terça-feira, 18 de junho de 2019

Pôr fim ao governo Lula




Pôr fim ao governo Lula

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Folha de São Paulo 15 nov 2005

Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.

Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas. Imiscuiu-se, e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados. E comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos.

Afirmo que a aproximação do fim de seu mandato não é motivo para deixar de declarar o impedimento do presidente, dados a gravidade dos crimes de responsabilidade que ele cometeu e o perigo de que a repetição desses crimes contamine a eleição vindoura. Quem diz que só aos eleitores cabe julgar não compreende as premissas do presidencialismo e não leva a Constituição a sério.

Afirmo que descumpririam seu juramento constitucional e demonstrariam deslealdade para com a República os mandatários que, em nome de lealdade ao presidente, deixassem de exigir seu impedimento. No regime republicano a lealdade às leis se sobrepõe à lealdade aos homens.

Afirmo que o governo Lula fraudou a vontade dos brasileiros ao radicalizar o projeto que foi eleito para substituir, ameaçando a democracia com o veneno do cinismo. Ao transformar o Brasil no país continental em desenvolvimento que menos cresce, esse projeto impôs mediocridade aos que querem pujança.

Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou.

Afirmo que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. Acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. As duas cabeças precisam ser esmagadas juntas.

Afirmo que as bases sociais do governo Lula são os rentistas, a quem se transferem os recursos pilhados do trabalho e da produção, e os desesperados, de quem se aproveitam, cruelmente, a subjugação econômica e a desinformação política. E que seu inimigo principal são as classes médias, de cuja capacidade para esclarecer a massa popular depende, mais do que nunca, o futuro da República.

Afirmo que a repetição perseverante dessas verdades em todo o país acabará por acender, nos corações dos brasileiros, uma chama que reduzirá a cinzas um sistema que hoje se julga intocável e perpétuo.

Afirmo que, nesse 15 de novembro, o dever de todos os cidadãos é negar o direito de presidir as comemorações da proclamação da República aos que corromperam e esvaziaram as instituições republicanas.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

A crise permanente da economia brasileira

A questão principal em meu entender é que esses analistas econômicos ignoram o peso e as dificuldades da elevadíssima dívida de estados e municípios que já contam com cerca de 80% de seus recursos comprometidos com pagamento de pessoal. 

Outro ponto não ponderado pelos mesmos é o nosso escorchante déficit de infraestrutura: estradas, energia elétrica, telecomunicações, mobilidade urbana etc que dificultam, sobremaneira, qualquer mínimo desenvolvimento econômico decente.


A crise permanente da economia brasileira
*Monica de Bolle: - Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Economista defende que retomar o crescimento demandará não apenas medidas de efeito de médio ou longo prazo, como a reforma da Previdência, mas também estratégias criativas e ousadas com resultados mais imediatos, que atendam aos desempregados e vitimados pela desigualdade.

Somos peritos em crises, nossa experiência é vasta. Já passamos por hiperinflações, moratória de dívida externa, crises bancárias, crises cambiais —à exceção da moratória, o resto merece o tratamento no plural, pois as vivemos em diversos momentos, às vezes até simultaneamente. Contudo, mesmo com nossa vasta experiência em matéria de crises econômicas, jamais passamos pelo que testemunhamos hoje, espécie de crise sem crise.

Temos uma crise, pois a economia brasileira não cresce, ou cresce pouco. Não temos uma crise tradicional, pois a armadilha de crescimento baixo não é acompanhada ou mesmo causada por uma crise financeira, como no passado. O freio brasileiro está engatado há muito tempo e não resulta somente da grande recessão de 2015-2016.

Como analisei em meu livro, “Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma” (Intrínseca, 2016), a tragédia do crescimento baixo reflete anos de descaso com os efeitos de contas públicas desarranjadas, de políticas insustentáveis de crédito para aumentar o consumo, do protagonismo indevido do BNDES, responsável por grandes distorções financeiras, da ausência de medidas para aumentar a competitividade do país.

Tais erros na condução da economia começaram no segundo mandato de Lula e continuaram com Dilma. Para resolver o acúmulo de entraves ao crescimento, não bastará a reforma da Previdência. Ela abrirá um importante espaço fiscal no médio prazo, é claro, mas isso é insuficiente. No ritmo atual de crescimento, não conseguiremos reduzir o desemprego e a desigualdade e flertaremos com o risco crescente de uma grave crise social.

