terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Nada de novo sob o sol

Foram 81 senadores e 513 deputados que lá somente estão em função de um voto recebido de um eleitor que, pelo menos em tese, estava cansado de corrupção, do "toma lá, da cá", do "presidencialismo de coalizão".
Ocorre que esses mesmos parlamentares, em sua expressiva maioria, querem a continuidade do "balcão de negócios", caso contrário, irão barrar qualquer reforma e tornar a gestão Bolsonaro inviável.
A pergunta é: O que o eleitor fará?!


Nada de novo sob o sol

Governo Bolsonaro tenta dar ares de modernidade administrativa ao que não passa de um eufemismo para o conhecido “balcão de negócios”
O Estado de S.Paulo 25 Fevereiro 2019 

O presidente Jair Bolsonaro prometeu enfaticamente, durante a campanha eleitoral, acabar com o chamado “toma lá dá cá” na relação entre o governo e o Congresso. E, de fato, suas nomeações para a formação do Ministério indicaram disposição de cumprir essa promessa, abandonando aquela prática tão nociva para a democracia, base do chamado “presidencialismo de coalizão”. No entanto, assim que começou a temporada de negociações para a aprovação dos projetos de maior interesse do governo, especialmente a reforma da Previdência, duas coisas ficaram claras: que o Palácio do Planalto não tem articulação política capaz de arregimentar votos em quantidade suficiente sem recorrer ao fisiologismo; e que os parlamentares, cientes das limitações do governo, não apoiarão as reformas sem alguma forma de compensação.

Como resultado, Jair Bolsonaro parece empenhado agora em encontrar maneiras de ressuscitar o “toma lá dá cá” sem dar a entender que aderiu àquela nefasta prática. Em reunião recente com a bancada de seu partido, o PSL, o presidente anunciou a criação de um “banco de talentos”, no qual os parlamentares governistas poderão indicar nomes, com seus respectivos currículos, para ocupar vagas nos escalões inferiores da administração federal. Com base nessas indicações, os ministros escolherão os funcionários. Tudo, dizem, de acordo com critérios absolutamente técnicos.

Na prática, ao criar o tal “banco de talentos”, o governo Bolsonaro tenta dar ares de modernidade administrativa ao que não passa de um eufemismo para o conhecido “balcão de negócios”, em que os governos anteriores costumavam pagar pelo apoio de parlamentares e de caciques partidários – seja com cargos, seja com emendas ao Orçamento.

Nem os governistas se deixaram iludir pelo palavrório de Bolsonaro. “Banco de talentos é um nome bonito, né?”, disse o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), eleito presidente do Senado sob o patrocínio do Palácio do Planalto. Para o senador, a iniciativa do governo é uma forma de aceitar indicações políticas, “só que com outro nome”. E questionou: “Será que no outro modelo as pessoas não tinham talento? Não tinham talento, mas tinham voto”. Para o deputado Jhonatan de Jesus (RR), líder do PRB na Câmara, “isso vai virar um show de calouros”.

O fato, a esta altura negado apenas pela exaltada militância bolsonarista, é que o governo não se preparou para a árdua tarefa de formar uma base consistente no Congresso. As queixas pela falta de interlocução começam pelo próprio partido do presidente, o PSL. “Nem cheguei a tomar um café”, reclamou um parlamentar sobre a falta de contato com Bolsonaro ou algum de seus representantes. Consta que na reunião da bancada com o presidente Bolsonaro, o senador Major Olímpio (SP), líder da legenda no Senado, reclamou que o PSL estava sendo preterido na distribuição de cargos.

Tudo isso vai se refletir na tramitação da reforma da Previdência. Com sua desorganização política, o governo está com dificuldades até para assegurar mais votos do que a esquálida oposição, formada hoje por cerca de 130 deputados. Considerando que o governo precisa obter pelo menos 308 votos na Câmara para aprovar a reforma, tem-se a dimensão do desafio à frente.

Esse cenário, contudo, não pode servir de pretexto para que o presidente descumpra sua promessa de acabar com o “toma lá dá cá”. Os brasileiros demandaram nas urnas uma nova forma de fazer política, centrada em princípios e programas, e não em promiscuidade. Ao contrário do que fazem parecer alguns políticos, a atividade parlamentar pode ser limpa e praticada no melhor interesse dos cidadãos.

Para isso, no entanto, é preciso haver capacidade de diálogo e de convencimento, algo que este governo está longe de demonstrar. Talvez por isso esteja se rendendo ao recurso fácil do fisiologismo, que abastarda a política. Afinal, para usar o eufemismo do governo, não é preciso nenhum “talento” especial, além da impudência, para mercadejar votos.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

‘Hoje, o maior latifundiário do País é o índio’

Resta-nos apenas 7,6% de 8.560.000 ha para produzir, alimentar e exportar. Tudo tudo devido a estupidez do "politicamente correto" que acometeu a sociedade brasileira nos últimos trinta anos...


‘Hoje, o maior latifundiário do País é o índio’, diz Nabhan
Secretário especial de Assuntos Fundiários diz que governo terá de enfrentar ‘maldição de viés político e ideológico’

Luiz Antonio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários

    
Vera Rosa e Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo
23 Fevereiro 2019 


BRASÍLIA - O secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antonio Nabhan Garcia, afirmou ontem que o governo de Jair Bolsonaro precisa enfrentar uma espécie de “maldição de viés político e ideológico”, arraigada nas instituições, se não quiser fracassar. Nabhan citou como decisão ideológica a desapropriação de uma área de 500 mil hectares, em Mato Grosso, com base em estudo antropológico que indicava a presença de “seis a dez índios” no local.


“Tem muita gente que critica o grande latifundiário, mas hoje o maior latifundiário do País é o índio”, disse ele ao Estado. Presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), amigo de Bolsonaro e responsável pela reforma agrária, Nabhan foi alvo de críticas, recentemente, por ter recusado pedidos de parlamentares para nomeações no Incra, mas afirmou não acreditar em retaliação no Congresso por causa de cargos. “Não pode haver essa picuinha entre Executivo, Legislativo e Judiciário”, argumentou.

O governo decidiu reabrir nomeações do segundo escalão, que haviam sido suspensas após problemas no Incra. Como assegurar agora que essas indicações sejam técnicas?

