segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Procure lembrar

O sinal amarelo de alerta passou de "steady" para piscar com frequência baixa, mas piscando...em aviação o próximo passo é o vermelho (ainda mais se for o indicador de combustível remanescente) e você se aproxima, noturno, na terminal SP com destino  à  Congonhas vindo do Rio, significa dizer que do litoral até lá pouco se tem de espaço horizontal, sem obstáculos, para um pouso, ainda mais chovendo e, pior, noturno no entorno das 18:00hs. Enfim, o amarelo faz você relembrar e recitar orações compulsórias para lograr a primeira comunhão...

Amarelo porque já é o terceiro artigo no qual Gabeira (ex-PT e ex-guerrilheiro, convertido à razão dos fatos) começa a alfinetar, com mais profundidade e frequência em um mesmo artigo, o governo Bolsonaro que, logo após a vitória em segundo turno foi um dos raríssimos jornalistas (ainda mais escrevendo pelo O Globo e com programa na Globo News). Esse foi o primeiro elemento de análise.

O segundo é que ele, com seus 70 anos e mais de quarenta só como jornalista, está caindo no "canto" da desinformação. Para ele é ruim porque abre mão da coerência e do bom senso e prefere se render "à galera midiática".

Questionar uma fala de um ministro ANTES do desastre de Brumadinho foi, literalmente, um desastre...que suprimindo meio parágrafo, poderia ser evitado.

Só em defesa de Mourão, controle de documentos sensíveis descentralizados diminui SOBREMANEIRA, a burocracia e as amarras cartoriais SEM COMPROMETER a inteligência. Um exemplo antigo mas ilustrativo: Resultado de inspeções de saúde acusando câncer ou doença degenerativa grave recebia a classificação de SECRETO e para involuir para CONFIDENCIAL controlado dava trabalho e desgaste para os militares e familiares envolvidos...apenas para ficar nesse de uma verdadeira miríade de detalhes nessa seara...

De sorte que neste artigo que merece leitura com "epochée" Gabeira "viajou". O problema é a influência e credibilidade que ele imprimiu em seus leitores, inclusos bolsonaristas, nos últimos meses.

Conforme antevi, a luta será difícil...



Procure lembrar

Fernando Gabeira: - O Globo

Estou muito velho para ficar desapontado, reclamando de governos. Mas nem tanto para iniciar um leve combate

‘Tente esquecer em que ano estamos.”

De vez em quando, ouço Luiz Melodia, que sempre me apoiou nas campanhas claramente perdidas, antes mesmo do começo. O verso foi escrito num contexto amoroso, no qual os amantes se esquecem do mundo. Infelizmente, não posso seguir o amigo, nesse verso de “Pérola negra”.

Minha tarefa é exatamente procurar lembrar em que ano estamos. Não é fácil. Para quem viveu longamente, muitos anos disputam o lugar de modelo, referência para compreender o que se passa. Pouco servem diante da singularidade de 2019.

A chegada de um novo grupo ao poder trouxe consequências imprevistas. O novo chanceler Ernesto Araújo escrever que o aquecimento global é uma invenção do marxismo global.

Não conheci Osvaldo Aranha, embora tenha visitado seu túmulo no Sul. Entrevistei, ainda jovem, Augusto Frederico Schmidt, leio constantemente sobre a trajetória de Afonso Arinos, San Tiago Dantas. E há ainda os grandes diplomatas de carreira. Nenhum desses homens, creio, seria capaz de se antepor tão ousadamente às evidências científicas colhidas pela humanidade.

Araújo é um intelectual. Fiquei até agradecido por aconselhar a leitura de Clarice Lispector. Não sei bem o que ela estava fazendo no seu discurso. Mas é sinal de bom gosto. A própria Clarice ficaria perplexa como se estivesse diante de um búfalo ou de uma galinha.

Realmente, tenho de me esforçar muito para entender a política ambiental de Bolsonaro. Antes de partir para Davos, aprovou para o Serviço de Florestas um homem que quer liberar a caça de animais silvestres no Brasil.

Esforço-me por entender o universo ético da família do presidente. Flávio Bolsonaro apegou-se ao foro privilegiado para enfrentar denúncias de movimentação financeira atípica. Em seguida, soube-se que ele empregou em seu gabinete a mulher e a mãe de um matador ligado às milícias.

Sua posição sobre as milícias admite que são vantajosas porque expulsam os bandidos. Isso só pode ser entendido na linha do tempo.

A defesa das milícias nos dias de hoje não pode ignorar que controlam o gás, parte do comércio imobiliário, do transporte coletivo e até do tráfico de drogas. E matam muito.

O tempo torna mais aceitável a posição de Flávio. O desconcertante é que a mulher e a mãe do bandido trabalharam até 2018 no seu gabinete. E isso num período em que ele já estava na cadeia.

Minha perplexidade aumentou com o decreto de Mourão autorizando funcionários de segundo escalão a classificar os documentos como secretos. O projeto deles, com apoio da maioria, era o de combater a corrupção. O decreto enfraquece precisamente a melhor arma contra esse crime: a transparência.

Qualquer movimento de volta à opacidade serve apenas para levantar suspeitas de concentração de poder. Ou de riqueza. A história recente no Brasil deixou nas mãos da sociedade escaldada pelo menos um instrumento de defesa, que é a transparência.

O fato de haver muitos militares no governo para mim não tem conotação negativa. Considero-os uma força moderadora. Mas qualquer recuo na transparência fica parecendo um enfoque militarizado do governo.

Mourão afirmou que o decreto já estava pronto no governo Temer. Levamos anos discutindo essa Lei de Acesso. Se o decreto tinha mesmo uma justificava racional, por que não discuti-lo?

Estou muito velho para ficar desapontado, reclamando de governos. Mas nem tanto para iniciar um leve combate agora que estou com a carteira praticamente vencida.

Por que conciliar com a ignorância humana que pode arruinar nossos recursos naturais? Por que aceitar um recuo na lei da transparência que ajudei a construir na Câmara?

Espero que os eleitores de Bolsonaro não fiquem muito zangados. Nada contra eles. O que penso sobre milícias, transparência e aquecimento global não depende tanto de eleições. A ideia não é conhecer a verdade e se libertar através dela? A minha é essa: milicianos são criminosos, o planeta está se aquecendo, e não há nada mais suspeito do que golpear a transparência.

Eleição no Congresso inclui disputa por 682 cargos de até R$ 20 mil

Sempre chamei a atenção acerca da ferrenha disputa de cargos de segundo, terceiro e quartos escalões dos órgãos públicos e de economia mista espalhados nas três esferas da administração pública (federação, estados e municípios) espraiados em 27 estados e 5 565 municípios. Este, aliás, foi o grande motivo de Ulisses Guimarães e Orestes Quércia, lenta e sistematicamente, isolarem o presidente Collor dos demais parlamentares até a Fiat Elba se transformar em "motivo oficial" de seu impeachment.
O outro ponto, dessa vez mais recentemente, é que antecipei que o mesmo eleitor que elegeria Bolsonaro TAMBÉM iria dar o voto a um governador, senador, deputado federal e estadual que, mais adiante, ao ter seus interesses contrariados iria, também lenta e sistematicamente, tornar o governo Bolsonaro inviável até o impeachment.
Convém o eleitor de Bolsonaro passar a se interessar mais por política se não quiser o PT voltando tresmutado em MDB, PDT e outras siglas "chiques e elegantes" de esquerda.


Eleição no Congresso inclui disputa por 682 cargos de até R$ 20 mil

Vagas para abrigar indicações de aliados estão entre os atrativos da disputa prevista para sexta

Daniel Carvalho, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Não são apenas os cargos de comando da Mesa Diretora e de comissões e a possibilidade de pautar questões legislativas estratégicas para os planos do governo Jair Bolsonaro que estão em jogo na eleição para presidente da Câmara e do Senado, na próxima sexta-feira (1º).

Além dos postos que serão ocupados por deputados ou senadores, estes parlamentares têm um vasto número de vagas à disposição para abrigar indicações de aliados.

Eles podem empregar —afora os servidores concursados— 682 cargos de confiança (485 na Câmara e 197 no Senado) com salários que variam de R$ 2.500 a R$ 19,9 mil.

A eleição no Congresso ocorrerá num momento em que Bolsonaro deverá estar em recuperação médica, após cirurgia a que deve ser submetido nesta segunda (28).

O presidente tem dito que não trabalha por nenhum dos candidatos que disputam os comandos das duas Casas. O início da nova Legislatura, porém, é fundamental para seus planos políticos —inclusive para negociar a reforma da Previdência, considerada crucial para sua gestão.

