sábado, 26 de janeiro de 2019

A barganha e a lei


A eventual saída da GM do Brasil é decisão de negócio, que cabe à empresa decidir
         
Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
26 Janeiro 2019 | 03h00

Em comunicado aos funcionários, o presidente da General Motors (GM) Mercosul, Carlos Zarlenga, alertou para “o momento muito crítico” que vive a empresa e deu a entender que a GM poderia deixar o Brasil caso não voltasse a dar lucro. Segundo o executivo, a GM teve prejuízo significativo no País nos últimos três anos.

Eventual saída do Brasil é uma decisão de negócio, que cabe à empresa decidir. No entanto, o assunto logo ganhou outros rumos. A permanência da GM no Brasil poderia ser assegurada mediante a concessão de mais benefícios fiscais. Com isso, o problema de uma empresa transformou-se em problema do poder público e, em última análise, da população.

Diante do alerta dado pela GM, os prefeitos de São Caetano do Sul e de São José dos Campos, juntamente com lideranças sindicais, reuniram-se com executivos da empresa. Na ocasião, a GM negou que estivesse saindo do Brasil, mas afirmou que novos investimentos exigiriam a correspondente “viabilização” – só com mais incentivos fiscais das prefeituras seria viável continuar investindo nas fábricas.

Também foram realizadas algumas reuniões da empresa com representantes da Secretaria da Fazenda do Governo do Estado. A GM pediu, por exemplo, a antecipação de crédito do Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS). Até o momento, não se chegou a um acordo.

O secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, afirmou ao Broadcast que avalia a viabilidade da antecipação de crédito do ICMS. “Em tese, é uma questão viável do ponto de vista da manutenção de emprego, renda e arrecadação futura de imposto”, disse. Henrique Meirelles lembrou, no entanto, a existência de dois graves entraves para o pedido da GM: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a extensão do benefício, que poderia ser solicitado por outras companhias. “Provavelmente teria que ser estendida a medida às demais montadoras que estivessem na mesma situação”, reconheceu o secretário de Fazenda e Planejamento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é expressa. Uma renúncia fiscal só pode ser concedida com equivalente receita compensatória. A antecipação para 2019 de créditos que seriam abatidos em outros anos resultaria em perda de receita para o Estado de São Paulo. Trata-se, portanto, de uma medida inviável, já que contraria o que determina a legislação.

Em dezembro do ano passado, a Lei 13.755/2018 estabeleceu uma nova política para o setor automotivo. O Programa Rota 2030 definiu as condições para a fabricação ou importação de veículos e estabeleceu um regime tributário especial para estimular o desenvolvimento tecnológico da cadeia automotiva. A rigor, trata-se de uma série de vantagens dadas a um segmento que atua em escala mundial e, por sua natureza, tem acesso a fontes de financiamento internacionais e a todos os mercados que possam lhe interessar, não precisando, portanto, de ajuda tributária ou de outra natureza de governos (e contribuintes) dos países em que opera.

Desde sua instalação no Brasil, nos anos 1950, a indústria automobilística vem contando com privilégios tributários e medidas protecionistas. Por exemplo, o anterior programa de incentivo fiscal voltado ao setor, o Inovar Auto, foi condenado em 2016 pela Organização Mundial do Comércio por desrespeitar regras do livre-comércio internacional.

“Estamos trabalhando para mostrar a todos que é vantagem manter a companhia operando no Estado”, afirmou Henrique Meirelles. Certamente, a permanência da GM é positiva para o Estado de São Paulo. No entanto, não é papel do poder público viabilizar a lucratividade da GM – e de nenhuma outra empresa – por meio de benefícios fiscais. Tal tarefa é responsabilidade dos diretores e executivos da empresa. Caso contrário, todo balanço deficitário seria motivo para barganhar privilégios estatais, o que destruiria tanto as contas públicas como a eficiência das empresas. Cada um deve exercer o seu papel e assumir as suas responsabilidades – e todos, logicamente, dentro da lei.

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