segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Vinculações e eficiência

Entendo que o tema seja árido, todavia se quiserdes votar com "consciência e qualidade" ou, enfim, "votar certo", se não quiserdes conhecer ou tomar ciência do que venha a ser orçamento, JAMAIS estareis votando com amadurecida qualidade, JAMAIS!!
Segue, uma vez mais, uma contribuição.



"[...] Os recursos que têm destinação obrigatória, e por isso conhecidos como "dinheiro carimbado", compõem a "receita vinculada". As vinculações, como mostrou o Estado (7/8), já cobrem 87% do Orçamento da União. Isso quer dizer que, das receitas tributárias de que teoricamente poderia dispor para executar seu programa - sobretudo para elevar os investimentos na ampliação e melhoria de serviços públicos -, o governo federal só pode destinar livremente a modesta fatia de 13%.[...]"

"[...] As vinculações, desse modo, tolhem a capacidade do governo de utilizar o dinheiro público nos programas com os quais se comprometeu perante o eleitorado ou são prioritários para a população.[...]"

"[...]Além do recente aumento de 5,1% para 10% do PIB dos gastos obrigatórios com educação, aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, há pelo menos cinco projetos que obrigam o poder público a aplicar uma porcentagem mínima de sua receita em determinados setores.[...]"


Vinculações e eficiência
EDITORIAL O ESTADÃO




Por ingenuidade, desconhecimento das incongruências da administração pública, autoengano ou, como parece ser a maioria dos casos, oportunismo, de tempos em tempos políticos propõem a destinação obrigatória de fatias da arrecadação tributária para áreas específicas de atuação do poder público, sob a alegação de que, assim, estariam assegurados os recursos necessários para dinamizar ou melhorar os serviços nessas áreas.

Além do recente aumento de 5,1% para 10% do PIB dos gastos obrigatórios com educação, aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, há pelo menos cinco projetos que obrigam o poder público a aplicar uma porcentagem mínima de sua receita em determinados setores. Períodos eleitorais tendem a tornar os parlamentares mais suscetíveis a propostas desse tipo. Mas, ao contrário do que dizem seus defensores, elas não resultarão, necessariamente, em melhorias nessas áreas. São, ao contrário, uma ameaça à boa gestão, pois podem gerar desperdícios e outras distorções.

Os recursos que têm destinação obrigatória, e por isso conhecidos como "dinheiro carimbado", compõem a "receita vinculada". As vinculações, como mostrou o Estado (7/8), já cobrem 87% do Orçamento da União. Isso quer dizer que, das receitas tributárias de que teoricamente poderia dispor para executar seu programa - sobretudo para elevar os investimentos na ampliação e melhoria de serviços públicos -, o governo federal só pode destinar livremente a modesta fatia de 13%.

As vinculações, desse modo, tolhem a capacidade do governo de utilizar o dinheiro público nos programas com os quais se comprometeu perante o eleitorado ou são prioritários para a população. Falhas administrativas, incompetência gerencial na execução dos projetos, desperdícios ou corrupção reduzem ainda mais a eficiência no uso do dinheiro do contribuinte, pois retardam ou impedem a geração dos benefícios de que a sociedade tem o direito de dispor como retribuição pelo pagamento dos impostos.

Para tentar dar um pouco mais de racionalidade à administração pública, instrumentos que reduzem as vinculações têm sido criados nos últimos anos. O atual, a Desvinculação dos Recursos da União (DRU) - criada em 2000 e cuja vigência tem sido prorrogada com frequência (pela legislação atual ela expirará em 31 de dezembro de 2015) -, desvincula 20% do dinheiro "carimbado".

Os projetos que criam vinculações caminham no sentido contrário. Entre os que a reportagem do Estado localizou no Congresso há um, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que vincula 2% das receitas da União e 1% das dos Estados e municípios para programas de habitação. Só na esfera federal, essa medida aumentaria em R$ 34 bilhões os gastos, neste ano, com programas habitacionais, o que dobraria o orçamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, um dos mais custosos do governo Dilma Rousseff, que o transformou em sua vitrine política. Outro projeto, do ex-deputado paulista William Woo (então filiado ao PSDB), propõe a destinação de 8% do Orçamento federal, 2% dos estaduais e 1% dos municipais para ações e serviços de desporto. No total, os cinco projetos vinculariam mais R$ 176 bilhões do Orçamento da União, quase o dobro da dotação atual do Ministério da Educação.

Não se discute a necessidade de aplicação de recursos públicos em áreas essenciais cujos serviços são insuficientes ou insatisfatórios (além da educação, já há vinculação para a saúde). Há carências na área habitacional e o desempenho das equipes brasileiras em competições esportivas internacionais tem sido, em muitos casos, decepcionante - quanto mais próximos estivermos dos Jogos Olímpicos, mais frequentemente esse fato será invocado por quem defende a vinculação de receitas para aplicação em esportes.

O País necessita de programas públicos eficientes nessas áreas. Isso exige identificação correta dos problemas, avaliação das necessidades, concepção adequada de projetos, execução eficiente e, também, recursos. Mas, sem boa administração, a garantia de recursos mínimos estimulará o desperdício e não assegurará resultados.
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sábado, 9 de agosto de 2014

Mais confusão no setor elétrico

EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO  

Cada vez mais enrolado na confusão criada por sua desastrosa política para o setor elétrico, o governo mais uma vez envolve os bancos federais no socorro às distribuidoras, depois de ter levado ao limite o comprometimento do Tesouro. O novo financiamento programado, de R$ 6,6 bilhões, será custeado na maior parte por Banco do Brasil (BB), Caixa e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Até ontem estava também prevista a participação de cinco instituições privadas - Bradesco, Itaú, Santander, BTG Pactuai e Citibank. Outras poderão entrar no pool, segundo informação do Ministério da Fazenda.

Mas o socorro financeiro às concessionárias servirá apenas para resolver uma pequena parte da encrenca. Ainda será preciso aumentar as tarifas, congeladas no ano passado por determinação da presidente Dilma Rousseff. Alguns ajustes foram autorizados neste ano, mas falta eliminar a maior parte da defasagem. É um problema difícil para um governo empenhado em maquiar a inflação, especialmente numa campanha eleitoral.

O governo já teve de armar um socorro financeiro em abril. Bancos públicos entraram com R$ 5 bilhões do total mobilizado, de R$ 11,2 bilhões. Desta vez participarão, segundo a estimativa divulgada nos últimos dias, com R$ 6,5 bilhões, ou 68% do empréstimo planejado. O BNDES fornecerá R$ 3 bilhões. BB e Caixa oferecerão, juntos, R$ 1,5 bilhão, e o restante será coberto pelos bancos privados.

O custo será maior que o do socorro anterior. Também isso afetará o cálculo das tarifas necessárias para equilibrar as finanças das concessionárias. Somados os dois empréstimos e os juros, as distribuidoras terão de pagar, segundo estimativa do mercado, R$ 23,3 bilhões.

Também esse valor deverá entrar no cálculo das novas tarifas, se a intenção for reequilibrar as contas das empresas. Especialistas estimam entre 20% e 25% o aumento de tarifas necessário para normalizar a situação das distribuidoras. Fonte do Ministério de Minas e Energia, citada pelo Estado, projeta em 2,6% o efeito dos empréstimos sobre as tarifas em 2015. O impacto estimado deve ser de 5,5% em 2016, no mesmo cenário, e de 14% em 2017.

