quarta-feira, 18 de novembro de 2009

INSEGURANÇA POR LIDERANÇA OMISSA E SOCIEDADE SEM FIBRA


INSEGURANÇA POR LIDERANÇA OMISSA E SOCIEDADE SEM FIBRA
General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva


Foi comandante e é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército


A segurança pública deixou de ser um problema nacional. Problemas são desafios que podem ser vencidos com recursos, estratégias e vontade política compatíveis com situações de normalidade ou anormalidade que não ameacem o Estado e a Nação. Hoje, o que ontem era apenas um problema transformou-se em ameaça visível na falência do Estado e de suas instituições em áreas do território e amplos setores da vida nacional. A neutralização de ameaças requer mobilização de recursos extraordinários, novas e corajosas estratégias, firme propósito da Nação de suportar sacrifícios e uma valorosa liderança.


O cenário desolador da segurança pública tem outras causas, mas muito a ver com a omissão e o populismo de sucessivos governos da União e dos estados nas últimas décadas, que abdicaram da autoridade e energia pelas quais deveriam primar como delegados da Nação, e transformaram tolerância em leniência ao adotarem conceitos distorcidos de direitos, deveres, justiça social, liberdades individuais e direitos humanos, alinhando-se ao modismo do politicamente correto – fachada da covardia moral. Mas não foi só isso! A crise de valores, que enfraquece a sociedade e desmoraliza a liderança do País, também favoreceu a expansão horizontal e vertical da criminalidade, hoje instalada em altos escalões da República, órgãos de segurança e amplos segmentos da sociedade por meio da corrupção, do amedrontamento e da impunidade.


Quando a violência explode em centros urbanos, o debate tende a valorizar o combate ao braço armado da criminalidade, imagem visível da ameaça. Manifesta-se, então, o anseio pelo emprego das Forças Armadas (FA) na segurança pública, por desconhecimento de que não basta o reforço ao aparato repressivo para neutralizar a criminalidade. A força da bandidagem aparece nas ações das quadrilhas, mas seu centro de gravidade está em um nível acima do ocupado pelas gangues, de onde vem o grosso dos recursos financeiros para manter seu poder de fogo. Nesse nível superior ocorrem os crimes do colarinho branco, a lavagem de dinheiro e a corrupção e estão organizações poderosas e pessoas influentes, bem relacionadas e detentoras de posições de relevo, que a liderança nacional não combate por omissão ou conivência. Há, ainda, um nível inferior onde está a fonte dos recursos humanos incorporados às quadrilhas por pressão ou influência da marginalidade, ao viverem em áreas por elas dominadas. Na realidade, são vítimas do poder da criminalidade, da omissão e do abandono do Estado.


O combate ao nível superior exige vontade política e ações de inteligência e repressão conduzidas pelo Ministério da Fazenda, Polícia Federal, GSI, Banco Central e ministérios públicos. No nível inferior, são necessárias medidas preventivas e de apoio social por órgãos e agências de governo ou particulares, buscando a inclusão social e o afastamento das famílias do poder e influência da bandidagem. O enfrentamento do braço armado requer operações de inteligência e repressão pelos órgãos de segurança pública, que saneados, despolitizados e modernizados dispensariam o emprego das FA.


É imprescindível uma estratégia de âmbito nacional, rigorosa e imune a pressões ideológicas, utópicas e demagógicas, a ser conduzida por uma secretaria ligada ao presidente da República, chefiada por um juiz federal do mais alto nível e sem vinculação partidária. Estratégia apoiada numa lei específica de combate ao crime organizado, que assegure amparo jurídico especial às investigações e às operações e eficácia e rapidez à aplicação da justiça. A lei teria vigência determinada, aplicação fiscalizada por instância superior e os delitos nela enquadrados teriam processos jurídicos distintos dos de outros crimes. A secretaria centralizaria as ações, quando necessário, tendo um general-de-exército do Ministério da Defesa agregado ao seu mais alto escalão decisório. Este último, contando com uma assessoria jurídica, coordenaria o emprego das FA com os comandos militares de diferentes áreas, os quais enquadrariam todos os órgãos estaduais e federais envolvidos, constituindo pequenos grupos de operações e inteligência mistos. Operações com tropas seriam eventuais e temporárias quando a situação extrapolasse a capacidade dos órgãos estaduais.


O emprego das FA nesse conflito é uma grave decisão, que uma vez tomada não admite insucesso, devendo-se ter consciência da violência dos confrontos. Sem ações simultâneas nos três níveis mencionados e a lei especial anteriormente abordada, bem como um choque de valores para reverter a decadência moral da sociedade, o emprego das FA será uma medida inócua, que comprometerá sua credibilidade, debilitará decisivamente o Estado e levará ao colapso a paz e a coesão social.


A ameaça é real, evolui perigosamente e sua neutralização exige medidas excepcionais, pois o desafio é reverter um conflito interno em que o Estado vai sendo derrotado em diversas áreas do território nacional. Infelizmente, haverá efeitos colaterais para a população, porém a continuação de medidas paliativas, de estratégias equivocadas, da apatia da sociedade e da omissão da liderança nacional poderá resultar na perda de relevância, autoridade e protagonismo do Estado e, perigosamente, na descrença em seu modelo democrático de direito.


Lamentavelmente, ao avaliarmos a conduta da liderança nacional em questões de ordem moral e ética, como nos escândalos em altos escalões da República, podemos concluir que ela é incapaz de conduzir estratégias que exijam coragem e independência ideológica para assumir responsabilidades, credibilidade para mobilizar a Nação e patriotismo para colocar os interesses brasileiros acima dos partidários e pessoais.


Recursos existem, mas faltam estratégias eficazes, vontade nacional e liderança de valor, condições necessárias para vencer a ameaça.

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