Penso que, como ocorre em vários países avançados, o Brasil padece da chamada estagnação secular. O termo foi originalmente concebido em 1938 pelo economista e ex-professor da Universidade Harvard Alvin Hansen, para descrever o que ele acreditava ser o destino da economia norte-americana após a grande recessão dos anos 1930: um freio sustentado do crescimento econômico causado por uma demanda agregada deprimida e tendências demográficas adversas.

Em versão atualizada pelo economista Larry Summers, outro ex-professor de Harvard, a estagnação secular ocorre quando a produtividade para de crescer, a demografia passa a ser um ônus e a demanda agregada perde fôlego de forma sustentada.

No Brasil, a produtividade —seja a que conhecemos por produtividade total dos fatores ou a produtividade dos trabalhadores— está estagnada há décadas. Nossa taxa de crescimento populacional é hoje menor que a dos EUA e a da França, igualando-se à da Bélgica. Todos esses países estão sob risco de contrair a estagnação secular.

O crescimento da população é importante para as tendências de longo prazo das economias, pois garante que, no futuro, haverá gente suficiente para formar a força de trabalho sem a qual os países não crescem, por mais que existam robôs. Os robôs, afinal, não só são confeccionados por alguém, como também são operados por gente.

Por fim, a demanda no Brasil está inequivocamente deprimida. Basta observar o ritmo médio de expansão do consumo nos últimos anos —pouco mais de 1%— e a trajetória periclitante do investimento. A taxa de investimento brasileira fixou-se há tempos em pouco mais de 15%, patamar bem mais baixo do que o observado em nossos pares latino-americanos. A urgente reforma da Previdência não irá alterar esse quadro.

Se o Brasil preenche as condições para a estagnação secular nos quesitos acima, outro critério também é atendido: a taxa de juros real está em nível historicamente baixo e não dá sinais de que irá subir. Hoje, tomando a inflação 12 meses à frente projetada pelo mercado, ela está em cerca de 2,5%.

Diante do quadro econômico decepcionante e da ausência de pressões inflacionárias no horizonte, há quem defenda a redução da Selic pelo Banco Central, o que parece razoável, sobretudo após a aprovação das novas regras da Previdência. Nesse caso, e supondo que a inflação se mantenha ao redor dos 4% projetados pelo mercado, a taxa de juros real poderia ser ainda mais baixa.

Por que é possível projetar uma taxa de juros real permanentemente baixa à frente, sobretudo em comparação com a média de cerca de 3,5% nos últimos dois anos do primeiro mandato de Dilma?

Antes de responder, eis uma digressão: embora a taxa de juros real neste período estivesse em nível baixo comparado ao passado, era claro que tal patamar fora alcançado permitindo que a inflação ficasse, recorrentemente, bem acima da meta de 4,5% e que, por esse e outros motivos, aquele nível do juro real não seria sustentável, como de fato se viu posteriormente. Abordei esse tema em detalhe no meu livro.

Voltando à pergunta sobre os motivos de a taxa de juros real permanecer baixa agora, remeto os leitores aos resultados de artigo que escrevi em 2015 para o Peterson Institute for International Economics, sobre o papel do BNDES e o impacto de seus empréstimos.

Na ocasião, apresentei exercício empírico no qual mostrava que a farra do crédito subsidiado durante o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma havia distorcido as taxas de empréstimos no mercado de crédito, além de ter exercido pressão considerável sobre os juros reais.

Calculei que, se os empréstimos do BNDES deixassem de ser feitos a taxas subsidiadas e retornassem aos patamares observados no início dos anos 2000, isto é, caindo de uns 4% do PIB para algo em torno de 1% do PIB, a taxa de juros real poderia cair em até 1,3 ponto percentual.

A introdução da TLP (taxa de longo prazo) durante o governo Temer removeu o componente subsidiado dos empréstimos do BNDES. Além disso, os desembolsos do banco foram reduzidos de R$ 190 bilhões em 2013 para R$ 69 bilhões em 2018, ou, precisamente, para 1% do PIB. Nesse mesmo período, a taxa de juros real caiu da média de 3,5% observada em 2013-2014 para 2,5% hoje, em linha com os cálculos que havia feito em 2015.

A taxa de juros real reflete o custo do capital para as empresas. Portanto, uma taxa permanentemente mais baixa proveniente das mudanças na atuação do BNDES deveria incentivar a alta dos investimentos privados. Contudo, não é isso o que se vê. Observa-se precisamente o que ocorreria em situação de estagnação secular: a taxa de juros real menor já não é capaz de estimular a economia.