Segundo levantamento da coordenação de registro funcional da Câmara, feito a pedido da Folha, somente o gabinete do presidente da Casa tem direito a 82 CNEs (cargos de natureza especial), que são aqueles postos que dispensam a realização de concursos públicos —ou seja, o deputado emprega quem ele quiser.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), candidato à reeleição, diz que a quantidade não chega a tanto. “O número é menor: 46 na presidência, 33 nas outras vagas [da Mesa] e na suplência, 11”, afirma Maia.

A Câmara informou que estes números menores são da resolução original que trata do assunto, de 2007, mas o documento indica uma série de alterações desde então. A última é de julho do ano passado.

De acordo com os dados informados pela Casa, o gabinete do primeiro vice-presidente, cuja função é substituir o presidente e elaborar pareceres sobre requerimentos de informações e projetos de resolução, tem direito a 43 CNEs.

Para o comando da Câmara, concorrem como oposição a Maia nomes como Fábio Ramalho (MDB-MG), Arthur Lira (PP-AL), Ricardo Barros (PP-PR), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Marcel Van Hattem (Novo-RS) e JHC (PSB-AL).
A pulverização de votos aumenta os riscos de levar a decisão para um segundo turno, perspectiva vista com preocupação por aliados de Maia.

O tamanho da estrutura do Legislativo entrou na pauta da disputa pela presidência da Câmara neste ano.

“Estamos estudando o tema. Nosso compromisso é reduzir custos e qualificar os quadros disponíveis”, afirmou Hattem, candidato do Novo. Ele propõe acabar com os cargos de suplência da Mesa e diz que “certamente haverá diminuição” do número de comissionados.

Na Câmara, a Mesa Diretora tem quatro suplentes, um para cada secretário. As funções variam: cuidar de apartamentos funcionais, de premiações, estágios, reembolso de passagens aéreas e pagamento de auxílio-moradia, por exemplo.

Outro candidato, o deputado JHC defende nas conversas com seus pares manter o mesmo número de cargos, mas quer que sejam redistribuídos para outros postos da Câmara, como lideranças.

“Eu pretendo pegar 80% dos cargos da presidência e realocá-los para outras áreas da Casa em que haja mais carência”, disse. Ele afirmou que o número de assessores para o presidente é “desproporcional”.

No Senado, o salário mais alto é de R$ 17 mil. São cinco os ocupantes de cargos com esse valor, todos lotados no gabinete do presidente da casa, segundo dados fornecidos pela assessoria de comunicação.

Há vagas de secretário especial de imprensa, diretor da secretaria de transparência, chefe de gabinete da presidência, diretor da secretaria de relações internacionais e diretor de assuntos técnicos e jurídicos.

Além deles, outros 37 cargos comissionados estão à disposição somente no gabinete do presidente. No total da Mesa, são 134 cargos comissionados, contando desde motoristas até secretários e assessores parlamentares. Estes últimos recebem entre R$ 10,6 mil e R$ 14 mil cada um deles.

Na primeira-secretaria, há 14 assessores e secretários parlamentares. Os outros membros da Mesa têm direito a 12 assessores e secretários, enquanto os suplentes ficam com três.

O pagamento mais baixo é reservado aos motoristas da Mesa Diretora, que recebem em torno de R$ 2.500. Já nas 21 comissões permanentes da Casa e do Congresso (ou seja, mistas de deputados e senadores), loteadas entre os partidos, são mais 63 cargos à disposição.

Renan Calheiros (MDB-AL) vinha sendo apontado como favorito na disputa à presidência do Senado, que tem ainda nomes como Major Olímpio (PSL-SP), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Esperidião Amin (PP-SC), Angelo Coronel (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Alvaro Dias (PODE-PR).

Na semana passada, Simone Tebet (MDB-MS) decidiu enfrentar internamente seu colega de partido e acelerou uma articulação de adversários dispostos a abrir mão de suas candidaturas em oposição ao senador alagoano.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Uma defesa da civilização


Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas, e, por isso, insuficientes

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo 25 Janeiro 2019 | 03h00

Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas e, por isso, insuficientes. Este foi o ponto de partida do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, para a mais forte defesa do multilateralismo apresentada nesta semana, em Davos, na reunião do Fórum Econômico Mundial. O maior adversário do multilateralismo é também o governante da maior potência global, o presidente americano, Donald Trump, modelo e inspiração de Jair Bolsonaro, presidente da maior economia latino-americana. Sem polemizar ou distribuir acusações, Guterres se dedicou a mostrar os grandes desafios e a explicar por que as ações dos governos são muito menos eficientes do que poderiam ser.

É fácil ver na economia como os desafios são interconectados. Problemas como tensões comerciais e riscos associados ao Brexit, por exemplo, minam a confiança de empresários, investidores e financiadores, afetam os preços de ativos de vários tipos e ainda se refletem no crédito e nas decisões de negócios. Mas as questões são em geral tratadas separadamente e com insuficiente articulação internacional.

O mesmo apelo em favor da cooperação, da articulação e da ação sistêmica havia sido formulado em Davos pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, e pela economista-chefe da instituição, Gita Gopinath. Esta foi especialmente clara e didática ao mostrar, numa entrevista coletiva, a interconexão dos vários tipos de riscos no caminho da economia global. Guterres empregou o mesmo arsenal de exemplos e de argumentos, mas desenhando um quadro muito mais dramático.

São claras as conexões entre a multiplicação de conflitos políticos e o agravamento de riscos econômicos e de seus piores efeitos, como a miséria. Além disso, o aumento dos conflitos num mundo multipolar pode levar a desastres extremos, quando inexiste qualquer tipo de coordenação. Havia multipolaridade na Europa, no começo do século passado, e sua consequência trágica mais próxima foi a 1.ª Guerra Mundial, lembrou Guterres.

Um mundo mais coordenado e preparado para respostas mais articuladas teria controlado com maior eficiência, segundo o secretário-geral da ONU, os efeitos indesejáveis da globalização, como o aumento da desigualdade entre pessoas, países e regiões. Esses efeitos tiveram desdobramentos sociais e políticos. Ampliou-se a desconfiança em relação às instituições, aos governos e também os aspectos positivos da globalização passaram a ser rejeitados. Novos desafios foram impostos aos governos. Não haverá resposta eficiente, no entanto, sem cooperação e sem articulação multilateral, sustentou Guterres. É indispensável, avançou, criar um multilateralismo inclusivo e para isso será necessário ir além das ações isoladas dos próprios organismos multilaterais – FMI e Organização Mundial do Comércio (OMC) são exemplos – tais como hoje operam.

Os apelos de Guterres, no entanto, chegam num momento de enormes desafios para qualquer tipo genuíno de multilateralismo. Fala-se de reforma da OMC, mas seria ingenuidade entender essa discussão como originária de uma real ambição de aperfeiçoamento. O debate deve-se em grande parte às pressões do governo americano contra o atual sistema de normas do comércio internacional. A posição americana tem-se traduzido em risco de paralisação de uma das atividades mais importantes da OMC, a solução de controvérsias por meio de um órgão especializado. Para impor sua vontade, o governo dos Estados Unidos chegou a entravar a nomeação de juízes para essa tarefa. Essa atitude reflete problemas muito especiais, como os conflitos com a China e a promessa eleitoral de cuidar de setores, como a siderurgia, pouco eficientes e sem competitividade. O governo brasileiro, embora moldando um discurso baseado em assuntos brasileiros, como a agricultura, tem sido um seguidor da doutrina Trump também nos debates sobre a OMC.

Os ideais do multilateralismo defendidos por Guterres são importantes para um mundo eficiente, equitativo e civilizado. Não é fácil defendê-los num mundo assolado pelo nacionalismo, pelo populismo e pela indigência de visão política e diplomática.

Brasil na lama e em ruínas

Vinicius Torres Freire: - Folha de S. Paulo

Além do vômito letal da represa de lixo da Vale, obras públicas caem aos pedaços

Faz mais de cinco anos, a gente tem a impressão de que o Brasil está em ruína progressiva. O sabor político do sentimento depende do gosto ideológico do freguês. Quanto ao sentido literal da expressão “ruína”, há sinais e sintomas evidentes de que o país está caindo aos pedaços.

Por exemplo, qualquer pessoa sensata vai se perguntar como é possível que se repita em três anos um horror como esse das barragens de Minas Gerais, essa desgraça revoltante na represa de lixo da Vale. Mas a coisa já ia longe.

A gente está com a pulga atrás da orelha de uma cabeça com cabelos em pé, aqui em São Paulo. Há notícias em série sobre o mau estado das pontes e dos viadutos da capital do estado mais rico e mais cheio de universidades de ponta do país.

