tão arrastado acordo comercial com a União Europeia, a Argentina não demonstra o mesmo apreço.

A presidente Cristina Kirchner, pressionada por fatores como recessão interna, fuga de capitais, alta inflação e isolamento dos mercados externos, não hesitou em apostar no dinheiro chinês para reforçar suas reservas internacionais e conseguir chegar às eleições de outubro deste ano sem maiores sobressaltos na economia.

Está mais do que na hora de o Brasil buscar seus próprios interesses. A indústria nacional tem muito mais diversificação e musculatura que a argentina para se integrar nas cadeias globais de valor e enfrentar mercados mais abertos.

Não se defende que o país deixe de considerar a integração latino-americana como pilar da política externa. Ao contrário, no campo econômico, é preciso usar a vantagem natural do Brasil na região --incluindo o bloco andino-- como plataforma para aprofundar suas relações com o restante do mundo.
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Os efeitos da Idade na sua digestão



À medida que envelhecemos, o mesmo ocorre com nosso sistema gastrointestinal. Isso significa que é importante monitorarmos os alimentos que ingerimos e não apenas manter o peso saudável, mas também assegurar-nos de que estamos cuidando bem do nosso sistema digestivo. Aqui estão cinco formas de como a nossa função digestiva muda ao longo dos anos, bem como dicas para que possamos cuidar-nos bem e nos mantermos saudáveis.

1. Mastigação

À medida em que você envelhece, a mastigação dos alimentos pode tornar-se mais difícil, especialmente se você usa prótese dentária ou não tem bons dentes. Você pode não considerar a mastigação como parte do processo digestivo mas, na verdade, é a primeira e mais importante fase para cuidar da digestão. Quando você mastiga, está partindo os alimentos de maneira que os ácidos e enzimas do estômago possam, mais tarde, separar os nutrientes que serão absorvidos nos seus intestinos.

Para evitar de engasgar-se com os alimentos ou retardar a digestão,
certifique-se de mastigar muito bem os alimentos, ou cortá-los em pedaços pequenos. Também é importante continuar a consultar o dentista regularmente, duas vezes por anos, para manter sua boca saudável e apta para a mastigação. Tomar suplementos de cálcio e vitamina D, ou consumi-los em sua dieta, podera também contribuir para com a sua digestão e outros aspectos de sua saúde interna. Mulheres entre 50-70 anos deveriam consumir 1,200mg de calcio e 600 UI de vitamina D por dia, e os homens na mesma faixa etária deveriam consumir 1,000mg de cálcio e 600 UI de vitamina C.

2. Deglutição

Depois da mastigação, o aspecto mais importante da sua digestão é a
deglutição, ou seja, engolir o alimento de maneira apropriada. À medida em que você envelhece, o seu esôfago, ou seja, o cano que conecta sua boca ao estômago, não se contrai como costumava fazer, dificultando, assim, a deglutição de grandes porções de alimento. Na verdade, quando pessoas acima de 50 anos precisam engolir grandes pedaços de comida, o tempo gasto para esta comida percorrer seu caminho até o estômago pode ser entre 50 e 100% mais longo porque os músculos do esôfago estão fora de forma.

Uma das condições mais comuns entre as pessoas mais velhas é a Doença de Refluxo Gastroesofágico (DRGE), que pode causar dor e queimação no seu peito quando faz a digestão, e até mesmo o estreitamento do esôfago. Embora não exista cura para o estreitamento do esôfago, uma forma de preveni-lo é mastigar os alimentos devagar e em pedaçoes pequenos, fazer exercícios e manter um peso saudável. Evite comidas ricas em gorduras ou sódio (sal),
que podem agravar a sensação de azia ou refluxo. Caso os sintomas não desapareçam, recomenda-se uma consulta ao médico para um tratamento.

3. Estômago

No final do seu esôfago encontra-se a entrada para o seu estômago, chamada esfíncter esofágico inferior. Ao envelhecer, este músculo em forma de anel na abertura do seu estômago fica mais fraco, o que também contribui para azia e refluxo ácido. O músculo não consegue relaxar adequadamente, permitindo que ácido e, às vezes, outros conteúdos do estômago voltem para o canal do esôfago.

Se você sofre de azia ou indigestão, tome nota das comidas que podem
provocar esses problemas. Alimentos muito ácidos ou temperados com pimenta e outras especiarias podem ser o gatilho para essa condição, bem como frutas cítricas e alimentos gordurosos. O consumo de refeições menores e de baixos teores de sódio e acidez pode melhorar dramaticamente o problema da azia.

Outro problema comum que deve ser tratado é a presença da bactéria H. Pylori no seu estômago, pois ela se aloja nas paredes deste órgão e podem causar úlceras ou dores matinais ou quando o seu estômago está vazio. A infecção pode ser detectada através de exames de sangue e endoscopia (a inserção de um pequeno tubo em sua boca, que se alonga e alcança o seu estômago). Se você tiver H. Pylori, não há razão para pânico, pois para isso existem tratamentos que combinam antibióticos e medicamentos antiácidos.

4. Intestinos

Com a idade, os intestinos começam a ficar preguiçosos para absorver
nutrientes importantes, tais como cálcio, vitaminas A, B-12, K e D. Isso ocorre porque os movimentos dos músculos ficam mais lentos e a função do cólon também muda. Como resultado, adultos com 50 anos ou mais podem experimentar mais constipações e têm maior risco de desenvolver câncer de cólon ou diverticulite, uma condição em que pequenas bolsas no intestino grosso ficam infeccionadas.

Conforme mencionado anteriormente, recomenda-se compensar as carências vitamínicas com suplementos ou através da sua dieta diária. Você pode aliviar constipações aumentando o consumo diário de fibras e reduzindo consumo diário de alimentos gordurosos e ricos em colesterol. Para aumentar naturalmente o seu consumo de fibras, coma mais grãos integrais e tente comer uma fruta ou uma verdura com cada refeição.

5. Fígado

Você pode não saber, mas as pessoas acima dos 60 anos correm um risco maior de desenvoler cálculos biliares (também conhecidos como pedras na vesícula), que são acúmulos de cristais rígidos que se formam na vesícula quando o fígado é incapaz de processar o colesterol e outras partes da bile. Bile é a substância fabricada pelo fígado e armazenada na vesícula, necessária para digerir gordura. O risco de formação de cálculos biliares aumenta com a idade porque o canal da bile na entrada do intestino fica mais estreito, forçando a bile a permanecer na vesícula por períodos de
tempo mais longos, o que faz com que ela enrijeça.