Quando aceitei o convite para estar aqui à frente da secretaria, deixei claro que nunca fui político. Minha função aqui é tentar reverter, de forma técnica, o que há de pior nessas situações fundiárias, que foram resultado de governos anteriores. Havia aqui forte influência política e ideológica, principalmente no Incra.

Mas partidos que podem vir a compor a base aliada ameaçam votar contra propostas consideradas prioritárias para o ajuste fiscal, como a reforma da Previdência, se não conseguirem cargos. O sr. acha mesmo possível conter esse “toma lá, dá cá”?

A gente tenta conciliar as indicações políticas, porque os parlamentares fazem parte de todo esse processo. Nós dependemos do Congresso para as mudanças. Então, é evidente que precisamos ter uma boa relação. Mas as nomeações não podem ter um viés ideológico.

A reforma da Previdência também traz mudanças para o trabalhador do campo. Isso não pode forçar o êxodo rural?

Não. A proposta é muito boa e o País precisa ter uma política previdenciária que traga equilíbrio. Não dá para brincar com o cofre público. Há uma espécie de maldição de viés político e ideológico, que existe no Brasil há séculos, de interferir em um processo de administração do País. Isso é muito ruim e prejudicial. 

O sr. foi acusado de ter destratado deputados que estiveram aqui pedindo a revisão de exonerações de seus afilhados políticos no Incra. Como responde?

Eu aprendi a ter educação de berço e nunca destratei ninguém. É evidente que alguns parlamentares querem impor uma nomeação ou revogar alguma exoneração. Nós sabemos que existe um ranço muito retrógrado dentro do Incra, com nomeações feitas por governos que tinham até conivência com os próprios invasores de propriedades e relação muito harmônica com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Agora, vêm aqui dez, vinte parlamentares querendo indicar um nome para a superintendência do Incra. Nós só temos uma por Estado. Como atender? É impossível. Precisamos fazer uma avaliação técnica. Tenho humildade de dizer que não estou muito habituado com essa questão política. 

O governo vai nomear militares da reserva para superintendências do Incra?

Se eu tiver aqui um general, um coronel ou qualquer oficial que preencha todos os requisitos e as necessidades para ocupar um cargo à frente dessa gestão, que é técnica, não tenho nenhuma objeção. Ao contrário, tenho até uma admiração muito grande pelos militares e pela capacidade que têm. 

Deputados e senadores têm se queixado muito da articulação política do governo com o Congresso. Como melhorar isso?

Olha, um governo que tem 50 dias, que entrou agora e vê tantos vícios, com uma herança ruim que foi deixada, sempre tem coisas a aprimorar. Muito em breve haverá sintonia quase que perfeita entre o governo e o Congresso. Eu acompanhei o presidente Bolsonaro durante a campanha e sempre o vi com muita vontade de acertar. Agora, se o Legislativo e o Judiciário vão colaborar, é outro problema. Não pode haver essa picuinha entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

A saída do ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, não terá impacto negativo nas negociações com o Congresso?

Acredito que não. Quando o casamento não dá mais certo, se promove uma separação. Não quero fazer crítica ao Bebianno, que, por sinal, é meu amigo. Mas só porque você casou e separou, passa a ser ruim? Claro que não. Se não deu certo, bola para frente.

Mas é que, nesse caso, houve uma queda de braço com o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Os filhos dele estão interferindo muito no governo?

Não. Os filhos talvez não estejam habituados a essa situação. São coisas decorrentes de uma família muito ligada. Se houve falhas e equívocos, serão prontamente corrigidos. É aquela história: em briga de marido e mulher, não se mete a colher. Eu presenciei o Carlos Bolsonaro ajudando muito o pai na campanha. Então, isso é natural, as coisas vão se ajustando no decorrer do tempo. Agora, eu achei um desrespeito muito grande o vazamento daquela conversa íntima entre o Bebianno e o presidente.

O sr. defende uma revisão na demarcação de terras indígenas, como a Raposa Serra do Sol?

O que puder ser revertido na forma da lei, talvez a gente possa reverter. Não podemos permitir que um Estado fique quase 90% à mercê de políticas ideológicas. Há interferência ideológica no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Decisão judicial se respeita, mas, no meu entendimento, houve equívoco do Supremo Tribunal Federal na questão da Raposa Serra do Sol. Quer ver outro exemplo? Lá na Amazônia Legal, no noroeste de Mato Grosso, houve um laudo antropológico dizendo que existe a possibilidade de ter ali de seis a dez índios isolados. Aí vem o governo com toda aquela parafernália e decreta a desapropriação de 500 mil hectares. O que é isso? Tem muita gente que critica o grande latifundiário, mas hoje o maior latifundiário do País é o índio. Não podemos transformar o índio em megalatifundiário.

E por que o Incra agora vai romper o diálogo com o MST?

Durante décadas, nós assistimos ao Incra ser comandado por invasores de propriedade, pelo MST e um emaranhado de siglas. A legislação determina que qualquer entidade de defesa de classe precisa ter personalidade jurídica e um estatuto, além de ata registrada em cartório. Aí, sim, se torna legal. Uma sigla vai lá, destrói, ateia fogo, faz vandalismo, terrorismo e fica por isso mesmo? Isso não é movimento social. Invasão é crime. Não podemos manter diálogo com foras da lei nem nos submeter a pressões. O MST ameaça desestabilizar toda a ordem e depois é recebido? Nós não podemos brincar e levar nesse deboche o dinheiro do contribuinte. 

O governo vai rever a política de reforma agrária? 

