Esse resumo roteiro é bem abrangente acerca do Livreiro de Cabul.
O livro não me chamou muito a atenção enquanto estava no Brasil, mas depois de estudar acerca do Oriente Médio no mestrado que fiz em Washington e ter acompanhando a evolução dos acontecimentos no Iraque, Afeganistão e Paquistão, passei a me interessar.
Sugiro a leitura, por ser agradável, fácil e cheia de expectativas.
Ele é fundamental para se começar a entender a complexidade de sociedades, em pleno século XXI, comparadas às dimensões de igualdade de direito das mulheres, direitos humanos e exclusão social.
Por mais adiantado que o mundo possa estar parecendo com, inclusive internet lida pelas mulheres daqueles países, os comportamentos descritos no livro são verdadeiros e até pujantes, ou seja, acesso à informação e aos avanços do mundo contemporâneo não aprofundizam os ecos das relações humanas.
Insisto no tema pois o Afeganistão será a grande prova de liderança de Obama. Os russos já lá estiveram e forma, a exemplo do Vietnam, derrotados pelo cansaço e desperdício de recursos financeiros.
Mesmo sendo Nobel da Paz, Obama corre o risco de ser desconsiderado no mundo e a liderança americana ruir. O Afeganistão não é um país como outro qualquer. Sua perspectiva é histórica e não se entenderá nem se desenhará saídas para aquela sociedade sob as lentes do humanismo ocidental.
Vale conferir.
O Livreiro de Cabul mostra a dor da mulher afegã
Agência Estado
10:07 24/06
A jornalista norueguesa Asne Seierstad não é a primeira mulher - ocidental ou oriental - a denunciar as humilhações sofridas pelas mulheres afegãs, mas seu segundo livro, O Livreiro de Cabul, lançado há três anos lá fora e só agora publicado no Brasil, pela editora Record, fez um barulho bem maior que a média. Já foi traduzido em 30 países, vendeu mais de 2 milhões de exemplares e não deve demorar muito para atingir o patamar de O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini. Mas, ao contrário do escritor afegão, Asne não trilha um caminho lírico para chegar lá. Força de hábito. Filha de um cientista político e de uma feminista, ela é correspondente de guerra. Não esquece disso nem por um minuto.
Aos 36 anos, loira, alta e bonita, Asne enfrentou uma batalha judicial por seu best-seller. O autor do processo contra ela foi justamente o homem que a acolheu de braços abertos em sua casa, em Cabul, há quatro anos, quando decidiu acompanhar durante quatro meses o cotidiano de uma família afegã. Determinada a descrever o que viu, ela decidiu transformar a reportagem num relato literário, mudando os nomes dos personagens reais como forma de preservar o livreiro de Cabul, Shah Mohammed Rais, e sua família. Não adiantou. Rais, chamado de Khan no livro, foi aos tribunais exigir reparação.
Motivos ele tem de sobra. Após a leitura, resta pouco da imagem do livreiro liberal que ela conheceu em 2002, após passar seis semanas no deserto próximo à fronteira do Tajiquistão, nas montanhas do Hindu Kush, em novembro de 2001. Quando o Talibã caiu, Asne Seierstad foi com a Aliança do Norte para Cabul. Lá conheceu o livreiro Shah Mohammed, que, segundo ela, era "um homem elegante e grisalho, dono de uma livraria que tinha as prateleiras abarrotadas de obras literárias em muitos idiomas".
Grisalho ele continua a ser, mas a impressão de elegância foi sendo substituída, dia após dia, pela constatação de que Shah Mohammed Rais não era muito diferente dos opressores talibãs do qual ele mesmo foi vítima. Primeiro foram os comunistas que queimaram seus livros. Depois, foram pilhados pelos mujahedin para, logo em seguida, serem novamente queimados pelos talibãs. O livreiro foi preso e aproveitou o tempo que passou atrás das grades para estudar a história do Afeganistão. Em 1992, durante os ataques dos muhajedin, ele buscou refúgio no Paquistão e, ao voltar, viu sua livraria destruída, assim como a biblioteca nacional de Cabul. Comprou livros raros por uma bagatela, escondeu mais de 10 mil volumes num sótão e, hoje, vive muito bem, graças à ignorância alheia.
