quarta-feira, 10 de outubro de 2018

2008, o ano que não acabou

 GUSTAVO LOYOLA Valor Econômico - 01/10/2018

Fantasma da nova matriz econômica continua a assombrar os cenários futuros da economia brasileira



Há cerca de dez anos, aportava em terras tupiniquins a mais severa crise financeira vivenciada pela economia global desde o crash de 1929. Na ocasião, não desconfiávamos que seus efeitos mais deletérios e duradouros - que perduram até os dias de hoje - se deveriam muito mais aos remédios que seriam ministrados pelo governo do que à própria severidade da doença.

Quando a crise eclodiu, em setembro de 2008, a economia brasileira passava por um momento muito positivo. Havia crescido 2% no segundo trimestre e 1,7% no terceiro. As contas públicas estavam em ordem, com um superávit primário rodando acima dos 3% do PIB. As reservas internacionais montavam cerca de US$ 210 bilhões, sendo o país credor líquido em moeda estrangeira. O sistema bancário estava bem capitalizado e sólido o suficiente para enfrentar uma crise externa.

Em suma, pela primeira vez, na história econômica recente, o Brasil estava preparado para exercitar políticas domésticas anticíclicas na eventualidade de um choque externo. Vale recordar que o padrão anterior, nos episódios de crise de origem externa, era o país ser levado a adotar políticas monetária e fiscal restritivas, o que agravava ainda mais seus efeitos recessivos.

E assim foi feito. Um ano após a eclosão da crise, o Banco Central havia derrubado a taxa Selic de 13,75% ao ano para 8,75% e o superávit primário caíra de 3,85% do PIB para apenas 1,07%. Além do afrouxamento monetário e fiscal, o governo adotara uma série de outras medidas estimulativas, notadamente com o uso dos bancos públicos para expandir o crédito, num momento em que os bancos privados retraíram-se. Os resultados vieram. Após cair no último trimestre de 2008 e no primeiro do ano seguinte, o PIB voltou a crescer nos períodos seguintes.

Tudo indicava que o Brasil saíra bem da crise, apesar da recessão que havia durado dois trimestres. Mas as sementes do desastre futuro haviam sido plantadas. A severidade da crise financeira nos EUA e em outros países desenvolvidos havia levado corretamente seus bancos centrais a se distanciarem da ortodoxia e praticarem políticas fortemente expansionistas que levaram ao inchamento de seus balanços. A interpretação na terra tupiniquim foi a de que a crise havia aberto uma "licença para matar" que justificaria politicas de estímulo da demanda até em circunstâncias muito distintas do que as prevalecentes nas economias desenvolvidas.

Estavam lançadas as bases para a desastrada "nova matriz macroeconômica" que Guido Mantega, com as benções de Dilma Roussef, anunciaria com toda a pompa e circunstância em 2012. A "nova matriz" prometeria o milagre de juros baixos, câmbio "competitivo" e aumento do investimento público. Mantega anunciaria o enterro do tripé macroeconômico (responsabilidade fiscal e monetária e câmbio flutuante) que trouxera bons frutos durante o mandato do presidente Lula. O então ministro da Fazenda chegaria a falar da necessidade da "desintoxicação" da economia em relação aos juros altos e ao câmbio valorizado...

No entanto, o que foi prometido como redenção da economia, virou um desastre. As consequências deletérias da "Nova Matriz" podem ser sintetizadas na pior recessão da economia brasileira nos últimos 50 anos, responsável por um encolhimento da renda per capita da qual o Brasil demorará no mínimo uns cinco anos para se recuperar.

O impeachment de Dilma salvou momentaneamente o país da recidiva da "nova matriz" que já se anunciava após a saída de Joaquim Levy, cujo período no Ministério da Fazenda representou uma efêmera visita da responsabilidade macroeconômica no governo Dilma. Com Temer, a gestão da política macroeconômica passou da água para o vinho, com o resgate da credibilidade do BC e da política fiscal, muito embora as restrições estruturais tenham impedido a reversão do déficit primário. Infelizmente, ao detonar politicamente Temer, o escândalo das gravações de Joesley impediu a aprovação da reforma da previdência social, que é urgentemente necessária para equilibrar as contas públicas de maneira sustentável.

Porém, pior do isso, o escândalo ressuscitou as chances do PT nas eleições presidenciais e com elas o espectro da ressurreição da fracassada "nova matriz macroeconômica", de triste memória. Os assessores econômicos de Fernando Haddad reconhecem apenas um erro grave na política econômica de Dilma: ter trazido, em 2015, Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e, assim, optado por uma política recessiva. Só faltam dizer que Guido Mantega teria sido o melhor ministro da Fazenda desde Ruy Barbosa! Na mesma linha de pouca autocrítica, o PT mantem ainda como principal proposta na área fiscal a reativação da economia para elevar as receitas tributárias. Na área monetária, segundo eles, o BC deveria ter duplo mandato, um olho na inflação, outro no emprego.

Assim, no Brasil, a crise de 2008 se perpetua na forma do seu filho espúrio, a "nova matriz macroeconômica", cujo fantasma continua a assombrar os cenários futuros da economia brasileira. Às vésperas das eleições presidenciais, a responsabilidade macroeconômica continua sendo preterida pelo PT em favor de políticas assemelhadas àquelas que levaram ao desastre de 2014-2016.




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