sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Sínodo PanAmazônico: Amazônia – a pior das extinções

[...] quantos agricultores vivem hoje no bioma Amazônia. São mais de 815 mil produtores, dos quais mais de 89% são pequenos agricultores.[...]

[...]A produção rural do bioma Amazônia é irrelevante para as exportações e o PIB. Apenas 0,5% da produção nacional de cana-de-açúcar, menos de 2% do algodão e da laranja e 5% do café estão no bioma. Milho e soja representam 7,6% e 9,8% da produção nacional. Mas esses alimentos são fundamentais para abastecer 500 cidades amazônicas de frutas, leite e derivados, ovos, grãos, hortaliças e outros produtos. Quando trazidos de outras regiões, seu custo é altíssimo.[...]

[...]Quantos agricultores desmatam no bioma Amazônia? Menos de 4%. Mais de 96% não estão envolvidos no processo.[...]

[...]Se estivessem nas cidades, os pequenos agricultores fariam parte da economia informal, como cabeleireiros, quituteiras, entregadores, vendedores de balas nos semáforos.[...]




Amazônia – a pior das extinções
Apesar da demonização ‘urbi et orbi’ de seus meios de vida, pequenos agricultores resistem

Evaristo de Miranda*, O Estado de S.Paulo 04 de novembro de 2019 

Os pequenos agricultores são a espécie mais ameaçada na Amazônia. São pecadores, abandonados pelo poder público, vítimas das iniciativas de “desantropização” de ambientalistas, tratados como grileiros e bandidos em campanhas de parte do agronegócio, enquanto o Código Florestal favorece a grande empresa rural na Amazônia, em detrimento da agricultura familiar. E acabam de receber a condenação espiritual de suas práticas agrícolas no Sínodo da Amazônia. Mais de 5 milhões de pessoas sobrevivem há décadas nessas florestas equatoriais. E se perguntam: Unde veniet auxilium meum?

Uma análise conjugada dos dados 
 do Cadastro Ambiental Rural (CAR) com os do Censo Agropecuário de 2017 e dos assentamentos agrários do Incra permitiu aos pesquisadores da Embrapa Territorial estimar quantos agricultores vivem hoje no bioma Amazônia. São mais de 815 mil produtores, dos quais mais de 89% são pequenos agricultores.

Em área, cerca de 12,8% do bioma Amazônia está ocupado pela agropecuária. Pastagens nativas, plantadas e manejadas alcançam 10,5%, ou 44.092.115 hectares. Lavouras anuais e perenes somam 2,3% ou 9.658.273 ha. As infraestruturas viárias, urbanas, energético-mineradoras e outras ocupam 1% do bioma, no mapeamento da Embrapa Territorial.

A produção rural do bioma Amazônia é irrelevante para as exportações e o PIB. Apenas 0,5% da produção nacional de cana-de-açúcar, menos de 2% do algodão e da laranja e 5% do café estão no bioma. Milho e soja representam 7,6% e 9,8% da produção nacional. Mas esses alimentos são fundamentais para abastecer 500 cidades amazônicas de frutas, leite e derivados, ovos, grãos, hortaliças e outros produtos. Quando trazidos de outras regiões, seu custo é altíssimo.

Já a vegetação nativa, hoje recobre 84,1% do bioma Amazônia, ou 353.156.844 ha. Estão aí incluídas formações florestais, não florestais e mistas, de acordo com cálculos da Embrapa Territorial, baseados em dados de satélites, do Inpe, CAR e TerraClass. As grandes superfícies hídricas representam 2,1% do bioma, ou 8.818.423 ha. Somados, os ambientes predominantemente naturais, de vegetação nativa e superfícies hídricas, abrangem 86,2% do bioma Amazônia.

Quantos agricultores desmatam no bioma Amazônia? Menos de 4%. Mais de 96% não estão envolvidos no processo. Em 2018 houve nas áreas rurais do bioma 28.862 desmatamentos, de tamanho variável. Eles contribuíram para o total de 7.094 km2 desmatados, segundo dados do Inpe. Mesmo numa hipótese maximalista, em que cada desmatamento tivesse sido feito por um produtor diferente, isso envolveria 3,5% dos agricultores.

E quantos agricultores praticam queimadas no bioma Amazônia? Mais de 80%. Os povoadores europeus aprenderam essa técnica do Neolítico com os indígenas. Desde antes do Descobrimento se praticam queimadas agrícolas. Nada houve de excepcional na Amazônia em 2019. Como sempre, os agricultores usaram fogo para renovar pastagens, combater carrapatos, eliminar restos culturais, abrir capoeiras, fertilizar solos com cinzas. Tecnologias para substituir queimadas custam caro: mecanização, adubos e pesticidas. Onde são adotadas, o fogo regride. Alguém no planeta quer financiar o acesso a tais alt          ernativas para os pequenos produtores rurais amazônicos?

Quanto à ilegalidade ou legitimidade, vale consultar um pouco a História. Em cerca de 50 anos, os governos estabeleceram 2.405 assentamentos agrários no bioma Amazônia e lá instalaram 521 mil famílias. A maioria segue sem o título de propriedade de seu pequeno lote. Como obter financiamento sem regularização fundiária? Como solicitar autorização de desmatar para plantar mandioca? Mesmo quem se desloca até a cidade e insiste em solicitar, respeitando as exigências do Código Florestal, não recebe. Multados, os agricultores perdem acesso ao Pronaf. Estão no fundo do poço. Mas urbanoides exigem que saiam do buraco sozinhos e de forma “sustentável”!

Se estivessem nas cidades, os pequenos agricultores fariam parte da economia informal, como cabeleireiros, quituteiras, entregadores, vendedores de balas nos semáforos. Há décadas, políticas públicas buscam reduzir a informalidade de prestadores de serviço facilitando os impostos, a criação de microempresas. No campo, organizações do agronegócio exportador, em face dos recentes tumultos amazônicos virtuais, tratam todos de ilegais, grileiros, invasores, sobre quem deveria incidir o rigor da lei. Simplismo e crueldade, sem separar joio e trigo.