Para prevenir a formação de cálculos biliares, que podem ser dolorosos e, frequentemente, precisam de cirurgia para serem removidos, recomenda-se controlar estritamente o consumo de gorduras para não sobrecarregar a vesícula.

Infelizmente, caso você já tenha cálculos biliares, provavelmente não terá sintomas e, se senti-los, será apenas uma leve dor na boca do estômago ou na parte superior direita da sua barriga. A dor pode espalhar-se pela região superior das costas e espáduas. Se você tem ou teve esses sintomas, é importante que consulte o seu médico imediatamente.

Finalmente, assegure-se de permanecer em constante contato com seu médico sobre a saúde do aparelho digestivo, e solicite exames extras de sangue ou de respiração no próximo check-up.
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A Raposa da Serra do Sol, seis anos após

Vale a pena ver como está, seis anos após, o território onde embaixo dele reside 92% de Nióbio do planeta. Se quiserdes ter uma noção, procurem saber acerca de importância do Nióbio nas indústrias de tecnologia de ponta, de altíssimo valor agregado.


Efeitos da demarcação 
O ESTADO DE S.PAULO - 17/02

Em março de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a uma longa batalha judicial a respeito da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A mais alta Corte do País determinou que a demarcação da reserva deveria ser contínua e que os não índios deveriam desocupar imediatamente o local. Quase seis anos depois, os efeitos da decisão do STF no Estado de Roraima são notórios. Conforme reportagem do Estado, a produção agrícola caiu, aumentou o funcionalismo público e cresceram os repasses federais. Ou seja, a região enfraqueceu-se economicamente e está mais dependente da União, trilhando o caminho inverso do que era de esperar.

Alvo de disputa desde os anos 70, a terra indígena Raposa-Serra do Sol foi declarada em 1998 de posse permanente indígena por meio de portaria do Ministério da Justiça, o que desencadeou diversos processos judiciais questionando a decisão. Em 2005, o presidente Lula homologou novamente a reserva, mas a contenda jurídica não cessou. Seria finalizada pelo STF apenas em 2009, quando se


 estabeleceu que a reserva deveria ser contínua, determinando a saída imediata dos agricultores não indígenas. Ficava assim definido que a população indígena da área - em torno de 20 mil pessoas, na época - teria direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes na reserva, uma área com aproximadamente 1,7 milhão de hectares e perímetro de mil km.

Como era previsível, o Estado de Roraima, que atualmente tem metade da sua área destinada a reservas indígenas, vem sofrendo as consequências da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com a expulsão dos agricultores, a exportação agrícola do Estado caiu pela metade. Em 2006, a produção agrícola totalizava US$ 16,4 milhões. Em 2013, o valor já não ultrapassava US$ 8 milhões. Essa queda não deixa de ser um reflexo da diminuição da área dedicada à agricultura. Por exemplo, em 2009, 22 mil hectares de terra eram utilizados para a plantação de arroz. Em 2010, eram apenas 9 mil hectares.

Com a diminuição da sua capacidade produtiva, o Estado de Roraima ficou ainda mais dependente do governo federal, necessitando de maiores repasses. Em 2009, os repasses da União foram de R$ 1,8 bilhão. Em 2013, totalizaram R$ 2,4 bilhões.

Com a demarcação, a situação econômica e social de muitas pessoas - índias e não índias - se tornou precária. Não poucos índios se tornaram mendigos. Para alguns comerciantes, a solução foi migrar para a Guiana, como forma de escapar de entraves burocráticos em Roraima. Segundo comerciantes brasileiros instalados na Guiana, ouvidos pela reportagem do Estado, a demarcação da reserva aumentou as exigências burocráticas; por exemplo, a apresentação de documentos de posse de terras para obter crédito e empréstimos no banco. Um servidor público relata também que, "com a saída dos arrozeiros, a cidade perdeu economia. E o contrabando (de gasolina, oriunda da Venezuela) virou meio de vida aqui".

Algumas ONGs internacionais, que tiveram participação expressiva no processo judicial da demarcação de terras contínuas da Raposa-Serra do Sol, continuam atuantes na área e batalhando pela não integração dos índios, já que entendem ser a integração um processo radicalmente desigual. No entanto, para o antropólogo Edward Luz, ex-consultor da Funai, a proposta de muitas das ONGs é um retorno ao passado e, com isso, "povos indígenas brasileiros são impedidos de produzir, explorar as riquezas de suas terras, e passam a viver na miséria. (...) Isso sem falarmos das mulheres, que são submetidas a abusos de toda ordem sem que os homens sejam punidos".

Os desafios da reserva indígena Raposa-Serra do Sol são inúmeros. E levantam sérias dúvidas a respeito da capacidade do Estado, seja em qual esfera for, para resolvê-los. O respeito aos índios vai muito além da demarcação de terras exclusivas, e não necessariamente passa por demarcá-las sempre. Casos complexos dificilmente são resolvidos com soluções únicas predefinidas.
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Sete benefícios que o vinho tinto pode oferecer à saúde - Jornal O Globo

Sete benefícios que o vinho tinto pode oferecer à saúde - Jornal O Globo

O desgoverno do mundo


Os Brics são unânimes em querer mais poder no FMI, mas não são harmoniosos na questão agrícola na OMC
21/06/09

Rubens Ricupero

"COMO EXPLICAR a desordem do mundo?", a frase de Gustavo Corção foi um dos temas que o embaixador João Guimarães Rosa nos propôs no exame de ingresso ao Itamaraty meio século atrás, em 1958. A desordem, a ausência de autoridade central, aprendi mais tarde, caracterizava o sistema internacional, o que um clássico da disciplina, Hedley Bull, intitulou "A Sociedade Anárquica".

Por um par de anos após o fim da URSS criou-se a falsa impressão de que algum tipo de "ordem" podia ser imposta pelo poder unilateral dos Estados Unidos. Contudo, a somatória do desastre do Iraque, do colapso da ordem econômica e do fracasso em liquidar o terrorismo marcou os limites do poder norte-americano.

Obama herdou poder debilitado por muitos golpes simultâneos. O ponto de partida de sua estratégia é uma posição de fraqueza, talvez temporária: a necessidade de reconstruir o poder e a vontade.