No final do ano passado, um viaduto da marginal do Pinheiros cedeu e foi interditado. Na semana que passou, foi a vez de um viaduto que liga a marginal do Tietê à Via Dutra.

Oito pontes e viadutos vão passar por vistoria de emergência, entre eles duas pontes sobre a marginal do Tietê.

As marginais são uma das duas grandes vias de circulação expressa e de saída da cidade. Se param, a cidade não consegue chegar nem na breca.

Problema local? Hum.

O investimento do setor público, a despesa em “obras”, afunda mais que viaduto paulistano. Na soma dos gastos dos governos federal, estaduais e municipais, o investimento médio de 2015 a 2017 baixou 36,6% em relação à média dos anos “bons” de 2004 a 2013.

Baixou em termos relativos, em proporção do PIB, um desastre (estas contas são baseadas nas séries de investimento calculadas pelos economistas Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti, do Ipea).

O investimento é insuficiente para manter e reparar a infraestrutura, segundo os especialistas (é menor que a depreciação). A baixa é brutal nos governos estaduais, o dobro da queda relativa do investimento feito pelo governo federal e pelos municípios.

Em português claro, isso quer dizer que não há dinheiro suficiente para manter, que dirá melhorar, estradas, pontes, viadutos, açudes, barragens etc. O país está apodrecendo fisicamente.

Para piorar, sem obras novas ou consertos, a economia demora a se recuperar. A construção civil foi o grande setor mais desgraçado da economia durante a recessão. Parou de piorar, mal e mal, apenas no ano passado.

Além da falta de dinheiro, escassearam vergonha na cara e competências. Convém lembrar que as maiores empreiteiras eram comandadas por gângsteres, máfias que compravam governos, leis etc. Sabe-se lá mais o que aprontaram.

Desconhece-se o motivo da nova desgraça mineira, mas sabemos de algumas coisas:

1) leis ambientais rigorosas não faltam; há baderna ou coisa pior na fiscalização;

2) muita gente e negócios estão no rastro possível do vômito letal dessas barragens que se esboroam;

3) não há meios de avisar essa gente que fica no caminho do mar de lama tóxica ou modo de tirá-las de lá a tempo. Quando acontece um desastre, por acidente ou incompetência criminosa (a ver), as pessoas morrem como vítimas de bala perdida nos tiroteios das metrópoles brasileiras. Isso é descaso.

Incúria, corrupções, burrices e ignorâncias brasileiras básicas e, ainda pior agora, a falta de dinheiro devem nos deixar mais alertas. Alguém ainda se lembra da desgraça, da tristeza infinita, do Museu Nacional? A queima da memória brasileira, a ponte que caiu ou a lama da mineração podem ser sintomas de coisa pior.

O Jardim do Éden

Dorrit Harazim: - O Globo

Fórum que pretende reduzir desigualdade não se destina a resolver problemas, e sim a apresentar ideias e adensar networking entre poderosos

Aos 92 anos, o naturalista britânico Sir David Attenborough tem obra aclamada e capital moral para nos ensinar montes sobre a vida no planeta Terra. Pena que seu discurso no Fórum Econômico de Davos, esta semana, recebeu menos atenção do que o fato de o príncipe Albert de Mônaco tê-lo entrevistado no evento. Nada como um príncipe para turbinar o noticiário, independentemente da qualidade do sangue azul que corre nas veias da realeza.

Attenborough apresentou-se literalmente como um homem de outra era. “Nasci durante o Holoceno — o período de estabilidade climática que durou 12 mil anos e que permitiu aos humanos assentarem-se, cultivarem a terra e criarem civilizações”, explicou. Nesse período, o homem aprendeu a trocar ideias e mercadorias, tornando-nos “a espécie globalmente conectada que somos hoje”. Ao longo de sua vida, porém, tudo isso mudou. “O Holoceno acabou. O Jardim de Éden deixou de existir. Mudamos o mundo de tal forma que os cientistas já falam de uma nova era geológica...”

Difícil atestar se o alerta de Attenborough, segundo o qual ameaças ambientais são, em essência, o perigo número 1 para a economia global, teve algum impacto em Davos. Em contrapartida, levantamento feito pela ONG britânica CDP (sigla de Carbon Disclosure Project) junto a mais de sete mil empresas do mundo inteiro, mereceu a devida atenção. O trabalho revela os dois lados da moeda ambiental: o que impulsiona ainda mais os negócios, e o que ameaça paralisar gigantes corporativos. Ambos em decorrência dos mesmos desastres e tragédias climáticas.

A newsletter americana Axios pinçou algumas respostas-choque das empresas consultadas pela CDP sobre o impacto do clima nos seus negócios. A gigante farmacêutica Merck & Co, por exemplo, prevê um aumento no número de pessoas doentes mundo afora, o que alavanca a demanda por toda uma gama específica de medicamentos. As concorrentes Eli Lilly e Pfizer apostam na mesma linha.

A Apple, por seu lado, prevê que mais desastres tornarão essenciais a multiplicação de iPhones como ferramenta socorrista, enquanto a Coca-Cola manifesta grande preocupação com a escassez de água e os consequentes riscos de paralisação para suas operações. Disponibilidade de água cada vez menor também assombra os fabricantes mundiais de chips eletrônicos, e as grandes seguradoras temem não ter colchão para responder a sucessivas condições climáticas extremas. A conclusão dos analistas é que, diante da enormidade que se avizinha, o mundo corporativo talvez comece a demandar de governos políticas públicas ambientais mais severas.

Esse universo corporativo é o que frequenta Davos. Dos cerca de três mil participantes, perto de 900 são CEOs ou presidentes de empresas, e mais de 70 são líderes mundiais — embora nem sempre de primeiro time. O Fórum que pretende reduzir desigualdade e encarar a questão ambiental não se destina a resolver problemas, e sim a apresentar ideias e adensar o networking entre poderosos, influentes e famosos. Ou, como descreveu o escritor e analista de riscos Nassim N. Taleb, “o evento é uma desenfreada caça a pessoas de sucesso, que por sua vez querem ser vistas com outras pessoas de sucesso”. Mesmo veteranos de várias edições concordam com uma avaliação feita anos atrás pelo fundador da AOL, Steve Case: “Você sempre tem a sensação de estar no lugar errado, que tem alguma reunião muito mais importante acontecendo onde você não está. É como se o verdadeiro Fórum estivesse acontecendo alhures, em segredo”.

Como da primeira Davos a gente nunca se esquece, é certeiro o comentário do presidente Jair Bolsonaro entreouvido pela reportagem do “Estado de S.Paulo” sobre “os pobretões que estavam na minha mesa ontem”. O presidente referia-se ao jantar de véspera no qual o fundador do Fórum, Klaus Schwab, as rainhas da Jordânia e da Bélgica, e os presidente da Apple e da Microsoft estavam entre seus comensais. A presença física de bilionários em Davos é rotineira. Este ano a novidade foi ter o seu peso aquilatado em relatório da Oxfam, divulgado simultaneamente ao evento. A constatação de que apenas 26 desses indivíduos concentram um volume de riqueza igual ao de 3,8 bilhões de pessoas espalhadas pelo planeta assombrou até mesmo os mais cínicos. O brasileiro Jorge Paulo Lemann ficou fora dessa seleta por pouco — está em 29º lugar na lista dos mais bilionários, cujos ativos cresceram US$ 2,5 bilhões por dia.

O Jardim do Éden acabou, como disse Attenborough. No Brasil, a nova era se escancara no horrendo desastre ambiental de Brumadinho.

Bolívar Lamounier: "O primeiro gol tem de vir antes do segundo"

O primeiro gol tem de vir antes do segundo
Indiferente ao destino coletivo, nossa elite deleita-se com as tetas volumosas do Estado
        
Bolívar Lamounier *, O Estado de S.Paulo

27 Janeiro 2019 | 03h00

O título deste artigo é um lugar-comum a que os locutores esportivos recorrem quando lhes ocorre apontar que um dos times contendores está se deixando levar pelo açodamento. Correria não adianta, tem de ser um gol de cada vez.

Tal advertência é igualmente importante, mas nem sempre observada, na política. Exceção à regra, o economista Alexandre Schwartsman tem insistido nela em suas palestras e seus artigos. O Brasil - diz ele - defronta-se com duas agendas, uma urgente e uma importante. Urgente é o conjunto de desafios que o governo Bolsonaro terá de vencer, de um jeito ou de outro, desde logo o ajuste fiscal (que inclui a reforma da Previdência). É o primeiro gol, sem o qual não haverá o segundo.