Os agricultores familiares da Amazônia não são empresários ou investidores rurais, modelos de sustentabilidade com capital e marketing (green wash). Os pequenos precisam de assistência técnica, extensão rural, associações e cooperativas, acesso à informação, novas tecnologias e circuitos de comercialização. Devem ser apoiados, e não criminalizados por discursos fáceis de quem vive nas cidades.

Sem espaço na agenda multiculturalista da esquerda, os pequenos agricultores não têm direitos nem lugar. Órfãos de pai e mãe, não há quem os defenda, na terra ou nos céus. Na abertura do Sínodo da Amazônia, do qual não participaram, o papa vaticinou: O fogo causado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o fogo do Evangelho”. Estão condenados.

Enquanto o leitor percorre este artigo, famílias rurais cuidam de plantações, bezerros, armazenagem e reparos de cercas. Do Acre ao Amapá, de Roraima a Rondônia, do Amazonas ao Pará. Os pequenos agricultores fizeram do Vietnã socialista o segundo produtor mundial de café, à frente da Colômbia. Resilientes, os pequenos agricultores sobreviveram ao leninismo, stalinismo, maoismo, capitalismo e outros ismos. Na Amazônia são exemplos humildes de resistência, re-existência, apesar da demonização urbi et orbi de seus meios de sobrevida. Produzem o que comem. Não serão extintos.

*DOUTOR EM ECOLOGIA, É PESQUISADOR DA EMBRAPA

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

SANEAMENTO BÁSICO: Bancada do atraso

Agenda ESSENCIAL para a retomada do desenvolvimento socioeconômico, contudo expressiva parcela da sociedade eleitora que pensa CONTINUA PRESA a Lula, STF e congêneres...

[...]Forças de esquerda e de regiões pobres travam avanço do marco do saneamento[...]

A carência de saneamento está intimamente ligada à morte de crianças e à perpetuação da pobreza[...]




Bancada do atraso 
– Editorial | Folha de S. Paulo

Forças de esquerda e de regiões pobres travam avanço do marco do saneamento

Dados os indicadores vergonhosos do país em saneamento básico, impressiona a dificuldade de fazer avançar no Congresso o novo marco regulatório do setor. Interesses políticos mesquinhos e preconceitos ideológicos continuam a bloquear medidas para levar coleta de esgoto aos 100 milhões de brasileiros ainda desassistidos.

O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, aprovado em comissão especial, traz aperfeiçoamentos consideráveis diante da versão votada pelo Senado.

Além de fixar a autoridade da Agência Nacional de Águas (ANA) para definir padrões técnicos de contratos e metas de universalização, o texto abre caminho para maior participação do setor privado por meio de concessões.

Este último é o ponto que gera maior resistência entre parte dos deputados e governadores, que parecem mais preocupados em manter os monopólios estatais ineficientes. Curiosamente, o bloqueio parece partir justamente das regiões mais atrasadas no provimento de água tratada e coleta de esgoto —o Norte e o Nordeste.

Acrescente-se a parcela mais retrógrada da esquerda, que insiste em classificar qualquer abertura como privatização desumana. Escoram-se, para tanto, na tese enganosa de que as regiões menos desenvolvidas ficarão abandonadas, por serem pouco rentáveis.

O projeto, na verdade, não força a venda de estatais. Simplesmente abre espaço para que a renovação dos contratos existentes, realizados sem licitação, seja feita no regime de concessão, com metas claras de expansão dos serviços e arcabouço regulatório único, definido em âmbito nacional.

Hoje, 94% do atendimento cabe a empresas controladas pelo poder público —natural, portanto, que um novo regime mais concorrencial reduza essa participação.

O status jurídico das empresas, se privadas ou não, é o que menos importa. Interessa, isso sim, que o vencedor de uma licitação siga regras estipuladas nos editais.

Tais condições precisam assegurar a universalização a preços razoáveis para todas as comunidades. O maior risco, de abandono de áreas mais carentes, está mitigado no projeto de lei, que prevê a formação de regiões e unidades economicamente viáveis. Os parâmetros serão fixados pelo Executivos estaduais ou pela União.

Outros pontos de atrito, como metas de cobertura, podem ser negociados para levar em conta peculiaridades regionais.

A carência de saneamento está intimamente ligada à morte de crianças e à perpetuação da pobreza —eis o que deveria nortear o debate. Continuar a impedir a modernização do setor configura inaceitável negligência das forças políticas.

SANEAMENTO: Deputados tentam manter brecha para contratos de saneamento sem licitação

Enquanto a sociedade CONTINUA DANDO ATENÇÃO E EXPECTATIVAS A LULA, ou evidencia DEMAIS Toffoli, Mendes e STV os deputados, NESSES INCLUSOS OS 49% RENOVADOS PARA ACABAR COM A CORRUPÇÃO, insistem na VELHACARIA sob a mais serena e segura certeza de que seus eleitores NÃO ESTÃO NEM AÍ!!!
Volto às palavras de Roberto Campos: " O Brasil NÃO CORRE o risco de dar certo!"



Deputados tentam manter brecha para contratos de saneamento sem licitação
Pressão acontece às vésperas da votação do novo marco legal para o setor, que deve destravar a participação de grupos privados nas concorrências

       
Amanda Pupo, O Estado de S.Paulo
21 de novembro de 2019 | 03h00

BRASÍLIA - Deputados, principalmente da bancada do Nordeste [57,1% não tem saneamento básico - Dados: Síntese dos Indicadores Sociais IBGE 2019], têm feito pressão para que o texto do novo marco legal do saneamento básico no País dê uma sobrevida aos contratos fechados sem licitação. A expectativa é que as novas regras - que pretendem destravar a participação de empresas privadas no setor - sejam votadas até o início de dezembro no plenário da Câmara.


Em geral, esses contratos são assinados hoje entre os municípios e as companhias estaduais de saneamento, sem a abertura de processos de licitação para a prestação dos serviços. Na prática, esse modelo de gestão impede a entrada mais forte de grupos privados na disputa.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou a parlamentares que quer pressa na votação do texto. Como a questão do saneamento está dentro da agenda social lançada por ele na terça-feira, ganha ainda mais apelo para ser deliberado logo, avaliam parlamentares.