E o consumo, componente mais importante da demanda privada e motor dos gastos que incentivam as empresas a produzir? Para falar sobre ele, é preciso não só reconhecer a alta taxa de desemprego, mas destrinchar o que vem ocorrendo com a desigualdade.

Em análise recente, o especialista no tema Marcelo Medeiros mostra que a retomada lenta da economia brasileira tem sido profundamente desigual, que a desigualdade de renda voltou a crescer em 2016, após longo período de queda e posterior estabilidade.

De um lado, o aumento da desigualdade não surpreende: resulta diretamente da grande recessão de 2015-2016, ela própria decorrente dos desmandos macroeconômicos que analisei em meu livro sobre a era Dilma. De outro, há sinais de que a alta da desigualdade total esteja em processo de aceleração.

Segundo Medeiros, dados do Imposto de Renda mostram que há migração dos investimentos daqueles que têm renda mais alta para aplicações financeiras. Isso significa que recursos são transferidos das áreas de produção, que naturalmente criam empregos, para títulos públicos e outros ativos financeiros sem impacto direto na geração de vagas.

Portanto, à frente, a desigualdade poderá aumentar mais em razão de altas no desemprego ou da criação de empregos precários, que não dão a segurança devida ao trabalhador para que ele volte a consumir.

Outro fator importante é a mudança metodológica de 2016 na Pnad Contínua, a pesquisa nacional por amostras de domicílios do IBGE. Naquele ano, a pesquisa passou a incorporar rendas que antes não estavam refletidas nos dados de rendimentos do trabalho —a saber, o 13º salário e o pagamento de comissões. Há quem tenha visto aumento na renda do trabalho e o tenha atrelado à recuperação econômica sem se dar conta da alteração na metodologia.

Ainda mais importante é a constatação de que a parte da renda do trabalho que aumenta é proveniente das comissões e do 13º. Esses rendimentos são, evidentemente, frágeis para o consumidor, pois comissões são variáveis e o 13º é sazonal.

Por essas razões, rendas provenientes dessas fontes não têm o mesmo poder de aumentar o consumo como teria a elevação do salário para aqueles com empregos seguros. E a economia brasileira hoje está sem fôlego para criar empregos que deem segurança aos consumidores.

Diante do diagnóstico apresentado, isto é, de que a economia brasileira não tem dinamismo para crescer acima das taxas observadas no médio e longo prazo e de que as tendências de curto prazo contribuem para agravar as tensões sociais, é possível elaborar algumas soluções.

Para devolver o dinamismo econômico ao país, a atual agenda de reformas é correta: precisamos de uma reforma da Previdência, precisamos de uma reforma tributária, precisamos de privatizações. Precisamos, também, abrir a economia brasileira ao comércio e ao investimento externos, o que passa não apenas por medidas de redução de tarifas de importação mas por atuações nas diversas áreas regulatórias em que o Brasil está severamente atrasado em relação a outros países latino-americanos.

A convergência regulatória para equiparar o país às boas práticas internacionais não só abriria espaço para negociar acordos de facilitação de comércio ou de livre-comércio como também reduziria o protecionismo que torna o Brasil um dos países mais isolados do mundo. Transferências tecnológicas por meio da abertura comercial ajudariam a aumentar a produtividade, junto com outras reformas, como a tributária.

A estratégia para tirar o Brasil da estagnação secular passa, portanto, pelas reformas que Paulo Guedes tem defendido e por uma agressiva abertura comercial. É claro que o desenho das reformas deve ser cuidadoso para que elas não tenham consequências indesejáveis, como o esgarçamento da rede de proteção social. Contudo, a estratégia de médio e longo prazo parece clara.

Menos clara e menos debatida é a estratégia de curto prazo para a economia brasileira. A esse respeito, o atual governo não tem plano. Tudo se resume, no curto prazo, à aprovação da reforma da Previdência. Embora a agenda Guedes não se limite a ela, todos os efeitos das reformas propostas estão circunscritos ao médio ou longo prazo.

Eis, portanto, o manifesto: para atender aos milhões de desempregados e de consumidores afogados em incertezas e vitimados pela desigualdade, é preciso desenhar políticas de curto prazo para retirar a demanda do Estado catatônico. Tais políticas não podem se resumir ao recente flerte de Paulo Guedes com a liberação do FGTS —como vimos no governo Temer, essa medida tem fôlego curto e não ameniza a aceleração da desigualdade de renda em curso. É preciso pensar de forma mais criativa e ousada.