Enquanto a tarefa não se conclui, a última coisa que deseja é envolver-se em nível mais grave de conflito com a Coreia do Norte e o Irã. Ou tomar iniciativa internacional que exija engajar as reservas de poder que lhe restam. Não é apenas por livre opção e convicção idealista que o novo governo se mostra amistoso, conciliador, multilateralista, modesto em deixar a outros o centro do palco. É também porque precisa "fazer da necessidade uma virtude". Esse semivácuo de poder favorece a ressurreição de agrupamentos desejosos de ocupar espaço: G7, G8, G20, Brics etc.

O que todos eles pretendem é contribuir para o que se chama de "governança" do mundo. Não é que o mundo careça de governo ou leis, embora imperfeitas e incipientes. O que seriam o sistema das Nações Unidas, com a ONU propriamente dita, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), os organismos especializados, suas constituições, convenções, tratados?

A questão é que essas organizações são vistas como ingovernáveis, incapazes de tomar decisões efetivas pelo tamanho (a Assembleia Geral da ONU tem 193 membros) ou pelo caráter não representativo de órgãos como o Conselho de Segurança.

Tenta-se assim escapar para grupos menores, supostamente coesos, onde se definiriam consensos a serem convertidos em decisões nas instituições competentes. É como se, diante da disfuncionalidade do nosso Congresso, decidíssemos partir para grupos pequenos de governadores ou partidos poderosos, a fim de resolver impasses na reforma tributária ou previdenciária. Estou vendo daqui o sorriso de ceticismo de nossos leitores. O que ele me diz é que o problema maior não está tanto nos defeitos de desenho e funcionamento do Congresso, apesar de numerosos, mas nas divergências profundas sobre a própria substância das matérias.

O mesmo ocorre na vida internacional. É isso que explica porque viram letra morta os compromissos do G-20 para concluir a Rodada Doha de comércio ou evitar o protecionismo. Ou porque o G7 se desmoralizou após décadas de fiasco em coordenar os mais ricos acerca de medidas para evitar crises econômicas, ajudar a África ou concordar sobre a invasão do Iraque. Não se pense que será diferente com os Brics, unânimes em querer mais poder no FMI, mas não tão harmoniosos em agricultura na OMC, no ingresso da Índia e do Brasil no Conselho de Segurança ou em utilizar o foro para abrir o mercado russo à carne suína do Brasil.

O Leviatã cambaleante

Demétrio Magnoli 

• De Geisel a Lula, o Brasil descreveu um longo círculo de reiteração do patrimonialismo

O Globo

Os jornais separam economia e política em seções distintas. A norma reflete o princípio fundamental da economia de mercado, que traça uma fronteira entre a esfera (pública) do sistema político e a esfera (privada) do sistema econômico. No Brasil, como evidencia uma entrevista do presidente da Braskem publicada no “Estadão” (9/2), a distinção mais confunde que esclarece: o texto está no caderno de Economia, mas é um curso modular sobre a crise política em desenvolvimento.

Módulo 1: capitalismo de estado. A Braskem, maior petroquímica brasileira, tem o estatuto jurídico de empresa privada. Contudo, o segundo maior acionista da empresa é a estatal Petrobras (36%), atrás apenas da controladora, a Odebrecht (38%), cujos negócios dependem fortemente da estatal petrolífera. A teia acionária tem um significado: a indústria de base no Brasil oscila ao sabor de decisões políticas adotadas no Planalto.

Módulo 2: trajetórias do capitalismo de estado. A Odebrecht consolidou-se no Nordeste em 1961, beneficiando-se de vastos subsídios da Sudene, e converteu-se em grande empresa nacional no início da década de 1970, em virtude das relações privilegiadas entre Norberto Odebrecht e o general Ernesto Geisel, então presidente da Petrobras. Um símbolo da aliança foi a construção do edifício-sede da estatal, inaugurado em 1974, ano da ascensão de Geisel ao Planalto.

Módulo 3: modernização do capitalismo de estado. A Odebrecht começou a investir na petroquímica em 1970, mas expandiu seus negócios no setor com o programa de privatizações de FHC e os integrou na Braskem em 2002, ano da eleição presidencial de Lula. Sob o neonacionalismo lulopetista, em 2008, a Petrobras ampliou de 8,1% para 30% sua participação acionária na Braskem, possibilitando a aquisição do Grupo Ipiranga.

Módulo 4: Lula e o capitalismo de estado. A explosão de investimentos do conglomerado petroquímico foi financiado por bilionárias linhas de crédito do BNDES e pela crescente participação acionária do BNDESPar. Entre 2008 e 2013, o BNDES aportou mais de R$ 4,1 bilhões à Braskem. Emílio Odebrecht Jr. revelou-se um cientista político mais arguto que a maioria dos professores universitários da área, explicando que “o presidente Lula não tem nada de esquerda, nunca foi de esquerda”. Em 2011, na inauguração do Itaquerão, construído pela empreiteira, saudou a chegada do ex-presidente com uma sincera exclamação: “Meu chefe!”. Junto com a OAS e a Camargo Corrêa, a Odebrecht arcou com os custos de cerca de metade das viagens de Lula ao exterior entre 2011 e 2013.

Módulo 5: capitalismo de monopólio. A Petrobras figura como principal parceiro comercial da Braskem, fornecendo-lhe seu insumo básico — a nafta, um derivado do petróleo usado na fabricação de gases e resinas plásticas. A Petrobras é fornecedora exclusiva de nafta no país, e a Braskem é compradora exclusiva do produto. Um contrato com prazo de dez anos, firmado em 2009, regula as condições do fornecimento de nafta. O cenário duplamente monopolista indica que a petroquímica nacional está sujeita a um virtual colapso na hipótese de sequências desastrosas de decisões políticas do Planalto.

Módulo 6: populismo lulopetista. No primeiro mandato, Dilma Rousseff decidiu utilizar a Petrobras para corrigir as distorções inflacionárias de sua política econômica, congelando os preços dos combustíveis. A fim de proteger seu caixa, a estatal passou a usar a nafta produzida em suas refinarias na composição da gasolina — e começou a importar o insumo destinado à Braskem. Em 2013, a petroleira anunciou que repassaria à petroquímica os aumentos de custos ligados à importação da nafta, alterando os termos do contrato. A iniciativa gerou um impasse entre os parceiros monopolistas. “Não cabe a nós pagar a conta da política do combustível do governo”, reclama Carlos Fadigas, presidente da Braskem.