Defensores de mudanças no texto em análise na Câmara querem uma espécie de período de transição: que novos contratos sem licitação possam ser fechados durante um determinado prazo, mesmo depois de a nova lei entrar em vigor. Isso também valeria para a renovação dos acordos já em vigor. [relembrar que houve 49% de renovação na Câmara dos Deputados!!]

O parecer aprovado em comissão especial no fim de outubro, de relatoria do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), não autoriza a assinatura de novos contratos sem concorrência após a sanção do novo marco legal. Mas o relator já fez uma concessão às empresas estaduais de saneamento: deu prazo de um ano para que elas renovem antecipadamente aqueles contratos que estão em vigor. Essa possibilidade foi incluída no relatório de Geninho um dia antes de o texto ser aprovado pela comissão especial.

O relator entende que é preciso tomar cuidado com o pedido para não abrir uma “janela de oportunidade”, uma vez que a duração de alguns contratos pode chegar a 30 anos. O tempo dessa janela tem recebido diferentes sugestões de deputados. Há quem peça pelo menos seis meses, um ano e até dois anos.

O deputado Fernando Monteiro (PP-PE) afirmou que propôs ao relator que haja um prazo de transição de seis meses para o fechamento de novos contratos e de 30 meses (2,5 anos) para os existentes serem renovados. Ele reclamou do prazo de um ano estipulado pelo relator para os casos de renovação. “A gente não pode acabar com as companhias de saneamento público. Se não der esse prazo, acaba”, disse Monteiro.

Já o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) fala em negociação para encontrar “um texto de consenso”. “É preciso tentar ao máximo um diálogo para se chegar a um texto de consenso que possa prestigiar todos os Estados. É importante que a gente possa criar uma transição para tentar atender às demandas dos Estados e municípios”, disse ele.

Defensor do parecer de Geninho, o deputado Evair de Melo (PP-ES) disse que já há votos para aprovar o texto em plenário sem fazer novas concessões. “Um bom acordo no projeto de saneamento pode ter certeza que vai caminhar para uma péssima solução. Eu estou convencido de que temos voto para aprovar já”, disse Melo, que foi presidente da Comissão Especial da Câmara que analisou o projeto.

Segundo ele, em almoço nesta quarta-feira, 20, com a Frente Parlamentar da Química, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que voltará a conversar com Maia para tentar um entendimento para colocar o projeto o mais rápido possível em plenário.

Além da pressão vinda dos próprios deputados, o texto também está na mira da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). O presidente da entidade, Marcus Vinícius Fernandes Neves, não descarta ir à Justiça, caso o Congresso Nacional aprove o texto como está hoje.

“É um direito previsto na Constituição. Na hora que qualquer ente, pessoa física ou jurídica, se sentir prejudicado, ele tem o direito de acessar a Justiça para fazer valer os seus direitos”, disse Neves, que também é presidente da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa).


Metas para 2033

A proposta de um novo marco legal do saneamento foi aprovada no dia 30 de outubro pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O texto abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força na exploração dos serviços de saneamento (abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana e redução e reciclagem de lixo). Hoje, a participação é pequena, apenas de 6%.

O texto aprovado na comissão da Câmara dos Deputados prevê que os contratos, mesmo os atuais, precisarão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033. Há um prazo estimado de um ano para a adaptação daqueles que não tenham essas metas.

De acordo com dados do IBGE, pouco mais de um terço dos brasileiros vive em domicílios sem coleta de esgoto sanitário. O quadro, que se mantém praticamente inalterado nos últimos anos, é pior nas Regiões Norte e Nordeste. São 74,156 milhões de brasileiros, ou 35,7% da população total, vivendo nessas condições, mostra a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), com dados de 2018. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A essencial modernização do funcionalismo

Editorial | O Globo

Regulação dos servidores tem de elevar a eficiência do atendimento à população, que paga a conta

Há a previsão de que a reforma administrativa atrairá maiores resistências do que a previdenciária, recém-aprovada. Pode ser, mas não resta dúvida de que a administrativa, por modernizar regras que regem o funcionalismo público, mexe com um santuário de interesses corporativos cristalizados há décadas e em constante ação lobista para assegurar privilégios e conquistar novas benesses.
Não será fácil a tarefa, mas tanto quanto as mudanças na Previdência, estas são imprescindíveis, para dar eficiência à máquina burocrática, e não apenas devido a razões fiscais.

Este mundo longe da realidade da grande maioria dos brasileiros congrega na área federal 705 mil funcionários no serviço ativo. Distribuem-se em 43 conjuntos de carreiras, que somam 117 ofícios, com mais de 2 mil cargos. Até pelo gigantismo é uma estrutura irracional e de difícil administração.

Este ambiente é propício ao surgimento de fortes grupos de pressão sobre Executivo, Legislativo e Judiciário em busca de benefícios próprios. A blindagem que têm é a estabilidade no emprego.

Entre as propostas a serem apresentadas está o corte no excessivo número de carreiras. Este cipoal é um monumento à irracionalidade: há cargos sem carreiras, carreiras sem plano de progressão e cargos soltos na máquina. A falta de regras também facilita o lobby.

A estabilidade serve de pilar para sustentar uma parede de proteção do funcionalismo contra uma efetiva avaliação de competência —que existe apenas formalmente. Por decorrência, é desestimulada a cobrança por eficiência no atendimento a quem paga o salário do funcionalismo, a população.

O ideal é que a proteção ao emprego exista apenas para as carreiras de Estado: diplomatas, magistrados, procuradores, policiais etc. Aqueles ofícios que também existem na iniciativa privada deveriam ser exercidos por servidores contratados pela CLT, como a maioria dos mortais.

O presidente Bolsonaro, em viagem ao exterior, defendeu que a estabilidade acabe para os novos servidores, como ocorre na reforma da Previdência. Seja como for, a entrada no paraíso dos estáveis não será, a depender da reforma, um mero ato burocrático.