A presidente Dilma Rousseff nega a possibilidade de um tarifaço, se isso depender de sua decisão, mas continua sem explicar como resolverá o problema. Além do mais, é preciso levar em conta a situação das geradoras, também prejudicadas quando atenderam à convocação do governo para antecipar a renovação das concessões. Sem poder recusar a adesão ao plano, a Eletrobrás foi uma das mais afetadas.

Quando propôs a renovação antes do prazo, o governo ofereceu compensação pelas amortizações incompletas de investimentos anteriores. Essa compensação, segundo especialistas, ficou muito abaixo da necessária. Por isso, algumas empresas ficaram fora do esquema proposto.

Ao apresentar esse plano, a presidente Dilma Rousseff anunciou também uma política de redução das contas de energia elétrica. Em condições normais, seria um jogo muito perigoso, porque mexeria com as finanças do setor e afetaria sua capacidade de investimento. Mas o erro foi maior que esse, porque as tarifas foram cortadas numa fase de custos crescentes. A insuficiência de chuvas prejudicou a operação das hidrelétricas e forçou o uso de energia mais cara, produzida pelas centrais térmicas.

A política racional, em situações desse tipo, é estimular a redução do consumo e a busca de maior eficiência no uso da energia. A presidente Dilma Rousseff escolheu o caminho oposto, incentivando maior gasto de eletricidade. Apesar da redução das tarifes, a inflação continuou elevada, porque foram mantidos fatores mais importantes, como a expansão do crédito, a gastança federal e os incentivos fiscais ao consumo. Ao mesmo tempo, mais encargos foram jogados sobre o Tesouro, forçado a ampliar a ajuda ao setor elétrico. A sequência de erros levou a situações quase cômicas. Obrigada a participar do socorro às distribuidoras, a Caixa é ainda pressionada a fornecer mais dividendos ao Tesouro encalacrado. É difícil de combinar populismo com aritmética.
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A degeneração do Mercosul

 EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO  

A última cúpula do Mercosul, em Caracas, prestou somente para reafirmar que o bloco econômico não tem outra utilidade senão a de servir como palanque político. O Mercosul está sendo usado, cada vez mais, para legitimar posições ideológicas que representam o atraso e que estão condenando esta parte da América do Sul à estagnação. Esse melancólico papel ficou claro quando os chefes de Estado ali reunidos deram muito mais importância a tópicos que nada têm a ver com questões comerciais - que deveriam ser, afinal, sua preocupação central.

A presidente Dilma Rousseff até tentou trazer um importante assunto para a pauta - a defesa de um acordo de livre-comércio do Mercosul com a Aliança do Pacífico, o dinâmico bloco formado por México, Peru, Colômbia e Chile. Mas foram palavras ao vento, pronunciadas com o único propósito de caracterizar Dilma, candidata à reeleição, como uma presidente preocupada em realizar bons negócios para o Brasil e em ampliar os horizontes do Mercosul. Mas o discurso da petista caiu no vazio e nem foi mencionado na declaração final da cúpula Assim como Dilma, a maioria dos demais chefes de Estado parecia estar ali apenas para cuidar de seu peixe. Mercosul, cada um por si foi o apropriado título de reportagem do jornal El País sobre os bastidores do encontro.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, por exemplo, usou a reunião para obter respaldo a seu autoritarismo e a suas desastrosas iniciativas econômicas, que recentemente causaram convulsão no país. Logo no início da declaração oficial do encontro, por exemplo, os chefes de Estado condenaram "todo tipo de violência e intolerância que busque atentar contra a democracia e suas instituições, tais como os lamentáveis acontecimentos que ameaçaram, no início do ano, a ordem democrática legalmente constituída pelo voto popular" na Venezuela. Portanto, para o Mercosul, foi a oposição a Maduro que atentou contra a democracia, e não a resposta truculenta do governo, que causou mais de 30 mortes e resultou na prisão arbitrária de dissidentes.

Na declaração final, raras foram as menções a iniciativas para articular os mercados regionais - e mesmo essas poucas sugestões retratam o viés bolivariano que predomina no bloco. Presidente do Mercosul e anfitrião do encontro, Maduro ficou à vontade para desfiar seu rosário de bobagens sobre integração. Ele defendeu, por exemplo, a união entre o Mercosul e a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), o bloco bolivariano criado pelo falecido caudilho Hugo Chávez. A intenção, disse o venezuelano, é "ir muito além do que se convencionou chamar de livre-comércio". Para ele, é necessário "transcender" esse conceito, "chegando ao comércio justo e integrador". A situação de penúria econômica da Venezuela mostra o que tal discurso significa. Embora a prudência recomendasse a rejeição da proposta de Maduro, o Mercosul, que não consegue deslanchar nem em seu atual formato, aceitou negociar a criação dessa "zona econômica complementar", conforme se lê em um dos documentos da cúpula.

Já a presidente argentina, Cristina Kirchner, aproveitou a cúpula para obter apoio do Mercosul à sua guerra contra os credores apelidados de "abutres" aqueles que não aceitaram os termos da renegociação da dívida do país e ganharam na Justiça americana o direito de receber integralmente o que a Argentina lhes deve. Cristina, que agora preside o Mercosul, foi bem-sucedida: na declaração final, consta uma nota especial que lhe oferece respaldo "irrestrito".

Abastardado, reduzido cada vez mais a um fórum de oportunistas bolivarianos, o Mercosul caminha para a irrelevância, deixando passar excelentes possibilidades de negócios mundo afora. Quem melhor resumiu esse estado de coisas foi o sempre honesto presidente uruguaio, José Mujica, após o encontro de Caracas: "Quando volto ao Uruguai (depois de alguma reunião do Mercosul), as pessoas me perguntam o que decidimos... Eu sei lá o que decidiram. Fizemos uma declaração".

No topo da agenda nacional

KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP  


Os candidatos à Presidência mostram reconhecer a importância do papel do agronegócio no país

Sei que, para os brasileiros de hoje, chega a ser difícil imaginar o velho Brasil importador de alimentos. Afinal, o que vemos agora é uma agropecuária poderosa, uma das maiores do planeta.

Mas, há 40 anos, nossa agricultura era um grande problema, com a produção crescendo pouco e não conseguindo acompanhar o crescimento da população. Muito diferente do nosso atual mercado doméstico, plenamente suprido de grãos, carnes, oleaginosas, frutas, verduras, etanol. Tudo em grande quantidade e qualidade e a preços reais que vêm declinando, sistematicamente, há duas décadas.

A cada dia, o brasileiro médio gasta uma proporção menor de sua renda com alimentos, podendo consumir mais bens industriais e serviços, como educação e entretenimento. E, de um certo modo, considera-se que o mundo, no futuro próximo, só não viverá uma grande crise de abastecimento de produtos agrícolas em razão do potencial de crescimento sustentável da produção brasileira.

Essa transformação logicamente não se deu por um passe de mágica. Custou tempo, dinheiro e muito trabalho. Mas aqui não é a hora para contar essa história. É bom lembrar apenas que foi quase sempre uma revolução silenciosa, mal percebida pela população e até pelos governos.