Há tempos venho propondo o uso das reservas internacionais brasileiras para dar um alívio à economia. Antes de prosseguir, advirto: a ideia seria usá-las após a aprovação da reforma da Previdência, quando parte da incerteza fiscal de médio prazo terá sido resolvida.
Vender reservas é ideia que encontra muitas resistências, pois há quem argumente, não sem razão, que o nosso amplo estoque de US$ 380 bilhões é o que mantém o Brasil distante de crises mais agudas.

No entanto, hoje não temos mais vulnerabilidades externas relevantes. Conseguimos reduzir nosso déficit externo para pouco mais de 1% do PIB, não temos dívida externa em montante relevante e nossa dívida pública está praticamente toda denominada em moeda local. Isso significa que não temos riscos no balanço de pagamentos, o que nos abre um espaço importante.

De acordo com os cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil dispõe hoje de cerca de US$ 140 bilhões de reservas excedentes, isto é, de recursos acima do necessário para lidar com pressões externas. Ou seja, temos uma poupança que não está sendo utilizada. Neste momento de extrema fragilidade interna, deveria ser empregada para reduzir a insegurança econômica que impede o consumidor de consumir e a empresa de investir.

Uma ideia seria usar as reservas excedentes para abater a dívida pública, o que diminuiria os juros pagos pelo governo e o déficit nominal, abrindo espaço para algum aumento de gastos —por exemplo, com programas sociais para enfrentar a aceleração da desigualdade.

Vejam: esse uso das reservas possibilitaria o aumento de gastos, porém de maneira bastante indireta. Precisa-se de cautela para não desestabilizar o mercado de câmbio: a rápida conversão de dólares em reais tenderia a apreciar a moeda brasileira , prejudicando as exportações.

As reservas excedentes poderiam também ser usadas, como alguns economistas já haviam sugerido, para constituir fundo cujo objetivo seria o de financiar investimentos em áreas como infraestrutura. Josué Pellegrini, economista da Instituição Fiscal Independente (IFI), analisou essa possibilidade, além do emprego das reservas excedentes para abater a dívida pública, em nota técnica publicada pela IFI em agosto do ano passado.

Para além das dificuldades apresentadas por Pellegrini, tenho menos simpatia por esse uso das reservas, pois não atenderia às necessidades imediatas das famílias e dos consumidores aqui expostas, além de não ajudar a solucionar o drama do aumento da desigualdade.

A terceira possibilidade, bem mais controvertida e próxima de um flerte com a heterodoxia, seria a transferência das reservas excedentes, ou de parte delas, para o Tesouro Nacional, atendendo às restrições abordadas na nota de Pellegrini. Uma vez em poder do Tesouro, os recursos seriam destinados a aumentar diretamente a capacidade de elevar os gastos com programas sociais para reduzir a desigualdade e a insegurança econômica dos mais atingidos pela lenta recuperação.

Essa ideia difere do uso das reservas para abater dívida, pois os recursos transferidos para o Tesouro não seriam gastos primeiro para esse fim, mas diretamente em programas sociais. Mais uma vez, insisto: tal medida seria feita apenas após a aprovação da reforma da Previdência, sem a qual essa ideia provavelmente seria tiro pela culatra.

O uso direto de parte das reservas excedentes para turbinar programas sociais sem a âncora da mudança na Previdência seria visto por muitos economistas como espécie de populismo econômico, criando turbulência nos preços de ativos e prejudicando a atividade. Contudo, uma vez aprovada a reforma, penso que usos menos ortodoxos, como o sugerido, deveriam ao menos ser contemplados. O país não está em situação de poder se dar ao luxo de nada fazer no curto prazo.

Reafirmo esse ponto relembrando aos leitores as experiências de alguns países que tentaram fazer ajustes em suas economias sem qualquer base de apoio para o curto prazo. Os casos mais recentes não foram em países emergentes como o Brasil, mas em alguns europeus após a crise de 2008. Todos passaram por intensas turbulências políticas e sociais em razão das políticas de arrocho a que foram submetidos, o que possivelmente prolongou a saída da crise que sobre eles se havia abatido.

O caso mais emblemático é o da Grécia, mas Portugal e Espanha também viveram seus próprios infernos particulares, ainda que pudessem desfrutar do apoio financeiro das instituições europeias criadas para resolver a crise, do Banco Central Europeu e do FMI.

Para além desses exemplos, o próprio Brasil já demonstrou para si que a viabilidade das reformas só pode ser garantida com redes de proteção que evitem o caos social. O Plano Real, que completa 25 anos neste mês, e as reformas que o sucederam só foram possíveis porque a abrupta redução inflacionária removeu o ônus que impossibilitava o bom funcionamento da economia e recaía brutalmente sobre as camadas mais vulneráveis da população.