Módulo 7: administração de crise e crise de administração. Diante do impasse, os parceiros firmaram um aditivo de seis meses, até agosto de 2014, estendendo as condições do contrato vigente, e depois um outro, que se encerra no fim deste mês, assegurando a entrega do insumo mas deixando o preço em aberto. Algo inédito, a santa aliança do capitalismo de estado lava roupa suja em público. Fadigas: “Estou comprando matéria-prima por um preço que não sei qual é. Temos contratos com preço estabelecido; então, vendo sem saber a margem. É absurdo.”

Módulo 8: o piloto sumiu. A diretoria da Petrobras foi arrastada pela avalanche das investigações do escândalo de corrupção. No lugar de aditivos improvisados, desenhou-se o cenário onírico de um telefone que ninguém atende. Fadigas, sobre a negociação da nafta: “Está muito difícil, por causa da situação da própria Petrobras. Mas hoje, não vou dizer que está difícil porque nem temos um interlocutor na empresa.” Os investimentos já estão congelados, refletindo a incerteza generalizada sobre o futuro próximo. O risco imediato, alerta a Braskem, é a paralisação da maior parte da indústria petroquímica no país devido a uma possível interrupção no fornecimento da nafta.

Módulo 9: a república dos companheiros. O novo presidente da Petrobras acabou de assumir o posto e sua prioridade não é a nafta, mas a fabricação de um balanço auditável. Fadigas peregrinou a Brasília para solicitar uma intervenção salvadora do ministro do Desenvolvimento. Paralelamente, desconfio, Emílio Odebrecht Jr. dispara telefonemas para o “meu chefe!”, que é o chefe de todos, inclusive dos diretores demitidos e presos da Petrobras. Na república dos companheiros, os grandes negócios não são feitos na arena do mercado, mas nos meandros da política subterrânea.

Conclusão do curso: de Geisel a Lula, o Brasil descreveu um longo círculo de reiteração do patrimonialismo. Agora, contudo, o poder não dispõe do escudo protetor da ditadura.

Não é Munique, mas é Viena



Demétrio Magnoli
Folha.com.br
14/02/15

Amanhã, se tudo der certo, cessa o ruído da artilharia no leste da Ucrânia. O acordo de cessar-fogo, assinado em Minsk (Belarus), está sendo descrito em círculos ultranacionalistas ucranianos como o Munique do século 21. Não é Munique 1938, longe disso, mas seu espírito guarda semelhança com Viena 1955. Alemanha e França, os padrinhos do acordo, inclinaram-se à exigência fundamental de Vladimir Putin e aceitaram traçar uma linha vermelha no mapa da Europa Central. A soberania da Ucrânia tem, agora, um limite oficial, sancionado pela União Europeia.

Munique é o nome da traição das potências europeias: o sacrifício da Tchecoslováquia no altar do apaziguamento de Hitler. Putin reproduz um fragmento do discurso hitlerista, vestindo sua razão geopolítica nos trajes elegantes da proteção dos russos étnicos "onde quer que estejam" –mas o paralelo circunscreve-se a isso. A Ucrânia não foi entregue à Grande Rússia: desde a revolução popular da praça Maidan, Kiev tem um governo pró-europeu e visceralmente anti-russo. A chave da interpretação do cessar-fogo é Viena, um modelo mencionado, entre sussurros, em Berlim, Paris e Moscou.

Na Conferência de Potsdam (1945), como a Alemanha, a Áustria foi repartida em quatro zonas de ocupação. Contudo, desviando-se do caminho seguido pelos social-democratas da zona soviética de ocupação no leste alemão, a social-democracia austríaca rejeitou união com os comunistas, um gesto que asseguraria a unidade territorial da Áustria. Em 1955, um tratado firmado em Viena encerrou o regime de ocupação e garantiu a independência austríaca. A moeda de troca, exigida por Moscou, foi a neutralização do país, consagrada constitucionalmente. Durante toda a Guerra Fria, a Áustria permaneceu à margem da Comunidade Europeia. Até hoje, ela não faz parte da OTAN. Putin almeja um estatuto similar para a Ucrânia.

O governo de Kiev sonha com um acordo final de autonomia limitada para o leste ucraniano e o controle sobre a fronteira com a Rússia. Os separatistas sonham com a independência, seguida pela incorporação à Rússia. Putin pretende evitar qualquer uma dessas soluções. Sua estratégia é perenizar a tensão, congelando em estado de latência o conflito no leste ucraniano, nos moldes aplicados à Geórgia. Por essa via, o czar pós-comunista forçaria o desenlace final: uma Ucrânia neutra por força de lei.

Um ano atrás, na praça Maidan, políticos americanos e altas autoridades europeias prometeram o apoio do Ocidente ao exercício soberano da vontade popular. A Ucrânia, disseram a milhões de manifestantes, teria seu lugar no concerto de uma Europa que não mais se move segundo a lógica das esferas de influência. Minsk é a prova de que falar não custa nada. Putin anexou a Crimeia e fabricou uma guerra separatista nas regiões povoadas por russos étnicos no leste ucraniano. Diante das sanções ocidentais, dobrou a aposta, suprindo os rebeldes com armas pesadas e deslocando forças especiais para o outro lado da fronteira. Na sua visão de mundo, Kiev vale muito mais que uma longa recessão.

O repto russo cindiu o Ocidente. Barack Obama evoluiu da hesitação para o umbral da decisão de equipar o exército ucraniano, na crença de que o espectro da escalada militar provocaria o recuo de Putin. Angela Merkel e François Hollande preferiram retroceder antes, traduzindo as intenções americanas como o prelúdio de uma guerra catastrófica. Os líderes europeus engoliram a seco as palavras solenes, pronunciadas até há pouco, sobre as preciosas diferenças entre o nosso tempo e os séculos 19 e 20. Em Minsk, numa noite de garoa gelada, eles ajudaram Putin a desenhar uma linha no mapa separando a Ucrânia da União Europeia.

A neutralidade ucraniana serve a todos –menos ao povo da Ucrânia, que assiste à dissolução de uma expectativa exagerada. 2015 é 1955
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OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE



(Folha de S. Paulo – 16/12/2014 – Tendências/Debates) 



Como nos filmes, começo este artigo informando que qualquer 
semelhança do que vou escrever com pessoas ou governos é mera 
coincidência. 

