domingo, 27 de abril de 2014

Futebol no Marco Zero


Considerações sobre um circunlóquio de improvável entendimento.

Passeava eu com um casal de amigos no calçadão da praia de Boa Viagem em um início de noite muito quente. Eis que fomos literalmente bloqueados por um repórter e um cinegrafista pedindo uns breves minutos de nossa atenção. Descia dos céus, ali, uma chance de se materializar nossa crítica contra a sociedade e a gestão do país, papo que nos impulsionava na caminhada.

Ao concordarmos logo soubemos do assunto: A discussão sobre o Fun Fest no Marco Zero, no centro do Recife Velho.
Informei-lhe que estava por fora do assunto ao que ele, com espanto, perguntou o motivo. Retruquei dizendo que este tipo de assunto varejo não me interessa a leitura e o acompanhamento, que usava meu pouco tempo com temas mais macro e relevantes. E prossegui completando que não leva a nada de significativo.

Então ele se propôs a um breve histórico dizendo que a FIFA estava reclamando da posição contrária do prefeito ao evento. Perguntei-lhe o motivo e ele disse que, de acordo com o prefeito, não havia recursos para tal. Eu defendi o prefeito.

O cinegrafista quieto, até então, também se interessou e se aproximou de nós, ao que o repórter perguntou o motivo de eu ter concordado com o prefeito.
Impacto ambiental de mais de um milhão de pessoas no Marco Zero, impacto na segurança pública com verbas extras e falta de policiamento municipal deslocado para o local, custo de banheiros sanitários, fontes de energia elétrica  para dar apoio, controle de comerciantes ambulantes, zonas de estacionamento com guarda improvisados e mobilidade para o local de mais de um milhão de pessoas seria algo por demais complexo e caro para todos os jogos. 

Foi a vez do repórter se preocupar com os fudidinhos, os coitadinhos que não poderiam ir ao estádio ver os jogos. Eu lhe retruquei observando que o prefeito tem que usar os recursos para a cidade e seus habitantes, eleitores dele ou não, torcedores ou não, incluídos e excluídos. O uso intempestivo de uma fabulosa quantidade de orçamento não previsto iria dar um significativo impacto nas contas municipais e outros setores seriam prejudicados se ele gerenciasse com base na emoção e na ideologia. Defendi que o prefeito estava certo em ser pragmático. De chofre ele perguntou se eu havia votado nele. Retruquei que pouco o conhecia e que pensaria o mesmo de qualquer prefeito das 5 565 cidades ao longo do país com orçamentos apertadíssimos e com elevada carga tributária. Ele retrucou dizendo que o interesse dos cidadãos deveria ser contemplado e que a copa era um evento significativo e que o prefeito poderia estar privando o cidadão que não poderá ir aos estádios. Foi minha vez de lhe perguntar se ele achava justo o valor do PIB destinado a educação no país. Ele, claro, desconhecia. Prossegui lhe dizendo ser 3,14 % do PIB a ser empregado em 5 565 cidades e que esse tipo de despesas e outras assumidas intempestivamente por Estados e Municípios perfaziam, com o pagamento de juros e correlatos mais de 40% do PIB versus 3,14%.

Atônito com minhas respostas de pronto ele pediu para gravar uma breve entrevista. Concordei. Ele, enfim, perguntou meu nome e o que fazia. Ao dizer ser um militar, coronel da reserva seu espanto foi nítido. Eu não entendi seu espanto sobre esse perverso paradigma da sociedade para com militares, ademais poucos fazem idéia do que um militar tem que estudar e línguas a dominar para chegar ao posto de coronel, além da experiência gerencial altamente complexa a qual passamos, daí minhas respostas serem de pronto.

Enfim, veio-me a primeira pergunta e eu discordei. Ele pediu o motivo eu defendi o prefeito e QUALQUER prefeito no Brasil gerenciando, com responsabilidade os recursos orçamentários. Ele insistiu ser um evento especial e que a FIFA reclamou do fato de não haver orçamento e eu falei que se a FIFA quisesse teria pedido a inclusão em outubro do ano passado, pois um evento dessa natureza leva-se anos para ser planejado e com ele os eventos complementares. Ele prossegui na pergunta e eu lhe respondi que o Executivo municipal havia ido a sociedade por intermédio de associações e partidos para saber de suas necessidades, apresentou à Câmara dos Vereadores um planejamento específico e o Tribunal de Contas fiscalizaria esse acordo e que mudanças intempestivas teriam que ser acordadas pela maioria dos vereadores e que, para tanto, haveria vários pedidos de concessões fora do previsto para se ter aprovação e que esse tipo de manobra prejudicaria, sobremaneira, a sociedade para um evento em um ano que logo seria esquecido sem pouco de substancial para se ganhar com ele, a não ser o populismo irresponsável. 

O repórter não se dando por vencido fez uma pergunta com um estranho brilho nos olhos: A FIFA ameaça entrar na justiça contra a decisão do prefeito em não investir no evento. De chofre lhe respondi que não acreditava que a FIFA, com sua história e penetração no mundo cairia no ridículo de gastar em um processo judicial contra uma decisão legal, com uma liturgia orçamentária e jurídica perfeita que é a proposição, aprovação e execução de um orçamento, com três esferas, executivo, legislativo e judiciário envolvidos. Ele então, para encerrar falou: Para você um a zero para o prefeito! Eu disse que não e ele perguntou o motivo: Para mim o prefeito como cidadão e torcedor pode até concordar, mas como prefeito estava cumprindo, de forma responsável e ética, o que seus eleitores, ou não, esperam dele e que era um a zero para o administrador público responsável, de qualquer partido. E que se a sociedade fizesse uma pressão irresponsável não poderia reclamar de falta de açao e de recursos por parte do prefeito como fez nas recentes enchentes que tivemos na cidade, do engarrafamento diário, da insegurança pública etc etc. Sempre criticam sem se darem ao trabalho de conhecer sobre o que falam ou criticam.

O jovem que tem, por profissão, ser formador de opiniões, encerrou o diálogo, apertou minha mão e prosseguiu para meu amigo.

O resultado? Bem, menos de três segundos de aparição no jornal onde uma entrevista com dois ladrões de uma lotérica teve bem mais tempo. Esse é o Brasil, país da festa, do futebol e da estultice institucionalizada.

Não sei o motivo, mas a vontade de ir para Pasárgada vem a tona com muita frequência ultimamente.
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