Sem dúvida. Fará uma revisão ampla, total e irrestrita. Não podemos compactuar com a indústria da invasão. Se o governo Bolsonaro ceder e entrar nesse viés político e ideológico, ele também estará fadado ao fracasso. E nós temos a convicção de que o presidente fará um governo com soluções administrativas. Há assentamentos que são favelas rurais. Se há propriedade rural improdutiva, que não cumpre função social, será desapropriada. Agora, o governo não encontra essas terras. É certo que existem entidades que querem fazer a reforma agrária dentro da lei. Não dá para ter mais a farra de algumas ONGs que estão ali com interesses escusos. 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Sínodo da Amazônia


Se a soberania nacional não for defendida, tornar-se-á refém da esquerda religiosa
         
Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia da UFRGS - 18 Fevereiro 2019 

Pensar a Amazônia, em termos internacionais, como se fosse uma mera discussão neutra, desprovida de caráter político, ou melhor, geopolítico, é uma grande ingenuidade. Alguns escondem seus reais propósitos numa retórica aparentemente moral e universal, tendo como fundamento questões ambientais, indígenas ou quilombolas; outros são mais diretos, procurando retirar do Brasil a soberania de uma fatia de seu território. Uns e outros partem de uma mesma ideia de “universalidade”, devendo nosso país se curvar a uma “humanidade” dirigida e controlada por eles.

O documento preparatório da Igreja Católica para o Sínodo da Amazônia procura capturar os incautos por intermédio de uma argumentação supostamente moral e humanitária, quando, na verdade, tem uma orientação política claramente estabelecida. Tal orientação está baseada na Teologia da Libertação, com referências explícitas a seus encontros fundadores em Puebla e Medellín. A argumentação bíblica é utilizada para estabelecer uma linha de continuidade entre a Torá, com nome hebraico no texto, e essa teologia que tem um eixo ideológico, baseado no marxismo. Só faltou dizer que a Teologia da Libertação é a herdeira direta do Antigo Testamento, o que equivaleria a dizer que o marxismo seria sua melhor expressão.

Convém não esquecer que tal orientação da CNBB está sendo fortalecida no atual papado, quando tinha sido liminarmente descartada pelo anterior pontífice, Bento XVI, já desde a época em que era conhecido como cardeal Ratzinger. Este em 1984 escreveu um livro crítico e mordaz contra a Teologia da Libertação, considerando-a uma perversão do pensamento católico. Em seu livro sobre a vida de Jesus, retomou a mesma posição, tendo-a como uma forma do “anticristo”. Cristianismo e marxismo seriam incompatíveis.

Acontece que setores da Igreja Católica brasileira, congregados na CNBB, procuram vender a imagem da neutralidade política, como se estivessem apenas preocupados com questões, digamos, religiosas ou universais nesta acepção restrita, quando, na verdade, estão profundamente engajados na política. Assumem claramente posições de esquerda! Talvez por ter a esquerda perdido espaço nesta última eleição estejam tentando ocultar as ideias que os norteiam!

Curioso que esse ocultamento se faça, muitas vezes, sob o manto de uma diferenciação em relação aos evangélicos, como se estes fizessem política e os católicos, não. Trata-se de mero disfarce, apresentado sob a forma da oposição, a “esquerda católica” não fazendo política, o que seria o caso da “direita evangélica”. Trata-se de uma forma retórica de velar seus reais propósitos.

A Igreja Católica, por intermédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), criou o MST, na década de 1980, e o acompanha deste então. Suas posições são expressamente anticapitalistas e revolucionárias, apregoa a violência nas invasões de terras, rurais e urbanas, em flagrante desrespeito à lei. Quando não a favorece, a lei é só uma ferramenta de “latifundiários” e “conservadores”. Despreza a democracia e o Estado de Direito.

A Igreja Católica também colaborou decisivamente na fundação do PT, constituindo um dos seus eixos. Aí a Teologia da Libertação encontrou terreno particularmente fértil para o seu florescimento. Foi companheira incansável dos governos petistas, o que significa dizer que foi complacente com o descalabro econômico e social por eles produzidos, sem dizer da captura do Estado pela corrupção desenfreada.

Outra comissão dela, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), almeja tornar os indígenas um instrumento seu e das ONGs a ele associadas, apresentando a visão de que suas áreas demarcadas seriam, praticamente, recortadas do território nacional. Ou seja, o Brasil não seria uma nação de indivíduos das mais diferentes crenças e etnias, mas sofreria uma subdivisão interna, formada por nações indígenas, que teriam completa autonomia sobre os seus territórios. A leitura de seus documentos mostra um linguajar marxista, voltado para a transformação revolucionária do País.

Apenas um dado: o Brasil, segundo o IBGE, tem em torno de 1 milhão de indígenas, dos quais aproximadamente 500 mil em zonas rurais. Ocupam em área demarcada 12,5% do território nacional. Se fôssemos seguir o Cimi e ONGs afilhadas, o País deveria ceder 24% de seu território para meio milhão de pessoas, para “nações”. O passo seguinte seria a sua representação na ONU!

O documento do sínodo está repleto de menções às ameaças de desmatamento, como se o País fosse o grande destruidor do planeta. Ora, segundo dados da Embrapa Satélite, pesquisados por um dos seus mais influentes estudiosos, Evaristo de Miranda, o Brasil é um dos países mais preservacionistas, ostentando o invulgar índice de conservação de mais de 60% de vegetação nativa, com contribuição decisiva dos empreendedores rurais. Dados esses, aliás, confirmados pela Nasa.

Nesse texto, discorre-se sobre a “Pan-Amazônia” que recortaria todos os países da Floresta Amazônica, que deveriam ser objeto de tratamento específico, segundo as ideias da “igreja universal”: a Igreja Católica sob a orientação da Teologia da Libertação, com seu séquito de ongueiros mundiais. A Igreja estaria, assim, se imiscuindo nos assuntos internos desses países, como se eles devessem curvar-se a tais ditames tidos, então, por “universais”.

O general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Nacional, está coberto de razão ao externar a sua preocupação com os rumos desse sínodo político e esquerdizante. Pensam os militares nos destinos do País e na integridade do seu território. O que está em questão é a soberania nacional. Se não for defendida, tornar-se-á refém dessa esquerda religiosa, ambientalista e indigenista, supostamente “humanitária”. E o sentido mesmo da Nação brasileira estará perdido.

*DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

domingo, 17 de fevereiro de 2019

AMAZÔNIA: “A MARCHA DA INSENSATEZ”

Quando fui o professor-chefe do Curso de Política e Estratégias Aeroespaciais, na Universidade da Força Aérea RJ, convidamos o Gen Ex Heleno, então Comandante Militar da Amazônia, para proferir uma manhã de palestras aos coronéis da FAB alunos daquele curso.
Eu já havia assistido a várias palestras, inclusive no CMA, antes contudo JAMAIS havia assistido a uma palestra tão abrangente e profunda, rica em detalhes e visão prospectiva. 