Em dois livros meus, “Uma breve teoria do poder” e “A queda dos mitos 
econômicos”, edições esgotadas, procurei mostrar que quem busca o 
Poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar 
serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo. 
Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não necessário. Com 
maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos 
históricos e em todos os espaços geográficos. 

É bem verdade que a evolução do Direito e da Democracia, nos dois 
últimos séculos, tem permitido um certo, mas insuficiente, controle do 
exercício do poder pelos quatro cavaleiros do apocalipse - o político, o 
burocrata, o corrupto e o incompetente -, razão pela qual as nações 
encontram-se permanentemente, em crise. A “Utopia” de Moore, a 
“República” de Platão e “A cidade do sol” de Campanella exteriorizam 
ideais para um mundo, em que a natureza humana seria reformada por 
valores que, embora vivenciados por muitos, raramente são encontrados 
nos que exercem o poder. 

O primeiro dos quatro cavaleiros do Apocalipse, o político, na maior parte 
das vezes, para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente 
à “desconstrução da imagem” dos adversários. Tem razão Carl Schmitt, 
em sua teoria das oposições, ao declarar que o político estuda o choque 
permanente entre o “amigo” e o “inimigo”. Todos os meios são válidos, 
quando o poder é o fim. A ética é virtude descartável, pois dificulta a 
carreira. 

O burocrata, como dizia Alvim Toffler, é um “integrador do poder”. Presta 
concurso público para sua segurança pessoal, porém, mais do que servir 
ao público, serve-se do público para crescer e, quanto mais cria 
problemas para a sociedade, na administração, mais justifica o 
crescimento das estruturas governamentais sustentadas pelos tributos de 
todos os contribuintes. Há países que se tornaram campeões em 
exigências administrativas, as quais atravancam seu desenvolvimento, 


apenas para justificar a permanência desses cidadãos. 

O corrupto é aquele que se beneficia da complexidade da burocracia e da 
disputa política, enriquecendo-se no poder, sob a alegação de 
necessidade de recursos, algumas vezes, para as campanhas políticas e, 
no mais das vezes, “pro domo sua”. Apesar de Montesquieu, ao cuidar da 
tripartição dos poderes, ter dito que o poder deve controlar o poder, 
porque o homem nele não é confiável, quando em todos eles há corruptos, 
o poder não controla a corrupção. 

O inepto, que conforma o quadro da esmagadora maioria dos que estão no 
poder, é aquele que, incapaz do exercício de uma função privada na qual 
teria que competir por espaços, prefere aboletar-se junto aos poderosos. 
São os amigos do rei. Não sem razão, Roberto Campos afirmava que há 
no governo dois tipos de cidadãos, “os incapazes e os capazes de tudo”. 

Quando espocam escândalos de toda a forma, quando a corrupção torna-
se endêmica, quando o processo legislativo torna-se objeto de 
chantagem, quando a mentira é tema permanente dos discursos oficiais, 
quando a incompetência gera estagnação com injustiça social, percebe-se 
que os quatro cavaleiros do Apocalipse estão depredando a sociedade e 
desfigurando a pátria que todos almejam. 

Felizmente, o Brasil é uma nação que desconhece os quatro cavaleiros do 
Apocalipse, pátria em que todos são idealistas e incorruptíveis, razão pela 
qual este artigo é uma mera digressão filosófica. 




Minha história de 1964

Minha história de 1964

Além de Marcos Sá Correa, autor do furo jornalístico da operação "Brother Sam", devo ser dos raros brasileiros que queimaram pestanas sobre os documentos secretos da Biblioteca Lyndon Johnson, em Austin, Texas.
31/03/2014

Rubens Ricupero

Além de Marcos Sá Correa, autor do furo jornalístico da operação "Brother Sam", devo ser dos raros brasileiros que queimaram pestanas sobre os documentos secretos da Biblioteca Lyndon Johnson, em Austin, Texas. Na época, em 1975, eu era conselheiro da embaixada do Brasil em Washington (EUA). 

Naquele clima de tímida abertura do general Geisel e incipiente relaxamento da censura, estourara como bomba a revelação, pelo "Jornal do Brasil", de que o governo americano tinha preparado um plano de contingência para apoiar logisticamente os militares rebeldes, caso houvesse luta prolongada em abril de 1964. 

Dias depois da publicação, recebi instruções sigilosas para verificar em Austin o que mais continha de comprometedor o arquivo secreto do presidente Johnson. Como a parte espetacular já havia sido divulgada pelo jornal, concentrei-me nos meses de preparação do golpe e, sobretudo, na colaboração que se seguiu. 

Despachei ao Itamaraty quilos de documentos. Até hoje não sei se alguém chegou a ler a maçaroca ou se os papéis se juntaram ao mar morto de arquivos nunca lidos. 

O que me impressionou de saída foi a intimidade que se criou entre funcionários americanos chefiados pelo embaixador Lincoln Gordon e a equipe tecnocrática incumbida de planejar o governo Castelo Branco, dirigida por Roberto Campos. 

Os EUA estavam de fato empenhados em converter o Brasil numa espécie de vitrina de sucesso da experiência anticomunista inspirada nos melhores padrões das instituições ianques. 

Talvez tenha sido uma das primeiras tentativas de "nation building", de engenharia social para reconstruir um país desde zero. Chegava-se à ingenuidade de discutir em telegrama qual seria o salário das professoras primárias! 

Os americanos de então não se pareciam aos trogloditas da era Reagan ou de Bush filho. Remanescentes da Presidência Kennedy, crentes na Aliança para o Progresso, partilhavam com Johnson a fé no ativismo social das leis contra a segregação, dos programas de saúde e assistência aos pobres da "Great Society." 

Mas eram soldados da Guerra Fria, dispostos a pagar, nas fatídicas palavras de Kennedy, qualquer preço e confrontar qualquer adversário para assegurar a liberdade. 

Na sua "História da Guerra Fria", André Fontaine vê no golpe brasileiro a primeira manifestação de uma tendência: o apoio dos EUA a movimentos armados contra governos simpáticos à União Soviética. 

Logo depois da derrubada de Goulart, ocorreria o incidente do Golfo de Tonquim, começo da trágica escalada da Guerra do Vietnã. No ano seguinte, a intervenção na República Dominicana, o golpe contra Ben Bella na Argélia e o massacre de 300 mil comunistas na Indonésia dariam sequência à série, que culminaria no golpe argentino de 1966 e no dos coronéis gregos de 1967. 

