sábado, 6 de setembro de 2014

Ainda sobre a verdade no debate público

ARMINIO FRAGA
FOLHA DE SP 


Ninguém tem o monopólio da indignação e do repúdio à pobreza e à desigualdade. Nada justifica o descuido com os fatos no debate público

Estamos em época de debate. Como mencionado em meu artigo "Mitos do PT", publicado na quinta-feira (28/8) nesta página, alguns simpatizantes daquele partido insistem em distorcer os fatos. Um perfeito exemplo surge no artigo desta última segunda-feira (1º), de Jorge Mattoso e Pedro Rossi, no qual manipulam duas frases minhas e erram, propositalmente ou não, sobre um dado público e fundamental. Não por acaso, essas criações são pilares da argumentação dos autores.

Os autores põem duas vezes entre aspas que acusei o governo de "preconceito ideológico com o investimento", quando escrevi que "falta investimento (no Brasil), vítima de preconceitos ideológicos e má gestão". Trata-se de tema de artigos e entrevistas que concedi ao longo de quatro anos.

Registre-se aqui também meu protesto contra outras aspas indevidas com que me brindou recentemente a deputada Margarida Salomão do PT em uma rede social. Ela pôs em minha boca que "o salário mínimo subiu demais", quando eu disse, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" que tinha subido "muito". Sutil talvez, mas bem diferente. Essa mesma frase é convenientemente repetida pelos autores citados acima em seu artigo, demonstrando um padrão de desonestidade ou, no mínimo, de descuido.

Ainda sobre o investimento, constatei apenas que os resultados foram pífios, pois permanece deprimido como porcentagem do PIB. Não há preconceito ideológico contra o investimento, apenas contra o mercado, e incompetência em mobilizá-lo. O governo mascara seu fracasso quando a candidata oficial lista com valores inúmeros investimentos e programas, sem registrar que no agregado foi pouco. Equivale a dizer que fez dois gols e omitir que levou cinco. A propósito, cabe registrar que, de acordo com o IBGE, a taxa de investimento em 2013 foi de 17,9% do PIB, e não de 20,9%, como publicado no artigo dos autores (chegando hoje a 16,5% do PIB).

Os autores prosseguem cobrando uma série de respostas a perguntas que, para um leitor desavisado, podem dar a impressão de que tudo vai bem na economia, e que nós somos uma ameaça, uma certa cara de pau dado que a economia está em recessão, inclusive com perda de emprego na indústria.

Uma dessas perguntas liga a falsa referência aos salários à nossa postura quanto à distribuição de renda no Brasil. Aqui faltou reconhecerem os ganhos sociais do fim da hiperinflação e os ganhos de produtividade das muitas reformas de FHC, da mesma maneira que nós reconhecemos o mérito de Lula ao turbinar os programas sociais (alguns criados por FHC) e preservar em seu primeiro mandato os fundamentos da estabilidade macroeconômica e a agenda de reformas.

No campo da distribuição e igualdade de oportunidade, além de continuar com bons programas como o Bolsa Família, pretendemos se nos for dada a chance focar na qualidade da educação, saúde, transportes e segurança públicos. Pretendemos também eliminar ao longo do tempo a parte injustificada das medidas de proteção, subsídio e desoneração voltadas a empresas (o chamado bolsa empresário do atual governo) e direcionar esses recursos para programas de maior retorno social, com relevantes benefícios distributivos.

Nem tudo deu errado no âmbito da economia durante os anos do PT no poder, mas o modelo de Dilma nos deixou mal parados, precisando urgentemente de uma correção de rumo. No mais, sigo enjoado com a maneira desonesta pela qual pessoas como Mattoso e Rossi se colocam. Ninguém tem o monopólio da indignação e do repúdio à pobreza e à desigualdade. Nada justifica o descuido com as palavras e os fatos no debate público.
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