(Folha de S. Paulo – 16/12/2014 – Tendências/Debates)
Como nos filmes, começo este artigo informando que qualquer
semelhança do que vou escrever com pessoas ou governos é mera
coincidência.
Em dois livros meus, “Uma breve teoria do poder” e “A queda dos mitos
econômicos”, edições esgotadas, procurei mostrar que quem busca o
Poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar
serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo.
Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não necessário. Com
maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos
históricos e em todos os espaços geográficos.
É bem verdade que a evolução do Direito e da Democracia, nos dois
últimos séculos, tem permitido um certo, mas insuficiente, controle do
exercício do poder pelos quatro cavaleiros do apocalipse - o político, o
burocrata, o corrupto e o incompetente -, razão pela qual as nações
encontram-se permanentemente, em crise. A “Utopia” de Moore, a
“República” de Platão e “A cidade do sol” de Campanella exteriorizam
ideais para um mundo, em que a natureza humana seria reformada por
valores que, embora vivenciados por muitos, raramente são encontrados
nos que exercem o poder.
O primeiro dos quatro cavaleiros do Apocalipse, o político, na maior parte
das vezes, para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente
à “desconstrução da imagem” dos adversários. Tem razão Carl Schmitt,
em sua teoria das oposições, ao declarar que o político estuda o choque
permanente entre o “amigo” e o “inimigo”. Todos os meios são válidos,
quando o poder é o fim. A ética é virtude descartável, pois dificulta a
carreira.
O burocrata, como dizia Alvim Toffler, é um “integrador do poder”. Presta
concurso público para sua segurança pessoal, porém, mais do que servir
ao público, serve-se do público para crescer e, quanto mais cria
problemas para a sociedade, na administração, mais justifica o
crescimento das estruturas governamentais sustentadas pelos tributos de
todos os contribuintes. Há países que se tornaram campeões em
exigências administrativas, as quais atravancam seu desenvolvimento,
apenas para justificar a permanência desses cidadãos.
O corrupto é aquele que se beneficia da complexidade da burocracia e da
disputa política, enriquecendo-se no poder, sob a alegação de
necessidade de recursos, algumas vezes, para as campanhas políticas e,
no mais das vezes, “pro domo sua”. Apesar de Montesquieu, ao cuidar da
tripartição dos poderes, ter dito que o poder deve controlar o poder,
porque o homem nele não é confiável, quando em todos eles há corruptos,
o poder não controla a corrupção.
O inepto, que conforma o quadro da esmagadora maioria dos que estão no
poder, é aquele que, incapaz do exercício de uma função privada na qual
teria que competir por espaços, prefere aboletar-se junto aos poderosos.
São os amigos do rei. Não sem razão, Roberto Campos afirmava que há
no governo dois tipos de cidadãos, “os incapazes e os capazes de tudo”.
Quando espocam escândalos de toda a forma, quando a corrupção torna-
se endêmica, quando o processo legislativo torna-se objeto de
chantagem, quando a mentira é tema permanente dos discursos oficiais,
quando a incompetência gera estagnação com injustiça social, percebe-se
que os quatro cavaleiros do Apocalipse estão depredando a sociedade e
desfigurando a pátria que todos almejam.
Felizmente, o Brasil é uma nação que desconhece os quatro cavaleiros do
Apocalipse, pátria em que todos são idealistas e incorruptíveis, razão pela
qual este artigo é uma mera digressão filosófica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário