domingo, 20 de dezembro de 2009

RETROCESSO À VISTA Ferreira Gullar


RETROCESSO À VISTA

       FOLHA DE S. PAULO             Ferreira Gullar
O FIM DA utopia marxista, que apostava na derrota do capitalismo, deu lugar, na América Latina, ao neopopulismo que, fazendo-se passar por socialista, explora, em vez da contradição classe operária versus burguesia, a oposição entre pobres e ricos. Se, no caso anterior, os sindicatos tentavam ser um instrumento de organização e mobilização do operariado para a tomada revolucionária do poder, agora constituem uma burocracia de neopelegos, que passaram a ocupar posições estratégicas no aparelho de Estado e na máquina política.

Assim, pressionam o governo e os patrões para que façam pequenas concessões aos trabalhadores, com a condição de mantê-los quietos, enquanto eles, os neopelegos, enriquecem a se fortalecem politicamente. A ascensão de Lula à Presidência da República foi resultado desse jogo e, ao mesmo tempo, um salto qualitativo para a elite sindicalista.

As consequências disso para a democracia brasileira podem ser as mais desastrosas, como procurou mostrar Fernando Henrique Cardoso, num artigo recente, intitulado "Para onde vamos?".

O neopopulismo nada tem de revolucionário, como alardeia Hugo Chávez, travestido de líder esquerdista, mas que, na verdade,  procura se perpetuar no poder usando o voto cativo dos pobres e miseráveis.

Sustentado pelos vultosos rendimentos do petróleo, mantém programas sociais assistencialistas, que lhe garantem vasta popularidade.

Chavez aparece, diante do povão desinformado, como seu providencial protetor, que o defende de um lobo mau chamado Estados Unidos. Seu verdadeiro projeto é manter-se indefinidamente no poder e, para consegui-lo, fez o Congresso aprovar a reeleição ilimitada.

Lula tentou seguir o mesmo caminho, mas teve sua pretensão rejeitada numa pesquisa de opinião. Precavido, mudou de tática e terminou lançando, sem consultar ninguém de seu partido, a candidatura de Dilma como a solução possível.

Invenção sua, se eleita Dilma será obrigada  a fazer de Lula seu sucessor em 2014, e, assim, caso isso ocorra, teríamos mais oito anos de Lula na Presidência da República, o que somaria, no total, 20 anos de lulismo. Ou mais, muito mais, porque pode não parar aí, já que, àquela altura, as bases do neopeleguismo e do neopopulismo estariam amplamente assentadas e enraizadas em todo o país.

A ameaça é que, se já agora ele se rebela contra a ação fiscalizadora do Tribunal de Contas da União e pretende calar a imprensa, ou seja, não admite que ninguém critique ou cerceie suas decisões de governo, imaginem o que não fará durante tantos anos no poder.

A História tanto anda para a frente como pode andar para trás. O propósito de, chegado ao poder, não sair mais, faz parte da ideologia petista, como deixou claro José Dirceu, em visita a Madri, logo após a posse de Lula, em 2003, ao afirmar que o projeto deles era ficar pelo menos 20 anos no poder. Sim, porque, ao contrário dos outros partidos "burgueses", o partido que se intitula "revolucionário" alega que vem para "salvar" o povo e mudar o rumo da História. Logo, não pode se submeter às regras democráticas da alternância no poder. Se é verdade que, a esta altura, o petismo já abriu mão do revolucionarismo, não admite perder as posições conquistadas.

Lula, muito esperto, logo compreendeu que o Brasil não é a Venezuela. Sabe que, embora tenha maioria no Congresso, este jamais lhe concederia um terceiro mandato e muito menos a possibilidade de reeleição ilimitada. Por isso, adotou a tática de conseguir um mandato-tampã o para Dilma, enquanto, às carreiras, procura implantar o PAC e aparecer, diante da nação, como um presidente empreendedor, que visa elevar o país à condição de "grande potência". Assim age Chávez e assim agiu nossa ditadura militar.

A fórmula é sempre aquela: inimigo dos poderosos e amigo dos pobres, defensor dos negros e mulatos, inimigo dos brancos de olhos azuis. Isso transparece, a todo momento, em suas declarações e discursos. Não faz muito tempo, falando aos catadores de lixo, criticou os "ricos" que, "deliberadamente, sujam a cidade" para que os lixeiros, humilhados por eles, a limpem.

É um presidente da República que, sem qualquer escrúpulo, faz questão de instigar ressentimentos e conflitos entre os cidadãos, jogar uns contra os outros. Isso no discurso, porque, na vida real, usa a máquina do Estado para favorecer grandes empresas nacionais e estrangeiras.

O artigo de Fernando Henrique Cardoso chamou a atenção para o perigo que o Brasil está correndo.

Em vez de tentar criticá-lo, os formadores de opinião deveriam preocupar-se é com o interesse maior da sociedade. É de se esperar, também, que Serra e Aécio assumam a responsabilidade que lhes cabe diante deste perigo que o lulismo representa para o futuro democrático do País.

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