terça-feira, 30 de julho de 2019

Aprendizes pela vida

Mais do que apreender conteúdos úteis para sua vida, os alunos devem aprender a se tornar 'aprendizes pela vida'

        Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 27 de julho de 2019 | 03h00

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de publicar os resultados de uma pesquisa feita com 250 mil educadores de 48 países. Trata-se de uma nova fase da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizado que vem sendo realizada desde 2008. O primeiro volume da enquete, agora divulgado – Professores e Diretores como Aprendizes pela Vida –, foca no primeiro dos cinco pilares da profissão, segundo a OCDE: conhecimentos e habilidades. No segundo volume serão abordados os outros pilares: prestígio da profissão; oportunidades de carreira; cultura colaborativa entre professores; e o nível de responsabilidade e autonomia dos educadores.

“A educação não é mais sobre apenas ensinar algo aos alunos, mas sobre ajudá-los a desenvolver uma bússola confiável e as ferramentas para navegar com coerência através de um mundo cada vez mais complexo, volátil e incerto”, diz a OCDE. Mais do que apreender conteúdos úteis para sua vida, os alunos devem aprender a se tornar “aprendizes pela vida”, isto é, a apreender constantemente as novidades, adaptar-se a elas, criar novas. “Nós vivemos nesse mundo no qual coisas que são fáceis de ensinar e testar também se tornaram fáceis de digitalizar e automatizar, e onde a sociedade já não premia os alunos por aquilo que sabem – o Google sabe tudo –, mas por aquilo que podem fazer com o que sabem”.

Segundo os pesquisadores, “os professores precisam ajudar os alunos a pensar por si mesmos e trabalhar com outros, e desenvolver identidade, iniciativa e propósito”. Com efeito, nove entre dez educadores entrevistados consideram a oportunidade de influenciar o desenvolvimento das crianças e contribuir para a sociedade a principal motivação na escolha da profissão. A vocação é inequívoca. A questão é até que ponto eles estão equipados para levá-la a cabo.

Através de dados mensuráveis, a OCDE mostra que durante uma aula as práticas voltadas para a gestão da classe e para a clareza na instrução são vastamente empregadas. Contudo, são bem menos habituais as práticas que envolvem a ativação cognitiva dos alunos, ou seja, aquelas que estimulam habilidades de primeira ordem, como o pensamento crítico, solução de problemas e tomadas de decisão. Só metade dos professores adota esse tipo de abordagem. Apesar de identificarem a aprendizagem colaborativa como a mais impactante, apenas 44% dos professores participam de capacitação baseada no aprendizado entre pares e redes de colaboração.

No Brasil, além dessas dificuldades, há outras agravantes. Dez por cento das nossas escolas registram intimidações contra professores, enquanto a média internacional é de 3%. O Brasil é o terceiro país com o pior aproveitamento de tempo em classe. Trinta e cinco por cento dos nossos professores não são especialistas naquilo que lecionam. Além disso, eles não só recebem os piores salários, como também têm os menores ganhos salariais ao longo da carreira. Na Hungria, penúltimo colocado, os professores começam recebendo US$ 14.227 ao ano, e após 15 anos recebem US$ 20.629, podendo chegar a US$ 27.031. No Brasil, a média permanece em torno dos US$ 14 mil ao longo da carreira.

Em tais condições, é difícil supor que os professores brasileiros possam encarnar os ideais apontados pela OCDE: “Esperamos que eles sejam apaixonados, compassivos e ponderados; que encorajem o engajamento e a responsabilidade dos alunos; que respondam aos alunos de diferentes origens e com diferentes necessidades e promovam colaboração e coesão social; que forneçam avaliação contínua aos alunos; e que assegurem que os alunos se sintam valorizados e incluídos”. Como esperar que os professores brasileiros valorizem e incluam alunos, se são desvalorizados e excluídos por sua própria sociedade? Se mal recebem as condições mínimas para ensinar o pouco que aprenderam, como querer que aprendam coisas novas? Se o Brasil quiser que seus professores ensinem os alunos a serem “aprendizes pela vida”, precisará lhes garantir condições de vida bem mais dignas.

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