O que posso dizer é que a sociedade brasileira TEM MUITA SORTE de tê-lo como o atual GSI -pessoa essencialmente certa em uma função de elevadíssima criticidade estratégica.
O artigo abaixo do Gen Paiva mostra a dimensão e complexidade acerca da Amazônia.


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AMAZÔNIA: “A MARCHA DA INSENSATEZ” I (02-04-2013)

General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva

Nos anos 1980, a historiadora Barbara Tuchman publicou o livro A Marcha da Insensatez – de Troia ao Vietnam, um best-seller mundial. Usou eventos históricos para mostrar como governantes criam condições objetivas para futuros desastres ao decidirem movidos por ambições políticas e vaidades, sem compromisso com anseios e necessidades de seus povos e nações. Insensatez qualifica a política impatriótica dos últimos governos brasileiros, na Amazônia, mesmo cientes da secular cobiça de potências estrangeiras, manifestada em sucessivas tentativas de suprimir ou limitar a nossa soberania na região.

Nos anos 1850, Matthew F. Maury, oficial da Marinha dos EUA, propugnava a abertura da navegação na bacia amazônica e a sua ocupação por contingentes de negros após a abolição da escravatura naquele país. Em 1904, a Questão do Pirara resultou na perda de 19.600 Km2 do território nacional para a Guiana Inglesa, então colônia britânica. São apenas dois de muitos exemplos dessa cobiça.

A partir dos anos 1990, com a queda da URSS, os aliados da OTAN não tinham mais ameaça militar a seus territórios, ganhando liberdade de ação para se projetar em âmbito global. Cunharam então o conceito de novas ameaças, na verdade pretextos para justificar a expansão e impor globalmente seus interesses. Aí se insere a questão indígena.

Líderes mundiais propuseram publicamente a ingerência internacional no aproveitamento das riquezas dos espaços pouco explorados de outras nações, tendo estadistas como Mitterand (1989), John Major (1992) e Gorbachev (1992) citado nominalmente a Amazônia. Hoje, as potências estrangeiras são mais sutis, usando ONGs, grupos privados e organismos internacionais como a OEA e a ONU na vanguarda, para pressionar pela autonomia das terras indígenas (TIs) brasileiras e impedir projetos nacionais de desenvolvimento na região. Querem preservar hoje para explorar amanhã, impondo acesso privilegiado aos recursos amazônicos à revelia dos interesses e direitos brasileiros.

Essa marcha da insensatez começou com a demarcação da TI Ianomâmi (1991) e prosseguiu com as do Alto Rio Negro (1998), Vale do Javari (2001), Tumucumaque (2002), Raposa Serra do Sol (2005) e Trombetas-Mapuera (2008) que cobriram, perigosamente, a fronteira ao norte e a sudoeste do rio Amazonas. Todas nos governos Collor, FHC e Lula. Em todo o Brasil, 608 TIs já ocupam 13% do território nacional, área igual às do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e sul de Minas Gerais somadas. Tudo para apenas 800 mil indígenas, separados dos 200 milhões de irmãos brasileiros pela política segregacionista de governos complacentes com a campanha desnacionalizadora e separatista de ONGs estrangeiras, temerosos de reações internacionais.

A marcha avançou em 2007 quando o governo votou pela Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas na ONU, aceitando que eles tenham autogoverno, autodeterminação, instituições políticas e sistemas jurídicos próprios, constituam nações indígenas e vetem atividades militares e medidas de governo nas TIs. É autonomia superior à dos estados da Federação. Com 608 TIs, como ficará a governabilidade do País? O artigo 42 daquela Declaração ampara a intervenção internacional para obrigar o seu cumprimento, agredindo soberanias e patrimônios nacionais e tornando inócuo o artigo 46, que garante apenas a integridade territorial e unidade política dos Estados. Se o Congresso aprovar a Declaração com a qual o governo Lula concordou, o Brasil terá limitado a própria soberania ao reconhecer, em seu interior, 608 nações indígenas estrangeiras, para a comunidade global que não reconhece o índio como brasileiro. Os indígenas poderão exigir o cumprimento da Declaração. Se não forem atendidos e se revoltarem, havendo repressão do governo, solicitariam a intervenção da ONU com base em Resolução de 2005 – “Responsabilidade de Proteger”. Povo, território, nação e instituições políticas formam um estado-nação.

A marcha foi reforçada, mais uma vez pelo governo, ao lançar o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (2009), onde preconiza tornar constitucionais os instrumentos internacionais de direitos humanos não ratificados pelo Congresso Nacional. Se isso acontecer, caem as 19 ressalvas constantes na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, que resguardam a soberania nacional em todas as TIs. A Portaria nº 303/2012 da AGU, que regulamentaria essas ressalvas, foi suspensa pelo ministro da Justiça após pressões de praxe. Uma decisão da mais alta Corte do País contestada com êxito por ONGs estrangeiras e movimentos internos. Um absurdo!

O senador roraimense Mozarildo Cavalcanti (Diário do Senado Federal, 23-09-2005, p. 31758) condenou a demarcação da TI Raposa Serra do Sol em terras contínuas e evidenciou a pressão internacional, reconhecida pelo então Presidente da República. Disse o senador: “O Presidente Lula, na última audiência em que tive com Sua Excelência, (---) perguntou: quantos eleitores têm em Roraima? (---) Sua Excelência balançou a cabeça e disse que estava sendo pressionado pela USP, pela OEA, pelas ONGs europeias”. A propósito, o Príncipe Charles, criador da ONG Prince's Rainforests Project, que promoveu diversos encontros na Europa com lideranças indígenas e políticos brasileiros, defendendo aquela demarcação em terras contínuas, foi recebido por Lula às vésperas da reunião decisória do STF sobre o tema em março de 2009. Coincidência ou pressão?

A soberania na Amazônia já é limitada, de fato, coroando a marcha da insensatez empreendida por lideranças que colocaram projetos pessoais e vaidades acima do interesse nacional ou, com espírito mercantilista, negociaram soberania pensando gerar retorno econômico-financeiro ao País como se dignidade nacional fosse mercadoria de troca. A Nação, omissa, também é responsável.