Não foram os americanos que provocaram a polarização e a radicalização da sociedade brasileira. Quis, porém, a fatalidade que coincidisse com o acirramento do conflito ideológico mundial um fenômeno nacional que, em condições diversas, talvez não nos tivesse feito perder 20 anos de democracia.
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A Petrobras e o pré-sal no fundo do poço

 Gilberto Menezes Côrtes
O GLOBO

Famílias temem que a economia entre em longo ciclo de inflação alta com baixo crescimento, fatal ao emprego e à renda, até na indústria naval. Teria o sonho acabado?

Nem o maior crítico das decisões de Dilma quando acumulou nos governos Lula o Ministério de Minas e Energia e a Casa Civil com a presidência do Conselho de Administração da Petrobras podia supor que a empresa fecharia 2014 em situação tão dramática. Sem o lastro de gigantes campos de petróleo (mais de dois milhões de barris/dia e mais de 16 bilhões de barris em reservas), refinarias, petroquímica, navios e plataformas próprias ou arrendadas, poderia seguir o destino da petroleira de Eike Batista, a OGX, com um só campo de produção, inviável. Entre a descoberta provada do pré-sal — em 2007, quando o barril valia US$ 105 (chegou a US$ 160 no mercado futuro, em agosto de 2008, quando o estouro da bolha financeira de Wall Street jogou a economia mundial ao chão) — e dezembro de 2014 (US$ 59, com a redução da demanda nos EUA, após exploração do shale gas), tudo o que podia ser feito de errado aconteceu na Petrobras, a "tempestade perfeita".

Certa de que o Brasil ganhara na loteria e garantira seu futuro no século 21 (embora sem base educacional e produção industrial sofisticada ou tecnologia de ponta), Dilma convenceu Lula a suspender os leilões da ANP, a rever o marco regulatório e dar à Petrobras posição obrigatória mínima de 30% em cada novo poço. Manteve o rígido controle dos preços dos derivados, incluindo o GLP, que dá popularidade, mas mina as receitas da estatal. Confiante, o governo fez do petróleo o novo motor da economia e lançou ambicioso programa de produção de barcos de apoio, plataformas, navios de transporte, tudo com alto índice de nacionalização. Moleza para empreiteiras e fornecedores.

Quando as entregas atrasavam, ou tinham defeito (caso do navio João Cândido, posto ao mar, com soldas mal feitas no Estaleiro Atlântico Sul, em maio de 2010, em Pernambuco, para servir de palanque ao lançamento oficial da candidatura Dilma), dizia-se que era "o preço da curva de aprendizagem". Véu que encobria tenebrosas transações. Como informou O GLOBO, a manobra teve bis em Angra dos Reis (no estaleiro Toyo Setal, com executivos na delação premiada) entre o primeiro o segundo turnos de 2010, ao custo extra de US$ 25 milhões para antecipar a entrega da plataforma P-57 (custou US$ 1,2 bilhão), majestoso palanque da eleição de Dilma. O pré-sal serviu para costurar alianças com políticos dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, dando-lhes maior fatia na redistribuição dos royalties do óleo do mar, prejudicando Rio de Janeiro (responsável por 80% do petróleo do país), Espírito Santo e São Paulo. E atrelou 75% dos recursos à saúde e à educação. Daí, a forte votação de Dilma no Norte/Nordeste em 2010 e 2014.

Na crise de 2008/2009, o governo dobrou as fichas no petróleo. Estimulou a venda de carros à nova classe C em até seis anos e manteve gasolina e álcool congelados. Gerou engarrafamentos diários e superendividamento das famílias. Agora, hesita em agir. As famílias temem que a economia entre em longo ciclo de inflação alta com baixo crescimento, fatal ao emprego e à renda, até na indústria naval. Teria o sonho acabado? A desmoralização da Petrobras fez seus ativos valerem menos que as dívidas para tocar o pré-sal. Com os problemas da estatal e a queda vertiginosa do petróleo (e dos minérios e das commodities agrícolas), além de sérios problemas na balança comercial e nas contas externas, a sonhada redenção do Brasil, via petróleo e a educação de qualidade, corre risco de se limitar a uma segunda época no Pronatec.

Gilberto Menezes Côrtes é jornalista

É preciso uma "pastoral das vítimas"