A intenção do governo é estender, de três para dez anos, o chamado estágio probatório, para que o servidor conquiste a estabilidade, com avaliações efetivas.

Os planos de carreira terão salários iniciais mais baixos, realistas, e a progressão será mais lenta. Foi levantado pela equipe econômica, segundo O GLOBO, que 33% do funcionalismo chegam ao topo da carreira em 20 anos, em média.

Inúmeros com promoções automáticas, outra liberalidade que acabará se a reforma for aprovada. Por isso, a folha de pessoal aumenta vegetativamente. Representa o segundo custo mais elevado da União, abaixo apenas dos benefícios previdenciários. Precisa mesmo passar por um ajuste.



Amazônia, caminho para a inovação

Ricardo Abramovay* - Valor Econômico

A bioeconomia é o caminho mais acessível para que o Brasil deixe o triste lugar que ocupa na retaguarda da inovação tecnológica global

A Mesa Redonda da Soja responsável, que reúne sete mil produtores em países como Estados Unidos, Brasil, Argentina e China reagiu à recente aceleração na derrubada de florestas tropicais com uma orientação clara: desmatamento zero. Não se trata de desmatamento ilegal zero até 2030, como preconizado pelo Brasil. A ideia é: mesmo que a lei o permita, o bom senso, a ética e o sentido estratégico dos negócios não podem tolerar que o avanço da produção de soja siga vinculado à destruição florestal: “zero é zero”, tornou-se o lema da organização.

Têm sentido bastante semelhante as recentes tomadas de posição dos governadores do Pará, do Amapá, do Amazonas e do Maranhão, inclusive em encontros internacionais como a Climate Week, em Nova York, quando da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesta ocasião houve reuniões empresariais cuja tônica central era a urgência de um novo paradigma para o crescimento econômico da Amazônia. Como já preconizava documento da Academia Brasileira de Ciências de 2008, o grande desafio brasileiro do Século XXI consiste em fazer com que este crescimento se apoie fundamentalmente em ciência e tecnologia, não em devastação.

Apesar do recente aumento na invasão de terras indígenas, da intensificação de atividades ilegais na exploração madeireira e no garimpo clandestino e das ameaças a ativistas, é impressionante o avanço e a consistência das propostas elaboradas por cientistas, ONGs, empresários e também por governos da região.

Mais que isso, os próprios povos tradicionais são hoje protagonistas de iniciativas transformadoras e ligadas à economia da floresta em pé. São ainda poucos os produtos da floresta cujas cadeias produtivas já têm impacto internacional. Mas que se trate de sementes, do açaí, da borracha ou da castanha do Pará, os dados mostram rendimentos por hectare sistematicamente superiores aos alcançados pelo gado e pela própria soja, como vêm mostrando os trabalhos com ampla repercussão nas melhores revistas científicas internacionais de Ismael e Carlos Nobre, de Raoni Rajão e de profissionais que atuam em organizações não governamentais como o Imazon, o Ipam e o Instituto Socioambiental, entre outros. O empreendedorismo ligado à valorização dos produtos da biodiversidade, na produção e no consumo (na gastronomia, por exemplo) vem sendo incentivado por organizações como o Centro de Empreendedorismo da Amazônia.

O diálogo entre atores sociais que até recentemente estavam distantes entre si intensifica-se e não só num horizonte de defesa contra a barbárie, mas sobretudo em torno de propostas construtivas.

Neste contexto ganha especial importância o recente trabalho do Instituto Escolhas, “Impulsionando o desenvolvimento sustentável do Amazonas”, apresentado há alguns dias na Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados. Vincular este arco de forças sociais ligadas à emergência da bioeconomia aos desafios de um novo modelo de crescimento econômico da região - e particularmente aos desafios da Zona Franca de Manaus - é a principal originalidade da contribuição do Instituto Escolhas.

Por mais importante que seja hoje a Zona Franca de Manaus, o documento mostra que ela padece de quatro problemas centrais: promove alocação ineficiente de fatores, distorce mercados e cadeias produtivas, seus incentivos não estão condicionados a metas públicas e seus beneficiários são completamente dependentes de subsídios.

Os ganhos sociais destes subsídios são pífios. Mas o mais importante no trabalho do Escolhas é o vínculo entre a bioeconomia e três outras dimensões estratégicas para o Estados do Amazonas e para a região.

Em primeiro lugar, é possível e necessário fazer da Zona Franca de Manaus um polo da economia de transformação digital. A tão almejada junção entre tecnologias contemporâneas e conhecimentos tradicionais, não se viabiliza sem Internet de alta qualidade.

A terceira dimensão estratégica (além da bioeconomia e da transformação digital) é o ecoturismo, atividade que, no mundo, cresce 15% ao ano e que poderia ser muito maior do que é no Brasil. A quarta dimensão é a piscicultura de água doce. Pouca gente sabe que o pescado é a principal proteína animal na produção e no comércio globais. A atividade é muito menos emissora de gases de efeito estufa que a criação de gado e exige área correspondente a 3% da necessária à oferta do equivalente em carne.

Tudo isso supõe, é claro, infraestrutura. Mas não se trata fundamentalmente de construir estradas e portos para o embarque de grãos e carnes e sim de uma infraestrutura voltada ao desenvolvimento sustentável, que fortaleça as cadeias produtivas e as oportunidades de os povos da floresta e os empreendedores da Amazônia participarem da emergência da bioeconomia. O estudo do Escolhas sintetiza esta aspiração mostrando inúmeras vantagens de converter a Zona Franca de Manaus numa espécie de “Vale do Silício da bioeconomia”. Esta orientação supõe, claro, o fortalecimento das organizações científicas locais, seu vínculo com os povos da floresta e um processo educativo que valorize o patrimônio cultural de uma região onde se fala mais de duzentos idiomas.

