[...]Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos.
[...] “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”
[...] a crônica hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados. [...] Em vez de enfrentarem seus problemas, os entes federados recorrem à União,
[...] nos debates sobre a ampliação do alcance da reforma da Previdência, para abranger também Estados e municípios. Não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos entes federados, [...]
[...] “Alguns Estados e municípios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos”, escreveu José Serra.
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Federação e autonomia
Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável
O Estado de S. Paulo, O Estado de S. Paulo 16 de setembro de 2019
A reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados trouxe de volta a questão sobre o pacto federativo. Em artigo publicado no Estado (Tributação em números, 12/9/2019), o senador José Serra (PSDB-SP) lembrou que, “do ponto de vista tributário, o Brasil é o país federativo mais descentralizado do mundo. (...) De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos países federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos”.
Essa descentralização é consequência direta do pacto federativo decorrente da Constituição de 1988, que definiu a autonomia como regra. A Carta Magna define, por exemplo, que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A Constituição define os princípios, mas a organização de cada Estado e município deve ser fixada pelo ordenamento jurídico específico de cada ente. Reafirmando a autonomia dos Estados, “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, diz o art. 25, § 1.º.
Observa-se, ao mesmo tempo, a crônica hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados. Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável.
Em vez de enfrentarem seus problemas, os entes federados recorrem à União, o que conduz à centralização e à uniformização de medidas, em sentido contrário ao que deveria ocorrer numa federação.
Tal situação é vista, por exemplo, nos debates sobre a ampliação do alcance da reforma da Previdência, para abranger também Estados e municípios. Não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos entes federados, mas é muito conveniente que o faça, diante das dificuldades políticas para que esses entes alterem seus sistemas de aposentadoria.
“Na Federação brasileira ainda proliferam casos de dependência e irresponsabilidade fiscal”, afirmou o senador José Serra, alertando para o fato de que “uma descentralização adicional de receitas sem condicionantes adequados pode criar ineficiências que corrompem a qualidade do gasto público e a própria autonomia dos entes federativos. Alguns indicadores a esse respeito são a baixa arrecadação municipal nas bases do IPTU e do ISS e a ociosidade de recursos destinados a projetos específicos, inclusive de emendas parlamentares”.
Eis um ponto extremamente preocupante. Em vez de apoiar e fortalecer a realidade local, o sistema federativo tal como previsto pela Constituição de 1988 tem sido ocasião para aumentar ainda mais a hipossuficiência dos entes federados.
“Alguns Estados e municípios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos”, escreveu José Serra.
A impressão é que se está diante do pior dos mundos. Têm-se todos os custos e complexidades inerentes a um sistema federativo e, ao mesmo tempo, não se aproveitam os benefícios que esse sistema deveria gerar. Diante desse panorama, é grande a pressão para que o Congresso adote soluções de curto prazo, diminuindo a autonomia dos entes federados. Em vez de resolver satisfatoriamente as questões relativas ao pacto federativo, essa tendência de mitigar a Federação acaba, no entanto, por ampliar suas contradições.
O sistema federativo tem muitas potencialidades, especialmente para um país tão extenso e variado como o Brasil. Mas, para obter seus melhores dividendos, é necessário não trocar a autonomia e a consequente responsabilidade dos entes federados por remendos centralizadores. O aprendizado com essas três décadas de Constituição deve levar a um aperfeiçoamento da Federação, e não ao seu abandono.
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