Basta olhar indicadores de pobreza e de desigualdade de renda para constatar que o Plano Real foi um grande equalizador, impedindo que uma situação de caos social e político ainda mais grave.

Volto, portanto, ao parágrafo inicial deste artigo. Por razões diversas, descuidos e desprezos de longa data, o Brasil está hoje preso numa armadilha de crescimento baixo que tende a agravar os problemas políticos, econômicos e sociais. Para sair dessa armadilha, é premente fazer reformas econômicas na linha das propostas pelo governo, ainda que alterações sejam necessárias para evitar danos às redes de proteção social.

Também é preciso ter o foco correto nas áreas de educação —sem um plano para tal não haverá aumento de produtividade—, de treinamento dos trabalhadores —principalmente com as mudanças tecnológicas em curso—, do meio ambiente. O descaso ambiental pode piorar ainda mais os rumos da economia brasileira no longo prazo, como revelam os diversos estudos acerca dos impactos econômicos perversos da negação da realidade.

Ao prevalecer a guerra ideológica nessas áreas, o governo presta um desserviço para si e para o país. Afinal, as reformas econômicas terão impacto diminuído caso se insista em ignorar a importância desses temas ou seguir na contramão do que revelam as evidências científicas. Mas mesmo isso já não basta.

Para que o Brasil tenha alguma chance de recuperar a segurança econômica, os gestores precisam reconhecer a importância de criar uma rede de sustentação no curto prazo. Para isso, será necessário resgatar o espírito criativo e inovador sem o qual estaríamos hoje ainda presos à hiperinflação.

Nossa crise atual é inédita. Esse ineditismo requer que tanto os que gerem a economia quanto os que dela entendem e sobre ela debatem saiam das suas zonas de conforto e parem de rotular à revelia. Há ideias ortodoxas que não funcionam, como as contrações fiscais sem sustentação social. Do mesmo modo, há ideias heterodoxas que resultaram em sucessos espantosos, como o Plano Real.

Fica o manifesto por um debate sem as amarras ideológicas que impedem a criatividade em momento tão crítico.

*Monica de Bolle, economista, é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University (EUA) e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics.




domingo, 9 de junho de 2019

Não existe sobremesa grátis


Parlamentares despreparados são eleitos por eleitores desinteressados e, também, despreparados para a democracia participativa. Por serem despreparados e ansiosos por ficarem "bem na foto" para o eleitor, são pródigos em medidas populistas.
Ao invés de desonerarem o setor de transporte aéreo, criam "inovações financeiras" que nada mais são do que dividir o "prejuízo" de alguns com todos.
Essa gratuidade de bagagens, décimo terceiro, meia-entrada, etc são "jabutis" EXCLUSIVAMENTE brasileiros... 




Não existe sobremesa grátis 
ALEXANDRE BARRETO DE SOUZA
FOLHA DE SP - 09/06

Passageiros pagarão pela bagagem de qualquer jeito


Todo serviço ou produto oferecido no mercado possui um preço. Imagine que você seja proprietário de um restaurante e o governo estabeleça que, a partir de hoje, deva fornecer as sobremesas gratuitamente.

Como empresário, seu objetivo não é fazer caridade nem ter prejuízos. Para compensar a sobremesa “gratuita”, certamente você irá diluir os custos em outros produtos ou serviços do estabelecimento, como bebidas ou prato principal, por exemplo.

E como fica o cliente que não gosta de sobremesa? Ele será obrigado a pagar pela sobremesa dos outros, simples assim. A princípio, parece que os clientes terão um benefício na concessão de algo grátis, quando, na verdade, haverá clientes pagando por algo que não estão consumindo. Isso seria justo?

O raciocínio é o mesmo quando se analisa o mercado de transporte aéreo de passageiros e todo o debate sobre a franquia no despacho de bagagens. O ponto central é simples: nós pagaremos pelas bagagens de qualquer maneira. Resta saber se queremos ter transparência na composição dos preços ou não.

A maioria dos consumidores escolhe a passagem aérea pelo preço. A definição das tarifas conforme o perfil do cliente —aquele que carrega mais bagagem ou aquele que precisa ou gosta de mais espaço— beneficia diretamente o consumidor, que paga somente pelo serviço que está efetivamente utilizando.

A proibição de cobrança por franquia de bagagem por parte das companhias aéreas afeta o mercado de maneira extremada e negativa. A medida é prejudicial à concorrência e também aos passageiros.

