Editorial | Folha de S. Paulo
Conciliar preservação com pujança agrícola implica superar polarização e investir em tecnologia para tornar agropecuária brasileira mais sustentável
A pior praga a afligir o agronegócio brasileiro tem raiz ideológica: a polarização entre ambientalistas e ruralistas. Ela envenena o debate público e enseja que os pontos de vista mais atrasados prevaleçam.
O Brasil ocupa posição única no cenário mundial. É o segundo maior exportador de grãos. Com tecnologia própria, expandiu a produção ao ritmo de 4,1% ao ano, desde a década de 1970, com alta menor da área plantada (1,2% por ano).
O setor agropecuário representa hoje 4,5% do Produto Interno Bruto, mas a cadeia produtiva movimenta cerca de 20% do PIB. E isso com apenas 4,9% de sua receita bruta advindos diretamente de recursos públicos, pouco mais da metade do apoio estatal nos Estados Unidos e menos de um quarto do verificado na União Europeia.
Algumas paisagens do país sofreram e sofrem devastação, é fato, com o avanço da fronteira —como a mata atlântica, dizimada no século 20, e o cerrado, atualmente o bioma mais pressionado.
Poucas nações com tal peso agrícola, no entanto, contam com 68% de vegetação nativa. Ou, então, com 18% do território protegido em unidades de conservação e 13% em terras indígenas.
De uma perspectiva racional, não há motivo para deixar de perseguir a vocação agrícola nem para dilapidar mais o patrimônio de biodiversidade. Sobram argumentos econômicos, ambientais e pragmáticos para conciliar tais objetivos.
A cobertura vegetal assegura a reposição de recursos naturais, como água para irrigação, energia hidrelétrica e abastecimento humano. Além disso, sua destruição e a agropecuária a ela associada constituem a principal fonte de emissões de carbono (gases do efeito estufa) da economia brasileira (73% do total em 2016).
Por fim, cresce em todos os mercados a demanda por alimentos, fibras e biocombustíveis que não sejam produzidos em áreas de desmatamento recente.
Aumentar a produtividade da pecuária para liberar espaços de cultivo, recuperar pastagens degradadas, eliminar o desmate ilegal e restaurar florestas são, portanto, uma oportunidade única para o Brasil manter-se na liderança agrícola ao mesmo tempo em que cumpre as metas de redução de emissões definidas no Acordo de Paris.
Para tanto, mostra-se crucial tornar o agronegócio mais produtivo e sustentável, evitando estigmatizá-lo como destruidor de florestas. Sem prejuízo de punir com rigor quem devasta áreas que a lei manda preservar, cumpre combater os vários obstáculos que ainda se interpõem à atividade.
A prioridade reside em dissolver o caos fundiário que ainda prevalece em boa parte do território, notadamente na Amazônia.
Além de sanear os registros coalhados de títulos de origem duvidosa e de superposições, há que integrar e informatizar todos os cadastros de terras do país.
Cumpre enfrentar, igualmente, a insegurança jurídica criada pela lentidão decisória de órgãos como Incra, Anvisa, Ibama e Funai. Não tem cabimento consumir uma década inteira para autorizar um novo agrotóxico, por exemplo.
Se faltam recursos para investir em infraestrutura, nesta dura estiagem orçamentária, não é menos certo que compete ao governo federal formular planos de médio e longo prazos, com apoio de recursos privados, para desfazer o pesadelo logístico em que se converteu o escoamento da produção.
A fim de efetivar a contrapartida ambiental prometida na mudança do Código Florestal, importa pôr fim aos sucessivos adiamentos do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Há que proceder, enfim, à generalização dos Programas de Regularização Ambiental (PRA), etapa subsequente em que produtores faltosos têm de saldar dívidas com a preservação.
Como nas últimas quatro décadas, a tecnologia será aliada importante para conferir dinamismo ao setor agropecuário. O caso de sucesso da Embrapa precisa ser seguido e multiplicado.
O desafio modernizador abrange do emprego ampliado de sistemas de informação geográfica para monitorar a perda de cobertura vegetal (não só na Amazônia) e ordenar o uso da terra (zoneamento ecológico-econômico) até o desenvolvimento de cultivares, práticas e variedades animais adequados para cada bioma e zona agrícola.
Não se trata de destinar mais recursos ao setor, que já conta com tratamento tributário favorecido e cerca de R$ 200 bilhões anuais no Plano Safra. E, sim, de utilizar o crédito subsidiado para promover soluções, como a agricultura de baixo carbono, e de recusá-lo a quem descumpre normas legais.
Por seu peso na economia nacional, o agronegócio detém inegável influência política, mas não parece que ela venha sendo mobilizada no Congresso para avançar uma agenda programática à altura da modernidade do campo.
Retrocessos como os observados nas questões ambiental, fundiária e indígena interessam a muito poucos, e certamente não aos que levaram o setor à liderança global.
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