'O Mundo que Não Pensa'

Livros explicam como as redes sociais manipulam seu comportamento
'O Mundo que Não Pensa', do jornalista Franklin Foer, e 'Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais', do cientista da computação Jaron Lanier, são alertas necessários
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André Cáceres, O Estado de S.Paulo
16 Fevereiro 2019  

“Sorria, você está sendo filmado.” O simpático aviso, comum em estabelecimentos comerciais, precisa de uma atualização. É o que mostram o jornalista Franklin Foer em O Mundo que Não Pensa (LeYa) e o cientista da computação Jaron Lanier em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais (Intrínseca), livros que investigam como a humanidade vem delegando funções cognitivas às máquinas e cedendo poder ao Vale do Silício. Segundo eles, estamos sob constante vigilância e nossos dados são usados para traçar perfis psicológicos, manipular opiniões, vender publicidade sob medida e prever nossas ações.

Facebook
Cena do filme 'A Rede Social', de David Fincher, que narra bastidores da criação do Facebook Foto: Sony Pictures
Para entender o mundo atual, Foer repassa a história da informática e identifica a origem dos algoritmos no filósofo e cientista Gottfried Leibniz (1646-1716), que inventou uma linguagem baseada em conceitos matemáticos independente de humanos para funcionar. Ele acreditava que “não deveria haver mais motivo para dois filósofos brigarem, o mesmo valendo para duas calculadoras”.

Algoritmos consistem em uma série de instruções simples que, se seguidas passo a passo, resolvem um problema lógico. Na prática, são os códigos que o Spotify usa para recomendar uma música; a Netflix, para sugerir um filme; ou o Facebook, para decidir quais notícias ou postagens mostrar e quais ocultar para cada um de seus usuários com base em suas preferências prévias. “O problema é que quando terceirizamos o raciocínio para as máquinas, na verdade estamos terceirizando o raciocínio para as organizações que operam as máquinas”, alerta Foer.

“Os algoritmos se empanturram de dados sobre você a cada segundo”, escreve Lanier. “Em que tipos de link você clica? Quais são os vídeos que vê até o fim? Com que rapidez pula de uma coisa a outra? Onde você está quando faz essas coisas? Com quem está se conectando pessoalmente e on-line? Quais são as suas expressões faciais? Como o tom da sua pele muda em diferentes situações? O que você estava fazendo pouco antes de decidir comprar ou não alguma coisa? Você vota ou se abstém?” Cruzados, esses dados embasam estatísticas que podem ser aproveitadas para veicular anúncios mais personalizados e efetivos.

“Nós não podemos permitir que as pessoas se sintam impotentes diante dessas empresas”, afirma Foer em entrevista ao Aliás. “Nosso objetivo deveria ser promover diversidade e pluralidade, mas também limitar concentrações de poder.” Sua principal preocupação é a formação de monopólios por meio da compra de startups. “Existem determinados sistemas – como o telefone e o telégrafo, exemplos clássicos – que jamais teriam florescido num mercado competitivo. Os custos de montar uma rede abrangente são exorbitantes”, explica ele, que teme uma replicação desse modelo no Vale do Silício. Foer relata, por exemplo, a ocasião em que a Amazon retirou livros da Hachette de seu catálogo durante negociações com a editora para pressioná-la a aceitar suas condições. Para ele, a relação entre a loja de Jeff Bezos e os editores de livros é extremamente desigual.

“As corporações estão claramente preocupadas com a possibilidade de que seus monopólios sejam quebrados, é por isso que estão tentando integrar seus diferentes serviços. Os europeus vêm mostrando formas mais sutis de desmembrar as empresas ao limitar sua habilidade de capturar e controlar o mercado de publicidade”, diz, por telefone. Foer propõe uma regulação estatal para impedir que o poder se concentre em poucas mãos, como ocorre hoje, embora, quando questionado, reconheça o risco: “Há um perigo em deixar governos regularem empresas de tecnologia para seus próprios interesses políticos.”

Ex-editor da New Republic, Foer admite que escreveu seu livro movido pelo ressentimento após sua demissão pelo cofundador do Facebook Chris Hughes, atual dono da revista. Já Jaron Lanier, um dos pais da realidade virtual e da internet 2.0, oferece em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais o ponto de vista interno de quem trabalha com tecnologia. “Muitas crianças do Vale do Silício frequentam escolas que adotam a pedagogia Waldorf e em geral proíbem aparelhos eletrônicos”, revela ele em seu livro, ao mostrar os mecanismos de psicologia behaviorista que as redes sociais utilizam para manter seus usuários viciados – o eufemismo oficial é “engajados”. “Emoções negativas, como medo e raiva, vêm à tona mais facilmente e permanecem em nós por mais tempo do que as emoções positivas. Leva-se mais tempo para construir confiança do que para perdê-la.” É por isso que as redes são infestadas de “haters” e brigas intermináveis, sem empatia ou diálogo.

As “bolhas” formadas nas redes derivam da forma como o conteúdo é categorizado e exibido aos usuários. “Involuntariamente, os algoritmos apresentam aos leitores textos e vídeos que apenas confirmam crenças e tendências profundamente arraigadas; eles suprimem opiniões contrárias, que podem inquietar o usuário”, explica Foer, para quem a solução é proteger o jornalismo, mesmo às custas da ideia de que “a informação quer ser livre”, tão alardeada pelo Vale do Silício. “O público compreendeu que informação de qualidade é fundamental para a preservação da democracia, e que terá de pagar por ela.”

Lanier acredita que a raiz desse mal não é a internet, os smartphones ou mesmo a coleta de dados, porque todas essas ferramentas podem ser, e frequentemente são, usadas para fins benéficos. Para ele, o problema ocorre quando esses instrumentos “são impulsionados por um modelo de negócio em que o incentivo é encontrar clientes dispostos a pagar para modificar o comportamento de alguém.” Ou seja, os “clientes” das redes sociais não somos nós, mas sim seus “anunciantes”. É a velha máxima: se algo é gratuito, a mercadoria é você.