Todos queremos serviços de melhor qualidade e menores preços. Porém, não existe mágica em economia. Os preços são resultado, além da estrutura de custos, da dinâmica entre oferta e procura. As tentativas do Estado em intervir na vida empresarial e impor preços quase sempre dão mau resultado. O papel que cabe ao Estado é garantir a segurança jurídica para o ambiente de negócios e assegurar uma concorrência justa no mercado.

O mercado interno de transporte aéreo de passageiros é dominado por poucas empresas, cenário agravado pela crise da Avianca. O setor apresenta inúmeras condições que limitam a concorrência e, por esses e outros motivos, trata-se de um mercado concentrado que, por ter a competição prejudicada, atinge drasticamente o consumidor final.
O Brasil precisa amadurecer com relação aos princípios concorrenciais e entender seus benefícios. Sob uma perspectiva concorrencial, retirar reservas de mercado e trazer mais transparência sobre a composição dos serviços prestados traria inúmeros impactos positivos para a economia e para o consumidor.

Diversas companhias aéreas estrangeiras têm mostrado interesse em ingressar no mercado brasileiro após a abertura do setor ao capital estrangeiro. Mas é importante lembrar que grande parte dessas companhias adotam o modelo de negócio “low cost”, no qual o valor da bagagem não está embutido no preço final do bilhete aéreo, o que permite ofertas mais atrativas.
Portanto, a atual regulação, que possibilita a cobrança por bagagem despachada e outros serviços, caso mantida, facilitará a entrada de novas empresas no setor, o que gerará aquecimento no mercado, acirrará a concorrência e se refletirá no preço das passagens. Em contrapartida, a volta da franquia de bagagens afetaria negativamente o investimento de empresas internacionais no mercado brasileiro, uma vez que esse tipo de regulamento impacta diretamente o seu modelo de negócios.
Importante destacar que as empresas precisam observar as regras de mercado e toda a legislação vigente. Além da queda do preço da passagem, destacam-se dois pontos importantes que afetam diretamente o consumidor: a informação —por parte das empresas— prestada com clareza no momento da compra de passagem, bagagem, assento ou qualquer outro item que a empresa ofereça; e os valores cobrados pela bagagem despachada, que não podem ser abusivos.
A gratuidade de qualquer coisa (de sobremesas em restaurantes a bagagens despachadas) pode parecer ótima, mas nem tudo é o que parece.
Definitivamente, não existe sobremesa grátis.

Alexandre Barreto de Souza
Presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)

quinta-feira, 6 de junho de 2019

A Petrobras em suspenso

Volto a registrar o que já comentei DIVERSAS VEZES anteriores: Qualquer candidato à vaga tanto no STF, como no STJ, como no TSE, ou no CNJ, ou no TST SÓ CHEGARAM ÀS MÃOS DE LULA E DE DILMA PORQUE ATENDERAM A INTERESSES DO PT!!!...PORQUE ATENDERAM A INTERESSES DO PT!!!
E agora estão se esmerando em prejudicar a gestão Bolsonaro:

O STF, Min Fachin, ex-advogado do MST, perdoou as dívidas dos agricultores (pobres e ricos) com o FUNRURAL, também no colo de Bolsonaro;
O STF, Min Levandowsky atendeu a sindicatos na justiça proibindo a venda das empresas estatais coligadas à Eletrobrás e Petrobrás, proibindo o governo de sanear ambas e a se captalizar para reduzir o rombo fiscal.
O Min Levandowsky TAMBÉM PERDOOU municípios que vinham devendo na LRF de 2017 e TAMBÉM esse rombo virou restos a pagar para Bolsonaro.

O artigo de Miriam Leitão deixa cristalino a ALTÍSSIMA CAPACIDADE DE DANO que o STF poderá causar à sociedade...não só a Bolsonaro, como também a toda sociedade.

Mais uma evidência cristalina de que MOVIMENTOS DE RUA NÃO ADIANTAM!!! Temos que encontrar outras alternativas!!!


A Petrobras em suspenso
Míriam Leitão: - O Globo

Está em jogo muito mais que a venda de uma rede de gasodutos. Se o STF disser não, o ajuste do país será mais penoso

O grupo que comprou a TAG queria fazer a assinatura da venda em Paris, mas a direção da Petrobras não quis. Como o brasileiro anda cansado dos fatos estranhos sobre a estatal de petróleo e lembra bem de uma festa em Paris, optou-se pela assinatura discreta no escritório da empresa. Decisão acertada, tanto que logo depois, quando parte dos US$ 8,6 bilhões estava internalizada pela Engie e pelo fundo canadense CDPQ, o ministro Edson Fachin suspendeu o negócio por liminar. Ontem o assunto foi discutido no Supremo, mas ficou inconcluso.