O mundo do agronegócio, com suas complexas cadeias que se estendem da produção nas fazendas e nos sítios até as plantas industriais modernas e plataformas de comercialização, foi até há pouco um mundo à parte, não incluído nas mídias ou na política. Todos os que pertencemos ao setor sempre nos amarguramos por isso. Mas, hoje, parece que a realidade se impôs.

A prova disso é o encontro que a CNA promoveu entre as lideranças do setor e os três principais candidatos à Presidência da República no dia 6. Todos compareceram, diferentemente de quatro anos atrás. E mostraram que levaram a sério o documento que continha nossa visão dos problemas que vivemos e das expectativas que nutrimos para o futuro.

De um modo geral, ficamos satisfeitos com todos os depoimentos, bem como com as posições que cada candidato manifestou, respondendo às questões que lhes foram apresentadas.

O candidato Eduardo Campos mostrou uma genuína admiração pelos feitos do agronegócio e reconheceu, com clareza, que o setor merece apoio. Prometeu reforçar o Ministério da Agricultura e livrá-lo dos balcões da política partidária.

Considerou positivo o novo Código Florestal, ressaltando que se trata de uma legislação equilibrada que não buscou atender a apenas um ou outro setor, mas ao conjunto dos interesses em jogo. Falou de um futuro construído por meio do diálogo e apoiado na ciência. Foram palavras que nos agradaram.

O senador Aécio Neves, da mesma forma, reconheceu o papel vital do agronegócio para a economia, prometendo transformar o Ministério da Agricultura em um superministério com a mesma importância estratégica da Fazenda e do Planejamento, baseado na capacidade técnica de quadros profissionais.

Prometeu nos dar segurança jurídica contra invasões de terra e outras ameaças ao direito de propriedade, inclusive provenientes de demarcações de terras indígenas ao arrepio da nossa Constituição. Disse palavras que nos agradaram.

Por fim, a presidente Dilma Rousseff mostrou, com números e dados, as ações do governo em benefício do agro, seja em termos de política agrícola, seja nos grandes programas de infraestrutura que estão em andamento, como os novos regimes de cooperação com a iniciativa privada.

Proclamou que dará prioridade às ferrovias e, sobretudo, às hidrovias e que o regime da nossa navegação de cabotagem precisa ser mudado. Mostrou, também, sensibilidade para os nossos problemas de segurança legal. Foram palavras que não podiam deixar de nos agradar.

O que ficou de tudo isso foi o reconhecimento de nossa existência: o agro chegou, finalmente, ao topo da agenda nacional. Espero que tenha chegado para ficar.
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Desalojados da utopia

 CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO 


Bolsa Família passou a ser vista como solução, e não abrigo provisório


É antigo o apoio aos desalojados por causa de desastres naturais, raro o apoio aos desalojados pelos modelos econômicos e sociais. Ninguém com sentimento humanista deixa de reconhecer o papel positivo da transferência de renda para abrigar famílias pobres, que ficaram desalojadas ou excluídas dos benefícios do progresso. Sem essa ajuda, elas estariam na mesma situação das vítimas das tragédias naturais. Mas falta humanismo naqueles que veem os abrigos como a solução para as dificuldades que as vítimas de tragédias atravessam ou naqueles que comemoram o aumento no número dos que vivem em abrigos, fugindo dos horrores da pobreza.

Essa visão predomina entre os que defendem as transferências de renda como solução para o problema da pobreza, sem a percepção de que os necessitados da Bolsa Família são desalojados e desabrigados pelo modelo econômico, que a transferência de renda busca mitigar sem eliminar a exclusão. Por isso, chamam de beneficiados, e não de necessitados, os desabrigados.

Na sua forma atual, sem escola de qualidade, o programa Bolsa Família está sendo um abrigo para proteger necessitados. Comemorar o aumento no número de pessoas que dela necessitam é igual a ver como solução definitiva o abrigo provisório para desabrigados por catástrofes.

A necessidade da Bolsa Família decorre da interdição histórica de um pedaço de terra para as famílias rurais, que foram desalojadas pelo modelo voltado para o mercado externo; ou devido à constante migração de pobres para as cidades em busca de emprego que não existe ou de baixos salários que não atendem às necessidades básicas. Deve-se também ao desvio de recursos para criar infraestrutura econômica e pagar juros da dívida que ela exigiu, no lugar de investimentos em serviços públicos, sobretudo, educação de qualidade para todos.

Até recentemente, essas falhas do modelo econômico eram percebidas por aqueles que lutavam por um mundo sem desalojados sociais. O fracasso dos regimes socialistas desfez as propostas e as bandeiras de luta por uma economia comprometida com o social. No Brasil, a convergência desse fracasso com a ascensão da esquerda ao poder acomodou de tal forma os políticos que todos passaram a justificar as medidas mitigadoras como se fossem o limite possível da utopia. A Bolsa Família passou a ser vista como solução, e não abrigo provisório. E seus beneficiados vistos como integrados ao modelo e não mais como desabrigados por ele.

A aceitação do modelo, que desaloja os excluídos, desalojou as esquerdas, tirou-lhes o vigor transformador, acomodou-as na aceitação dos abrigos como se fossem o céu social.

Até aqui nenhum candidato a presidente disse: “Enquanto uma família precisar, receberá a Bolsa Família, mas não descansarei enquanto o modelo social continuar provocando desalojado que precisa de abrigo provisório”.
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terça-feira, 5 de agosto de 2014

A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

ENTREVISTA - FRANCIS FUKUYAMA

Revista VEJA, 23/10/2013


O cientista político americano afirma que o Brasil ainda não possui as bases de uma sociedade avançada e diz que a manutenção da desigualdade pode levar ao radicalismo

Por que alguns países se desenvolvem e outros permanecem arados pelo atraso? Para o cientista político Francis Fukuyama, as teorias sobre o desenvolvimento quase sempre pecam pela "abstração excessiva (o vício dos economistas)" ou pelo "particularismo excessivo (problema comum a muitos historiadores e antropólogos)". Fukuyama, famoso mundialmente pelo livro O Fim da História e o Úhimo Homem, de 1992, procurou estabelecer uma análise mais abrangente da evolução institucional no correr dos séculos, até o surgimento das primeiras nações verdadeiramente avançadas. Em As Origens da Ordem Política, lançado originalmente em 2011 e publicado no Brasil pela Rocco, Fukuyama trata do período que vai da Antiguidade até a Revolução Francesa. No próximo ano, sairá o segundo volume de seu trabalho, Ordem Política e Decadência Política, em que estende a história até os dias atuais. A construção das modernas democracias será o centro da palestra de encerramento que o cientista político dará no seminário "O Brasil diante de um mundo em crise e transformação: riscos e oportunidades", em 29 de outubro, em São Paulo, promovido pela consultoria Tendências. Fukuyama, 60 anos, atualmente é professor da Universidade Stanford.

Em As Origens da Ordem Política, o senhor argumenta que existem três elementos indispensáveis para a construção de uma sociedade virtuosa e desenvolvida. São eles: Estado forte, Estado de direito e governo responsável perante a sociedade. Por que esses componentes são vitais?