Se o primeiro ficar para o quatriênio seguinte, estaremos no mato sem cachorro, e assim sucessivamente, num mato cada vez pior, até que um dia nem teremos como pensar na agenda “importante”. Esta, diz Schwartsman, são os megaproblemas que nos esperam no médio prazo - 15 ou 20 anos, digamos; um mar de terrores que poderá até pôr em risco nossa existência como entidade nacional autônoma. Não precisamos esforçar-nos muito para trazer alguns exemplos à mente. Nosso descalabro educacional (o ministro Vélez Rodríguez está nos devendo um pronunciamento mais substancioso a esse respeito), meio ambiente e saneamento (que o ministro Ricardo Salles tem tratado com propriedade, mas por enquanto não lhe ocorreu que o saneamento é um problema gravíssimo até nos bairros ditos “nobres” da maior cidade da América do Sul). Desenvolvimento da média e pequena empresas - ou alguém acha que ficando na rabeira da China conseguiremos resolver nossos problemas de desemprego e criar uma classe média robusta? Nesse particular, alvíssaras, Joaquim Levy, presidente do BNDES, começou a solfejar a música que queríamos ouvir.

O problema é que temos pela frente dois formidáveis empecilhos, que afetam tanto a agenda urgente como a importante.

O primeiro é uma decorrência direta da radicalização política dos últimos anos e, em particular, do clima de “prende, mata e esfola” que emprestou seu sinistro colorido à campanha presidencial. As sequelas ainda estão aí, à vista de todos. Tenderão a se diluir, claro, a não ser que sejamos mesmo um país de lunáticos. E a consequência, enquanto não se diluem, é que a capacidade do atual governo de mobilizar a opinião, dramatizando a urgência da agenda urgente, permanece num patamar modesto. 

Não estou propondo fazer o segundo gol antes do primeiro. Estou é dizendo que, forçado a superar rapidamente os entraves que já estão aí, bem configurados, o governo enfrentará dificuldades tanto maiores quanto menor for sua capacidade de convencimento. Com o passar do tempo, percebendo que ele não é a fera que todos imaginavam, o Congresso o encostará na parede. Mostrará a planilha que o nosso “presidencialismo de coalizão” sempre soube elaborar com extremo esmero. Pior ainda, o corporativismo - aquela miríade de grupos de interesse que só se dispõe a conversar com uma faca nos dentes - reativará seus acampamentos em Brasília.

E aqui chegamos ao segundo problema. Por enquanto, o governo vem pecando por uma baixa capacidade de convencimento. Mas o pior é que os grupos sociais situados entre os 15% ou 20% de mais alta renda e escolaridade raramente refletem sobre as questões apontadas. Sabem que elas existem, mas não contribuem para a governabilidade, ou seja, para a mobilização da opinião, para um adequado balizamento das forças políticas, em busca da indispensável convergência. Não se impressionam quando alguém lhes diz que o nosso médio prazo pode se transformar num circo de horrores; dão de ombros, simplesmente. Individualmente, cada um retruca: “Tal hipótese pode até se concretizar, mas não me atingirá, os outros que se cuidem”. Ou seja, nossa elite cultiva um individualismo tosco, inconcebível para uma pessoa que tenha tentado se informar sobre o que aconteceu em outros países, em diferentes momentos da História.

De onde provém esse individualismo ingênuo? Ora, por quem sois, do fato de Deus ser brasileiro. Sim, essa deve ser uma parte da história. Da circunstância de não convivermos continuamente com temperaturas extremas, vulcões, tsunamis, etc. Mais importante, porém, é termos conseguido consolidar rapidamente nossa unidade territorial, ao contrário, por exemplo, da Alemanha e da Itália, que só conseguiram estabelecê-la meio século depois de nós. Do fato, também, de que para consolidá-la e formar um mercado nacional não tivemos de encarar uma das guerras proporcionalmente mais sangrentas da História, como a guerra civil norte-americana de 1861-1865.

O fato é que nossa elite, além de indiferente ao destino coletivo de nosso país, e profundamente ignorante a respeito dos retrocessos e tragédias vividos por nosso país, aninhou-se gostosamente nas dobras do Estado, deleitando-se com suas volumosas tetas.

Sim, lá atrás, Deus nos deu uma mãozinha. Mas nossa elite precisa lembrar que os Estados Unidos, por exemplo, não obstante a já referida guerra civil, fizeram a partir de 1860 uma das mais espetaculares revoluções educacionais de que temos notícia, por meio dos land-grant colleges (universidades voltadas para o desenvolvimento tecnológico, construídas pelos Estados em terras doadas pela União). Que o Japão, graças à restauração da dinastia Meiji, fez em 20 anos reformas muito mais drásticas do que essas que temos estado a discutir há não sei quantos anos. E que a Alemanha, hors-concours quanto à corrupção na administração pública durante o século 18, transformou-se durante o século 19 no modelo de profissionalismo cantado em prosa e verso pelo nunca assaz louvado Max Weber, o maior dos sociólogos.

* SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

No mercado de petróleo não tem doutor


Por mais experiência que se tenha, sempre ocorrem choques inesperados
         
José Roberto Mendonça de Barros *, O Estado de S.Paulo

27 Janeiro 2019 | 05h00

Em 1964, eu fazia o curso de Economia da FEA-USP, quando tive de começar a cuidar de uma fazenda de café na região de Maringá (PR). A tecnologia mais simples da época permitia tocar a propriedade com viagens a cada 45 dias, sem que tivesse no local nenhuma estrutura administrativa mais pesada. Hoje, isso seria muito difícil.

Essa experiência, que durou 20 anos, foi complementada por outra: durante 1965 trabalhei, com Guilherme Silva Dias, como assistente de pesquisa, num projeto, que virou clássico, onde o professor Antonio Delfim Netto mostrou que a política de valorização dos preços do café dos anos 50 havia resultado numa elevação da concorrência, de sorte que “blends” de cafés robusta africano e arábica suaves da Colômbia (na base 75/25) reproduziam vantajosamente o produto brasileiro, o que acarretou uma perda progressiva de mercado. Finalmente, uma ligação de alguns anos com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) complementou meus horizontes do que hoje é conhecido como agronegócio.

Mas, em 1965, ainda era um aprendiz e, com a colheita em andamento, tive minha primeira experiência de vender café. Nervoso, verde aos 21 anos, com medo de fazer bobagem, dependia do suporte da Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari (Cocari), cujo presidente era o saudoso Orípes Rodrigues Gomes. Na décima vez em que lhe perguntei se era bom vender naquele momento, tive a primeira grande lição de economia na prática. Orípes me disse algo do tipo: “Menino, eu acho que é hora de vender, mas lembre-se que no mercado de café não tem doutor”.

Isso porque, como se aprende com o tempo, o futuro é impenetrável e espesso. Por melhores que sejam os dados e os modelos de previsão, por mais experiência que se tenha, sempre ocorrem choques inesperados, mudanças súbitas de tendência e outras crises que alteram o rumo projetado.

Essa história do doutor me vem à mente a propósito do que ocorreu no mercado de petróleo recentemente. Em meados de 2017, o petróleo tipo Brent atingiu a cotação de US$ 44 por barril, número baixo quando se leva em conta que o mundo estava crescendo bem. A Opep e a Rússia já tinham colocado em prática uma política de redução da produção desde janeiro. Surpreendentemente, o cumprimento do entendimento por parte dos países-membros da organização foi total, o que nunca foi o padrão dos acordos da Opep. Com isso, os estoques excedentes foram sendo consumidos, de sorte que ao fim de 2017 os preços já estavam na faixa de US$ 65 por barril, resultado mais do que satisfatório para os produtores.

Já em 2018, os altistas tiveram uma ajuda surpreendente e inestimável: a produção venezuelana colapsou, em mais um importante capítulo na longa crise daquele país. Nos primeiros nove meses do ano, mais de 750 mil barris de petróleo por dia deixaram de ser bombeados, levando as cotações para a faixa de US$ 80.

Nesse momento, praticamente todos os bancos, tradings e analistas ao redor do mundo passaram a prever que o preço do petróleo iria bater os US$ 100 por barril, o que se transformou em grandes manchetes. É aqui que entra o título deste artigo, uma vez que menos de 90 dias depois, o óleo bateu US$ 50, numa queda épica que pulverizou todas as projeções anteriores.

O que detonou a reversão foi a aceitação, pelos mercados, de que a economia global entraria numa fase de desaceleração econômica, que prevalece até hoje. Mais que o preço, o que chama a atenção nesse período foi a violência na queda. Isso tem tudo a ver com o mercado de derivativos associado às cotações do produto.

