terça-feira, 23 de outubro de 2018

O alerta do drama argentino


Além da saída de dólares, houve a corrida dos próprios argentinos à moeda americana, um velho hábito nacional em fases de grande incerteza

O Estado de S.Paulo   04 Setembro 2018  


O novo desastre argentino é um instrutivo pano de fundo para a campanha eleitoral brasileira, marcada por discursos populistas e escasso compromisso, restrito a poucos candidatos, com políticas sérias e voltadas para a eficiência econômica. Forçado a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo do presidente Mauricio Macri acertou em junho um pacote de US$ 50 bilhões. Menos de três meses depois, o ministro da Fazenda, Nicolas Dujovne, volta a Washington para negociar um novo programa. "Recebemos um golpe duro nos últimos meses", disse o presidente ao antecipar as linhas principais do novo plano de arrumação das contas públicas, ponto central da terapia econômica necessária ao país. Os efeitos mais visíveis do “duro golpe” foram a saída de dólares e a brutal desvalorização do peso, manifestações da insegurança dos mercados e dos cidadãos em relação ao primeiro programa combinado com o FMI. Além da saída de dólares, houve a corrida dos próprios argentinos à moeda americana, um velho hábito nacional em fases de grande incerteza.

O novo programa do governo argentino, bem mais ambicioso que o anterior, estabelece um ajuste mais rápido e provavelmente mais doloroso. A ideia é zerar rapidamente o déficit primário, isto é, o saldo de receitas e despesas governamentais excluída a conta de juros. O limite do déficit primário projetado para 2018 passa de 2,7% para 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2019, o objetivo agora é o equilíbrio das contas primárias, em vez de um déficit de 1,3%. A meta de equilíbrio fixada para 2020 é substituída por um superávit de 1%. A partir daí, o Tesouro disporá de dinheiro para pagar parte dos juros.

O novo programa inclui cortes de gastos e elevação temporária de impostos. Segundo o anúncio, serão cobrados 4 pesos extras sobre cada dólar de exportação primária e 3 pesos adicionais sobre cada dólar das demais exportações.

Esses aumentos devem proporcionar arrecadação de 68 bilhões de pesos neste ano e de 280 bilhões no próximo, somas equivalentes a 0,5% e 1,5% do PIB de 2018 e de 2019. A solução é ruim, reconhece o governo, mas será usada, promete, por pouco tempo. O esforço maior, segundo o plano, será o do corte de gastos. 

O sucesso do programa dependerá em boa parte da reação do mercado. Será difícil evitar o fracasso, se os investidores e financiadores internacionais continuarem retirando dólares, a desvalorização do peso prosseguir e persistirem as pressões inflacionárias causadas pelo câmbio. No primeiro semestre a inflação chegou a 16%. O presidente Macri já admitiu para 2018 uma alta de preços de 30%, o dobro da projetada em dezembro passado.

O esforço para ganhar a confiança dos mercados será crucialmente importante, porque as contas externas são muito frágeis. O déficit em transações correntes está em 4,8% do PIB, uma proporção perigosa. Reservas cambiais de US$ 51,32 bilhões em junho foram insuficientes para deter a especulação contra o peso nos últimos dois meses. Pressões prosseguiram depois da elevação dos juros básicos de 45% para 60%. Nem isso serviu para atrair capitais ou pelo menos deter a saída de dólares. Na segunda-feira, depois do anúncio do novo programa, especuladores continuaram muito ativos no mercado cambial.

O Brasil tem reservas próximas de US$ 380 bilhões e o déficit em transações correntes tem ficado abaixo de 1% do PIB. Esses dados têm garantido alguma resistência, apesar das incertezas políticas e do mau estado das contas públicas. Além disso, o governo central, segundo os últimos dados, poderá fechar as contas de 2018 com alguma folga em relação ao limite do déficit primário. Mas o novo governo deverá encontrar condições orçamentárias muito difíceis.

A eleição de um candidato claramente comprometido com políticas sérias poderá facilitar a transição. Se a irresponsabilidade vencer, o mercado se antecipará ao desastre fiscal e as condições de segurança externa serão testadas duramente. É bom olhar com atenção o drama argentino.

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