A direção da Petrobras dizia que ontem era o “Big Day", porque o que se decidir nesse julgamento definirá todo o programa para enfrentara situação da empresa: muito endividada e com diversos ativos que não fazem parte do seu negócio central. A decisão mais lógica, claro, é vender ações, participações, negócios e abatera dívida. Mas o grande dia foi adiado. O julgamento terminou empatado, dois a dois, e continuará hoje. Os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin acham que para vender, mesmo subsidiárias, é preciso autorização do Congresso e tem, necessariamente, que ser por licitação. Os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso discordam. Moraes considerou que essa exigência só existe quando é a venda da “empresa-mãe” e não das suas subsidiárias. Lewandowski disse que o risco seria fatiar tanto aponto de enfraquecer a “empresa-mãe ”, mas Moraes afirmou que se tal situação acontecesse seria uma patologia, que certamente seria impedida.

O ministro Barroso foi cristalino. A Constituição estabelece a obrigatoriedade de passar pelo Congresso quando sequer criar uma estatal, porque a intervenção do Estado no domínio econômico é a exceção. Portanto, não existe a mesma obrigação quando é ocaso de alienar estes ativos, ressalvados os casos em que a Constituição estabelece, quando é necessário para a segurança nacional ou tem um relevante interesse coletivo.

—A Constituição não protege esse Estado agigantado. Ela quis a livre iniciativa e não o capitalismo de Estado. Não há lastro jurídico para a tese de que se é preciso passar pelo Congresso para criar, tem que passar também para vender —disse Barroso.

Esse paralelismo tinha sido defendido no voto do ministro Lewandowski, autor da liminar dada no ano passado. Com base nisso, o ministro Fachin decidiu suspender a venda da TAG. Pior é que depois de toda a sessão de ontem, e a decisão adiada para hoje, o ministro Dias Toffoli disse que o debate era apenas teórico, abstrato sobre como o governo pode se desfazer de seus ativos, e só depois será o julgamento do caso específico da TAG.

O grande problema no Brasil é a insegurança jurídica. A venda do gasoduto foi suspensa com o argumento de que não houve licitação. Na opinião da direção da Petrobras houve sim. Foram seguidos exatamente os trâmites negociados com o Tribunal de Contas da União no ano passado, de dar o máximo de transparência possível. O TCU havia criticado o processo de venda por carta-convite no governo Temer. A Petrobras então mudou o processo em conversa com os técnicos do TCU e chegou-se a um formato de venda. Primeiro é divulgado o que eles chamam de “teaser”, com comunicado ao mercado nas bolsas de valores, daqui e do exterior. Apareceram 87 interessados. Passou-se para a próxima fase, da oferta preliminar, em que ficaram 20 grupos. Por fim, três fizeram propostas definitivas e foi escolhida a de maior valor.

—É errado achar que há uma única forma de se fazer um certame competitivo. Há um procedimento sofisticado, com muitas etapas, que foi seguido no processo de alienação da TAG. O importante é que o processo de competição assegure um resultado vantajoso para o governo — disse o ministro Barroso.

O debate continua hoje. O que está em jogo é muito mais do que um gasoduto. A Petrobras foi atingida pela corrupção, pela má gestão, pelo inchaço dos custos, pelos investimentos errados e definidos politicamente, pelo endividamento excessivo. É uma excelente empresa, mas que precisa se ajustar. Tem para vender outros ativos, uma parte da BR Distribuidora, a Gaspetro, a Liquigás, que já está com o “teaser” na rua. Isso sem falar nas refinarias. Além de ajustar a Petrobras, é preciso ajustar o próprio país. Se o STF disser não, o processo será muito mais longo e penoso.

domingo, 2 de junho de 2019

JR Guzzo: Roubar e roubar

A atual "impedância" intelectual foi deliberada, sistematicamente construída. O PT quebrou as duas canelas da intelectualidade das futuras gerações que ETERNAMENTE serão mancas sem JAMAIS dar uma corridinha no desenvolvimento científico.
Mesmo com o Marcos Pontes à frente da Ciência e Tecnologia, o corporativismo acadêmico JAMAIS nos permitirá lograr um NOBEL...JAMAIS!!