A volatilidade dos mercados foi ensinando aos produtores de petróleo a travar seus resultados, comprando opções de venda, quando as cotações atingem níveis altos, e, especialmente, se existirem dúvidas quanto à sua manutenção, o que ocorreu neste caso pela revisão do futuro do crescimento global.

Assim, produtores de petróleo estavam comprados e agentes do mercado financeiro vendidos. Em mercados desse tipo, a reversão das expectativas leva à liquidação das opções a qualquer preço, o que faz o mercado afundar. Depois de zeradas as posições, a calma volta e os preços podem até subir um pouco, o que também ocorreu nesse caso. Haja coração, dinheiro para não quebrar e a dolorosa lembrança que no mercado não tem doutor.

* ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

A visão do precipício


Novamente, o País se encontra no limiar de reformas e à beira do precipício
         
Gustavo H.B. Franco *,  www.estadao.com.br  27 Janeiro 2019  

Aprendi cedo, sem o perceber, que o Brasil é o país da procrastinação, e que, nessa terra, a lentidão é “protocolar, litúrgica, dignificante”, tanto que o Brasil “não tem problemas, apenas soluções adiadas”, conforme ensina Luís da Câmara Cascudo.

A história, quando se trata de outros países, possui múltiplas definições: “a soma das coisas que poderiam ter sido evitadas” (Konrad Adenauer), ou “um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo” (Napoleão). Para o Brasil, embora simpatize com a definição de Cacá Diegues – “uma senhora bêbada que tropeça em tudo que vê” –, acho mais preciso adotar a ideia de que nossa história é uma opulenta coleção de adiamentos, às vezes, interrompida pelo medo.

Lembro com certo temor do que aprendi no ginásio sobre a escravidão no Brasil: ingleses imperialistas, com o fito de destruir nossa economia doméstica, nos forçaram a abolir o tráfico, mas nós os enganamos por muitos anos, até a Lei Euzébio de Queiroz em 1850, quando, oficialmente, acolhemos a sugestão, mas inventamos a expressão “para inglês ver”.

Estranho que o “interesse nacional” se confundisse com a manutenção da escravidão, não?

Mas só em 1888, quase 30 anos depois, é que fizemos a Abolição, mas em boa medida por oportunismo político, como parte de um pacote para salvar a monarquia que também compreendia os “auxílios à lavoura”, financiamentos subsidiados às fazendas “afetadas” e que, como descreveu o Jornal do Comércio, tinham “condições de vida”. Sim, foi uma forma de “indenização”, via crédito direcionado com juros facilitados, e não foi pouco dinheiro.

O mérito de fazer, que não deve ser diminuído, não apagava o fato de termos sido o último país do Ocidente a proscrever essa abominação. Por que demoramos tanto para tomar uma medida “modernizadora” que mudava para muito melhor as bases de nossa economia, para não falar de direitos humanos?

Alguém pode ter sido enganado sobre o dinamismo econômico do Brasil Império. Que não haja dúvida: o crescimento da renda per capita do País entre 1820 e 1900 (em dólares corrigidos pela inflação) mal atingiu 5% em termos acumulados. Ou seja, foi uma estagnação de quase um século, período em que a relação entre a renda per capita americana e a brasileira triplicou, passando de 1,9 a 5,8, um atraso jamais recuperado.

A historiografia cultiva um olhar benigno sobre o Império, exaltando a estabilidade das instituições e sobretudo a preservação da unidade territorial, um contraste positivo considerando a vizinhança. Porém, é impossível dissociar o péssimo desempenho econômico do Império de uma equação política viciosa, da qual faziam parte não apenas a escravidão, como os impedimentos à livre-iniciativa ricamente resenhados na agonia do Visconde de Mauá.

Na verdade, foi o exato rompimento dessa equação que transformou a quartelada de 15 de novembro de 1889, um tanto inesperadamente, numa verdadeira revolução, nosso primeiro “choque de capitalismo”. As reformas econômicas simplesmente atrasaram demais, e a política colapsou.

Como seria o Brasil se tivéssemos nos livrado desse “modelo econômico” meio século antes?

Essa experiência fundadora é muito útil para o debate contemporâneo sobre reformas pois, segundo se alega, não estamos prontos, ou os perdedores se julgam injustiçados e pleiteiam um adiamento, para o governo seguinte ou idealmente para a próxima geração.

É sempre a mesma conversa, como se a obsolescência fosse inconstitucional e as boquinhas pudessem sempre durar mais uma década ou duas.

Novamente, o País se encontra no limiar de uma nova rodada de reformas e, coincidentemente, à beira do precipício. Na verdade, no país da procrastinação, a proximidade do precipício se mostra essencial.

Talvez não exista outra forma de romper com as amarras, senioridades e privilégios que oneram o nosso futuro que a antevisão de um gigantesco abismo cujo fundo nem se consegue vislumbrar.

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

sábado, 26 de janeiro de 2019

Congonhas SP e Brumadinho MG, perigosamente próximos.


Sim, perto, pertíssimo aliás, ainda que não geograficamente. Contudo, em questões de comoção nacional e prevenção de tragédias, a verossimilhança é irrefragável.
Congonhas, SP, e o airbus da TAM que "escorregou" da pista indo colidir com um hotel ao lado.
De acordo com o "senso comum" midiático, a pista não tinha o "grooving", ranhuras na pista que ajudavam na freagem e retenção da aeronave no chão ao pousar com a pista alagada. Bem, eu voei e pousei, VÁRIAS vezes em Congonhas pilotando um HS-125/400, transportando ministros. Pousei com a pista molhada, várias vezes ao longo de quatro anos. Detalhe, o HS não tinha o "reverso", tínhamos um "lift dumper", ou seja, um "esculhambador e arruinador" (dumper) de sustentação (lift). Após o pouso, colocava a bequilha no chão (pilotos do GTE JAMAIS deixam a bequilha "cair" e sim a colocam, elegantemente, no chão). O lift dumper era a continuação dos flaps e só funcionava com os amortecedores comprimidos (peso da aeronave no solo), então ele completava o "arriamento" dos flaps até 75 graus. Isso fazia com que a aeronave reduzisse, substancialmente, sua corrida na pista. Não tinha reverso e eu pousei, várias vezes, com a pista não só molhada, mas com garoa ou chovendo a cântaros e estou digitando agora, sinal que estou vivo e com as mãos intactas.
Para o "senso comum", sobretudo a inexorável instigação midiática, a culpa era da INFRAERO que não havia colocado os "grooving" na pista.
Bem, como piloto, conhecia bem o local por onde a aeronave "passou por cima" (sala de embarque das autoridades naquela aeroporto) até colidir com o hotel, do outro lado da rua. De nada adiantou eu comentar que nunca tinha visto uma aeronave hidroplanar e não escorregar na ribanceira da cabeceira 17. Pelo contrário, ela sobrevoou. Ela voou passando por cima de postes, de pistas, de carros e caminhões. Eu sabia que a hidroplanagem fazia a aeronave escorregar, JAMAIS catapultar a aeronave...mas, enfim, o senso comum prevaleceu e o clamor exigia sangue de alguém...de um culpado, de um "corrupto ávido por lucros, lucros, lucros"...sempre assim.
Enfim, atendendo ao clamor popular, a investigação "foi parar no ministério público" após conclusão e este denunciou a presidente da Infraero, o diretor de operações da TAM e o ASV (Agente de Segurança de Vôo).
Mas e a causa? Descobriram a causa para a PREVENÇÃO? O evitamento da reocorrência do acidente? Bem, até onde sei, NÃO!!
Por algum motivo a manete do motor da esquerda "entendeu" errado a colocação, pelo piloto, do "motor a pleno" e reduziu-se sem o comando do piloto, sem ele colocar a mão. Com o motor direito, sem essa interferência, a pleno para a arremetida (o piloto havia "entrado" alto e desalinhado com o eixo central da pista para pouso -creio ser esse seu erro- e ao tentar corrigir o computador de bordo, pelo menos em tes, não quis e levou ao desastre). Enfim, entre meus leitores aqui há pilotos, um brigadeiro master em Acidentes Aéreos sendo, inclusive, constantemente convidado a palestrar no exterior, bem como um juiz, autor de vários livros acerca de judicialização de acidentes aéreos, TAMBÉM piloto. Gostaria, inclusive, que me corrigissem caso esteja falando bobagem (há anos que parei de pilotar).
Todavia o espírito de investigador, ao qual me doutrinei ao longo de 16 anos de atividade, disciplinou-me a aguardar as investigações. Entra, aí, a "proximidade não geográfica" de Brumadinho MG com Congonhas SP.
Meus caros, o clamor popular, a sede de vingança e vertimento de sangue irá levar à fogueira pessoas que, eventualmente, nada tenham a ver, diretamente, com o sinistro e tragédia, assim como os desafortunados diretor de operações e ASV da TAM...
Temos VÁRIAS barragens distribuídas ao longo do território nacional e CARECIA, MERECIA prudência, sensatez, maturidade. Uma investigação leva À PREVENÇÃO, à certeza de que NUNCA MAIS O MESMO ERRO OCORRERÁ.
Grosso modo aguardaria: consideraria que mil litros de água por metro quadrado, com a densidade da água igual a um, leva a uma pressão na parede da barragem a 1000 kg, uma tonelada. Contudo essa água da barragem de rejeito, que POR SER DE REJEITO, tem minerais e outros corpos e componentes que elevam para cinco ou seis vezes mais a mesma pressão que antes era de uma tonelada e passa a ser, até, seis toneladas...por metro quadrado de pressão na parede. Alie-se a isso todo o solo ao redor, com a fixação natural comprometida por não ser mais solo de mata nativa (constroem-se as barragens LONGE dos agrupamentos de pessoas, vilarejos ou cidades e, com o tempo, eles se aproximam. O mesmo se dá em aeroportos. Se não é zoneamento legal é ilegal e depois a pressão no prefeito e nos vereadores despreparados e populistas, acabam com conceder o habite-se. Daí para uma eventual tragédia é uma questão de tempo).
Bem, amigos, é uma ilação, claro. Também é um chamado ao bom senso. Fui piloto por 35 anos, voei 16 tipos de aeronaves, planadores e helicópteros ao longo de mais de 5000 horas de vôo. Por causa de Congonhas SP e não ter tido acesso ao relatório final com o resultado da investigação do computador de bordo, ATÉ HOJE, quando decolo em uma Airbus, sinto cagaço (pardon my french!) mas sinto, fazer o quê?
Fica a ideia...