E o poder dessas empresas é assustador: “Por meio dos dados, é possível saber onde você estará amanhã em um raio de vinte metros e prever, com razoável precisão, se o seu relacionamento romântico terá futuro”, exemplifica Foer. Lanier relata experimentos psicológicos conduzidos pelo Facebook à revelia de seus usuários, em que a rede comprovou que poderia influenciar o comparecimento das pessoas às urnas ou provocar alegria ou tristeza com pequenas alterações em seus feeds.

“Sim, é ótimo as pessoas poderem estar conectadas, mas por que elas têm que aceitar uma manipulação por parte de terceiros como preço dessa conexão? E se a manipulação, não a conexão, for o verdadeiro problema?”, provoca Lanier em um de seus argumentos. O autor acredita ser possível criar redes sociais saudáveis e que não sejam prejudiciais para a democracia, mas para isso o modelo de negócios das empresas por trás delas não poderia ter como objetivo a manipulação de comportamento em massa, como é hoje.

De acordo com ele, uma estratégia que não envolvesse anúncios, como cobrar assinaturas mensais nesses serviços, seria o primeiro passo para que as redes sociais realmente criassem pontes entre as pessoas, em vez de barreiras. Foer concorda que essa seria uma medida benéfica, mas ressalta: “Não podemos forçar as empresas a mudar seus modelos de negócio, e elas não farão isso sozinhas.”

O que nós, como indivíduos, podemos fazer diante dessas empresas? Foer oferece uma alternativa aos grilhões tecnológicos: “Há poucos dias, a grande poeta americana Mary Oliver nos deixou. Uma de suas frases dizia que ‘A atenção é o início da devoção’. Se não tomarmos conta de nossa atenção e a deixarmos sob o controle de corporações, será muito difícil para nós. Se queremos preservar o indivíduo, viver em um mundo com beleza e cultura, então tudo começa com proteger nossa atenção.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

[...]nem em dez anos Estados vão ajustar as contas'

Por que precisamos de um eleitorado maduro? Para que os escalabros revelados na reportagem abaixo JAMAIS aconteçam. 

Ocorre que nossa sociedade prima e se esforça em permanecer na puberdade democrática, atualmente o novo brinquedo é o "ativismo da hashtags" (#fora Renan; #voto aberto; #fora Tofolli; e mais uma profusa infinidade de bobagens inúteis do gênero).

Enquanto era profuso os hashtagas contra Renan e o voto aberto, prefeitos e governadores pressionaram o presidente da Câmara que, para se reeleger, concordou com o "perdão" da consistente e volumosa penetração no vermelho nas contas públicas. Existe uma LEI, a LRF e ninguém quer cumpri-la e o presidente da Câmara AINDA AJUDA que comete tais crimes. Só em Pindorama mesmo!!

O eleitorado, por si só, olhava para o outro lado. Não posso dizer que fingia que não via porque tenho minhas dúvidas se tal eleitorado é capaz de entender tanto o mecanismo como  a gravidade desse perdão. Primeira cacetada na vã tentativa de arrumação das caóticas contas públicas.

Segunda cacetada: Pressão do corporativismo do funcionalismos público (em especial o judiciário); dos exportadores do agrobusiness e, mais em particular, dos produtores de leite). Conforme antes vinha salientando, os eleitores de Bolsonaro quando perceberem que seus interesses estarão ameaçados passarão a bombardeá-lo, com a efusiva ajuda da distração da sociedade eleitora dessa vez entretida com o "affair" Bebiano.

Dessa forma será muito difícil Bolsonaro e sua equipe lograrem o mais tênue êxito que seja...
Por distração ou omissão tal eleitorado, ainda que sem querer, poderá contribuir para a interrupção da gestão Bolsonaro...


'Com regra atual, nem em dez anos Estados vão ajustar as contas', diz economista

Por Marta Watanabe | Valor Econômico

"Agora pelo menos nos Estados percebe-se que o problema independe de partidos, é sistêmico"

"Dar alívio a Estados em troca da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é grande"

SÃO PAULO - Desde que foi secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, Ana Carla Abrão participa intensamente do debate sobre as contas públicas e agora propõe uma "reforma de RH do Estado", que inclui mudanças estruturais nas carreiras dos servidores públicos e um plano de ajuste para os governos estaduais. Elaborada em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com o jurista Carlos Ari Sundfeld, a proposta se concentra em mudanças na legislação infraconstitucional.

Pela proposta, os Estados devem reconhecer o tamanho da despesa de pessoal, seja como resultado de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seja pela harmonização de interpretações da lei pelos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Com isso, todos os Estados, diz a sócia da Oliver Wyman, ficarão acima do teto de gastos de pessoal, de 60% da receita corrente líquida no consolidado dos poderes.

O prazo para reenquadramento dos Estados, segundo a ex-diretora do Itaú, será ampliado de dois quadrimestres para dez anos. A contrapartida dos governadores será replicar em seus Estados mudanças que inicialmente seriam feitas na legislação federal, com regulamentação de avaliação de desempenho relativo dos servidores, fim das promoções e progressões automáticas e reestruturação de carreiras. As alterações precisam passar pelas Assembleias Legislativas. O ajuste seria gradual e monitorado pelo Tesouro Nacional no decorrer dos dez anos e pode, num cenário otimista, resultar em redução nominal de 30% da folha ao fim de quatro anos.

Ex-economista chefe da Tendências Consultoria, Ana Carla avalia que atualmente há um grupo de Estados que claramente caminham no sentido de mudanças estruturais para reequilíbrio fiscal. Seria o que ela chama de coalizão, formada pelos governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Helder Barbalho (MDB), do Pará. Renan Filho (MDB), de Alagoas, destaca ela, se aproxima desse grupo em temas como a reforma previdenciária. Antes, diz Ana Carla, entre os governadores do mandato anterior, o ajuste era bandeira de vozes isoladas, como Paulo Hartung (sem partido/ES) e Renan Filho. O agravamento da crise, afirma ela, tornou o problema dos Estados mais claro. Ana Carla diz que não é possível esperar que todos abracem todas as agendas, mas à medida que a coalizão se amplia, avalia, há pautas básicas "passíveis de serem adotadas Brasil afora".