A bioeconomia é o caminho mais acessível para que o Brasil deixe o triste lugar que hoje ocupa como retaguarda da inovação tecnológica global. Trilhar este caminho com o protagonismo dos povos tradicionais, das ONGs que com eles atuam, dos cientistas que lá estudam os serviços ecossistêmicos da floresta e dos empresários comprometidos com inovação e sustentabilidade é o grande objetivo de um conjunto de forças que já começa a compor um movimento social para que a Amazônia se converta em vetor de aproveitamento racional de nossas maiores riquezas.

*Ricardo Abramovay é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de “Amazônia: Por uma Economia do Conhecimento da Natureza” (Ed. Elefante/Terceira Via).

Por que o Chile interessa


Bom ou ruim, o que lá acontecer terá efeitos na América Latina, em especial no Cone Sul

      Sergio Fausto*, O Estado de S.Paulo 31 de outubro de 2019 

Nas últimas semanas o Chile virou de pernas para o ar. O que ao início parecia se limitar a um punhado de jovens a pular catracas no metro de Santiago, em desafio pelo aumento da tarifa, transformou-se numa gigantesca onda de protesto social. Os protestos são tanto um produto do sucesso do “modelo chileno” quanto um reflexo de suas crescentes limitações.

Na herança deixada pela ditadura militar do general Pinochet, a coalizão de centro-esquerda que assumiu o poder no Chile em 1990 encontrou uma economia aberta que recém se havia estabilizado e começado a crescer; uma sociedade empobrecida por ajustes estruturais feitos a ferro e fogo e traumatizada pela violação sistemática de direitos humanos; e uma Constituição outorgada que estabelecia severos limites políticos à vontade dos governos democráticos eleitos.

Vistos contra esse pano de fundo, saltam aos olhos os avanços do Chile nas três últimas décadas de governança democrática: o crescimento econômico acelerado tornou o país o mais rico da América Latina; a pobreza despencou de 40% para 9% e a indigência, de 20% para 3%; a quase totalidade dos jovens passou a completar o ensino médio e mais da metade a concluir o ensino superior; os milhares de violações de direitos humanas foram apuradas e os culpados julgados e condenados; as amarras políticas impostas pela ditadura foram removidas. Falar em fracasso do “modelo chileno” é um equívoco, o que não significa ignorar seus problemas.

À medida que emergia uma nova classe média, criaram-se expectativas mais altas de consumo e reconhecimento social, apenas parcialmente cumpridas. As novas gerações que ingressaram no mercado de trabalho, mais escolarizadas que seus pais, fazem malabarismos para pagar educação, saúde, transporte e moradia com salários relativamente baixos. Apesar do esforço, os jovens não conseguem saltar as barreiras visíveis e invisíveis que os separam do topo da pirâmide, cada vez mais distante e inatingível. Sentem que o Estado não os ajuda a romper esses limites nem os protege do risco de voltar à pobreza da geração anterior. Já os mais velhos recentemente descobriram que o sistema de capitalização criado na ditadura lhes entrega benefícios mínimos de aposentadoria. A classe média batalhadora se percebe sem retaguarda estatal e familiar. E teme pelo futuro.

Os protestos expressam medo e raiva, dirigida contra o establishment político e econômico. Não se trata de uma elite socialmente irresponsável. Desde o primeiro governo democrático adotaram-se políticas sociais para redução da pobreza. Financiadas pelo crescimento acelerado e por um ligeiro aumento da carga tributária, surtiram efeito poderoso. Está claro que agora é preciso maior ousadia para enfrentar resistências do competente empresariado chileno a uma melhor distribuição da renda. A redução das desigualdades requer aumentar a carga tributária total e chamar os mais ricos à responsabilidade de arcar com maior fatia no financiamento público de políticas sociais. Sem matar a competitividade das empresas.

Sebastián Piñera, o atual presidente, é um homem moderado de centro-direita, que não apoiou Pinochet. Por outro lado, simbolicamente, encarna a simbiose entre o poder político e o poder econômico (por ser bilionário). Reagiu inicialmente mal aos protestos, dizendo que o país estava em guerra contra um inimigo oculto. Pediu desculpa, voltou atrás e convocou os partidos de oposição ao diálogo. Está em busca de um novo enredo para o seu governo.

O ex-presidente Ricardo Lagos defendeu o diálogo entre governo e oposição em torno de uma agenda de reformas mais ampla do que as primeiras medidas anunciadas pelo atual mandatário. Piñera e seus antecessores, Michelle Bachelet incluída, têm noção da responsabilidade histórica que carregam.

Mais do que qualquer outro país latino-americano, o Chile tem condições para dar resposta ao descontentamento social sem apelar para o populismo. Boas políticas macroeconômicas há várias décadas, e pequeno endividamento do setor público, asseguram condições fiscais para o país oferecer mais e melhores serviços públicos. Além disso, o Chile conta com uma boa burocracia estatal, pouco afetada pela corrupção.

Apesar de tudo isso, não é pequeno o desafio de restabelecer a confiança do povo nas elites e de todos no futuro do país. É enorme a descrença dos chilenos em suas instituições e lideranças políticas (talvez porque não conheçam as dos países vizinhos). Não são desprezíveis os riscos de o país se dividir em polarizações destrutivas, como Brasil e Argentina.

O futuro é incerto pela combinação de três ordens de fatores: as fórmulas políticas testadas com sucesso durante a transição e a consolidação da democracia (acordos políticos entre os grandes partidos) são vistas com desconfiança pela população; é necessária uma nova agenda de políticas públicas (mais complexa que a atual, por exigir maior coordenação entre agentes públicos e privados, melhor e maior investimento em ciência e tecnologia, novo equilíbrio entre competitividade e equidade); o mal-estar social chileno não tem motivações exclusivamente econômicas, mas também culturais (e a cultura não se amolda facilmente às decisões políticas).

O Chile está desafiado a inventar um novo projeto comum que vá além das aspirações individuais de cada um dos seus cidadãos sem retroceder às utopias coletivistas e sem perder o trem da integração competitiva à economia global. Desafio que exige à política e aos políticos ultrapassar os limites do curto prazo, da disputa partidária e dos estreitos corredores do poder.

