Em uma próspera e antiga vila, a beira de um grande e caudaloso rio, havia uma loja de antiguidades que possuía uma acervo invejável de pinturas e esculturas da época medieval.
Dentre elas a imagem de uma santa, protetora dos doentes e guia dos caminhos dos moribundos. Àquela santa os padres entregavam os enfermos na extrema unção.
Na mesma vila havia uma senhora, muito debilitada em seu leito de morte. Ela tinha filhos pequenos. Pequeninos, quase desnutridos devido a constante pobreza que se encontravam desde a morte do pai.
O alimento faltava-lhes com frequência. O filho mais velho, responsável pelos demais e pela casa, olhava triste a figura da mãe, com pouca força até para falar.
Sabendo que a morte dela se aproximava, o filho perguntou-lhe o que mais ela gostaria de ter em seus últimos dias. Sorridente, apesar de combalida, a mãe, emocionada com o gesto do filho brincou: “A imagem da santa para iluminar meus caminhos e dar-me forças para proteger vocês após minha morte.”
Pensando estar brincando com o filho, não deu muita importância para o fato e voltou a dormir. O menino procurou sua melhor roupa, reuniu coragem com uns poucos trocados e foi a loja em busca de seu intento.
“Senhor! Gostaria de comprar aquela imagem! “Quanto tens aí, meu jovem?” , com desdém respondeu o velho. “Uns poucos trocados.” , sem demonstrar auto comiseração ou infortúnio.
“Não vês que é muito pouco para esta rara imagem?” “Vá, não desperdice meu tempo!” “Quanto ela vale?” insistiu o menino. “Muito mais do que tens aí e podes pagar.” “Muitas pessoas estão atrás dela mas não me dão o preço que quero. Vê, ela é antiga, rara e dizem até ser milagrosa.’
Sem falar de sua necessidade, nem fazer-se sentir pena, o menino retornou ao lar, trocou de roupa e seguiu para a feira, próxima ao comércio, no cais do porto. Trabalhou todo o dia atrás de trocados.
Carregou sacos pesados, lavou latrinas, empilhou caixas, arrumou artigos despojados de todos os feirantes que, em parca retribuição lhes jogavam moedas de pouco valor. Ele as catava, fechava os olhos, orava, e as punha no bolso.
Curioso, da porta de seu estabelecimento, o sisudo e antipático proprietário observava o pequenino em sua perversa faina. Espantado com sua determinação passou a apostar com os demais comerciantes quando ele desfaleceria.
A noite veio e, vencido pelo cansaço, o jovem voltou para casa. Tal rotina prosseguiu por alguns dias.
Certo dia, ao abrir, muito cedo, seu estabelecimento, o velho, a fim de atender os primeiros passageiros que desembarcavam de um luxuoso navio, não deixou de perceber o jovem que, ao invés de pedir esmola para os viajantes, oferecia seus préstimos para carregar pesadas malas.
Logo depois, o menino prosseguiu na mesma rotina dos dias anteriores. No fim da tarde, enquanto atendia aos apressados passageiros, atrasados para o reembarque, o velho declinava ofertas sobre sua santa. Talvez ele nem quisesse vendê-la aos imponentes viajantes.
Eis que adentra na loja o pequenino, esquálido e quase sem energia para falar. O velho finalmente reconheceu nele o filho da antiga funcionária, que ele também já sabia estar no leito da morte.
Espantado ao perceber que em nenhum momento o jovem mencionou tal fato para ele, passou a olhar o menino não com pena, mas com profunda admiração e respeito por sua contumácia e bravura. “Senhor, eis tudo o que tenho. Posso comprar a santa?” “É tudo o que realmente tens meu jovem?”
Envergonhado ao lembrar da aposta contra o bravo menino. “Sim, é tudo o que possuo, e preciso muito desta santa, agora.” Ele estava a caminho da igreja para pedir ao padre o ofício dos moribundos. Estendendo a mão em concha o velho lhe disse: “Dê-me tudo o que tens e leve com Deus esta santa, meu pequeno homem!”
Ante ao olhar indignado dos pretensos compradores, ao ver um monte de moedas e notas sujas na mão do vendedor, a reclamação foi imediata. “Como pode o senhor vender esta rara imagem a este desgraçado por míseros trocados?"
Feliz por finalmente encontrar uma pessoa digna de possuir a imagem o velho, esperando o radiante jovem sair de seu estabelecimento, simplesmente retrucou: “Ele deu o máximo de suas energias para ter aquela imagem, sem reclamar nem mostrar ser miserável. “ “ELE DEU O MELHOR DE SI, e por isso mereceu comprar a imagem.
Jefferson Santos jeffersonwsantos@gmail.com
Postado originalmente em 21 de outubro de 2004 às 14:39
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