A barganha e a lei


A eventual saída da GM do Brasil é decisão de negócio, que cabe à empresa decidir
         
Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
26 Janeiro 2019 | 03h00

Em comunicado aos funcionários, o presidente da General Motors (GM) Mercosul, Carlos Zarlenga, alertou para “o momento muito crítico” que vive a empresa e deu a entender que a GM poderia deixar o Brasil caso não voltasse a dar lucro. Segundo o executivo, a GM teve prejuízo significativo no País nos últimos três anos.

Eventual saída do Brasil é uma decisão de negócio, que cabe à empresa decidir. No entanto, o assunto logo ganhou outros rumos. A permanência da GM no Brasil poderia ser assegurada mediante a concessão de mais benefícios fiscais. Com isso, o problema de uma empresa transformou-se em problema do poder público e, em última análise, da população.

Diante do alerta dado pela GM, os prefeitos de São Caetano do Sul e de São José dos Campos, juntamente com lideranças sindicais, reuniram-se com executivos da empresa. Na ocasião, a GM negou que estivesse saindo do Brasil, mas afirmou que novos investimentos exigiriam a correspondente “viabilização” – só com mais incentivos fiscais das prefeituras seria viável continuar investindo nas fábricas.

Também foram realizadas algumas reuniões da empresa com representantes da Secretaria da Fazenda do Governo do Estado. A GM pediu, por exemplo, a antecipação de crédito do Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS). Até o momento, não se chegou a um acordo.

O secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, afirmou ao Broadcast que avalia a viabilidade da antecipação de crédito do ICMS. “Em tese, é uma questão viável do ponto de vista da manutenção de emprego, renda e arrecadação futura de imposto”, disse. Henrique Meirelles lembrou, no entanto, a existência de dois graves entraves para o pedido da GM: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a extensão do benefício, que poderia ser solicitado por outras companhias. “Provavelmente teria que ser estendida a medida às demais montadoras que estivessem na mesma situação”, reconheceu o secretário de Fazenda e Planejamento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é expressa. Uma renúncia fiscal só pode ser concedida com equivalente receita compensatória. A antecipação para 2019 de créditos que seriam abatidos em outros anos resultaria em perda de receita para o Estado de São Paulo. Trata-se, portanto, de uma medida inviável, já que contraria o que determina a legislação.

Em dezembro do ano passado, a Lei 13.755/2018 estabeleceu uma nova política para o setor automotivo. O Programa Rota 2030 definiu as condições para a fabricação ou importação de veículos e estabeleceu um regime tributário especial para estimular o desenvolvimento tecnológico da cadeia automotiva. A rigor, trata-se de uma série de vantagens dadas a um segmento que atua em escala mundial e, por sua natureza, tem acesso a fontes de financiamento internacionais e a todos os mercados que possam lhe interessar, não precisando, portanto, de ajuda tributária ou de outra natureza de governos (e contribuintes) dos países em que opera.

Desde sua instalação no Brasil, nos anos 1950, a indústria automobilística vem contando com privilégios tributários e medidas protecionistas. Por exemplo, o anterior programa de incentivo fiscal voltado ao setor, o Inovar Auto, foi condenado em 2016 pela Organização Mundial do Comércio por desrespeitar regras do livre-comércio internacional.

“Estamos trabalhando para mostrar a todos que é vantagem manter a companhia operando no Estado”, afirmou Henrique Meirelles. Certamente, a permanência da GM é positiva para o Estado de São Paulo. No entanto, não é papel do poder público viabilizar a lucratividade da GM – e de nenhuma outra empresa – por meio de benefícios fiscais. Tal tarefa é responsabilidade dos diretores e executivos da empresa. Caso contrário, todo balanço deficitário seria motivo para barganhar privilégios estatais, o que destruiria tanto as contas públicas como a eficiência das empresas. Cada um deve exercer o seu papel e assumir as suas responsabilidades – e todos, logicamente, dentro da lei.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Por que o governante não aprende?


A Pátria deseducada precisa de homens da têmpera de Pedro II e Rodrigues Alves

*José Renato Nalini, O Estado de S.Paulo 15 Janeiro 2019  

Em 16 de janeiro de 1919 morria Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da República entre 1902 e 1906. O terceiro paulista depois de Prudente de Morais e Campos Salles. Nascera em Guaratinguetá em 7 de julho de 1848, oito anos depois de Pedro II completar a maioridade. O centenário de morte é uma oportunidade para recordar o papel desse estadista na vida brasileira. E para alertar os governantes – todos eles, em todas as esferas da Federação – de que a educação precisa de mais que recursos financeiros. Precisa de devotamento, algo que só existe no discurso.

Rodrigues Alves talvez se tenha inspirado no imperador Pedro II, que entrava em sala de aula de surpresa e se sentava nas últimas fileiras, assistindo às preleções. Quem é que se recorda de algo parecido neste século? As visitas são apressadas, para inaugurações ou descerramento de placas. Tudo superficial, como é o conteúdo formal das propostas de gestão, coincidentes com a falência da escola pública.

Rodrigues Alves foi excelente aluno em todos os cursos. Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco era companheiro de Rui Barbosa, de Castro Alves, de Joaquim Nabuco e de Afonso Pena. É mencionado por Joaquim Nabuco no livro Minha Formação como o campeão dos primeiros lugares todos os anos.

Depois de ser promotor público e juiz de Direito, àquela altura por nomeação, e não por concurso, elegeu-se para a Assembleia Legislativa provincial de São Paulo em 1872. Reeleito em 1874, 1875, 1878 e 1879. Abraçou a causa do ensino primário obrigatório, corajosa iniciativa que enfrentava resistências acirradas. 

O opositor Sá e Benevides sustentava que essa causa era a dos socialistas e comunistas. Chamou Rodrigues Alves de comunista, em 1873. Em resposta, o jovem de Guaratinguetá reconheceu que, em França, Talleyrand afirmara que o ensino obrigatório era uma semente perniciosa que afetava grave e mortalmente o pátrio poder e por isso deveria ser rejeitada a proposta de sua adoção. Mas contradisse o adversário afirmando que o princípio do ensino primário obrigatório advém do princípio de estribar a democracia na ilustração e nas luzes do povo. Pretende-se que o ser humano cidadão tenha conhecimento do que significa servir à Nação. E invocou o exemplo da Prússia, onde Frederico I e Frederico II, no século 18, já o haviam adotado.