Apesar do quadro mais propício entre os governadores, Ana Carla teme que a reforma previdenciária vire moeda de troca por pacote de apoio aos Estados. O governo federal, diz ela, tem sido firme no sentido de que a reforma previdenciária é importante e prioritária. "O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional", diz. "Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. Não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos." A reforma tributária, defende, precisa ser aprovada por si só porque é imprescindível para que o país tenha alguma chance de crescer.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no escritório da Oliver Wyman:

Valor: Como é a proposta para ajuste dos Estados elaborada com o economista Arminio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld?

Ana Carla Abrão: A ideia é uma reforma de base, uma reforma de RH [recursos humanos] dos Estado para alterar a legislação infraconstitucional, deixando a discussão de estabilidade para depois. Mexer na estabilidade exige mudança na Constituição Federal e não há espaço para discutir isso agora, já que a prioridade é a emenda da reforma previdenciária. Nossa proposta está dividida em duas etapas: uma que trata do governo federal e do serviço público federal e uma que trata de Estados e municípios. Na esfera federal propomos três pontos. O primeiro é regulamentar critérios de avaliação de desempenho. Vamos regulamentar e estabelecer que é obrigatória a avaliação de desempenho de forma periódica num nível relativo de todo o servidor público do país. Nas avaliações de hoje, todo mundo ganha nota dez ou mil. E sabemos que os serviços públicos não são nem nota dez nem nota mil. O bom servidor público, que trabalha duro, está recebendo a mesma nota muitas vezes de outro que não é tão comprometido. O segundo ponto é acabar com promoções e progressões automáticas, que têm duas implicações nefastas. A primeira é que as pessoas não precisam se esforçar para ganhar mais ou ocupar cargos mais altos. Segundo, há impacto fiscal relevante. Porque mesmo se não der aumentos salariais a folha crescerá de forma vegetativa.

Valor: E isso afeta a capacidade de gestão da folha?

Ana Carla: Sim, tira a possibilidade de gestão do administrador público. As promoções e progressões continuarão porque fazem parte do desenvolvimento profissional, mas precisam ser vinculadas ao mérito. O terceiro ponto é resgatar a capacidade de planejamento da força de trabalho no setor público. Hoje na máquina pública se abrem concursos e não há mobilidade entre as carreiras. Então existem órgãos em que sobra gente e outros em que falta, o que gera mais concursos. O processo não tem fim. As empresas do mundo estão discutindo como lidarão com a disrupção tecnológica e o avanço da digitalização. Precisamos preparar o setor público para isso, atrair pessoas com perfil diferente, com capacidade de mobilidade dentro da máquina.

Valor: E Estados e municípios?

Ana Carla: É o outro pilar da proposta. Não é possível aceitarmos serviços públicos tão ruins num país onde mais da metade da população depende de educação e saúde pública e gratuita. Isso reforça a desigualdade social e precisa ser revertido. Os Estados e municípios são os provedores da maior parte desses serviços e é onde temos também o maior problema fiscal. Estamos alocando mal os recursos, e hoje o servidor público responsável por prover os serviços está desmotivado porque não recebe salários em razão da situação de colapso fiscal. A proposta original é rever a LRF e atualizar os conceitos de despesa de pessoal. Sabemos que nenhum Estado cumpre a LRF. Propomos rever o conceito de despesa de pessoal, reconhecer as despesas. A consequência disso é que 100% dos Estados estarão desenquadrados. A LRF estabelece dois quadrimestres de prazo para reenquadramento.

Valor: Mas o prazo não é viável.

Ana Carla: É absolutamente impossível. Não é razoável achar que os Estados vão baixar 15 ou 20 pontos de comprometimento da receita nesse prazo. Então criaríamos uma disposição transitória para, especificamente para neste momento, dar dez anos de prazo para o reenquadramento. Com os instrumentos atuais, é impossível enquadrar mesmo em dez anos. O enquadramento se dará com os Estados aderindo aos dispositivos que propusemos para o governo federal, com avaliação de desempenho relativa, proibição de promoções e progressões automáticas e revisão de planos de cargos e salários. A redução da despesa será feita de forma linear. Ao final, vão ter alguns ganhando mais, outros menos, mas teremos um contingente mais racional de servidores. Será possível dar condições de trabalho a eles e recuperar a capacidade de investimento. Com base em análise de planos de carreiras e de legislações de cargos e salários em entes federados e levando em conta uma situação otimista, a mudança pode trazer redução nominal de 30% da folha salarial ao fim de um período de quatro anos. Estudei leis de carreiras do país todo e esse modelo é muito replicável. Mesmo de forma gradual, faremos redução nominal da folha, algo impensável no modelo atual, mesmo com congelamento de salários. O congelamento não pode ser medida descartada. Nos regimes de recuperação fiscal é algo necessário, mas ele não funciona no longo prazo. Por isso é preciso revisão de cargos, salários, de leis, de processos internos de promoção, para que os reajustes sejam racionais, sustentáveis e criteriosos.

Valor: Mas a mudança nos Estados precisa ser antecedida por uma alteração da LRF?

Ana Carla: A alteração é para fazer os Estados reconhecerem a despesa de pessoal. Muitos dizem que essa discussão da LRF pode flexibilizar ainda mais as condições aos Estados. Um caminho alternativo é esse movimento dos TCEs, motivado pelo Tesouro Nacional, de criar padronização sobre as despesas de pessoal. Isso pode ter o mesmo impacto da revisão da LRF.

Valor: Mas esse movimento dos TCEs não é tão uniforme, certo?

Ana Carla: Eu sou otimista no sentido de finalmente haver autocrítica e pelo menos os absurdos desaparecerem, como retirar do cálculo da despesa de pessoal o Imposto de Renda sobre folha, os pensionistas e até aposentados. E a discussão da LRF ficaria para um momento mais oportuno. No momento em que se coloca IR, aposentados e pensionistas na conta, ninguém vai ficar com 75% porque criou-se o subterfúgio de dar auxílios sob forma de aumento e isso não estaria capturado, mas pelo menos se corrigiria na direção correta. Os Estados não podem fugir das discussões das leis locais de carreira porque os instrumentos de correção só existem com a mudanças nessas regras. É uma briga que está nas mãos dos governadores nas suas Assembleias Legislativas. Não depende da União ou do STF. O que o governo federal precisa fazer é a coordenação técnica. Não podemos deixar os Estados soltos. Quando o assunto chegar na Assembleia de cada Estado, se não houver uma onda acontecendo junto, com outros governadores indo na mesma direção, a briga fica muito mais difícil e a chance de fracasso é muito maior.

