domingo, 31 de março de 2013

MMA e o glamour da violência



Jair Raso

O cigarro já teve a sua época de glamour, associado a grandes estrelas do cinema e a intelectuais. Hoje, o prestígio é da violência e as celebridades no Brasil são os atores das Artes Marciais Mistas (MMA). Wanderlei Silva, Anderson Silva, Rodrigo e Rogério Minotauro fazem publicidade, aparecem em programas de auditório e, o que é pior, inspiram o comportamento de milhares de pessoas, sobretudo jovens.

Pode-se chamar de arte ou esporte algo que lembra as "rinhas de galo" ou as lutas de gladiadores no império romano?

Além da violência inspirada por essas lutas, há o mal que elas causam à saúde dos lutadores. Dustin Jenson, lutador de MMA, morreu seis dias após sofrer uma lesão no cérebro durante uma luta em maio de 2012, nos Estados Unidos. O lutador de boxe brasileiro Maguila é um exemplo do portador de doença relacionada à luta: tem quadro de demência atribuído aos repetidos traumatismos cranianos sofridos durante sua carreira de lutador.

Há mais de 30 anos, a neurocirurgia fez uma série de estudos que mudou os paradigmas do diagnóstico e tratamento do traumatismo crânio-encefálico.

Grande parte desses estudos foi feita em animais. No entanto, os mais impressionantes foram aqueles realizados por meio da observação de vídeos dos nocautes nas lutas de boxe. O movimento da cabeça em cada golpe determina a gravidade da lesão no cérebro. Para que o boxeador vá a nocaute, ou seja, para que entre em coma, é necessário que o golpe sofrido faça um mecanismo de torção em seu pescoço, com os neurônios perdendo momentaneamente grande parte de suas conexões com o corpo.

Os estudos esclareceram os conceitos de lesão axonal difusa, amnésia lacunar e do coma de origem traumática. Quando um lutador é nocauteado, ele sofre uma lesão axonal difusa, que pode ser fisiológica ou anatômica. A última pode deixar danos irreversíveis.

A amnésia lacunar é a perda da capacidade de se lembrar de eventos que sucederam o traumatismo. Houve casos de lutadores que não se lembravam de um ou dois rounds numa sequência de luta em que caíram, mas conseguiram se recuperar. Um lutador sequer se lembrava se havia ganhado ou perdido determinada luta.

Em longo prazo, traumas repetidos no encéfalo podem provocar demência ou outros tipos de doença, como a Doença de Parkinson. Muhammad Ali (Cassius Clay), uma lenda do boxe internacional, é um dos exemplos.

O UFC (MMA), verdadeiro vale-tudo, é uma versão mais popular do boxe. Mas os mecanismos de agressão ao cérebro são os mesmos. Sequelas definitivas em seus praticantes também não são incomuns. Apesar disso, anunciadas com estardalhaço e assistidas por milhões de pessoas, as lutas garantem investimentos milionários nesse tipo de esporte.

Nesse aspecto, os animais estão mais bem protegidos. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 1978 pela Unesco, abomina toda forma de maus tratos de animais para divertimento dos homens. No Brasil, o governo Jânio Quadros proibiu as rinhas de galo e até hoje são caso de polícia. Os trabalhos sobre traumatismo crânio-encefálico tendo animais como modelos praticamente desapareceram.

Passa da hora da Declaração Universal dos Direitos Humanos fazer algo semelhante com essas estúpidas lutas, como o boxe e o UFC, versões de verdadeiras roletas russas. Não deveriam fazer parte do que consideramos esporte. Afinal, esporte é atividade relacionada à saúde e não à doença.

E além disso, para que fomentar mais violência em um mundo cada dia mais violento?

JAIR RASO é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia
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sábado, 30 de março de 2013

"Jagunsso" fluminense



Reflexões sobre a síndrome da indigência intelectual assumida

Um hábito que não abro mão, sempre que possível, é de dar uma ligeira volta no centro de Nova Iguaçú RJ e, no percurso, tomar um caldo de cana com um pastel de queijo. Faz-me lembrar de minha infância com o dinheiro contado na unha, interado no "choro" após a meia-entrada no cinema com a data da carteirinha de estudante já carcomida e os pelos no rosto denunciando um bigodinho safado mas que dava um "quê" de adulto. Tempos muito bons, saudades.

Enfim, após vencer os buracos da rua até o ponto do ônibus deparo-me com alguns passando direto, com vários lugares vazios, mas deixando a nós, quatro passageiros, a pé. A empresa deve estar rica para dispensar passageiros ou anda com crise de identidade, pois penso que qualquer ser que respira sabe a finalidade deles para conosco, enfim...Reparei em quase todos o "Boas Festas" no letreiro luminos intercalado com o destino final Nova Iguaçu. Isto mesmo, "Boas Festas" quase em abril. O que dizer dos funcionários "absolutamente motivados" deixando um detalhe merreca passar despercebido. Bem, era bem "novaiguaçuíno" este detalhe (no ofense!!).