O Estado é a expressão maior do poder, como o poder de aplicar as leis e de oferecer certos serviços exclusivos para a população. Um Estado moderno é aquele capaz de cumprir essas funções de maneira impessoal. Isso significa um Estado que trate todos os seus cidadãos de maneira indistinta, independentemente de eles possuírem conexões com autoridades. O verdadeiro significado de Estado de direito é a limitação do poder. O poder deve ser exercido unicamente dentro da lei.

Em certo sentido, Estado forte e Estado de direito são forças que empurram para lados opostos. Estado forte diz respeito a concentrar e exercer o poder, e Estado de direito diz respeito a limitar o poder. Governo responsável significa um Estado que trabalha para o interesse comum. A maneira mais usual de avaliar se o governo cumpre seus objetivos é por meio de eleições livres e multipartidárias.

Eleições bastam para avaliar um governante?

Nem sempre. Existem países onde a população vai às umas. mas nem por isso podemos dizer que se trata de governos responsáveis. Podemos estar diante de governos corruptos, que manipulam os resultados das votações, ou de situações em que os eleitores não possuem as informações necessárias para fazer as escolhas corretas. Uma ordem política moderna, portanto, depende de um Estado que exerça o poder, de leis que sejam respeitadas e limitem efetivamente o poder e de um sistema que avalie se o governo atua em benefício da população. É muito difícil, para qualquer sociedade, possuir esses três valores simultaneamente. Podemos pensar na China. O país possui um Estado forte e competente, mas não dispõe de um Estado de direito nem de eleições livres.

O Brasil evoluiu bastante nas últimas décadas. O senhor acredita que o país já possui esses três componentes de um Estado moderno?

Não há dúvida de que as instituições brasileiras fizeram um progresso extraordinário. Existem áreas de excelência dentro da burocracia federal. Mas quando observamos abaixo da superfície, principalmente no nível de estados e municípios, vemos uma queda na qualidade dos serviços, sobretudo em educação, saúde e segurança pública.

Ainda há muito a ser feito. Assim como em outros países da América Latina, a principal falha está na capacidade de oferecer os serviços básicos de maneira satisfatória.

Por que o Brasil e outros países latino-americanos enfrentam tamanha dificuldade para modernizar as suas instituições?

Existem, em primeiro lugar, razões históricas. Os espanhóis e os portugueses implantaram na região suas instituições pré-modernas. Além disso, não foram sociedades compostas inteiramente de colonos europeus, mas sobrepostas, de maneira desigual, a uma vasta população de indígenas, tratados como escravos. No Brasil, assim como no Caribe, a economia foi moldada ao redor do açúcar, uma agricultura baseada em grandes propriedades e mão de obra escrava. Trata-se de um modelo cujo resultado é a desigualdade. Não havia os incentivos para constituir uma burocracia administrativa de qualidade nas colônias. Em razão desse estágio inicial de profunda desigualdade, as instituições foram se moldando para servir às elites. Nunca houve o princípio de oferecer educação de qualidade a toda a população. Desde que a elite estivesse atendida, bastava.

Por que outros países, principalmente na Ásia, conseguiram se desenvolver em um espaço relativamente curto de tempo, ao contrário do que vemos na América Latina?

O Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, todos os chamados Tigres Asiáticos, possuem população relativamente pequena, muito mais homogênea, além de um forte senso de identidade nacional. Isso facilitou. Esses países investiram muito na formação de uma elite burocrática altamente capacitada. Houve ainda o investimento maciço em educação. Na América Latina, historicamente mais desigual, a trajetória tem sido mais lenta. Houve avanço no acesso da população ao ensino, mas persiste um grande desnível na qualidade da educação, sobretudo aquela oferecida aos mais pobres. Os países asiáticos foram capazes de resolver essa questão mais rapidamente.

O senhor, assim como outros autores, argumenta que países com grande desigualdade de renda e oportunidades são suscetíveis a retrocessos institucionais.

É algo que pode ocorrer no Brasil, portanto?

Acredito existir uma vulnerabilidade. O Brasil acaba de sair de uma década positiva, com crescimento econômico. avanços sociais, redução da pobreza. Mas, se a China desacelerar, o boom das exportações de commodities ficará para trás. A economia andará mais devagar. Isso traz consequências políticas. E fácil manter os eleitores felizes quando as coisas vão bem e a economia cresce rápido, mesmo em uma sociedade profundamente desigual. Fica mais difícil manter a coesão social quando a economia está estagnada. O Brasil estará vulnerável a retrocessos, caso volte a ter uma década de crescimento lento.

A chamada Primavera Árabe poderá, no futuro, culminar em países mais democráticos?

Acredito que sim. O problema é que as expectativas com relação à democratização no mundo árabe têm sido exageradas. Não se pode perder de vista como foi difícil estabelecer as bases para a democracia na Europa. Esses processos não ocorrem da noite para o dia. Ainda levará tempo, ao menos duas gerações, para que vejamos a formação de instituições realmente democráticas no mundo árabe.

Existem semelhanças entre esses movimentos e os protestos recentes na Turquia e também no Brasil?

São protestos tipicamente originários de uma classe média descontente. Os protestos sociais e as revoluções nunca se originam dos pobres. Na Turquia e no Brasil, houve um aumento da classe média. Existe, portanto, um número maior de pessoas mais bem-educadas, detentoras de alguma propriedade e que utilizam a tecnologia para se conectar com o resto do mundo. São indivíduos cujas expectativas em relação ao governo são superiores às de seus pais. A população passa a reivindicar a melhoria dos serviços públicos, o fim da corrupção, o respeito ao meio ambiente. As exigências aumentam quando os países ficam mais ricos, e, se os governos não atendem a essas demandas, eles ficam vulneráveis. A desigualdade, quando extrema, dá chance ao populismo e a políticas radicais. Por isso, todas as sociedades avançadas implementaram algum grau de Estado de bem-estar social. Essa talvez seja a grande falha da América Latina. Os países da região nunca fizeram o suficiente para promover uma redistribuição de riquezas capaz de dissipar a radicalização política e o populismo.

O Fim da História..., publicado em 1992, é um dos marcos da nova era da globalização. Houve a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética, e o capitalismo liberal tomou-se de fato a força hegemômica. Mas, recentemente, o senhor tem demonstrado certo pessimismo em relação ao estado atual das democracias liberais. Por quê? 

É extremamente difícil constituir um Estado democrático moderno bem-sucedido, bem mais difícil do que eu imaginava há vinte anos. E ao contrário do que eu também imaginava no passado, esses estados também são suscetíveis à decadência, com o passar do tempo. Nada assegura que um país será para sempre uma democracia avançada apenas porque o foi no passado. Para os Estados Unidos, os últimos dez anos foram terríveis. Invadimos o Iraque, e depois tivemos essa crise financeira horrível. Foram falhas de políticas de governo, que abalaram o prestígio dos Estados Unidos como modelo internacional e expõem problemas estruturais mais profundos. Tendo isso em vista, pensei ser necessário ajustar um pouco o pensamento.

O senhor está particularmente preocupado com a erosão na classe média americana. Não acha que se trata de uma situação transitória, um reflexo do crescimento ainda fraco na economia?