Valor: E os novos governadores estão propensos a essas mudanças?

Ana Carla: Há um grupo muito propenso, o da coalizão dos novos governadores, que são Eduardo Leite, Caiado, Zema, Doria e Barbalho. Eles se uniram numa coalizão para defender pautas de responsabilidade fiscal porque querem ter capacidade de governar. Nos Estados como Rio Grande do Sul, Minas e Goiás temos governadores assumindo esses mandatos pela primeira vez, com quatro anos pela frente e em condições de total ingovernabilidade. São forças políticas dependendo de pautas positivas para entregar um Estado com avanços daqui a quatro anos. Quando olhamos para trás, tínhamos poucos governadores nesse caminho em todo o mandato, como Renan Filho e Hartung. Agora há uma coalizão mais representativa, com maior poder de multiplicação. No mandato anterior eram vozes isoladas.

Valor: A aproximação do governador Renan Filho a essa coalizão, ao menos em algumas agendas, é importante politicamente?

Ana Carla: Sem dúvida. Renan Filho é governador reeleito e hoje mostra os resultados de uma gestão anterior responsável. À medida que a coalizão integra representantes de diversas regiões, pelo menos há pautas básicas passíveis de serem adotadas Brasil afora. Não podemos ser ingênuos de imaginar que o Brasil é um só. Não podemos ir a um extremo de todos abraçarem a mesma agenda nem cada um para si ou cada bloco defendendo a sua pauta. Senão chega no Congresso, onde as reformas têm que acontecer, e não saímos do lugar porque não há a necessária maioria ou representatividade. A vinda de Renan Filho ajuda a criar uma agenda básica comum. Ao longo dos últimos quatro anos, vimos uma divisão territorial do Brasil em que pautas importantes não sensibilizavam o Nordeste ou vice-versa. Há o bloco dos Estados exportadores querendo repasses da Lei Kandir, o do Nordeste, que depende muito do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o do Centro-Oeste, que defende os incentivos fiscais. E há São Paulo tratado como se estivesse contra o Brasil inteiro. A divisão sempre existirá, mas precisamos chegar a um consenso. Reforma da Previdência, necessidade de racionalizar serviços públicos, reforma tributária, por exemplo.

Valor: Então os Estados estão tentando se reorganizar entre si?

Ana Carla: Sim. Depois desse ciclo em que os governadores que saíram pegaram uma situação difícil e deixaram para o sucessor uma pior ainda, o entendimento dos problemas está mais claro. E começa a perder a característica partidária. O problema é que, com tanta polarização anterior, as agendas viraram vermelhas ou azuis. Agora pelo menos no nível dos Estados percebe-se que, independentemente de partidos, temos um problema sistêmico. Não adianta ficar culpando governador do partido contrário ao meu.

Valor: A sra. acha que Estados que baterem à porta do governo federal em busca de recursos sem buscar ajuste não terão sucesso, então?

Ana Carla: Eu tenho um temor. Temos a pauta que é a mais importante para o Brasil hoje, que é a reforma da Previdência. O medo que tenho é entrar num processo de toma-lá-dá-cá. Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio de que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. E não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos. Usar a Previdência como moeda de troca mostraria que os governadores não entenderam que a reforma é um imperativo não só para a sobrevivência dos Estado, mas também para que o país tenha alguma chance de voltar a crescer.

Valor: E o governo federal tem força para impedir o uso dessa brecha?

Ana Carla: O governo federal tem dado declarações muito firmes nessa direção, de que a reforma da Previdência é importante para todos, é prioritária e urgente. O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional.

Valor: Mas esse jogo não depende da postura do governo?

Ana Carla: Sim, e a postura do governo tem sido muito firme. O que Mansueto [Almeida, secretário do Tesouro Nacional], que é o porta-voz do governo federal para a agenda dos Estados, fala é que não há recursos e que o problema dos Estados é de despesa de pessoal e Previdência. A primeira declaração que vi diferente dessa foi do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse estar negociando pacote de apoio aos Estados em troca da aprovação da reforma da Previdência. Quando ele fala do governo federal e da gestão da Câmara, o discurso dele é de muita responsabilidade. Para mim, soou estranho abrir espaço para que essa negociação exista. Não se trata de deixar Estados soltos, mas misturar essa duas agendas e dar alívio aos Estados em troca da aprovação da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é muito grande.

Valor: Qual sua perspectiva para a economia e como isso pode afetar os Estados?

Ana Carla: Vejo de forma binária, que felizmente está pendendo mais de um lado do que para outro. O Brasil tem hoje dois caminhos. Um deles é aprovar uma reforma da Previdência decente e isso por si só é muito importante, mas tem, além disso, um impacto de segunda ordem que é abrir espaço na agenda para reformas microeconômicas, estruturantes, que vão dar ganhos de produtividade para a economia brasileira. Nesse conjunto, eu coloco a reforma do Estado. Falar em produtividade sem falar no setor público não é falar em produtividade. Se trilharmos esse caminho, juntamente com privatização e concessões, com ganhos de investimentos em infraestrutura, o Brasil tem pela frente uma perspectiva positiva, de crescimento. Não estou falando de o Brasil crescer, 5%, 7%, 10%, mas sim de retomada de crescimento com uma possibilidade de surpreender positivamente. Isso seria muito favorável para os Estados. Não tira a agenda de reformas estruturais dos Estados da pauta, mas não podemos menosprezar o impacto positivo de ter investimentos, economia crescendo, de sair pelo menos três palmos da linha d'água, já que estamos submersos. Se não tivermos reforma da Previdência, será um desastre. O Brasil terá um agravamento adicional de uma situação que já é muito grave e os Estados serão a bomba da vez. Será uma situação de colapso generalizado e entramos num processo que não quero viver. Mas estou otimista porque o primeiro caminho se mostra mais provável.

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