Não é pouco o que está em jogo. O Chile enfrenta em melhores condições desafios que todos os países da região estão condenados a enfrentar. O que ali acontecer, de bom ou de ruim, terá efeitos na América Latina em geral e no Cone Sul em particular.

*SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC, COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP

Infortúnio de Macri inspira reformas


Claudia Safatle - Valor Econômico

Após pacote de reformas será a vez do Imposto de Renda negativo

A área econômica do governo resolveu “radicalizar” na proposição de reformas para não cair na mesma vala do presidente Mauricio Macri, da Argentina, que não conseguiu ser reeleito e devolveu o poder aos peronistas. O governo também não quer ficar exposto a um eventual enfrentamento de manifestações de protesto que, no Chile, paralisaram o governo de Sebastián Piñera.

O argumento dos assessores oficiais, porém, é de que o Brasil já passou por movimentos de protesto em 2013 e que a eleição de Jair Bolsonaro foi uma resposta da sociedade às questões então colocadas pelos manifestantes.

Avalia-se, na equipe econômica, que Macri foi lento demais e titubeante na proposição das reformas necessárias para tirar a Argentina da crise. Hoje a situação no país vizinho é dramática: déficit público da ordem de 6% do PIB, recessão (queda de -3,1% do PIB), inflação galopante (de 55% ao ano) e cerca de 35% da população urbana está na linha da pobreza.

O acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que daria ao país vizinho acesso a cerca de US$ 57 bilhões, foi considerado pelo presidente eleito, o peronista Alberto Fernández, como “impossível” de cumprir”.

Aqui o governo preparou um pacote de grande porte, com quatro emendas à Constituição (PECs), que derrubam tabus e revolucionam a política fiscal.

O próximo passo, segundo fontes oficiais, será de mudanças radicais também na área social. Pretende-se criar um programa de renda mínima mediante o Imposto de Renda negativo que daria uma nova cara ao Bolsa Família.

O IR negativo pressupõe a definição de uma determinada linha de renda. Quem receber acima dela paga um percentual de imposto e quem estiver abaixo recebe uma fração do tributo. O IR negativo foi concebido por uma política britânica, Juliet Rhys-Williams, nos anos de 1940. A ideia foi abraçada pelo economista americano Milton Friedman, pai do liberalismo que inspirou Paulo Guedes, ministro da Economia, que foi seu aluno em Chicago.

O pacote de reformas de Guedes é ambicioso. Chamado de Mais Brasil, ele pretende construir um novo pacto federativo que desindexa, desvincula e desobriga o Orçamento de despesas públicas; redefine a repartição de receitas do pré-sal entre a União, os Estados e os municípios, faz uma ampla reforma administrativa e cria a figura da Emergência Fiscal.

O ente da federação que se encontrar em estado de emergência fiscal poderá cortar despesas obrigatórias tais como pagamento de salários do funcionalismo mediante redução da jornada de trabalho e suspensão de reajustes salariais acima da inflação.

O gatilho para disparar a situação de emergência é a desobediência à “regra de ouro”, que proíbe o governo de se endividar para pagar gastos correntes. A União, portanto, já está na situação que lhe permitiria reduzir jornada de trabalho e os salários dos servidores. Neste ano o governo pediu crédito suplementar de R$ 258 bilhões ao Congresso para cobrir a insuficiência de recursos.

Um aspecto importante do pacote de medidas para consertar os desequilíbrios fiscais decorrentes do aumento sistemático do gasto público é a criação do Conselho Fiscal da República. Neste terão assento os presidentes da República, da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU), além do presidente da Associação dos Tribunais de Contas dos Estados (Atricon).

A ideia é que estejam todos muito bem informados da real situação da precariedade das contas públicas antes de tomar decisões que eventualmente piorem a situação. E caberá ao TCU ser uma espécie de ordenador das linhas de ação dos tribunais estaduais para que fiscalizem, de fato, as finanças estaduais e municipais, em vez de serem meros avalistas de práticas contábeis equivocadas.

No Chile, a “ponta do iceberg” que fez eclodir manifestações de protestos por todo o país foi o aumento da tarifa do metrô. Mas o que ganhou notoriedade nos últimos dias foi a palavra “desigualdade”, com manifestantes insistindo que a diferença social entre ricos e pobres no país é excessiva.

No Brasil, a desigualdade de renda é abissal. É importante que o governo não se preocupe somente com o corte de gastos, mas que esteja muito atento à rede de proteção social necessária para que o peso do ajuste não caia sobre os mais pobres. A ideia do Imposto de Renda negativo é bem interessante e o Bolsa Família, pelo universo que alcança, é um programa muito barato.

Investidor aflito
Investidores internacionais ficaram muito aflitos com a ação da prefeitura do Rio que, sob as ordens do prefeito Marcelo Crivella, derrubou as cancelas e estruturas do pedágio da Linha Amarela por causa de disputas com a concessionária Lamsa.

Crivella, em seguida, enviou projeto de lei à Câmara dos Vereadores que autoriza a encampação da Linha Amarela. O prefeito pediu, ainda, que a tramitação do projeto seja em regime de urgência.

Dados da Controladoria-Geral do município indicam que a Taxa Interna de Retorno (TIR) aplicada pela concessionária é de 30,57%, bem acima dos 10,90% previstos em termo aditivo. Essa seria a prova de que a Lamsa está tendo rentabilidade superior à estabelecida contratualmente, às custas dos preços dos pedágios.

Desde o episódio, assessores do governo federal têm recebido telefonemas de investidores que perguntam, afinal, qual é mesmo a “segurança jurídica” que têm os empreendimentos no país.
Segurança jurídica, porém, tem que ser uma via de duas mãos e compromissos contratuais precisam ser respeitados pelas partes.

E é melhor não partir para a ignorância e sair quebrando patrimônio que acabará sendo pago pelos cidadãos consumidores.

Crescer ou dividir? A falsa dicotomia da AL

Humberto Saccomandi - Valor Econômico

Desigualdade é um denominador da convulsão na região

A América Latina está em convulsão. Em alguns casos literalmente, como agora no Chile e na Bolívia, ou recentemente no Equador e na Venezuela, com protestos violentos. Em outros casos, o protesto é eleitoral, político, menos violento, mas não menos evidente. A desigualdade certamente é uma das causas principais, mas a falta de crescimento é outro fator importante. Governos da região parecem se concentrar num ou noutro problema. Essa é uma falsa dicotomia.

