quinta-feira, 13 de março de 2014

A importância da indústria

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
VALOR ECONÔMICO



Leio na edição dominical da "Folha de S. Paulo" um instigante artigo do professor Samuel Pessoa, intitulado "Indústria e Câmbio".

Físico que se envolveu nas complexidades e armadilhas da Ciência Triste, Samuel é meu confrade espiritual na autenticidade da fé palestrina, condição acessível apenas aos palestrinos de boa fé. Padecemos da mesma paixão pelo campeão do século XX, mas não compartilhamos as mesmas visões da economia e da sociedade.

Uma frase de Samuel incitou minha decisão de alinhavar considerações sobre o tema da indústria e de sua importância: "Não me parece haver evidência empírica de que a indústria seja especial sob algum critério".

A luta pela industrialização é uma questão de sobrevivência das nações, seus povos e de suas identidades

Não? O historiador Carlo Cipolla discorda. Em sua investigação sobre a ruptura econômica e social produzida pela assim chamada Revolução Industrial, Cipolla escreveu: "A Revolução industrial transformou o Homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada". Imagino que Samuel pretenda submeter a constatação de Cipolla a um teste econométrico, baseado numa série temporal que colhe informações desde o Neolítico até as primeiras décadas do século XIX.

À falta de tão requintados procedimentos da positividade empirista, só nos resta recorrer aos pacientes trabalhos de Angus Maddison. No livro "The World Economy", ele estima que, entre 1820 e 1913, a renda per capita na Grã-Bretanha cresceu a uma taxa três vezes maior do que aquela apresentada no período 1700-1820. A publicação da "Riqueza das Nações" e aperfeiçoamento para fins comerciais da máquina a vapor de Newcomen por James Watt no mesmo ano, 1786, talvez forneçam testemunho ainda mais confiável a respeito da radical ruptura no modo de produzir e nas formas de regulação da vida econômica e social.

Aí nasce, de fato, o capitalismo, logo adiante sobranceiro em sua autodeterminação, alcançada mediante a constituição das forças produtivas ajustadas à sua natureza irriquieta. Assentada sobre suas bases materiais, a economia da indústria promove a nova sociabilidade, aquela amparada nas realidades do assalariamento generalizado e nas aspirações de liberdade e de autonomia individual. Na mesma toada, o industrialismo capitalista suscitou o desenvolvimento da metrópole, tabernáculo da modernidade, cuja efervescência cultural, não raro, exprime as misérias sociais nascidas das turbulências do progresso. É aconselhável consultar, entre outros, Balzac, Dickens, Baudelaire, Flaubert e Zola.

O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria carrega nos ossos o progresso técnico, move a divisão social do trabalho e engendra diferenciações na estrutura produtiva, promovendo encadeamentos intra e inter-setoriais. Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços funcionais gestados no rastro da expansão da grande empresa industrial e promovidos pela racionalização e burocratização dos métodos administrativos.

O avanço tecnológico livra progressivamente a agricultura dos caprichos da natureza. Da mesma forma, há que considerar as relações umbilicais entre a Revolução Industrial e a revolução nos Transportes e nas Comunicações. É reconhecida a mútua fecundação entre a constituição do setor de bens de produção - apoiado nos avanços da metalurgia e da mecânica - e a expansão da ferrovia e do navio a vapor.

Essa reordenação da economia exigiu uma resposta também pronta dos países retardatários. Para a Alemanha de Bismarck, para os Estados Unidos de Alexander Hamilton e para os japoneses da revolução Meiji, a industrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades.

A industrialização dos retardatários se confunde com as inovações da Segunda Revolução Industrial. O aço, a eletricidade, o motor a combustão, a química e a farmacêutica são os protagonistas dos combates competitivos da Belle Époque. As transformações financeiras do crepúsculo do século XIX promoveram a centralização do capital requerida para o aumento das escalas de produção implícitas nas novas tecnologias. Isso seria inconcebível sem a concentração das relações de débito-crédito nos bancos de depósito e nas proezas dos bancos de negócios, sôfregos em "fixar" capital-dinheiro em novos investimentos.

É descuido imperdoável ignorar que algumas inovações da Segunda Revolução Industrial do final do século XIX - especialmente a ampliação da capacidade dos navios a vapor, o navio frigorífico e o telégrafo - "produziram" os produtores de alimentos e matérias-primas nas regiões periféricas. A rápida escalada industrial dos Estados Unidos e a incorporação da Argentina, da Austrália, da Nova Zelândia, do Brasil reconfiguraram a divisão internacional do trabalho e atraíram milhões de trabalhadores lançados na miséria pela depressão da agricultura europeia.

Depois do surgimento do capitalismo industrial, mais precisamente depois de 1850, diz Cippola, o passado não era apenas o que havia passado. O passado estava morto. A partir de então, o Prometeu Desacorrentado foi incansável em seu labor. Empenha-se agora na "reinvenção" da natureza e na criação das técnicas que poderiam ensejar a proteção do ecúmeno.

Aí estão as inovações da inteligência artificial, da biotecnologia, das alterações nas estruturas atômicas dos materiais, da impressão 3D, das novas energias limpas. Como disse Alfred Whitehead: "o homem inventou o método de inventar". Resta aos homens (no plural) a incumbência de reinventar a vida social para fruir as liberdades e benesses oferecidas pelas proezas de Prometeu.

No seu livro Envolvimento e Alienação, Norberto Elias lançou um pergunta que muitos preferem não responder: "Por que as sociedades humanas resistem mais do que a natureza não-humana a uma bem sucedida exploração (de suas potencialidades) pelos seres humanos?"
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