Roubar e roubar


JR Guzzo (Publicado na edição impressa de VEJA e no Blog Fatos)


Quer fazer um teste para saber em alguns segundos como você ajuda a manter de pé um dos mais notáveis monumentos à concentração de renda que existem atualmente no mundo? Pegue as suas últimas contas de telefone ou de luz e vá até onde está escrito “total a pagar”. 

Se você é um morador de São Paulo, por exemplo, verá que 25% desse total é imposto puro, o ICMS — ao qual se somam outras taxas que o governo ainda consegue lhe arrancar. O que não se vê na conta é que quase 10% do ICMS arrecadado a cada vez que alguém acende a luz ou fala ao telefone vai direto para o caixa das três universidades públicas de São Paulo. 

Acontece todo santo mês, sem falhar nunca, e provavelmente vai continuar acontecendo até o fim da sua vida. Mais: esse pedágio é retirado de todo ICMS pago no estado — não só nas contas de luz, telefone ou gás, mas em qualquer outra coisa cuja existência o Fisco paulista consiga identificar dentro do território estadual.



Uma vez sacado do seu bolso, o dinheiro vai para jovens, em geral de boa família, estudarem de graça temas como arte lírica, ou educomunicação, incluindo aí “prática epistemológica do conceito” e “gestão democrática de mídias”. Podem estudar armênio. Podem tentar um diploma de semiótica sobre “linguagens imaginárias”, ou sobre a “imanência e transcendência na emergência do sentido”. É claro que o contribuinte paga todos os cursos das três universidades — e muitos deles são indispensáveis. Mas isso não melhora nada. Só significa, na prática, que os cursos úteis para a sociedade recebem menos dinheiro porque têm de dividir a verba com os inúteis. 

Aliviado por não morar em São Paulo? Esqueça. Há o dragão das universidades federais — um bicho que pega geral, até o último confim do Acre. A diferença é que o paulista, e os cidadãos de todos os estados que mantêm universidades, toma duas contas no lombo.

O fato é que os impostos pagos por todos os trabalhadores brasileiros são doados aos filhos das classes média e alta para que estudem na universidade pública sem pagar um centavo. Isso se chama transferência de renda do mais pobre para o mais rico — que passou no vestibular porque foi capaz de financiar seu ensino básico em escolas particulares. 

Não tem conversa: se o governo tira de todos e dá a alguns, está tomando dinheiro da pobralhada, que é 80% desse “todos”, e fazendo um presente para a minoria que forma o “alguns”. É um método praticamente infalível, se você quer manter as desigualdades neste país exatamente como elas estão. 

Uma excelente escolha, também, para fazer a pobreza no Brasil durar o máximo de tempo possível. Em compensação, o sistema nos dá as universidades federais “gratuitas” — são nada menos que 63 ao todo, que talvez sejam 68, segundo os caprichos da burocracia educadora nacional.

Esse monstro é caro, injusto e burro. 

Dos cerca de 120 bilhões de reais do Orçamento federal de 2019 para a educação, quase metade vai para as universidades — o contrário do que a inteligência mais rudimentar recomenda a um país onde o ensino básico está em colapso há anos e que, por causa disso, ocupa o 119º lugar na classificação mundial dos países segundo a qualidade da sua educação. Grande parte dessa despesa vai para o lixo. 

Na Universidade Federal do ABC, que custa mais de 250 milhões de reais por ano, há uma licenciatura em “afro-matemática” — aparentemente, a equação de segundo grau ou a progressão geométrica, do jeito que os alunos aprendem hoje, são “brancas”, e “reproduzem o racismo nas salas de aula”. É preciso, portanto, “descolonizar os referenciais teóricos”. 

Há uma Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Há uma da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Há uma Universidade Federal da Fronteira Sul e uma Universidade Federal do Pampa.

Nenhuma delas está entre as 150 melhores universidades do planeta segundo o ShanghaiRanking, um dos termômetros mais respeitados para medir a qualidade mundial da educação superior. 

Em outra lista de prestígio, a Times Higher Education, o resultado é pior: não há nenhuma brasileira entre as melhores 250. Dá o que pensar. Ou o Brasil se livra dos educadores, ou os educadores conduzirão o Brasil ao nível de instrução vigente na Idade da Pedra. 

Há outra consideração a fazer, na sequência. Um jeito conhecido de roubar dinheiro público é fechar-se numa sala com Marcelo Odebrecht, por exemplo. Outro é ensinar imanência e transcendência na emergência, com o dinheiro do ICMS que você pagou na sua última conta de luz. O primeiro jeito talvez acabe saindo mais barato.

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