Num longo e ovacionado pronunciamento assinalou que, se a missão do Estado é proteger a pessoa e a propriedade do cidadão, que perigo maior ameaça o direito de propriedade do cidadão do que a ignorância, mãe de todos os vícios, origem de todos os crimes? Os progressos da instrução farão os delitos decrescer. Difunda-se a educação e o crime diminuirá. É dele o que ainda hoje alguns sonhadores repetem: “Poupa-se em prisões o que se despende em escolas!”.

Educar é obrigação dos pais, mas não é um interesse exclusivo deles. É um interesse de ordem pública, o Estado disso não pode descuidar. “A obrigação do ensino é um princípio natural, justo e legítimo.” Paralelamente à manutenção de ensino primário gratuito, o governo deve zelar para que os pais cumpram a sua obrigação de fazer os filhos frequentá-lo e dele extrair o melhor proveito: “A ação do pai que não manda seus filhos à escola, que não provê a educação dos membros da sua família, não afeta com esta omissão tão somente interesses dos menores, mas também, e gravemente, o interesse da sociedade”.

O ensino público primário sério, consistente, obrigatório protege o futuro da criança, atende aos superiores interesses da sociedade e fortalece o pátrio poder, exaltando sua dignidade. A intenção de Rodrigues Alves era fazer “da escola um templo onde as crianças receberão o batismo que as sagrará na sociedade dos bons cidadãos e bons pais de família”.

Foi ele que tomou a iniciativa de criar na capital a Escola Normal “da praça”, hoje Praça da República e atual sede da Secretaria Estadual da Educação. Ali se formariam os candidatos ao magistério da instrução pública primária. Projeto que foi abandonado e substituído pelas Faculdades de Pedagogia ou de Educação, onde se transmite um conteúdo sofisticado de teorias. Mas não se ensina a ensinar.

A leitura dos debates na Assembleia evidencia que Rodrigues Alves era um espírito emancipado, fulgurante, num ambiente acanhado e incoerente de homens de Estado que apenas incluem a educação em seus projetos para atender em retórica a essa imensa carência brasileira.

Rodrigues Alves manteve-se fiel à causa do ensino durante toda a sua exuberante vida pública. Não da forma precária e quase decorativa que sempre vigorou na História do Brasil, que ficou 300 anos sem saber ler e escrever e hoje continua tatibitate, numa indigência vernacular que envergonha os derradeiros cultores do idioma.

A Pátria deseducada precisa de homens públicos da têmpera de dom Pedro II e de Rodrigues Alves. O imperador era até chamado de “fiscal do ensino”, pois revia aulas, voltando a algumas salas, arguia discípulos, questionava as congregações, imprimia a concursos e exames a solenidade de um rito bíblico. Não confiava nas informações oficiais e não era escravo das avaliações, encaradas como resultado de uma gestão e como cacife eleiçoeiro. Reiterava, convictamente, que a missão de ensinar era a mais importante da sociedade. Uma vez, em visita a Cannes, desabafou: “Se não fosse imperador, quisera ser mestre-escola”. E cuidou de criá-las enquanto esteve à testa do império.

Rodrigues Alves fora monarquista, admirava o imperador e nele se inspirou para abraçar a bandeira com que se vestiu durante toda a sua trajetória. Partilhava da opinião de Leôncio de Carvalho, que, em sua reforma da educação em 1878, apregoava que a liberdade é “o sólido alicerce sobre o qual deve assentar o edifício da educação nacional”.

Olhemos para esses exemplos e nos indaguemos: por que os governantes não aprendem com eles?

*PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, GESTÃO 2019-2020, FOI SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2016-2018)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

ESTADÃO: "A tragédia do ensino médio"

A qualidade e empregabilidade futura de nossa mão de obra vem sendo severamente comprometida nos últimos 16 anos. Desde a famigerada "aprovação automática" AINDA no primeiro ano do governo FHC (falecido Carlos Renato Min da Educação) que esse déficit vem se avolumando e agravando.
A reportagem do Estadão faz uma objetiva radiografia sem, contudo, SEQUER tangenciar a gravíssima incidência da ideologia marxista em expressiva quantidade de estabelecimentos de ensino públicos país a fora.
Vale a leitura e reflexão.


A tragédia do ensino médio
Em 2018, segundo a pesquisa, quase 4 em cada 10 jovens na faixa etária de 19 anos não concluíram o ensino médio na idade considerada para esse ciclo educacional

         
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 14 Janeiro 2019  

Recente estudo sobre a evolução do acesso ao sistema de ensino e sobre sua qualidade, promovido pelo movimento Todos pela Educação, uma entidade sem fins lucrativos integrada por pedagogos, gestores escolares e representantes da iniciativa privada, mostra como a crise educacional do País vem sacrificando o futuro das novas gerações. 

Em 2018, segundo a pesquisa, quase 4 em cada 10 jovens na faixa etária de 19 anos não concluíram o ensino médio na idade considerada para esse ciclo educacional. E, do total de brasileiros nessa faixa etária, 62% já estão fora da escola e 55% pararam de estudar ainda no ensino fundamental. O estudo foi promovido com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Todos pela Educação definiu uma lista de cinco metas para o crescimento e modernização da educação brasileira até 2022 e, na pesquisa de 2018, constatou que o País continua longe de alcançá-las.

Uma das metas era fazer com que o Brasil tivesse, até o ano passado, mais de 90% dos jovens de 19 anos com o ensino médio completo. Em 2018, só 63,5% atingiram esse objetivo. E, como a qualidade desse ciclo educacional é ruim, entre os alunos que conseguem concluí-lo muitos apresentam conhecimento insuficiente em leitura, ciências e matemática, enfrentando problemas para ler palavras com mais de uma sílaba, identificar o assunto de um texto, reconhecer figuras geométricas e contar objetos. Na Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, o ensino médio alcançou o nível 2 de proficiência, numa escala de 0 a 9 – quanto mais baixo é o número, pior é a avaliação.

Com excesso de matérias, currículo desconectado da realidade socioeconômica e conteúdos ultrapassados, o ensino médio é considerado o mais problemático de todos os ciclos do sistema educacional. E é justamente por isso que ele se destaca por altas taxas de abandono e de reprovação.

“Falta muito para avançarmos e há um desafio para a educação básica como um todo. Muitos jovens estão fora da escola ou não se formam por causa da qualidade do ensino. Se o aluno avança de etapa sem uma base sólida e chega ao ensino médio com déficit, ele é quase induzido a sair do sistema de ensino”, afirma o diretor de políticas educacionais do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho.

O desinteresse dos estudantes pode ser visto já na primeira das três séries do ensino médio, onde 23% dos alunos abandonam as salas de aula. E é justamente por isso que a taxa de crescimento de concluintes das três séries não tem a velocidade necessária para atingir a meta prevista para 2022, lembram os técnicos do Todos pela Educação.

Entre 2012 e 2018, o número de concluintes na faixa etária de 19 anos cresceu apenas 1,9% por ano, em média, quando seria necessário que aumentasse 7,2% anualmente, para que a meta pudesse ser atingida. “O crescimento é muito lento. Ainda estamos muito distantes para dizer que o País está a caminho da universalização do ensino básico”, diz o gerente de políticas educacionais da entidade, Gabriel Corrêa.

Na realidade, os problemas estruturais do ensino médio são antigos e a saída é conhecida. Em vez de concessões a modismos pedagógicos e políticas demagógicas, é preciso reduzir o número de matérias, rever os currículos e tornar os gastos no setor mais produtivos, mediante programas de aprimoramento da formação de professores, por exemplo. E tudo isso exige maior articulação entre o governo federal e as áreas educacionais dos Estados e municípios.

Sem fortalecer o ensino de disciplinas essenciais e sem motivar os alunos do ensino médio a concluir esse ciclo educacional, o Brasil continuará incapaz de formar mão de obra tão produtiva quanto a de outras economias emergentes. Não conseguirá formar o capital humano de que necessita para voltar a crescer de modo sustentado. E perpetuará as condições do atraso, da desigualdade e da pobreza, impedindo que as novas gerações se emancipem intelectual, social e economicamente. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Ideias do ministro Santos Cruz

Míriam Leitão: - O Globo

Santos Cruz quer “portas abertas” para a imprensa em seu gabinete e diz que a transparência é fundamental para se descobrir rápido casos de corrupção

O ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que houve uma falha geral da sociedade brasileira, inclusive da imprensa, que não viu em tempo os absurdos de corrupção que ocorreram no Brasil. Ele acredita que as instituições deveriam ter dado o alerta antes, diante de tantos sinais de que algo estava errado. Ele diz que da parte dele está preparado para manter diálogo franco com movimentos sociais, imprensa, políticos. Avisou que o governo vai punir tanto a invasão de propriedade do MST quanto o grileiro que ocupar terra pública.