Segundo a escritora norueguesa, o livreiro, formado em engenharia, foi muito "democrático" e educado ao abrir sua casa para que ela lá passasse uma temporada. Asne reconhece que o seu personagem Sultan Khan - para usar o nome-fantasia - está longe de ser o representante fiel do fundamentalista afegão, mas identifica nele quase todos os traços de um chauvinista típico, mantendo suas duas mulheres e cinco filhos sob linha dura.
Escondida sob a burca, a jornalista norueguesa viu mais do que poderiam suportar seus olhos. Viu viúvas - que dependem de ajuda internacional para sobreviver - serem exploradas sexualmente, viu o filho adolescente do livreiro ser obrigado a trabalhar mais de 12 horas e impedido de estudar - por um pai livreiro e culto -, uma adúltera ser sufocada por seus três irmãos e, como se não bastasse, a humilhação da primeira esposa do livreiro depois de um novo casamento do marido com uma garota de 16 anos. Sultan Khan, ou Mohamed Ris, era, enfim, um tirano.
Asne, cansada de usar a burca, livrou-se dela para escrever o livro. Esqueceu a discrição e narrou, por exemplo, o que viu num balneário público freqüentado pela mãe do protagonista. Também aproveitou para contar como os filhos do livreiro abusavam de crianças miseráveis que pediam esmolas nas ruas. O livreiro, naturalmente, não gostou do que leu. Exigiu dela uma indenização por danos morais. Asne não se abalou. Descobriu com o livro que não é uma relativista. Sabe que a cultura afegã é bem diferente da norueguesa, mas diz que "uma mulher é uma mulher, sofre do mesmo jeito, seja no Afeganistão ou na Noruega". Se um homem bate numa mulher na Noruega, argumenta, vai para a prisão. Já no Afeganistão, autonomia e dignidade são duas palavras que não cabem no vocabulário de fundamentalistas quando relacionadas à condição feminina.
Depois de O Livreiro de Cabul, a escritora norueguesa já escreveu outro livro, 101 Dias, em que conta a invasão de Bagdá pelas tropas americanas. Ela foi um dos poucos jornalistas que permaneceram na cidade após o início do bombardeio. A despeito de continuar como correspondente de guerra, Asne está disposta a seguir os passos dos pioneiros do "new journalism". Escolheu como tática um cruzamento híbrido entre jornalismo e literatura. Os leitores, a considerar as vendas de O Livreiro de Cabul, aprovaram.
O bestseller de Asne Seierstad é vendido como um "livro de reportagem" e sua autora uma "jornalista norueguesa" o que dá aval ao conteúdo do livro como sendo um retrato das experiências de sua acolhida no seio de uma família afegã. Em seu prefácio ela diz ter alterado o nome das pessoas para não expô-las, mas comete o erro crasso de misturar ficção e reportagem. Como não expor alguém mudando apenas o nome, mas informando quantas esposas tem, onde mora, quem mora na casa, para onde viaja, quem são seus filhos etc? Não deve ser sempre que uma família afegã recebe e hospeda em sua casa um estrangeiro que está escrevendo um livro. Se a grande maioria da população é privada de educação, não deve ser difícil encontrar um bem sucedido livreiro em Cabul.
ResponderExcluirShah Mohammed Rais (o livreiro de Cabul) está correto em indignar-se com o resultado da obra pois independente de verdade ou ficção e se ele quer ou não publicidade para suas lojas (Asne pensava diferente ao lançar um livro?), a personagem Sultan Khan remete diretamente a Shah Mohammed Rais, afinal a autora é uma jornalista e "uma observadora austuciosa e lírica da vida doméstica afegã ... O Livreiro de Cabul pode ser lido como romance, e é uma reportagem empolgante." (The New York Times)
Meu veredito: como escritora, a autora fez uma bela reportagem. Como jornalista fez um péssimo livro.