terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Frágil Mercosul

No mundo não há mercados em bloco cuja característica de mobilidade física seja tão vantajosa: os quatro países originais qualquer pessoa ou veículo poderia cruzar as fronteiras por terra sem interrupção. Bom para a mobilidade e ótimo para a transmissão de energia elétrica. Há mais outras vantagens.

Enfim, ainda mais com a crise que se avizinha, é um assunto prá lá de maiúsculo para ser discutido até no ponto de ônibus...ledo engano, ledo engano...

"[...] Trata-se de ameaça que não pode ser desprezada, sobretudo pelo Brasil, que tem no Mercosul o principal mercado para manufaturados; cerca de 90% das exportações para a Argentina em 2014 foram de bens industriais.[...]"


Frágil Mercosul  
FOLHA DE SP - 17/02

Acordo comercial entre Argentina e China mostra que o bloco latino-americano representa uma trava apenas para os interesses do Brasil

O acordo comercial entre Argentina e China, assinado na semana passada em Pequim, é a mais recente demonstração de que o Mercosul agoniza, não só na esfera econômica mas também na política.

Os dois países fecharam convênios que envolvem mais de US$ 20 bilhões. São previstos US$ 5 bilhões em financiamentos para duas usinas hidrelétricas, a serem construídas por empreiteiras chinesas, e US$ 2,5 bilhões em ferrovias, entre outros projetos de infraestrutura, indústria e pesquisa.

Em troca do dinheiro, a China poderá fornecer materiais e até mão de obra, condição que só fora aceita por nações africanas. Aponta-se ainda para a possibilidade de isenção tarifária para equipamentos, o que pode tornar produtos chineses mais competitivos do que os oriundos de países do Mercosul.

Com uma decisão unilateral, a Argentina expõe o bloco ao avanço da concorrência asiática, sem contrapartidas. Trata-se de ameaça que não pode ser desprezada, sobretudo pelo Brasil, que tem no Mercosul o principal mercado para manufaturados; cerca de 90% das exportações para a Argentina em 2014 foram de bens industriais.

Sinais de perda de espaço dos produtos brasileiros se acumulam. No ano passado, as vendas para o vizinho caíram 27%, ao passo que as chinesas recuaram apenas 5%.

Para preservar divisas, o governo argentino exige licenças prévias de importação, mecanismo cada vez mais restritivo --ao menos para empresas brasileiras, pois existe a suspeita de que as chinesas venham obtendo facilidades.

Enquanto o Brasil continua a respeitar as regras do bloco, mesmo quando estas impedem avanços importantes, como o tão arrastado acordo comercial com a União Europeia, a Argentina não demonstra o mesmo apreço.

A presidente Cristina Kirchner, pressionada por fatores como recessão interna, fuga de capitais, alta inflação e isolamento dos mercados externos, não hesitou em apostar no dinheiro chinês para reforçar suas reservas internacionais e conseguir chegar às eleições de outubro deste ano sem maiores sobressaltos na economia.

Está mais do que na hora de o Brasil buscar seus próprios interesses. A indústria nacional tem muito mais diversificação e musculatura que a argentina para se integrar nas cadeias globais de valor e enfrentar mercados mais abertos.

Não se defende que o país deixe de considerar a integração latino-americana como pilar da política externa. Ao contrário, no campo econômico, é preciso usar a vantagem natural do Brasil na região --incluindo o bloco andino-- como plataforma para aprofundar suas relações com o restante do mundo.
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