O caso mais clamoroso é o do Chile, considerado por décadas o país mais estável da região e que há duas semanas é palco dos maiores protestos desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet. As manifestações começaram contra um aumento pequeno na tarifa do metrô de Santiago, mas logo cresceram. Não era só pelos 30 pesos.

Nesta semana, o governo do presidente Sebastián Piñera acabou cancelando dois megaeventos que deveriam ocorrer no país neste fim de ano: a cúpula da Apec (associação de países do Pacífico) e a CoP-25 (a conferência do clima da ONU), numa admissão implícita de que os protestos devem continuar.

Sim, há o efeito de o Chile ser vítima do próprio sucesso, isto é, as demandas da população chilena cresceram à medida que o país enriqueceu mais do que os vizinhos. Mas as recentes manifestações expõem uma insatisfação crescente com um modelo econômico que limita o acesso a serviços públicos essenciais, como educação e saúde. O Chile vai bem, mas muito chilenos acham que não estão se beneficiando disso.

No Equador, um aumento no preço dos combustíveis, devido à retirada do subsídio estatal, detonou os protestos de outubro. O país, que foi recentemente socorrido pelo FMI, passa por um forte ajuste fiscal. De novo, a percepção de que o custo desse ajuste recai desproporcionalmente sobre os mais pobres estimulou as manifestações, que obrigaram o presidente Lenín Moreno a deixar a capital por alguns dias.

Em El Salvador, Guatemala e Honduras, três dos países com os piores indicadores socioeconômicos da região, a população protesta com os pés, tentando migrar rumo aos EUA em escala cada vez maior.

As três maiores economias da América Latina, Brasil, México e Argentina, não tiveram ondas de protestos recentes, mas trocaram clamorosamente de governo no período de um ano. O México tem o seu primeiro presidente esquerdista, Andrés Manuel López Obrador. O Brasil, com Jair Bolsonaro, tem um inédito governo liberal-conservador. A Argentina, com a vitória de Alberto Fernández, volta ao peronismo, o que parecia improvável pouco tempo atrás.

Na Bolívia, um dos países mais pobres da região, os protestos desta semana têm mais ver a percepção de fraude na reeleição do presidente Evo Morales. Ontem, duas pessoas morreram em confrontos, Mas o pior pode estar por vir, com um provável ajuste fiscal nos próximos anos.

Na Venezuela, o colapso econômico e a ditadura chavista geraram um êxodo de milhões de pessoas. Sem uma transição política, as perspectivas do país continuam sombrias.

Um primeiro denominador comum dessa agitação social e política parece ser a vergonhosa desigualdade. Dos 29 países mais desiguais do mundo, segundo o mais recente levantamento do Banco Mundial (de 2017), 16 estão na África (quase todos na área subsaariana) e 13 na América Latina e Caribe.

O coeficiente Gini, usado para medir essa desigualdade, é complexo de calcular e tem deficiências. Mas outras medições, como as séries do Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, não retratam um quadro muito melhor. Gostamos de nos espelhar na Europa e nos EUA, mas nos parecemos mais com a África.

A desigualdade não é um fenômeno natural nem uma praga divina. É resultado de processos históricos e de políticas públicas. Como relatou a OCDE no estudo “Under Pressure: the squeezed middle class” (Sob pressão: a espremida classe média, de abril), “no caso do Brasil, os benefícios recebidos [do Estado] por domicílios de renda baixa e média são desproporcionalmente baixos. Com os domicílios de alta renda ocorre o contrário, eles representam 19% da população e 43% dos benefícios sociais”. Ou seja, temos uma taxação regressiva, na qual o Estado tira dos mais pobres para dar aos mais ricos, na forma de salários, aposentadorias e outras prestações sociais. A reforma da Previdência é um passo na direção de reduzir esse efeito Robin Hood ao contrário.

Combater a desigualdade certamente seria menos difícil com crescimento e dinamismo econômicos. Estagnação ou recessão reduzem o bolo econômico a ser dividido, o que gera uma disputa intensa e autofágica na sociedade.

A América Latina, porém, é a região que menos cresce no mundo. Segundo o Panorama Econômico Mundial do FMI, de outubro, a região cresceu 1% em 2018 e crescerá apenas 0,2% neste ano, bem abaixo da média dos emergentes, que é de 4,5% e 3,9%, respectivamente. Mesmo os países que mais crescem na região (Bolívia, Chile e Peru) estão abaixo disso.

À exceção do México, a América Latina está fora das cadeias globais de produção. A dependência da exportação de produtos primários deixa a economia regional à mercê da oscilação dos preços globais das commodities, que vêm caindo. Segundo a Cepal, as exportações da América do Sul vão cair 6,7% neste ano, enquanto o comércio global terá pequeno aumento.

Parte dessa falta de dinamismo depende do arranjo produtivo mundial e está fora de controle dos governos locais. Mas a região também é das piores em termos de facilitação dos negócios, como mostrou o relatório Doing Business, do Banco Mundial.

Governos da região costumam se dividir no enfrentamento dos problemas por trás do mal-estar atual: desigualdade é tema de esquerda e crescimento é prioridade da direita. Essa é uma dicotomia falsa. Sem mais crescimento, não há o que dividir. Sem mais igualdade, com um consumo mais disseminado e mais qualidade em educação e saúde, a economia cresce menos, como já admite o próprio FMI.

Nos países desenvolvidos, partidos de direita defendem políticas sociais e partidos de esquerda apoiam uma moderna economia de mercado. Essas são mais complementares do que excludentes e precisam dialogar mais aqui também. Essa sintonia fina é difícil, mas necessária. As nações bem-sucedidas mostram isso. As ruas demandam isso.

