segunda-feira, 30 de junho de 2014

Na balada

Aproveitando o momento do futebol da copa, o jornalista faz uma boa metáfora na tentativa de explicar os fatores conjunturais que estão prejudicando nossa indústria, o segmento no país que gera postos de trabalho de valor agregado superior aos demais segmentos, além de uma maior arrecadação.

Na balada 
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO 

Jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros

Parece que Neymar e Song, da seleção de Camarões, são bons amigos. Antes e depois do jogo da última segunda, a TV mostrou os dois trocando abraços e se divertindo com alguma coisa que o craque brasileiro comentou.

São colegas de trabalho. Jogam no Barcelona, convivem uma temporada inteira e não seria estranho que estivessem combinando uma balada.

Os jogadores estão globalizados. Há legiões de estrangeiros por toda parte, mas, sem dúvida, os melhores do mundo atuam na Europa. E fazem partidas encantadoras o ano todo. O Manchester da Inglaterra tem nada menos que 14 jogadores espalhados por diversas seleções.

Isso é bom ou ruim? Depende. Para o público que pode acompanhar os jogos pela televisão, é um espetáculo. Para o técnico da Inglaterra, porém, a globalização prejudicou sua seleção. Ocorre, disse, que craques internacionais são os titulares dos times ingleses, colocando na reserva os locais. Logo, estes têm menos chances de aperfeiçoamento.

Supondo que ele estivesse correto, qual seria a saída? Só uma, proibir ou limitar ao extremo a entrada dos estrangeiros. Ou seja, fechar os mercados.

Funcionaria?

Certamente não. Como para qualquer outro mercado, com o perdão da palavra, o de jogadores funciona melhor com fronteiras abertas.

Como em qualquer setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores. Estes só conseguem colocar lá fora seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.

Só faz sentido contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente pagando salários mais elevados. Também faz sentido importar jogadores de qualidade pouco superior ou mesmo semelhante à dos locais, mas cuja contratação seja mais econômica.

Em qualquer caso, a consequência é a elevação da qualidade do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros com os quais passam a competir.

O caso da Espanha, em especial, é uma demonstração disso. No passado, tinha grandes times, globais, e uma seleção apenas média. Mas, de uns oito anos para cá, o time exibiu uma incrível combinação de craques. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.

OK, a Espanha perdeu, assim como Inglaterra e Itália, outros centros globalizados. Mas por isso o futebol é o jogo mais bonito do mundo. É difícil ganhar, mesmo sendo melhor. E, como tudo pode depender de um lance, o fator chance é decisivo.

Mas ninguém pode negar que são três ótimos times, e que têm evoluído.

Mas, vira e mexe, a cada fracasso, a discussão volta, como acaba de ser recolocada pelo técnico inglês.

O que ele reclama é a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país, de qualquer setor, quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidado com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.

É muito diferente instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e a prejuízos ao consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.

Proibir a importação de jogadores piora tudo. Ficam times piores, que oferecem espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor.

Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador. Grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul e a África. Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.

Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, especialmente dos jovens, é uma saída. Um baita equívoco.

Primeiro, que seria uma violação à liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?

Não é justo, não é legal.

Nem eficiente. Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para pagar em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas, que poderiam perfeitamente pagar o preço justo por espetáculos mais bem organizados.

O futebol brasileiro, como negócio, é tão pouco competitivo como a economia brasileira.

Mas há um último ponto: sendo amigos de clube, os jogadores não amoleceriam quando se encontrassem em partidas de seleção? Bom, basta acompanhar alguns minutos de qualquer jogo desta Copa para ver que ninguém alivia nada.

Eles até podem combinar uma balada para a noite de folga, mas não no campo.
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