terça-feira, 30 de julho de 2019

Dicas de um jovem


A juventude manifesta uma procura de firmeza moral, de valores familiares e éticos
       
Carlos Alberto Di Franco*, O Estado de S.Paulo 29 de julho de 2019 | 03h00

O mundo digital é uma realidade irreversível. A relação dos jornais com seu público mudou. Não é mais vertical. O consumidor da informação quer ser ouvido. Sem prejuízo da independência, pré-requisito do jornalismo de qualidade, é preciso ouvir as pessoas, interagir, entender suas demandas, captar seus recados. Dialogar é preciso.

Excelentes pautas nascem de um bom bate-papo. Conversar, sobretudo com os jovens, abre a cabeça e aponta caminhos. Eles são o presente que se faz futuro. Eu converso muito. Só é capaz de opinar, sem pontificar com altivez ou fulminar com radicalismo, quem está disposto a ouvir com interesse.

Compartilho com você, amigo leitor, o texto de um jovem promissor. Gosta de escrever. Tem potencial. Envia-me suas crônicas com regularidade. Quer submetê-las ao crivo da experiência que ainda lhe falta. Batemos bons papos. Tem 17 anos. Prepara-se para o vestibular. É um leitor voraz. O gosto pela literatura foi estimulado por professores do colégio Catamarã, uma iniciativa educacional e pedagógica moderna e muito interessante. Eis o texto de Lucas Brasil, meu jovem amigo, que pautou este artigo. 

“Em visita à Zona Franca de Manaus poucas atrações capturaram tanto minha atenção quanto um instituto técnico no qual produtos eletrônicos e eletrodomésticos eram montados e testados em relação à durabilidade, resistência e outros aspectos. Em conversa descontraída com um dos engenheiros do instituto, levantei um questionamento sobre a obsolescência programada, prática adotada por empresas (geralmente multinacionais) para que a lucratividade de seus produtos seja impulsionada em detrimento de sua durabilidade. Em suma, alguns bens de consumo são produzidos para se desgastarem com facilidade, sendo substituídos e gerando mais receita para a companhia. É a causa central da famosa frase: antigamente as coisas duravam mais.

O engenheiro afirmou que essa prática é uma realidade cruel na indústria: os funcionários são instruídos, testando os protótipos em câmaras térmicas e cinéticas, a construir a estrutura dos eletrônicos com períodos mínimos e máximos de durabilidade. Computadores pessoais, por exemplo, são montados para durarem cinco anos, enquanto smartphones devem durar dois anos.

A exposição a todas essas informações e ideias resultou na constatação de que os atos de descartar e substituir se tornaram automáticos e banalizados. Coisas que podiam ser duradouras e de firme estrutura servem ao seu propósito de forma medíocre e por curto período em nome do dinheiro e da competitividade mercadológica.

Esse problema já é suficientemente grave por si só, mas minha percepção é que a cultura do descarte não se restringe às indústrias e ao comércio, mas atinge também um aspecto fundamental da vida humana: as relações interpessoais. Tomemos como exemplo os relacionamentos românticos entre homem e mulher: namoros e casamentos.

Em épocas de Tinder, pornografia generalizada e hipersexualização, as relações também são criadas com obsolescência programada: muitos namoros nascem com número de série e data de validade. Pessoas são usadas como produtos, como meios para satisfazer uma necessidade ou aumentar o conforto. Após a concretização desses objetivos o usuário se desfaz do companheiro, partindo para o próximo e reiniciando esse ciclo interminável.

Cegos por seus egoísmos e cada vez menos dispostos a resolver as questões que afligem matrimônios e namoros, os casais preferem a solução fácil e confortável: o término e o divórcio, que são muitas vezes prejudiciais aos filhos e à situação financeira e econômica do casal.

Além disso, esse descarte e reposição compulsivos acarretam muitas outras questões que influenciam muito na saúde da sociedade e da civilização: explosão da gravidez na adolescência, avanço no número de portadores de DSTs, aumento de abortos e a falta de humanidade nos relacionamentos.

Ver o parceiro como um ser humano, composto de corpo e alma, e respeitá-lo por isso, é essencial. A visão materialista resulta na percepção do homem como apenas um corpo. E se o homem é apenas um corpo, pode ser, assim como uma garrafa de refrigerante ou um computador que pifou após um ano e meio de uso, descartado.”

Achei sensacional. Um adolescente é capaz de fugir da mesmice, escrever um bom texto e argumentar com articulação. Sua crônica mostra uma juventude que está na contramão das algemas politicamente corretas. Pensa e escreve com liberdade.

A juventude, ao contrário do que fica pairando em algumas reportagens, não está tão à deriva assim.

Há em andamento profundas e positivas mudanças comportamentais. O relacionamento descartável vai sendo substituído pelo sentido do compromisso. A juventude real, não a desenhada por certa indústria cultural que vive isolada numa bolha ideológica e de costas para a realidade, manifesta uma procura de firmeza moral, de valores familiares e éticos.

A família, não obstante sua crise evidente, é uma forte aspiração dos jovens. Ao contrário do que se pensa em certos ambientes politicamente corretos, os adolescentes atribuem importância decisiva ao ambiente familiar. Os jovens, em numerosas pesquisas, apontam a família tradicional como a instituição de maior ascendência em suas decisões.

Assiste-se nas escolas, nas universidades e no ambiente de trabalho ao ocaso das ideologias e ao surgimento de um forte profissionalismo. Ao contrário das utopias do passado, os jovens acreditam na excelência e no mérito como forma de fazer a verdadeira revolução. Eles defendem o pluralismo e o debate das ideias. O pensamento divergente é saudável. As pessoas querem um discurso diverso, não um local onde se pregue apenas uma corrente de pensamento.

Ouvir os jovens é preciso!

*Jornalista. E-mail: difranco@ise.org.br

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