terça-feira, 8 de abril de 2014

Governança corporativa

 ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
O Estado de S.Paulo  

Episódios questionando a atuação do conselho de administração em duas das maiores empresas negociadas em Bolsa justificam uma reflexão. Os casos referem-se à Petrobrás, na compra de uma refinaria em Pasadena, e à Vale, na compra da participação de 51% num projeto de exploração de minério de ferro nas montanhas de Simandou, na República da Guiné. O primeiro continua a receber extensa cobertura por parte da imprensa, enquanto que o segundo, para os que busquem maiores informações, está muito bem abordado na da revista Piauí (n.º 90), em dois excelentes artigos: Negócios da África, de Patrick Keefe, e Contrato de risco, de Consuelo Dieguez.

Tenho razoável vivência como conselheiro de administração por ter participado de mais de 20 desses conselhos, entre companhias abertas e fechadas, com controle local ou externo, nos últimos 50 anos.

Quais são as responsabilidades e limitações de um conselheiro? Eles estão realmente dando conta de suas atribuições e do que deles esperam, principalmente, os que confiaram sua poupança às companhias abertas?

Iniciaria respondendo que, a percepção da função de conselheiro se alterou substancialmente ao longo do tempo. O pressuposto de que ser conselheiro era ter uma remuneração razoável sem contrapartida de responsabilidade ficou para trás. São vários os casos recentes de conselheiros que estão sendo acusados de negligência ou de desinformação, por não terem exercido em toda a sua plenitude as responsabilidades que lhes eram atribuídas pela legislação.

E os conselhos funcionam?

Minha resposta é clara: conselhos funcionam se estimulados por seu presidente e seus participantes que levam a sério sua missão e suas responsabilidades. O perfil desses conselheiros deve ser diversificado, de forma a cobrir todo o espectro em que a companhia tem sua atuação.

A função básica é ter uma visão estratégica do negócio em que a companhia opera. Não precisa necessariamente ser um expert no setor, mas, se possível, ter algum conhecimento de sua atividade e de finanças (não era o que ocorria no passado). Uma percepção externa atualizada é desejável. No mundo globalizado em que vivemos, manter uma visão paroquial de um mundo restrito às nossas próprias fronteiras não agrega valor. Mas, não sendo ele um especialista, seria apropriado, por exemplo, que o conselheiro, custeado pela empresa, pedisse a consultor externo independente que entrasse no mérito específico de projeto apresentado que requeresse melhor avaliação.

Tive rica experiência como conselheiro independente de uma companhia aberta na jurisdição de Maryland, nos EUA, quando solicitado a chefiar um comitê de litígio para analisar uma ação jurídica impetrada por acionista minoritário que entendia que os dirigentes da empresa, e grande parte do seu conselho, haviam sido negligentes em ato de gestão que considerara lesivo aos interesses da companhia. Para tanto eu e outro conselheiro independente conduzimos todo um processo de investigação para constatar se procedia a reclamação.

O importante é que tivemos a liberdade de escolher um escritório de advocacia que não tivesse nenhum vínculo com os administradores da companhia e com seus conselheiros. Registro que a empresa tinha seu próprio advogado, o conselho tinha outro e, finalmente, no litigation, escolhemos um terceiro. O caso foi encerrado não sem antes termos de atender e proceder a uma entrevista com o referido acionista.

Ao fim de várias semanas, e após proceder a todos os levantamentos e ter entrevistado todas as pessoas envolvidas no processo decisório anterior, preparamos um documento final apresentado ao juiz Robert Sweet, daquela Corte, que não deu ganho de causa ao litigante.

Portanto, gostaria de ressaltar cinco pontos relevantes:

O conselho não deve substituir a Diretoria.

É desejável que o conselho de administração forme comitês estatutários, compostos por representantes do próprio conselho, utilizando seu conhecimento específico, e no qual também poderão estar representados diretores da área e terceiros especialmente contratados em função se sua vivência no setor. Obviamente, comitês não substituem o conselho, mas opinarão e levarão previamente suas considerações a essa instância superior, que tomará a decisão final. Entre os diferentes comitês que conheço, de que participo e participei, estão os de investimentos, recursos humanos (remuneração), estratégico e de sustentabilidade, apenas para citar alguns.

O conselho deve receber o material que entrará em pauta com suficiente antecedência, para uma análise detalhada do seu conteúdo. E as perguntas podem ser formuladas antes da reunião efetiva.

Caso o conselheiro não se sinta tranquilo com o parecer técnico que instrui o processo, deve, com o pleno conhecimento do presidente do conselho, solicitar a contratação de um perito para orientar sua decisão, conversando diretamente com a área envolvida para esclarecimentos adicionais.

Troca de informações entre os conselheiros é desejável.

Voltando ao princípio, o que aproxima os dois casos mencionados é, efetivamente, a compra de ativos que se mostraram questionáveis, não apenas por aspectos políticos, mas econômicos e, principalmente, financeiros. Será que existiam nesses casos comitês estratégicos (ou de risco) que tenham sido ouvidos previamente? Os pareceres apresentados foram criticamente analisados?

Não ousaria fazer um julgamento sobre se as decisões foram corretas ou não. Se já é difícil para um conselheiro ter uma opinião e votar nas circunstâncias prevalecentes, então, seria imprudente fazer julgamento a posteriori, não dispondo de todos elementos que foram considerados. Mas fiquei com o benefício da dúvida.

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