Roberto Campos
01/02/98

Democracia, já se sabe, não é um assunto fácil de esgotar. Senão, não teríamos essa interminável discussão sobre ela. Todo mundo tem alguma opinião a respeito. E não é para menos. Mas, só para esquentar um pouco o motor, é bom lembrar que há mesmo uma vasta disputa teórica sobre a idéia. Entre algumas posições atualmente representativas, teríamos, por exemplo, a de J. Habermas, que a entende como "processo": o ponto de partida legitimador (pós-metafísico, como diz ele) estaria nas eleições e na prática das instituições democráticas.
Já R. Dworkin a vê como "substância". É o conteúdo concreto, não os procedimentos eleitorais e outros típicos das formas representativas parlamentares, que conta. Na realidade, estão se multiplicando no Terceiro Mundo as "illiberal democracies" (democracias não liberais), em que se praticam os ritos eleitorais formais, mas os eleitos mutilam subsequentemente as liberdades políticas e econômicas. Não escapamos, como se vê, do paradoxo do ovo e da galinha. Quem veio primeiro? A "substancia democrática", que legitima o processo político subsequente, ou o "processo democrático" que gera em seguida a substância correspondente?
Para complicar um pouco mais, segundo o estudioso da ética John Rawls, é preciso um conteúdo de valor _uma sociedade em que certo mínimo de valores não seja partilhado pela grande maioria não só não é democrática, como não é uma sociedade. É uma aglomeração.
O paradoxo é que a democracia, tal como a entendemos, pressupõe que cada qual possa pensar e determinar suas ações como queira. Mas, para que funcione, é preciso que todos concordem em alguns princípios comuns básicos. Os gregos de Atenas, inventores do termo, tentaram uma famosa experiência de democracia direta. Diferente das idéias atuais, pois as mulheres, por exemplo, ficavam presas dentro de casa, sem direito a palpite... Na realidade, um populismo desenfreado, em que a maioria dos cargos era preenchida por sorteio.
Não durou muito: 30 anos. E fez uma senhora salada. Condenou à morte Sócrates, por causa das suas idéias filosóficas, e também o filho do seu grande líder político Péricles, porque aquele, general vencedor, não pudera socorrer um barco que afundara durante a batalha. Pressionou arrogantemente os vizinhos e arranjou guerras para todos os lados. Mas, como eram muito inteligentes, os atenienses legaram ao nosso tempo uma idéia extremamente interessante e racional, a "isonomia", a igualdade de todos perante a lei _que era o que mais ou menos corresponderia à nossa noção de "democracia".
A idéia da norma clara e válida para todos realmente tem de estar no fundamento de qualquer sociedade que pretenda considerar-se democrática. Tudo o que obscurece a compreensão das regras do jogo é a negação disso, a negação da isonomia. Se ninguém sabe qual é a norma que se aplica, se vai depender da interpretação de alguém depois do fato, onde ficará o princípio da universalidade e igualdade do tratamento de todos os cidadãos?
Mas a norma não pode ser um enfeite, um objeto de retórica, para advogados ou políticos falarem bonito. Só tem sentido quando é um comportamento que a sociedade se empenha em fazer cumprir por todos. E como ano novo é tempo de dar uma geral nas idéias, talvez seria útil refletirmos sobre esse tema. Somos um país de um espantoso excesso de normas, dezenas de milhares, entre leis, decretos, portarias e toda a parafernália. E de muitas no papel, não na prática real. Ora, a suposição básica do Estado de Direito (em verdade, desde Roma) é que o cidadão não pode ignorar a lei. A multiplicação normativa não é menos séria do que a cancerosa.
O problema não é só nosso, é claro, porque o mundo está ficando cada vez mais complicado. Mas nós temos uma firme tradição de complicar o que puder ser complicado. A propósito, pouco antes da virada do século passado fez-se, nos Estados Unidos, uma pesquisa de opinião entre 73 pessoas proeminentes sobre como seria o futuro, cem anos depois. Previsões divertidas. E erradas. Uma delas foi de que as leis seriam tão simples que haveria pouca necessidade de advogados e de que o crime seria raro, porque os criminosos seriam impedidos de se reproduzir!...
Continuamos a não saber bem como surgem os criminosos. Uma proporção de sociopatas, de tipos anti-sociais, existe em todas as partes, sem que se tenha idéia de por que isso acontece. Fatores contributivos podem ser muitos. Certamente a urbanização maciça tem a sua parte, da mesma forma que a erosão dos valores e pontos de referência tradicionais, a marginalização econômica, a droga, não sabemos se fatores genéticos. O fato é que não há soluções simples.
O brasileiro nunca teve lá, que se diga, uma grande convicção de respeito pela lei e pela autoridade. Quem sabe, algum atavismo colonial.
Nossa esperteza, a preferência pelo "jeitinho", não é bem uma característica do cidadão pleno. Na ex-URSS, havia algo equivalente, sem a nossa habilidade tropical: tratava-se de sair da regra sem chamar demasiada atenção. Ainda ficamos meio espantados com o europeu tranquilamente acostumado a reclamar os seus direitos e a cobrar desempenho dos seus políticos. Acreditamos na mágica do papel escrito. Se passou pelo ''Diário Oficial'', tudo resolvido. Ledo engano!
Não há muito, Dominic Tarantino, presidente de uma das maiores empresas de auditoria do mundo, resumiu em uma frase modelar o que os investidores esperam: "estabeleçam o império da lei ('rule of law') nos mercados emergentes''. Muitos deles têm leis e regulamentos. Não muitos têm o império da lei. Importa o que vale mesmo, não o que está no papel, que aceita qualquer coisa. Nós, com a nossa reconhecida originalidade, invertemos, tornando os menores de 18 anos inimputáveis _para alegria geral dos traficantes. Não se poderia pensar nenhum método melhor para perverter as "crianças". Ainda há os que vêem no indivíduo desajustado e ''associal'' apenas um revolucionário de esquerda em embrião...
Nossa criminalidade assusta muito, sujando ainda mais nossa imagem, que, por justas e injustas razões, está mais pra lá do que pau de galinheiro. É óbvio que o governo não tem mágica para endireitar tudo o que está torto. Mesmo porque criminalidade, injustiça, pobreza estão por toda a parte. Mas dose é dose, e há uma questão básica de atitude. E subdesenvolvido demora décadas para descartar idéias obsoletas vindas de fora.
Há dez anos, um deputado trabalhista inglês, que todos por aqui conhecem de nome, Tony Blair, fez a seguinte afirmação: "Esta nova falta de respeito pela lei não pode ser atribuída às privações materiais". Devia saber do que estava falando, porque outro inglês, J. Young, em 1989, escreveu, no respeitado "Time Higher Educational Supplement", que "no imediato pós-guerra houve um consenso, numa larga faixa da opinião informada, que a principal causa do crime eram as condições sociais de empobrecimento''... Mas na Grã-Bretanha, por exemplo, entre 1951 e 1972, a renda real disponível por pessoa aumentou 64%, enquanto a criminalidade mais do que dobrou, com um aumento de 172%. Num período predominantemente trabalhista...
O sensacionalismo da mídia pode induzir algumas pessoas a procurarem representar um papel criminoso. Mas, sobretudo, o que é preciso é bom senso e mudança de atitudes. A lei é para ser cumprida, ponto. A tolerância _tipificada pela passividade diante das ocupações do MST, por exemplo_ estimula a imitação, fechamento de estradas, distúrbios nos presídios (que custam caríssimo ao contribuinte, para não falar no resto) e o que mais ocorra a qualquer grupo insatisfeito e combativo. Parece até que há uma pastoral dos presos (ou dos bandidos, sei lá), mas ninguém se lembrou de fazer uma pastoral das vítimas, infelizmente muito mais numerosas do que os próprios malfeitores. Não é a violência policial (exacerbada pelo ambiente geral de "compreensão" do criminoso) que dará resultados. Ela deve ser coibida implacavelmente. Não por implicância ideológica contra toda autoridade, mas pela preferência pelo estado de Direito.

Roberto Campos, 80, economista e diplomata, é deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro. Foi senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).

NÃO SOU NEGRO, NEM HOMOSSEXUAL, ...

NÃO SOU NEGRO, NEM HOMOSSEXUAL, ...

 Não Sou:
- Negro, Nem Homossexual, Nem Índio, Nem Assaltante, Nem Guerrilheiro, Nem Invasor De Terras. Como faço para viver no Brasil nos dias atuais? Na verdade eu sou branco, honesto, professor, advogado, contribuinte, eleitor, hétero ... E tudo isso para quê?