Infelizmente, temo que a deterioração da qualidade de vida da classe média americana não seja algo transitório. Ela se deve, essencialmente, à tecnologia. As máquinas são capazes de substituir milhões de trabalhadores, e é mais fácil substituir trabalhadores de baixa qualificação. É por isso que está ocorrendo uma erosão na classe média nos países desenvolvidos, e não apenas nos Estados Unidos. Não vejo como impedir o progresso tecnológico. Obviamente não seria uma solução inteligente.

Por que essa nova revolução tecnológica não será positiva para a sociedade como um todo, da mesma maneira como foi, no passado, a industrialização?

Quando Henry Ford inventou a linha de montagem para automóveis, há 100 anos, ele, na verdade, gerou empregos para milhares de pessoas com baixa qualificação. Antes, fabricar um carro exigia o trabalho artesanal de pessoas habilidosas e bem preparadas. Ford criou um processo pelo qual uma atividade complexa podia ser feita por trabalhadores com pouca qualificação. Agora, os robôs estão cada dia mais tomando o lugar dos empregos antes ocupados por pessoas menos qualificadas. Não falo apenas das linhas de montagem. Já é simples substituir funcionários em cargos administrativos, em áreas como contabilidade e recursos humanos, por programas de inteligência artificial. Mas não se podem substituir, da mesma maneira, as pessoas altamente capacitadas responsáveis por projetar essas máquinas. É por isso que uma tração crescente da renda dos Estados Unidos tem ido para as pessoas extremamente bem preparadas e com grande habilidade cognitiva.

O senhor diz que a agenda para proteger a classe média não pode depender exclusivamente dos benefícios da rede de proteção do bem-estar social. O que fazer então?

Gostaria de ter essa resposta. Estamos todos à espera de uma cabeça genial que formule um programa para enfrentar com sucesso esse desafio.

O sistema educacional não foi capaz de acompanhar essa transformação tecnológica. Não deu às pessoas os tipos de habilidade necessários para que elas possam ser competitivas. Alguns países parecem ter sistemas que lidam melhor com esse desafio. O caso mais óbvio é a Alemanha. Os alemães não criaram grandes universidades como a de Stanford, ou o MIT, mas são ótimos em preparar as pessoas e dotá-las das habilidades necessárias para trabalhar na indústria. A Alemanha é um grande exportador. Talvez exista algo mais a ser aprendido com esse país. Mas não tenho uma resposta inteiramente satisfatória para sua questão.
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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Exportação de serviços de engenharia


JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO
CORREIO BRAZILIENSE 

O Brasil tem o sétimo maior PIB do mundo, mas em 2013 alcançou apenas a 22ª posição no ranking de exportação de bens e a 21ª no ranking de importação, participando com 1,32% das exportações e 1,36% das importações mundiais. Por sua vez, as exportações brasileiras de serviços em geral estão classificadas na 31ª posição no ranking mundial, com 0,80% de participação, enquanto as importações ocupam o 17º posto, com 1,93%. Isso tem levado a crônicos deficits na balança de serviços.

Poucos setores são superavitários entre os diferentes tipos de serviços. O setor de engenharia, que lidera as exportações nessa área, é um deles. Porém, as exportações estão concentradas em cerca de 10 grandes construtoras. As demais empresas estão voltadas para o mercado interno, não por opção própria, mas em razão de não disporem de condições adequadas para executar projetos no exterior.

Quando se fala em exportação de serviços de engenharia, a primeira impressão é que se refere apenas à venda de serviços propriamente ditos. Contudo, também integram essas exportações expressiva parcela de equipamentos que fazem parte da obra, como turbinas, caldeiras, tubulações, além daqueles utilizados para executar as obras, como caminhões, tratores, ônibus, automóveis, britadeiras, guindastes e centrais de concreto, de britagem e de asfalto, entre outros. E ainda centenas de outros itens, como móveis, roupas, calçados, alimentos, louças, talheres etc.

Esses produtos serão exportados e utilizados para concretizar a execução do serviço de engenharia contratado, que pode ser uma rodovia, uma ferrovia, um aeroporto, um porto, uma hidroelétrica, um aqueduto, um sistema de irrigação, barragens etc.

É preciso considerar que, para a execução de um projeto de engenharia no exterior são contratadas, no Brasil, cerca de 2 mil empresas. Trata-se de micro, pequenas e médias empresas que, isoladamente, não teriam condições de ter acesso ao mercado internacional. Utilizando o canal de comercialização proporcionado pelas companhias de serviços de engenharia, que nesse caso funcionam como âncora, ganham a oportunidade de abrir portas fora do país.

Sem a atuação das empresas de serviços de engenharia, produtos sofisticados e de alto valor agregado não poderiam ser exportados. A exportadora é, antes de tudo, uma estruturadora de negócios. Por essa razão, esse tipo de venda tem gerado acirrada concorrência internacional entre países, indiretamente oferecendo suporte para uma guerra comercial visando a venda externa de manufaturados.

Essa realidade fica mais evidente quando se analisa a evolução da participação da China na exportação de serviços de engenharia, especialmente para a América Latina e a África, regiões que concentram grande parte das obras nesse segmento. Na América Latina, a China elevou sua participação de 1,6% em 2004 para 12,1% em 2012. Na África, a participação pulou de 14,7% para 44,8%. O avanço da China vem a reboque de generosas ofertas de financiamento aos países importadores. Em se tratando de serviços de engenharia, o financiamento é o fator preponderante para se fechar um negócio.

No Brasil, o BNDES é o braço governamental de apoio financeiro a longo prazo para as exportações, uma vez que os bancos privados, nacionais ou estrangeiros, não estão dispostos a aceitar a garantia oferecida pelo governo federal por meio do Fundo de Garantia às Exportações (FGE). Isso se deve a restrições inerentes ao fundo, que impactariam o pagamento de possíveis indenizações decorrentes de eventuais sinistros, além da burocracia envolvida.

As condições dos financiamentos alocados pelo governo brasileiro para ficar à disposição das empresas de serviços de engenharia e financiar suas exportações podem ser consideradas adequadas. Porém, ajustes devem ser feitos para elevar o nível de competitividade externa das empresas nesse concorrido mercado.

O governo precisa caracterizar as empresas exportadoras de serviço de engenharia como instrumento de política estratégica de comércio exterior, conferindo prioridades no desenvolvimento de seus processos operacionais.

As empresas de serviços de engenharia já demonstraram ter condições de participar do competitivo mercado internacional. A conquista de novos mercados ou a ampliação de antigos, com a consequente elevação da participação brasileira, depende apenas de decisões internas. Esse tema será debatido durante o Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex 2014), em 7 e 8 de agosto, no Rio de Janeiro.

Exportar serviços de engenharia não é para quem quer, mas para quem pode. O Brasil e suas empresas podem, e querem.
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domingo, 3 de agosto de 2014

Mercosul é mais grupo ideológico que bloco comercial

EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO  


O projeto de integração por meio do comércio foi adiado de uma vez por todas. Até porque a Argentina, em crise cambial, empurrará o comércio para o fundo do poço


Admitamos que o estratégico projeto do Mercosul, a união aduaneira criada entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai houvesse dado minimamente certo. Ainda assim, a crise de dimensões institucionais por que passa a Argentina desse 2001, com a implosão do câmbio fixo, seria um obstáculo muito difícil de transpor pelo mercado comum.