Santos Cruz teve uma carreira impressionante no Exército, no Brasil e no exterior. Viveu oito anos fora do país, nos Estados Unidos, na Rússia, na África. Comandou na ONU forças de paz e tropas em ofensiva de guerra. Durante a operação militar no Congo, dava entrevistas frequentes para as grandes redes de televisão do mundo. Órfão desde muito cedo, e sem qualquer parente nas Forças Armadas, ele é a prova da capacidade de formação de quadros do Exército brasileiro. A escrivaninha e a mesa de trabalho do gabinete da Secretaria de Governo estavam ocupadas por papéis quando entrei lá para entrevistá-lo. Ele se entende naquele amontoado de pastas dos muitos assuntos que está estudando. Tem notado nas suas análises dos documentos muitos sinais de desperdício. É inevitável pensar que aquela mesma sala foi ocupada por Geddel Vieira Lima para quem, naquela quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República havia pedido 80 anos de prisão.

— Como ninguém viu? R$ 51 milhões circularam pelo país, foram sacados, transportados até chegar no apartamento. Como ninguém viu? — pergunta ele.
O fato de ter tido uma formação militar e estar agora num cargo de negociação com políticos e com a sociedade não o preocupa:

— Não tem problema nenhum. Você tem princípios de educação, conversar com pessoas, escutar, ter consideração, princípios de vida que a gente utiliza em qualquer situação. Infelizmente, a prática política foi deturpada como um jogo de interesses.

Ele diz que o dia a dia dessa conversa com bancadas e partidos será exercido com a Casa Civil. Sob o seu comando está também a Secom, responsável pela comunicação. Ele não pensa no momento em fechar a EBC, Empresa Brasileira de Comunicação, que tem duas televisões. Está estudando como reduzir os custos e o número de pessoal:

— Na relação com a imprensa, quero abertura total, porta aberta, porque é a única forma de conseguir que não se tenha a surpresa que tivemos nos últimos 10 anos.

A surpresa a que ele se refere são os casos de corrupção:

— Foram valores escandalosos, inimagináveis, tudo isso machucando a população. Achei que a imprensa talvez tenha falhado, outros órgãos também.

Ele diz que a falha foi a imprensa ter demorado a ver o que estava acontecendo. O jornalismo, segundo ele, precisa fazer uma revisão, entender que também é responsável em evitar que novos escândalos de corrupção aconteçam, mantendo-se vigilante:

— Só a imprensa divulgando tudo com muita publicidade, acessando todas as contas, todos os planos de trabalho, todas as licitações, toda aplicação de dinheiro, quem é que está usando dinheiro público.

O ministro Santos Cruz diz que as portas da Secretaria estão abertas também para todos os segmentos sociais, mas avisa que não concorda com a invasão de terras pelo MST. Perguntei se ele estava falando de terra improdutiva:

— Improdutiva no conceito de quem? O problema é quem classifica.

Disse que o país foi governado quase 14 anos pelos que achavam que a invasão era o método de começar o assentamento, mas até hoje há pessoas pela estrada:

— Peraí, se você tinha o poder da caneta, orçamento, obrigação do executivo e não resolveu, significa que eles (os sem-terra) eram usados como massa de manobra.

Lembrei que este governo entregou a demarcação de terra indígena para ruralista e fala em combater o que chama de indústria de multa do Ibama. Perguntei se isso não seria visto como um sinal de incentivo à grilagem:

— É um absurdo essa interpretação, completamente equivocada. A lei é para todos. Não interessa se é para o movimento ou para o grileiro. Senão vira baderna.

Sobre sua trajetória pessoal, o ministro contou que estudou em escola simples, de madeira, mas com excelentes professores. Que nada recebeu de herança dos pais, exceto o essencial: “prateleiras cheias de livros.”

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Supremo tem de retomar a colegialidade


‘Supremo tem de retomar a colegialidade’, diz cientista político
Para o professor de Direito Oscar Vilhena, ministros da Corte devem evitar excesso de decisões individuais

Caio Sartori | O Estado de S.Paulo

Professor de Direito da FGV-SP, o cientista político Oscar Vilhena afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) vive um momento de crise no contexto de um governo que tem se demonstrado hostil a parcelas da Constituição. “É um mau momento para se ter essa crise”, afirmou ele em entrevista ao Estado.

Autor do recém-lançado A Batalha dos Poderes (Cia. das Letras), ele disse ver a necessidade de o STF retomar a “colegialidade”. “A colegialidade foi se esgarçando e tem momentos de crise”, afirmou Vilhena, em referência ao recente embate entre os ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli. Em dezembro, Marco Aurélio suspendeu a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. No mesmo dia, Toffoli, presidente do STF, cassou a decisão.

PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA.
O Supremo já vem com uma divisão interna há um período muito longo. A colegialidade foi se esgarçando e tem momentos de crise. Este é um momento como outros. Evidentemente que isso se dá num contexto de um novo governo que tem se demonstrado hostil a parcelas da Constituição. É um momento ruim para se ter essa crise. Os ministros têm desafiado com muita frequência o plenário. É uma situação de confronto que já vem aberta. Não me surpreendeu (a decisão de Toffoli que contrariou Marco Aurélio). Se a presidência já marcou uma data para a solução, acho pertinente, independentemente do mérito da questão, que os ministros discordem. Agora, como é um tema sensível e há uma discordância forte, temos de aguardar o plenário decidir. Essa questão do duplo grau já deveria ter sido resolvida pelo plenário, o que teria evitado esse conflito.

DECISÕES MONOCRÁTICAS.
É um problema crônico do tribunal. O STF tem, a meu ver, uma sobreposição de competências que é inadequada. O Supremo Tribunal Federal brasileiro tem dois problemas fundamentais. É uma constituição muito extensa e, por isso, gera uma litigiosidade muito grande. É um problema de desenho, não do Supremo. Ele foi desenhado dessa maneira. É uma corte constitucional, uma corte de recursos dos tribunais e um tribunal que julga de maneira especializada, com o foro privilegiado. O acúmulo de todas essas atribuições é um erro. Para dar conta dessa quantidade de competências, o tribunal foi, ao longo dos anos, delegando competências do plenário aos ministros. Hoje, mais de 95% das decisões do STF são monocráticas.

EMBATE ENTRE MINISTROS.
No plenário, por mais intenso que seja, um embate é resolvido institucionalmente. Um grupo é derrotado, outro é vitorioso. É algo positivo. O problema não é discordarem rigorosamente. A questão é que nós, jurisdicionados, merecemos que haja uma lei que valha para todos. E isso depende de o Supremo tomar decisões colegiadas que ponham fim a conflitos. Ao delegar essas decisões para os ministros, que tomam decisões muitas vezes satisfativas para casos específicos, a lei não se torna algo igual para todos.

AGENDA DA CORTE EM 2019.
Esse questionamento sobre a autoridade do Supremo preocupa no contexto de um governo bastante heterodoxo que, embora diga a todo momento que a Constituição é fundamental, o que é muito positivo, tem diversos membros com discursos hostis a aspectos da Constituição. É um momento em que o papel do Supremo é muito importante. Um mau momento para estar fragilizado.

DIRETRIZ DO SUPREMO.
A diretriz essencial é retomar a colegialidade. Por isso, o embate (entre Marco Aurélio e Toffoli) foi ruim. Na medida em que retoma a colegialidade, contribui para retomar a credibilidade. É a regra número 1. O Supremo só deveria decidir monocraticamente medidas decididas exaustivamente pelo plenário.

NOMEAÇÃO DE MINISTROS.
Espero que não (haja mudanças no processo de escolha de ministros do STF). É um sistema consolidado historicamente no Brasil. Se consolida também em outros países presidencialistas. Evidentemente que pode ser qualificado, mas o modelo continua o mesmo. O presidente indica, o Senado ratifica. Parece que ainda é o melhor modelo e espero que não seja alterado.

STF E GOVERNO BOLSONARO.
O Supremo não deveria ser um órgão que fica à mercê da vontade da maioria. Ele existe para ser contramajoritário quando a maioria vai contra a Constituição, é sua função maior. A Constituição tem de proteger direitos, especialmente quando eles são colocados em xeque pela maioria. Esse é o sistema brasileiro, uma democracia constitucional.

PAPEL DO STF.
Sem dúvida nenhuma, e não é nada contra um governo ou outro, e sim em função do grupo que ascendeu ao poder ter um histórico muito hostil a aspectos da Constituição. Se tentarem transformar isso em políticas públicas, o Supremo deve ser o anteparo constitucional.

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