Meu Nome é: Ives Gandra da Silva Martins*

Hoje, tenho eu a impressão de que no Brasil o "cidadão comum e branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades governamentais constituídas e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que eles sejam índios, afrodescendentes, sem terra, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.

Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, ou seja, um pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco hoje é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior (Carta Magna).

Os índios, que pela Constituição (art. 231) só deveriam ter direito às terras que eles ocupassem em 05 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado, e ponham passado nisso. Assim, menos de 450 mil índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também por tabela - passaram a ser donos de mais de 15% de todo o território nacional, enquanto os outros 195 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% do restante dele. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados.

Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas aqueles descendentes dos participantes de quilombos, e não todos os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição Federal permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.

Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef o direito de ter um Congresso e Seminários financiados por dinheiro público, para realçar as suas tendências - algo que um cidadão comum jamais conseguiria do Governo!

Os invasores de terras, que matam, destroem e violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que este governo considera, mais que legítima, digamos justa e meritória, a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem esse 'privilégio', simplesmente porque esse cumpre a lei..

Desertores, terroristas, assaltantes de bancos e assassinos que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de R$ 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' aqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.

E são tantas as discriminações, que chegou a hora de se perguntar: de que vale o inciso IV, do art. 3º, da Lei Suprema?

Como modesto professor, advogado, cidadão comum e além disso branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço nesta sociedade, em terra de castas e privilégios, deste governo.

(*Ives Gandra da Silva Martins, é um renomado professor emérito das Universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército Brasileiro e Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo).

Para os que desconhecem o Inciso IV, do art. 3°, da Constituição Federal a que se refere o Dr. Ives Granda, eis sua íntegra:
"Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em defesa dos bodes


Roberto Campos
Edição 1 631 - 12/1/2000

A globalização comercial e tecnológica permitiu o salto dos Tigres Asiáticos e o alívio da pobreza na China

É reconhecida a proficiência brasileira em três coisas: no futebol, no Carnaval e na busca de bodes expiatórios. Globalização e neoliberalismo são os bodes na moda. Aquele, inocente. Este, inexistente.

Falar na ameaça do neoliberalismo em país de moeda inconversível, com 40% do PIB sugados por impostos e dívida do governo, só pode ser masturbação de socialistas nostálgicos. E a globalização não deve ser julgada pelo que não é. Ela não é uma invenção maldosa do capitalismo moderno.

Houve episódios de fragmentação e ondas de globalização no decorrer da História. As globalizações mais importantes foram a do Império Romano e a da belle époque do liberalismo, entre 1860 e a I Guerra Mundial, quando, além do livre movimento de mercadorias e capitais, havia livre circulação de pessoas.

A atual globalização não é uma conspiração americana para manter sua hegemonia. Os Estados Unidos são hegemônicos simplesmente porque ganharam a II Guerra Mundial, pelo colapso do socialismo e por liderar a nova revolução tecnológica. A globalização convive com movimentos de integração regional, como a União Européia, precisamente como contrapeso à dominação americana.

A globalização não é responsável pelo desnível industrial nem pela pobreza da periferia. Ao contrário, foi a globalização comercial e tecnológica que permitiu o salto tecnológico dos Tigres Asiáticos e o alívio da pobreza na China, que quinze anos atrás exportava menos que o Brasil e hoje exporta quatro vezes mais. Como o comércio internacional cresce quase o dobro do PIB mundial, os países abertos ao comércio e ao investimento vêm crescendo muito mais que os de economia fechada.

Fala-se no Brasil nos perigos da "desindustrialização" e da "desnacionalização" em virtude da abertura comercial que fizemos desde 1990. Mas as reais dificuldades de nossa indústria advieram de políticas internas que nada têm a ver com liberalismo ou globalização: sobrevalorização cambial, juros escandalosos (resultantes dos déficits fiscais), tributação asfixiante.

Países como Cingapura, Taiwan e mesmo o Chile prosseguiram seu crescimento em plena globalização. Outra queixa exagerada é quanto à volatilidade dos capitais financeiros. Essa volatilidade só é grave à medida que os países recipientes exibem vulnerabilidades oriundas de déficits fiscais, de sobrevalorização cambial ou de porres creditícios do setor privado por desregramento do sistema bancário.

O Brasil sofreu fuga de capitais em virtude dos dois primeiros fatores, Coréia e Malásia em função do último, Indonésia em função de todos eles. A volatilidade não perturbou Taiwan, Cingapura nem a Austrália.

A atitude sensata para o Brasil é administrar competentemente nossa inserção na economia globalizada do futuro. E, dentro da OMC, continuar lutando tenazmente contra "assimetrias" e "hipocrisias".

A "assimetria" é a insistência dos países industrializados em ampliar a liberação de serviços e as regras de proteção de seus investimentos sem a contrapartida da liberalização de importações agrícolas. A "hipocrisia" é tornar mandatórias no comércio internacional cláusulas sociais (que ignoram diferenças da produtividade da mão-de-obra) ou refinadas exigências ambientalistas. Estas, sob pretextos ecológicos ou humanitários, podem servir de barreiras protecionistas contra as exportações oriundas de países mais pobres.

Qual a alternativa à globalização? Nenhuma. Isolarmo-nos da revolução tecnológica para proteger empregos é suicídio, porque a perda de competitividade geraria estagnação, destruindo empregos. Houve em novembro passado, nas Filipinas, uma reunião de grupos antiliberais de 31 países, sob o pomposo título de Conferência Internacional sobre Alternativas à Globalização.

O resultado foi patético. Além de xingamentos à chamada tríade maligna - FMI, Bird e OMC -, acusada de cumplicidade na "ofensiva neoliberal do capitalismo monopolista contemporâneo", a conferência desovou duas recomendações concretas: um calote financeiro pelo não pagamento da dívida externa e um calote intelectual pelo não reconhecimento de patentes tecnológicas. Seriam assim punidos os dois principais protagonistas do desenvolvimento globalizado: os investidores e os inovadores.

Diz o economista hindu J.K. Mehta, da Universidade de Allahabad, que o subdesenvolvimento é principalmente falta de caráter, e não escassez de recursos ou de capital. Ele tem razão.

Roberto Campos foi conomista e diplomata, foi deputado federal, senador e ministro do Planejamento
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