As dificuldades da Argentina, o segundo parceiro mais importante do bloco, já teriam levado a uma revisão do tratado do Mercosul, para reduzir sua abrangência a uma aliança de livre comércio, a fim de que cada país pudesse negociar acordos comerciais sem a camisa de força da união aduaneira. Só não aconteceu por razões político-ideológicas.

Aliás, a união aduaneira foi revogada na prática há muito tempo, desde que a Argentina passou a erguer barreiras protecionistas contra exportações brasileiras. Ali, a união acabou de fato. Sua característica são fronteiras abertas ao comércio entre países do bloco, com tarifas externas comuns para o resto do mundo. É o que não existe há tempos.

O Mercosul é mantido formalmente como está apenas por interesses político-ideológicos comuns aos governo do PT no Brasil, ao kiercherismo na Argentina, bolivarianos e chavistas em Venezuela, Equador e Bolívia. Para a conversão do Mercosul de bloco econômico e comercial em plataforma política foi essencial a coincidência de Lula e Néstor Kirchner chegarem ao poder em Brasília e em Buenos Aires juntos, em 2003. Ambos se uniram para soterrar de vez as negociações em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), vista pelo Planalto e Casa Rosada como instrumento do “Império”. A partir da aliança entre Lula/PT/Dilma e os Kirchner, o resto veio pela força da gravidade.

Um dos piores momentos do período em curso foi a no mínimo temerária inclusão da Venezuela chavista no bloco, por meio de vergonhosa manobra de expulsão temporária do Paraguai, para que a não aprovação da entrada do novo sócio pelo Congresso paraguaio não impedisse a unção dos chavistas.

A última reunião de cúpula do Mercosul, esta semana, em Caracas, foi prova irrefutável da conversão da entidade numa plataforma política: boa parte do tempo foi gasta com declarações de apoio à Argentina de Cristina Kirchner, convertida em vítima de fundos “abutres”, por terem estes ganhado na Justiça americana seus direitos como credores, e críticas a Israel pelos ataques em Gaza.

Para fortalecer o projeto de um Mercosul como trincheira política terceiro-mundista, tratou-se de incorporar também a Bolívia de Evo Morales, outro produto do chavismo.

Pode-se considerar que o projeto original do Mercosul, de integração de economias pelo comércio, foi adiado de uma vez por todas. Até porque a Argentina, em fase de agravamento da sua crise cambial, empurrará ainda mais o comércio no bloco para o fundo do poço. Resta fazer discurso, como em Caracas.
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O que é ser republicano?

Agricultura é nosso maior destaque de exportação. Não temos condições de competir com produtos industriais e sim com agrobusiness. Também sob a perspectiva da preparação de mão-de-obra de baixa qualidade e aproveitamento, a agricultura se destaca com a maior capacidade de absorção dessa qualidade de trabalhadores. 

Entra o governo em cena por intermédio de seus "braços" e acabe por prejudicar, sobremaneira, a melhoria dessas condições de produção, sobretudo para pequenos e médios produtores.


Vale a pena a leitura, sobretudo, para se antecipar, inclusive, o dano que esses perfil de "representação" democrática por intermédio do recém-promulgado decreto dos "conselhos populares" que, neste caso na prática, causa mais danos aos produtores do que ajuda. Ademais o artigo da presidente da Conf. Nacional da Agricultura, e também senadora, é bastante esclarecedor.


O que é ser republicano? 
KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP 


O que não serve ao país são dirigentes militantes de causas que pertencem a só uma parcela da sociedade

O uso intensivo do termo "republicano" tem servido mais para banalizá-lo que torná-lo efetivo na cena brasileira. Poucas vezes uma palavra expressou tanto o seu avesso; poucas vezes seu significado se mostrou tão necessário quanto ultrajado.

As instituições do Estado são permanentes; não podem ser afetadas pelo ativismo ideológico. Mas a ação de ONGs e sindicatos no interior da máquina estatal fere esse princípio republicano básico e há tempos sabota a agenda política e social brasileira --quer por razões ditas ideológicas ou meramente fisiológicas.

Exemplos não faltam. Já mencionei diversas vezes os bastidores da votação do Código Florestal, cujo debate --como todos os que tratam de ambiente-- foi obstado pela ação de ONGs, nacionais e internacionais. Não fosse a determinação da presidente e do Congresso, empenhados em garantir a segurança jurídica a quem produz alimentos, não teria havido nem votação nem Código.

A anomalia, porém, está longe de se restringir a um setor. Basta ver o que ocorre no campo trabalhista. Sabe-se que a legislação em vigor, oriunda dos anos 40 do século passado, não atende às demandas da atualidade. E não estou me referindo a direitos pétreos, como 13º, FGTS, férias e licença-maternidade, como insinuam maldosamente os que sabotam esse debate.

Refiro-me a questões que dificultam a expansão do emprego --e que, por óbvio, conspiram contra o próprio trabalhador, refém de centrais sindicais, que se sentem donas da República. Vejam o que ocorre no setor rural, um dos que mais empregam no país. Os custos finais de mão de obra, com os encargos financeiros, acrescidos das exigências do Ministério do Trabalho, superam significativamente a produtividade do trabalho.

A globalização e as novas tecnologias de produção estão abalando profundamente o mundo do trabalho em todas as partes do planeta e, num futuro não muito distante, as exigências de competitividade vão forçar alguma homogeneização das regulações trabalhistas em todos os países. Aqueles que não se adaptarem terão que conviver com baixa competitividade e alto desemprego.

A complexidade e o detalhismo da legislação trabalhista brasileira conspiram contra o emprego, sobretudo quando gestadas e geridas por militantes de causas trabalhistas. Quem perde, é claro, são os trabalhadores, vítimas de leis e regulamentos cujos efeitos ignoram e cuja discussão não chega à instância que efetivamente o representa: o Congresso. Que republicanismo é esse? Não se trata, como já disse, de direitos pétreos, mas de temas de regulação infraconstitucional ou até mesmo de cunho meramente normativo.

Em extremo oposto, o prejuízo se dá por falta de legislação específica, como a regulamentação da terceirização. O parâmetro normativo é a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, que veda a terceirização de atividades-fim, entre as quais plantio e colheita.

É economicamente inviável exigir que um pequeno agricultor compre um avião para aplicar insumos na plantação ou mesmo que compre uma colheitadeira para usá-la duas vezes por ano. Mas a lei o obriga a fazê-lo, ao não admitir a contratação de terceirizados para colher sua produção ou protegê-la com a pulverização aérea.

A vigorar o propalado princípio republicano, os ministérios precisam voltar a ser do Brasil, para que possam defender os interesses do conjunto da população brasileira. Não é admissível que ministérios que fazem a interface com o setor produtivo se transformem em agentes de partidos, grupos ou segmentos específicos da sociedade, deixando, portanto, de representar --e defender-- o interesse nacional, que é de todos.

Nada impede que um político esteja à frente de um ministério e o conduza bem, tendo em vista as causas da sociedade. Políticos, ou não, o Brasil precisa de pessoas preparadas. O que não serve ao país são dirigentes militantes de causas que pertencem apenas a uma parcela da sociedade, ainda que parcela significativa. Não se admitem no Ministério do Trabalho e Emprego, por exemplo, militantes de causas trabalhistas nem patronais.

