Marcos Lisboa - Folha de S. Paulo
Campanha eleitoral ainda parece uma corrida maluca
Que russos que nada. Daqui a pouco, pode ter americano reclamando da influência brasileira na sua política econômica. Afinal, nada mais parecido com o governo Dilma do que a gestão Trump.
Tudo bem que Trump ainda tem uma maratona a percorrer para alcançar o desastre das intervenções equivocadas por aqui. Mas o começo promete.
Os EUA iniciaram uma guerra comercial que, a continuar, pode levar a uma queda de mais de um ponto percentual ao ano no crescimento mundial. Como, frente à intolerância, os demais países esqueceram a caridade cristã e não ofereceram a outra face, o resultado foi a retaliação para prejuízo dos agricultores americanos.
Repetindo o padrão da nossa presidente, o governo americano reagiu abrindo os cofres para compensá-los de perdas estimadas em US$ 12 bilhões (cerca de R$ 44,5 bilhões), valor irrisório frente aos subsídios concedidos pelo governo Dilma. Mas a semelhança é inegável.
Existem, também, diferenças importantes. As instituições por lá têm refreado muito das decisões impulsivas. O populismo acaba sendo rejeitado quando ameaça as relações comerciais de longo prazo.
O partidarismo rastaquera existe lá como aqui, mas não se aceita a fragilização das instituições. Mesmo a imprensa americana mais à direita reage quando se pune uma jornalista por perguntas impertinentes. Afinal de contas, o papel da imprensa é ser impertinente.
Executivos privados não temem se desligar dos conselhos de assessoria a Trump quando o seu governo rompe com as regras da autocontenção essenciais à democracia.
No Brasil, muitos setores produtivos dependem de favores oficiais e temem retaliações que seriam impensáveis nos EUA. Pode-se criticar à boca miúda, mas discordar publicamente requer uma combinação de destemor e de irresponsabilidade.
Além disso, há sempre a possibilidade de precisar de um favor na semana seguinte no nosso capitalismo de compadres. Melhor evitar conflitos.
Nos Estados Unidos, a agenda populista tem ameaçado com trovões há dois anos. Até agora, porém, as instituições os transformaram em destemperos momentâneos, ainda que com vítimas inaceitáveis.
Por aqui, tivemos muitos anos de euforia em que o governo distribuía benefícios de roldão para o setor privado e para as corporações de servidores públicos. Foi preciso acabar o dinheiro e a construção do desastre para discutirmos seriamente temas como a reforma do Estado e o descontrole dos subsídios concedidos ao setor privado.
A campanha eleitoral, no entanto, ainda parece uma corrida maluca, como escreveu Zeina Latif. Resta saber quem é a Penélope Charmosa. O que não faltam são candidatos a Dick Vigarista e a seu cão, Muttley.
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Marcos Lisboa, presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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