FOLHA DE SP
Proteção e incentivos a setores selecionados resultam em grupos de interesse que tendem a dificultar reformas que beneficiem a sociedade
A política econômica retornou ao centro do debate com seu sucesso em estimular o consumo, porém não o investimento e o crescimento. Pouco se discute o lado da oferta, onde se encontra o maior desafio: aumentar a produtividade da economia, essencial para a convergência dos padrões de vida da população aos dos países mais ricos.
O debate sobre políticas públicas esbarra na carência de evidências robustas que auxiliem a sua avaliação, sendo frequentemente dominado por crenças preconcebidas. A experiência de outros países pode ser útil para a discussão, como nos parece ser o caso da Austrália.
Na década de 1920, a Austrália criou um Conselho das Tarifas (de importação). Tal conselho tinha por objetivo encorajar o desenvolvimento de setores eficientes, o que por anos foi feito por meio da recomendação de crescente proteção tarifária. Na década de 1960, no entanto, o conselho se conscientizou do dano que essa proteção vinha causando à eficiência econômica e ao crescimento. Essa conclusão levou a uma interessante evolução institucional.
Após duas etapas na década de 1980, quando o conselho se transformou primeiramente na Comissão de Assistência Setorial e depois na Comissão Setorial, foi finalmente criada em 1998 a Comissão de Produtividade, que tem por missão fazer estudos e recomendações sobre como melhorar a produtividade e o desempenho da economia.
O ponto mais importante do seu mandato pode ser encontrado no topo da lista de princípios que o regem: todas as políticas devem ter como preocupação o bem-estar da comunidade como um todo, e não os interesses particulares de um grupo ou setor. Esse deveria ser o foco de todas as políticas públicas no Brasil.
Outros objetivos da comissão são promover a redução de regulamentações desnecessárias, estimular setores eficientes e competitivos internacionalmente, facilitar mudanças estruturais, levando em conta os interesses daqueles afetados por reformas, e garantir o desenvolvimento ecologicamente sustentável.
O contraste com a Argentina é notável. No começo do século 20, Austrália e Argentina estavam entre as economias mais produtivas do mundo. Durante as décadas seguintes, no entanto, ambos os países adotaram crescentemente medidas de estímulo à indústria doméstica e elevadas tarifas de proteção ao comércio exterior. Progressivamente, os dois países foram ficando atrás das economias mais desenvolvidas.
Na década de 1980, a Austrália apresentava taxa de crescimento anual da produtividade menor que a da maioria dos países da OCDE, inclusive a Grécia. A Argentina, por sua vez, enfrentou sucessivas crises econômicas, e seu PIB per capita caiu para 30% do americano.
Nas últimas décadas, os dois países fizeram opções distintas de política econômica. A história argentina é bem conhecida, com medidas heterodoxas à esquerda e à direita, pouco controle das contas públicas e forte intervenção governamental.
A Austrália fez outra escolha: a da redução progressiva do protecionismo, acompanhada da avaliação das políticas públicas, e a criação de agências independentes do Estado com metas de desempenho, inclusive o Banco Central.
Políticas de desenvolvimento baseadas em proteção, subsídios e incentivos a setores selecionados resultam no estabelecimento formal e informal de grupos de interesse, que dependem da sua manutenção. Esses grupos tendem a dificultar reformas que beneficiem a sociedade como um todo. No caso da política econômica, essa dificuldade é ainda maior pela impossibilidade do contrafactual, ou seja, aquilo que poderia ter ocorrido caso a escolha tivesse sido outra.
A saída passa por adotar critérios e regras de políticas públicas voltados ao interesse maior da sociedade, promover avaliações regulares e independentes dessas políticas e garantir ao público o acesso a informações que permitam o contraditório.
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