Um gestor republicano não pode viver da disputa nem ter como meta a derrota do empregador ou do empregado. Tem, ao contrário, a responsabilidade de criar o ambiente equilibrado para que se dê a negociação respeitosa. E que se diga: diálogo não admite tutela, ou não teremos trabalhadores livres.
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sábado, 2 de agosto de 2014

Lixões: até quando?

EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE 

"O Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades." Cunhada por Roberto Campos, a frase se tornou lugar-comum. Não sem razão. Com a rotina da procrastinação, deixa-se para amanhã o que se pode fazer hoje. Se possível, para depois de amanhã. A cultura do jeitinho contribui para o êxito do desrespeito ao calendário e ao disposto em normas legais.
É o caso da Lei nº 12.305. Publicada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) fixou prazo de quatro anos para os municípios darem resposta adequada ao desafio dos lixões - signos do atraso, do subdesenvolvimento e da irresponsabilidade administrativa. No período, deveriam apresentar plano diretor de gerenciamento de resíduos e instalação de aterros sanitários.

O prazo vence hoje. Dados da Confederação Nacional dos Municípios informam que, mais uma vez, o trem passou sem encontrar os passageiros na estação. Menos de 40% (38,3%) dos municípios se adequaram à legislação. Os reprovados não se restringem a pequenas povoações que, dada a dimensão, a atividade econômica e o poder aquisitivo da população, produzem menos lixo.

Cidades grandes, que abrigam mais de 100 mil habitantes, também ignoraram uma das mais importantes
iniciativas cuja concretização tem impacto direto na saúde e no meio ambiente. É o caso, entre outros, de Brasília, Rio de Janeiro, Belém e Porto Velho, que convivem com inaceitáveis toneladas diárias de resíduos sem destinação adequada.

Como sói acontecer, prefeitos pedirão tempo mais elástico. Projeto de Lei que tramita no Congresso propõe generosos oito anos adicionais. Considerada a tradição nacional, poucos duvidarão que, em 2022, os números terão tido variação insignificante. Impõem-se cobranças eficazes para que a lei pegue.

Municípios que necessitam de ajuda financeira ou técnica devem ser assistidos. Os demais, cobrados. O século 21 dispõe de instrumentos aptos a acompanhar o cronograma de execução da obra sem exigir despesas extraordinárias. Basta que os dados sejam exibidos na internet. No caso, não só o governo terá o poder de fiscalizar. O cidadão poderá fazê-lo e, informado, exigir ação efetiva.

Em outubro, haverá eleições. A sociedade organizada pode - e deve - cobrar dos candidatos projetos de destinação e tratamento dos resíduos. A resposta pode significar, segundo estudo do Banco Mundial e da Climate Network, a geração de 110 mil empregos em menos de 20 anos. Sem contar, é claro, com os benefícios à saúde e ao meio ambiente.
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Tentáculos

MIGUEL REALE JÚNIOR
O ESTADO DE S.PAULO  


A participação popular junto à administração pública não é nada de novo. Constituía, desde 1980, uma das ideias-força de Franco Montoro, a se realizar por meio da descentralização. Para Montoro, "descentralizar é colocar o governo mais perto do povo e, por isso, torná-lo mais participativo, mais eficiente, mais democrático".

Montoro ponderava que não se mora na União nem no Estado, mas no município, razão por que a população local deve, por melhor conhecer seus problemas e soluções, participar dos órgãos comunitários a serem ouvidos pela administração no diagnóstico da situação e na sugestão de caminhos a serem trilhados. A seu ver, tudo o que puder ser decidido e realizado pelo bairro, pelo município, pela região não deve ser absorvido pela administração superior, vindo a facilitar a participação popular, motivo pelo qual descentralização e participação se imbricam: uma acompanha a outra, permitindo que Estado e sociedade se aproximem.

Montoro não ficou apenas no plano do discurso, pois deu efetividade às suas ideias, desconcentrando competências e fiscalização, como ocorreu, dentre tantos exemplos, na municipalização da merenda escolar, com repasse de recursos para tanto e a criação de Conselhos Municipais da Merenda Escolar, compostos por representantes da prefeitura, da Câmara Municipal, da Secretaria de Educação, da Associação e Pais e Mestres e de produtores e fornecedores locais. No governo paulista, criou, por exemplo, o Conselho da Condição Feminina, o Conselho Estadual da Comunidade Negra, os Conselhos Comunitários de Segurança Pública.

Com a participação de especialistas, já na década de 1930 se instituíra o Conselho Nacional da Saúde, depois paulatinamente democratizado com maior número de representantes da sociedade, antes mesmo da Constituição de 1988. No plano nacional, em 1985 surgiu o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Conselho Nacional do Consumidor.

A Constituição de 1988 consagrou, em diversos artigos, a participação da sociedade no auxílio à formulação de políticas públicas e na fiscalização da gestão, como se pode verificar: 1) no artigo 10.º se assegura a participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que haja discussão e deliberação de seus interesses profissionais ou previdenciários; 2) no artigo 187 se prevê que a política agrícola seja planejada e executada com a participação efetiva do setor da produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, além dos setores de comercialização, armazenamento e transporte; 3) no artigo 198, III, se estabelece a participação da comunidade no âmbito dos serviços públicos de saúde.

Depois da atual Constituição federal muitos conselhos se formaram, tal como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ou tiveram ampliada a participação da sociedade, conforme se deu no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Assim, a participação da sociedade em diversos organismos para apresentar à administração a realidade a ser enfrentada, com sugestão de soluções, acompanhamento e controle de sua efetividade, é fato consagrado na realidade política brasileira.

O que espanta, então, no recente Decreto n.º 8.243, da presidente Dilma Rousseff, ao instituir a Política Nacional de Participação Social, não é o reconhecimento da participação da comunidade como auxiliar da administração, mas a tentativa de engessar essa participação à Presidência da República, mais especificamente, à sua Secretaria-Geral. Pelo decreto, verifica-se que a absolutamente necessária descentralização e a independência de organismos integrados e formados pela comunidade se esboroam, com o aparelhamento da sociedade civil, pois ficam sujeitos a um processo de centralização e de dominação da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Malgrado se estatua ser diretriz a autonomia das organizações da sociedade civil, na verdade, submete-se sua participação à Secretaria-Geral da Presidência, à qual incumbirá orientar todos os órgãos da administração sobre a forma de implementar a contribuição da sociedade civil, bem como avaliar tal contribuição, consoante preceitua o artigo 5, parágrafos 1.º e 2.º. Para tanto se cria-se, por decreto, de forma inconstitucional, um órgão, o Comitê Governamental de Participação Social, coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência, incumbido de a assessorar no monitoramento e implementação da Política de Participação Social.

No mais, o decreto disciplina totalmente como devem funcionar as diversas instâncias da participação social - conselhos de políticas públicas, comissões de políticas públicas, conferências nacionais, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública, ambiente virtual de participação - que ficarão subordinadas à Presidência da República, retirando desses órgãos da sociedade civil sua vitalidade e sua espontaneidade ao burocratizá-los e submetê-los à orientação e avaliação de sua atuação por parte do comitê centralizador ligado à Secretaria-Geral da Presidência.