Não chores por mim, Argentina


O peronismo não é de ‘esquerda’, é só um amálgama de populismo e sindicalismo
       
FLÁVIO TAVARES*, O Estado de S.Paulo
01 de novembro de 2019 | 03h00

A Argentina é o vizinho que amamos e odiamos, admiramos e invejamos, não só no futebol, mas também na vida cotidiana e na política. Os governos argentinos e brasileiros sempre dissimularam a rivalidade que leva ao conflito e, assim, as boas maneiras da diplomacia abriram caminhos entre espinhos. O turismo recíproco completou o entendimento.

Nós invejamos e amamos Buenos Aires. Eles invejam e amam Búzios e nossas praias.

Pela primeira vez, porém, agora um dos governos – exatamente o nosso, do Brasil – toma agressiva posição contra o vizinho e parceiro no comércio, no turismo e na amizade. A eleição presidencial argentina – em que o peronista Alberto Fernández, que se define como “liberal de esquerda”, derrotou o conservador Mauricio Macri, que tentava a reeleição – acendeu a ira de Jair Bolsonaro. Já antes, nosso presidente se pronunciou a favor de Macri, num gesto que lá foi visto como “intromissão alheia em assunto interno”, favorecendo o adversário peronista.

Mas Bolsonaro foi adiante. Agora afirma que não felicitará o novo presidente e pensa até em pedir a retirada da Argentina do Mercosul. A medida pode se estender ao Uruguai se a esquerda continuar no governo desse país, disse também. Assim, o Mercosul se reduziria à esquálida união de Brasil e Paraguai, numa mancebia de contrabando e marcas falsificadas dominando o comércio.

Morei na capital da Argentina ao longo de 22 anos, como correspondente deste jornal e de outras publicações, e conheci os labirintos da política e da economia. A partir de 1974 vivi os dois confusos anos do governo de Isabelita, viúva de Juan Perón e vice-presidente do marido. Depois, os 17 meses iniciais da ditadura militar, quando a morte governava tudo. Retornei em 1983, com a redemocratização, que elegeu o liberal de esquerda Raúl Alfonsín.

Acompanhei os dois governos de direita do peronista Carlos Menem e o caos implantado, desde então, por diferentes presidentes, com inflação e corrupção destruindo o país que, além de “celeiro do mundo”, fora o primeiro a tentar se industrializar na América do Sul.

Nesses anos, vi a mistificação apoderar-se da política e do cotidiano. A pujança construída até os anos 1950 foi destruída a cada dia. Mas tudo, antes, fora tão sólido que a Argentina vivia pendurada no passado. A decadência já mostrava o rosto, mas Buenos Aires ainda era “a Paris latino-americana”.

As férteis terras do Pampa garantiam a riqueza agrícola-pastoril. O nível de vida urbano e rural ainda era o melhor da América Latina. A escola obrigatória, instituída em 1870 pelo presidente Sarmiento e ampliada em 1918 pela reforma universitária (nascida em Córdoba, no interior), fazia da Argentina um país diferente, ou superior, na subdesenvolvida América Latina.

O primeiro governo de Perón (iniciado em 1946) amordaçou os opositores e controlou os sindicatos, mas instituiu modelares planos de educação e de saúde pública. Em parte continuam, tal qual as livrarias, num país de livros e bifes suculentos. Em Buenos Aires, em ônibus, trem ou metrô, mesmo em pé, liam-se jornais. Cada um dos três principais rodavam mais de 1 milhão de exemplares na cidade de 9 milhões de habitantes e num país de 30 milhões, na época.

Parte disso perdura, mas quase só como reminiscência de um passado que virou nostalgia. Isso explica o queixume perene dos “porteños” (habitantes de Buenos Aires), afáveis com os estrangeiros e rudes entre si. E também explica que até os antiperonistas tenham saudades dos tempos de “Perón presidente”, a derradeira época em que a velha pujança do início do século 20 ainda permanecia, mesmo se apagando aos poucos.

Agora, na eleição presidencial ressurgiu o velho tango, que a cegueira ideologizada de Bolsonaro não percebeu. Nosso presidente quer se ver livre do país com o qual partilhamos rios e 1.300 quilômetros de fronteiras comuns, e é nosso maior parceiro comercial nas Américas? Por que o tom duro, quase belicoso, como se Brasil e Argentina fossem inimigos quase em guerra? Ou (por se dizer “de esquerda”) o futuro governo peronista nos ameaça?

O peronismo nunca foi de “esquerda”, é tão só um amálgama de populismo e sindicalismo. Mas, e se fosse?

Quando presidente, o peronista Carlos Menem namorou “a direita” e desfez até algumas reformas sociais do próprio Perón. Os governos de Néstor e Cristina Kirchner deram prioridade ao “assistencialismo”, no estilo demagógico do nosso Bolsa Família, e sobre ambos pesam hoje denúncias de corrupção. A ex-presidente (agora eleita vice) responde a uma dezena de processos judiciais.

Também o não reeleito Maurício Macri é suspeito de corrupção, por favorecer, no governo, a própria família em multimilionárias negociatas. O candidato que Bolsonaro recomendou aos argentinos é um empresário ricaço que entrou na política por intermédio do futebol, ao presidir (e financiar) o popular Boca Juniors. No poder, não se esqueceu da família.

O que é isso, porém, comparado ao dia a dia brasileiro? Nas “redes”, nosso presidente se transforma em “leão” para espantar da selva as “hienas”, que seriam a ONU, o Supremo Tribunal, a OAB, a imprensa e os opositores… Haverá ridículo mais infantil e também mais perigoso?

A Argentina teve três Prêmios Nobel em ciências e um Prêmio Nobel da Paz. A figura universal, porém, foi Evita Perón, que morreu jovem, bela e politicamente poderosa, em 1952, e reapareceu na figura de Madonna num filme musical de Hollywood, anos atrás, cantando o inesquecível “não chores por mim, Argentina”.

Agora, a tragédia é aqui. Cada brasileiro pode repetir a canção e chorar por conta própria pelos disparates que nos governam.

* FLÁVIO TAVARES É JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA EM 2000 e 2005, PRÊMIO APCA EM 2004 E PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

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