Estar vendo a conquista da Lua em Houston, em tempo real, me parecia uma miragem
Ethevaldo Siqueira*, O Estado de S.Paulo
25 de julho de 2019 | 03h03
Entre os jornalistas que tiveram o privilégio de cobrir a conquista da Lua, na Nasa, há 50 anos, suponho que poucos ainda estejam vivos. Por ser um deles, considero-me privilegiado por poder hoje contar aos leitores do Estado, aos amigos e familiares um pouco do que vi e senti na cobertura daquele evento.
Estar nos Estados Unidos naqueles dias era para mim quase um sonho, embora eu já tivesse conhecido a Nasa no ano anterior e acompanhado em Houston os melhores momentos da Apollo 8, no Natal de 1968, quando os astronautas Frank Borman, Jim Lovell e William Anders sobrevoaram pela primeira vez o lado oculto da Lua e mostraram pela TV o Earthrise, o nascer da Terra, nosso planeta a elevar-se sobre o horizonte lunar.
Ao chegar aos Estados Unidos em julho de 1969, eu não tinha ainda uma ideia clara do que iria ver. Mesmo assim, não era capaz de pensar noutra coisa, desde o momento em que meu saudoso chefe de reportagem, Clóvis Rossi, me comunicou que eu tinha sido escolhido para cobrir a Apollo 11.
Já na Flórida, no dia 16 de julho de 1969, cheguei bem antes da hora ao local mais próximo possível da histórica Plataforma de Lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy para assistir ao lançamento da Apollo 11. Era a primeira vez que eu iria ver de perto a decolagem de um foguete gigante como o Saturno 5, com seus 110 metros de altura e uma massa de 2.900 toneladas.
Por questão de segurança, nós, jornalistas, mudos, víamos tudo de uma distância de 1.500 metros. Ao final da contagem regressiva, exatamente às 9h32 da manhã do dia 16 julho de 1969, um estrondo. Era o ruído que indicava a decolagem do Saturno 5. Com um empuxo de mais de 3.500 toneladas, o foguete começou a subir lentamente, enquanto seus escapamentos emitiam um ruído aterrador, com uma energia talvez acima de cem decibéis. Mesmo com os fones protetores de ouvido distribuídos a todos os jornalistas, ainda sentíamos na pele aquele ruído descomunal.
Embora seja difícil descrever com precisão o impacto daquela experiência, afirmo que ela foi inesquecível para mim, embora, naquele momento, o ruído e a emoção nos tirassem a capacidade de reflexão. Como repórter em começo de carreira, eu me sentia privilegiado por estar lá, diante de um espetáculo único como aquele. Localizado numa das plataformas reservadas aos jornalistas de todo o mundo, eu podia ver a multidão de centenas de milhares de pessoas nas estradas vizinhas, nos campos próximos ao Centro Espacial Kennedy e nas praias ao norte e ao sul da base de lançamentos.
Acompanhamos o trajeto do foguete até perdê-lo de vista. Segundo a Nasa, o segundo estágio do Saturno 5 completaria uma volta e meia em torno da Terra duas horas e 44 minutos depois do lançamento. Nesse momento, entraria em cena o último estágio do Saturno 5, com uma segunda ignição de cinco minutos e 48 segundos de duração, para colocar a Apollo 11 no caminho correto, rumo à Lua. Em minha cabeça havia um turbilhão de pensamentos. O mais sério deles era sobre o risco que corriam aqueles três seres humanos que subiam ao espaço.
Quatro dias depois, já em Houston, nós, jornalistas, estávamos diante de dois telões ao lado do Centro de Controle de Missão da Nasa. Ali pudemos acompanhar todas as etapas da descida na Lua, comandadas por Michael Collins, como um regente de orquestra, o astronauta que permanecia no módulo de comando a girar em torno do satélite natural da Terra.
Acompanhamos a longa sequência de imagens da preparação da descida do módulo lunar, apelidado de Águia (Eagle), até o momento de maior tensão e de interesse mundial: o do pouso do módulo na superfície da Lua. Ouvimos, então, em Houston, o anúncio de Armstrong: “The Eagle has landed”.
Em seguida, a imagem que mais emocionou o mundo – como a nós, em Houston: o momento culminante da missão, em que Neil Armstrong dá o primeiro passo e deixa a marca de seu pé esquerdo sobre a areia fina da Lua e pronuncia a frase memorizada havia meses: “Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”. Eram 21h56 do dia 20 de julho de 1969, em Houston. Ou 23h56 em Brasília. Ou ainda 2h56 do dia 21 de julho pela Hora Universal, UTC (Coordinated Universal Time).
A imagem daquele momento histórico foi vista, talvez, por mais de 600 milhões de seres humanos e exibida à exaustão pelo mundo afora, nos meses seguintes. Mesmo assim, não perdeu seu sentido mágico: astronautas na superfície da Lua pela primeira vez. Surpreenderam-me, contudo, algumas reações extremas, que iam da incredulidade ao deslumbramento, no Brasil e no mundo. Uma das reações negativas foi ao uso da bandeira dos Estados Unidos plantada na Lua. Por que não uma bandeira das Nações Unidas em lugar da americana, perguntavam os mais exigentes?
Para mim, estar vendo a conquista da Lua em Houston, em tempo real, me parecia uma miragem. Ríamos bastante ao ver os astronautas darem saltos como cangurus, ao descobrirem que, nas condições da gravidade lunar, seu corpo não pesava mais do que 15 quilos. Para nós, mesmo com as imagens chuviscadas em preto e branco, era emocionante testemunhar o momento em que os primeiros homens pisavam na superfície de outro corpo celeste.
Ao cobrir grandes acontecimentos, nós, jornalistas, sempre temos a clara consciência de que não somos protagonistas, mas apenas testemunhas, escribas e narradores. No meu caso particular, entretanto, a experiência pessoal vivida antes e depois da Apollo 11 me abriu caminho para muitos outros trabalhos jornalísticos na área espacial ao longo das três décadas seguintes, até os anos 1999, em que cobri projetos fascinantes, como os das sondas Voyager, dos ônibus espaciais, do telescópio espacial Hubble ou da Estação Espacial Internacional.
Confesso, entretanto, caro leitor, que nenhum daqueles momentos me marcou tanto quanto a Apollo 11.
*JORNALISTA ESPECIALIZADO EM TECNOLOGIAS DIGITAIS
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