Tal centralização e o controle das instâncias de participação defluem claramente do disposto no artigo 8.º do decreto, segundo o qual compete à Secretaria-Geral da Presidência "realizar estudos técnicos e promover avaliações e sistematizações das instâncias e dos mecanismos de participação social definidos neste Decreto". Dessa maneira, as instâncias de participação ficam sugadas de sua liberdade ao serem sempre avaliadas pela Secretaria-Geral da Presidência e ao deverem obedecer à sistematização por ela imposta.

Em suma, a propalada Política de Participação Social não passa de um instrumento que, em vez de arejar a administração em contato com a sociedade, sujeita os organismos vitais da sociedade ao crivo constante do poder central, atraindo a sociedade para aprisioná-la nos tentáculos de uma insaciável sede de domínio.
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O prazo chega ao fim. Que se fará com o lixo?

São, somente, 0,15% do Orçamento Geral de União para Saneamento Básico. Esse montante é para ser dividido entre 5 565 municípios.
Leiam o texto que segue tendo em vista nossa baixíssima capacidade de prevenção profilática em vacinas, somente em vacinas.
Saneamento e epidemias, saneamento e desenvolvimento biológico, desenvolvimento intelectual e físico, baixíssimo índice de aproveitamento escolar, altas taxas de analfabetismo funcional, etc etc, etc.
É um em que a sociedade precisa assumir e não delegar...


O prazo chega ao fim. Que se fará com o lixo?
WASHINGTON NOVAES
O ESTADO DE S.PAULO 


Termina manhã, 2 de agosto, o prazo de quatro anos concedido pela Lei n.º 12.305, de 2010 - a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - para os municípios brasileiros apresentarem seus planos diretores de gerenciamento de resíduos e instalarem aterros sanitários adequados. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), existem hoje 1.360 aterros nos mais de 5 mil municípios do País; o restante, fica implícito, vai para lixões a céu aberto. Mesmo nas cidades com mais de 100 mil habitantes existem em torno de 40 lixões e menos de 250 municípios geram 80% dos resíduos (Estado, 14/5). De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40% do lixo coletado tem "destinação irregular". Mas sem planos adequados as prefeituras não poderiam receber recursos federais. E, diz a CNM, 61,7% dos municípios não se adequaram às exigências da PNRS.

As prefeituras, ainda uma vez, pediram "mais prazo". E projeto de um deputado no Congresso Nacional o estende por mais oito anos (!). Até o momento em que estas linhas foram escritas - no dia 30/7 - o governo federal, por intermédio da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, havia dito que não aceitaria a prorrogação (Estado, 14/5). Outras fontes do governo, entretanto, disseram esta semana aos jornais que sim, aceitaria. Se aceitar, o que acontecerá, então, diante desse problema, que já tem ângulos calamitosos, até mesmo em Brasília, onde está o chamado "lixão da Via Estrutural", a 16 quilômetros do Palácio do Planalto?

Em 1992, quando foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, o autor destas linhas tentou implementar um projeto de aterro adequado, usina de compostagem e reciclagem, conjunto habitacional para 1.700 pessoas que já moravam dentro do lixão e operariam a usina, assim como uma usina móvel para resíduos da construção civil. Mas uniram-se forças políticas da extrema esquerda à extrema direita e conseguiram impedir a execução. Hoje o lixão da Estrutural continua lá, com número muito maior de habitantes.

E o problema não é somente lá, está também em cidades como Belém, Porto Velho e outras. O Estado do Rio de Janeiro tem 20 lixões que recebem quase 500 toneladas por dia (O Globo, 4/7). Mais grave ainda, conforme a CNM, 98,2% dos resíduos vão para aterros, mesmo em São Paulo (Folha de S.Paulo, 10/5). A reciclagem não chega a 2%. A Prefeitura está tentando fazer com que 30% dos paulistanos entrem no projeto de reciclagem de restos de alimentos e os transformem em adubo - já estão sendo distribuídas 2 mil composteiras domésticas, nas quais haverá minhocários (há quase 15 anos este articulista viu projeto como esse funcionando muito bem na maioria das casas de Estocolmo, na Suécia). A expectativa é de que cada família possa operar com dois quilos diários de resíduos.

Uma usina de triagem de material separado pelos moradores, inaugurada em Santo Amaro (Estado, 16/7), deverá ser o ponto de partida para um processo que incluirá mais duas até 2016, nas quais operarão, como na primeira, catadores de 21 cooperativas. As mais recentes poderão até separar os resíduos pela sua dimensão, com leitores óticos. E com isso cada uma poderá trabalhar com 250 toneladas diárias, 750 toneladas no total (a região de São Paulo gera cerca de 20 mil toneladas diárias; o Brasil, mais de 200 mil toneladas diárias - mais de um quilo por pessoa/dia, fora os resíduos da construção, que têm uma tonelagem ainda maior). A atual gestão municipal espera chegar ao fim de seu mandato reciclando 10% do lixo.

Muito se caminhará se se levar à prática a chamada lei da logística reversa, que obriga comerciantes de pilhas e baterias, agrotóxicos, óleos lubrificantes, lâmpadas e eletrônicos, entre outros produtos, a receber de volta os resíduos correspondentes, que encaminharão aos produtores para que lhes deem destinação adequada. O certo é que com a coleta seletiva em cada casa, com a compostagem dos resíduos orgânicos e com a reciclagem de lixo seco se pode reduzir para uns 20% a porcentagem de lixo que vai para aterros - o que poderá significar uma economia enorme.

A cidade de São Bernardo do Campo também implantou projeto de coleta seletiva, mas está destinando resíduos à incineração - que, como já foi escrito neste espaço, é um caminho problemático, porque custa muito caro e desperdiça recursos reutilizáveis e/ou recicláveis. Itajaí, em Santa Catarina, entrou pelo mesmo caminho. Mas a cidade paulista de Itu implantou a coleta em toda a cidade, em contêineres, para os quais os moradores de cada residência levam seu lixo.

Estudo do Banco Mundial e da Climate Network, para a Cúpula do Clima que a ONU realizará em setembro, diz que uma política adequada para resíduos no Brasil poderia gerar 110 mil empregos em menos de duas décadas, além de economizar 1% da demanda total de energia no País (Folha de S.Paulo, 25/6). Hoje, diz o trabalho, 42% do que vai para os lixões poderia ir para aterros, onde, com a geração de biogás, se pode produzir energia; e a compostagem do lixo orgânico permite fabricar adubo para canteiros, praças, encostas, etc. Para isso, contudo, seria indispensável a separação doméstica do lixo.

Há situações paradoxais nessa área dos resíduos. Os administradores das cidades que não mantiverem o espaço urbano livre dos resíduos depositado nas lixeiras certamente serão punidos com a desaprovação popular e a perda de votos nas eleições seguintes. Isso, no entanto, não significa que serão beneficiados com mais votos se tiverem uma coleta e destinação adequadas - o cidadão acredita que isso é uma obrigação que já lhe custa caro no IPTU e em outros tributos, o que não é bem o caso. Os lugares da Europa onde políticas de resíduos funcionam cobram de cada casa uma taxa proporcional ao volume de lixo gerado. Mas São Paulo já revogou esse caminho... E agora, com mais prazo para os municípios ou com dois terços deles não cumprindo a PNRS, como será?
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