- EDITORIAL O GLOBO - 29/07
Adiar pagamentos para os exercícios seguintes é forma de burlar limites legais
O Brasil avança no quinto ano seguido em que a soma das despesas públicas, descontados os gastos com o pagamento de juros da dívida estatal, ultrapassa o total de receitas do governo.
Prevê-se para este 2019 gastos de R$ 139 bilhões acima da arrecadação, fechando-se um ciclo de cinco anos consecutivos de contas no vermelho —aquilo que economistas definem como déficit primário.
Esse grave desequilíbrio deve persistir até 2022, de acordo com as projeções contidas na lei orçamentária em análise no Congresso.
Essa é a dimensão da crise fiscal brasileira. Seus reflexos permeiam todo o Orçamento da União. Um deles está na rubrica “Restos a pagar”, que abriga as despesas com compromisso de utilização previsto, mas que não foram pagas até o último dia de cada exercício fiscal, ou seja até 31 de dezembro de cada ano.
O saldo de restos a pagar se tornou tão grande que passou a ser quase um orçamento paralelo: soma R$ 189,5 bilhões, representando um aumento de R$ 34,1 bilhões (22%) em relação ao ano passado.
Tem sido recorrente. Mais da metade do que se tem efetivamente pago como investimento, nos últimos anos, refere-se à liquidação de despesas da conta de restos a pagar.
No ano passado, por exemplo, o Tesouro Nacional pagou parte de despesas inscritas no Orçamento de 2010. Ou seja, liquidou-se uma conta relativa a projetos que haviam sido aprovados em 2010 — oito anos, ou 96 meses, depois. Esse tipo de atitude foi rotineiro nos últimos anos. Num exemplo, em 2016 aprovou-se um aumento salarial para pagamento naquele ano e nos três exercícios seguintes (até este 2019).
Num orçamento engessado como é o da União, onde quase todas as despesas são programadas, ou “carimbadas” por força de lei, essa contínua expansão de débitos pendentes, os restos a pagar, torna inviável qualquer possibilidade de planejamento e administração eficaz.
A distorção provém de uma brecha na Lei de Responsabilidade Fiscal identificada há tempos por gestões federais, estaduais e municipais. Tem sido manejada por diferentes governos como alternativa de emergência ao engessamento orçamentário num ciclo de grave crise fiscal. Seus efeitos, porém, são deletérios.
A saída está na criação de regras para pagamento das despesas dentro de cada exercício fiscal, com reposição da lógica elementar de administração. Uma oportunidade para tanto está na Lei de Finanças Públicas atualmente em debate na Comissão Mista de Orçamento.
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