‘Orçamento engessado impede qualquer redução’, diz economista
Para ele, recriação de espécie de CPMF é problemática, por ser um tipo de imposto cumulativo e que incide em cascata
Entrevista com Kleber de Castro, economista e um dos autores do estudo
Adriana Fernandes, O Estado de S. Paulo 29 de julho de 2019 | 05h00
Para o economista Kleber de Castro, quem imagina que a carga tributária vai ser reduzida é por falta de conhecimento do Orçamento ou ingenuidade. A carga tributária bateu recorde e o Orçamento está completamente engessado com despesas obrigatórias, diz.
O aumento da carga em 2018 surpreendeu?
Surpreendeu demais. A conta está pronta há um tempo. Buscamos para ver se havia um erro, fizemos várias verificações e consultas com outros colegas que trabalham com resultados fiscais. O resultado é esse. É surpreendente, porque viemos de um período recessivo grande e, de lá para cá, está andando de lado. Ano passado foi fraco. Ninguém esperava que a carga fosse se expandir assim.
O que ajudou?
O crescimento do IRPJ e CSLL relacionado ao aumento da lucratividade das empresas, especialmente as estatais, que tiveram resultado muito bom no ano passado. Teve aumento da alíquota da Cofins sobre combustíveis em 2017, mas o efeito cheio em 12 meses só veio em 2018. Houve uma política da Petrobrás de ajustar o preço dos combustíveis conforme as oscilações de preço internacional de petróleo. A expansão do preço do barril foi repassada pela Petrobrás aos combustíveis, o que contribuiu para a arrecadação do ICMS. Por fim, teve o Imposto de Importação, cuja arrecadação foi beneficiada pelo aumento da taxa de câmbio, e o IPTU, decorrente um esforço das prefeituras que estão em situação fiscal mais delicada de arrecadar mais.
Qual a perspectiva agora para a carga?
Fica um pouco difícil de apontar. Como a economia está andando mal, a lógica seria arriscar a manutenção ou eventualmente uma queda. Só que esse resultado de 2018 foi tão surpreendente que não permite dar um palpite do que vai acontecer com a carga daqui para frente. A gente não sabe se esse resultado foi atípico, pontual, ou se veio para se consolidar. Precisamos esperar um pouco mais o decorrer do ano para ver como está o desempenho da receita e também os boletins fiscais dos Estados e municípios.
Muitos esperam que a aprovação da reforma tributária reduza a carga.
Quem pensa em redução da carga tributária hoje é por falta de conhecimento do Orçamento brasileiro ou ingenuidade, pelo simples fato de que o orçamento está completamente engessado com despesas obrigatórias. Isso impede que se pense em qualquer tipo de redução. Não estou defendendo que se mantenha a carga tributária, gostaria que fosse reduzida, só que não dá. É por isso que a premissa principal de todos os projetos sérios de reforma é manter a carga tributária. O grande ganho que temos que extrair desses projetos de reforma é melhorar a qualidade do nosso sistema, que, possivelmente, é um dos piores do mundo.
Por quê?
Temos hoje um sistema que onera excessivamente os investimentos e as exportações. Distorce a alocação dos recursos, tanto do ponto de vista da distribuição do capital e do território e até mesmo entre os setores. Distorce os preços relativos, porque temos uma tributação ainda cumulativa. Se a gente pegar um manual de como deve ser um sistema tributário, fazemos tudo ao contrário. É complexo e gera um volume de litígios muito grande.
Como pode melhorar?
O primeiro passo é mexer no sistema de tributos indireto, que é o foco da PEC 45 (proposta de reforma da Câmara). Ela tenta transformar o nosso sistema indireto, que hoje é uma loucura, em uma tributação tradicional do IVA, que é o imposto mais neutro que existe. Tenta fazer um feijão com arroz, o que é o correto. É o que temos para fazer hoje. Acredito que teria um impacto significativo em termos de crescimento econômico no médio e longo prazos.
O que acha da proposta da contribuição sobre transações financeiras, um espécie de nova CPMF?
É a pior ideia possível. É um imposto muito problemático. Primeiro porque ele é cumulativo e incide em cascata. Isso dá um problema sério, porque, dependendo da sua cadeia produtiva, se você tiver muitas etapas produtivas, prejudica demais a alocação de recursos na economia. Desestimula a intermediação financeira e piora a oferta de crédito. Nenhum país que tenha um sistema tributário razoável adota isso. O único país que adota com fins arrecadatórios é a Venezuela. Beira o absurdo em pleno século 21 estarmos discutindo isso.
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