Chegada de PEC à Câmara expõe apetite de parlamentares por indicações, verbas e prestígio
Thais Bilenky, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - A chegada da reforma da Previdência à Câmara escancarou a incompatibilidade entre teoria e prática de parte da bancada dos deputados federais novatos.
Apesar do discurso contra a velha política, o toma lá dá cá e outros clichês, parlamentares em primeiro mandato têm mostrado apetite por cargos, repasses e jeitinhos que criticavam na campanha eleitoral.
A discussão sobre as novas regras para aposentadorias e pensões tem aumentado a pressão sobre o Executivo e tornado explícita a voracidade dos parlamentares, principalmente daqueles com passagens pelos Legislativos estaduais e municipais.
A onda bolsonarista impulsionou uma renovação de 47% da Câmara, a maior desde a Assembleia Constituinte, em 1986. O novo ambiente foi recebido com otimismo para a aprovação de pautas como a reforma da Previdência.
Embora também tenha emplacado na campanha um discurso de que iria acabar com as indicações políticas para cargos públicos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi obrigado a ceder já na largada.
Uma planilha de cargos federais de segundo e terceiro escalões distribuída entre os congressistas foi rebatizada de banco de talentos logo que a reforma da Previdência chegou ao Congresso.
Por se tratar de PEC (Proposta de Emenda à Constituição), a reforma da Previdência precisa de apoio político expressivo, e Bolsonaro ainda aglutina sua base. São necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.
O banco de talentos mostra que o governo está disposto a atender o pleito dos novatos em troca da aprovação da reforma da Previdência.
A medida foi ironizada até por aliados, como o senador Major Olímpio (PSL-SP).
Segundo ele, “tucanaram o apadrinhamento”.
Os novatos com experiências regionais chegam com vícios. Mais da metade dos 243 estreantes tinha mandato. A maioria era deputados estaduais (69) e vereadores (55), segundo levantamento da Câmara.
Acostumados com uma fartura de cargos e verbas de gabinete e menor fiscalização, ex-deputados estaduais e ex-vereadores sofreram um choque em Brasília.
Eli Borges (SD-TO), por exemplo, tinha direito a 50 assessores na Assembleia do Tocantins. Agora, são 25.
“Com certeza [gera insatisfação], não apenas àqueles que ficaram de fora, como outros, que investiram na minha candidatura no sentido de apoio e também estão clamando por espaço. É natural o processo”, disse.
Otoni de Paula (PSC-RJ) afirmou que tinha o dobro de verba para usar como vereador na Câmara do Rio de Janeiro. Ele avisou seu grupo das restrições, mas tem expectativa de que o governo consiga preencher essa lacuna.
“Há uma ansiedade legítima, mas precisamos entender que os tempos e a visão do governo são outros. O presidente vai atender os nossos pedidos, claro que vai”, disse.
A bancada do Rio de Janeiro, de que Otoni faz parte, entregou nesta semana um abaixo-assinado ao líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), pedindo uma manobra para que novatos executem emendas já neste ano.
A rigor, isso não é possível pois a distribuição dos recursos é descrita no Orçamento, fechado no ano anterior. Os deputados veem brechas.
Segundo Vitor Hugo, em 2015, a manobra foi possível porque o Orçamento não tinha sido votado. “Neste ano, ele não está em aberto, mas teria de ver. Pode haver o direcionamento de recurso no Orçamento que seja mais aberto, uma programação”, afirmou.
Segundo o líder, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, busca, com os deputados, uma maneira de realocar recursos de emendas de bancadas de uma obra para outra.
“A gente conversou, e ele vai levar isso para o Brasil inteiro”, disse. “Aí otimiza o uso dos recursos e dá crédito político para as bancadas”, afirmou.
Mesmo entre os novatos puros, sem mandatos anteriores, o afã em conquistar espaço no governo, receber verba e indicar aliados é vigoroso.
Dayane Pimentel (PSL-BA), autoapelidada a “federal do Bolsonaro”, tem demonstrado aos colegas fome por espaço.
Com discurso contra o fisiologismo e a corrupção na eleição, ela, que é presidente estadual do PSL, emplacou o marido em uma secretaria na gestão de ACM Neto (DEM) em Salvador, em dezembro.
Desde então, já nomeou quadros. “Fiz minha campanha toda sem prometer absolutamente nada a ninguém, não fiz campanha barganhando esses cargos”, afirmou.
“Agora, obviamente, se houver espaço, e eu for convocada pelo presidente ou pelos ministros, vou olhar se tenho currículo correspondente e vou responder a essa expectativa deles”, afirmou Pimentel.
A deputada tem procurado com frequência ministros com pedidos de repasses para obras, mesmo expediente de Gutemberg Reis (MDB-RJ), que reclamou da falta de interlocução com as pastas.
“Não é só nem questão de cargos e espaço, é questão de prestígio, né? Aqui a gente tem uma cobrança muito grande de prefeitos e vereadores para dar retorno”, disse.
Estreante, Julian Lemos (PSL-PB) reagiu à indicação de um adversário a um cargo no Ministério da Cidadania. “Não precisa me conhecer muito para saber que de modo algum faria uma indicação esdrúxula dessas”, criticou, nas redes sociais.
À Folha Lemos disse que não “faz questão” de indicar aliados, mas que, “se acontecesse” com ele, “seria natural”. “Por mim, não haveria nenhuma indicação”, afirmou.
O ator Alexandre Frota (PSL-SP) disse já ter sugerido mais de 60 nomes ao governo Bolsonaro. Emplacou aliados na Secretaria de Cultura —foram ao menos três contratados até agora e há mais quatro em avaliação, segundo ele. “Mas tem uma diferença. Eu só indico”, afirmou, criticando novatos, que não quis nominar.
“Tem vários tipos de rolo que são armados aqui dentro”, disse. “Às vezes as pessoas transformam um cargo em seis.” Frota disse que “esperava um pouco mais” de seus colegas estreantes.
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