Fiz questão de descer no túnel abaixo da estação de trem e deparar-me com o indelével e inexorável fedor de peido, mais cigarro e, eventualmente, xixi seco nas paredes, feitos por cidadãos notívagos quando sem ninguém por perto. Lá dentro desviando-me de camelôs que, inacreditavelmente, passam o dia imersos naquela pocilga, consigo passar em um fino espaço de chão com medo de pisar nos dvds piratas. Ah! E lixo por toda parte.

Emergi do outro lado, na avenida com vários ônibus parados tomando a visão da rua. Comércio ambulante por toda parte, aliás, tinha calçadas no meio do comércio. E mais lixo nas ruas. Imagino como deve ser o lamentar dessas pessoas ao "perderem tudo que tinham" por morar em lugar de perigo por "não ter mais nada a não ser lá morar", via de regra em alguma encosta pronta para deslisar junto com a lama e enchurrada e boiar devido aos bueiros lotados de lixo que alguém, nunca eles, entupiram, colocando-se, claro, a culpa na corrupção dos políticos que ele mesmo elege.

Enfim, hoje estava cansado de elucubrações, já estava esgotado com a querela dos repasses infindáveis do repúdio ao deputado-pastor principalmente ao constatar, em loco e nas narinas, o descaso da própria sociedade. Mais ainda por ter visto na televisão uma manifestação teatral em uma das comunidades pacificadas pelas UPP. Os atores, sempre com cara de "esclarecidos tudaver" explicavam ser uma encenação de Canudos BA onde e quando, por comparação (talvez somente na cabeça deles e outros apedeutas) a força policial agiu de forma covarde e truculenta com Antônio Conselheiro e seus seguidores esfomeados. É a tônica de sempre, a desqualificação do Estado agindo para exercer o seu papel de garantia de lei e da ordem. Não dá nem é objetivo dessas breves linhas relembrar o que Canudos foi e representou em nossa História.

Após minha apetitosa e suculenta dobradinha caldo-pastel prossegui atrás de meu primeiro objetivo, um boiller. Note-se, conheci como boiller mas nem pensar em prosseguir com o nome após a terceira loja, mesmo esmerando-me na mímica do objetivo do aparato mediante de olhares tipo "rolha" de lojistas que procuravam disfarçar o aborrecimento. Uma loja mais adiante mudei de tática: mergulhão, eu disse, lembrara-me ter ouvido este nome. Novamente, nada de positivo. Aí apelei para "resistência igual a de chuveiro para aquecer aguá na panela". Piorou, estava quase jogando a toalha. Só prossegui pela enorme vontade de sorver meu chá, no hotel no fim do dia após uma exaustiva jornada. Valia a pena prosseguir. Até que uma jovem, atendente, com um shortinho beeeem lá dentro (pensei, por um momento, ter entrado em uma loja de materiais eróticos, mas era uma loja de descartáveis. Eu não sei se ela já saiu de casa para engajar combate após o trabalho, enfim, nestes tempos convém não elocubrar, muito menos perguntar.) Aqui a gente chama de "rabo quente"!! Disse-me ela sacando o celular (aliás, como se vê celular caro na mão dessa turma, afinal, são 136 milhões de linhas em uma população de 195 milhões) Nossa, nada poderia ser mais apropriado, um aparato elétrico com um apelido sugerindo lascividade, dito por uma lojista vestida para o combate notívago. Seria só em Nova Iguaçú? Pode ser perseguição, deixa pra lá, estava muito feliz em seguir o caminho indicado em uma galeria de evacuação perigosa em caso de incêndio, aliás, em New Higuáçú tem aos montes.

Feliz com meu aparato, de fios brancos duvidando da qualidade do produto, segui para volta. Eis que deparo-me com uma cena inusitada. Não só pelo infernal calor iguaçuano como também pelo motivo, pelo público enfim, por tudo. Um jovem rapaz estava coberto de gaze barata com gesso da pior qualidade. Tudo pintado de amarelo pálido, até o chapéu de jagunço e um bacamarte -muito mal feito, diga-se de passagem- também pintado da mesma cor. Não entendi o motivo da cor, todavia o chapéu denunciou o motivo artístico.

Muita coincidência. Já havia visto a questão de Canudos-UPP, a notícia de uma programação na globonews sugerindo ligações entre Padre Cícero e o facínora Lampeão que o governo petista quer recobrar a memória como herói, ao financiar um caro projeto dirigido por sua neta em resgate de singela e exemplar união com Maria Bonita. Só mesmo em país de pouca leitura isso vai adiante. 

Enfim, voltemos ao jovem ator esvaindo-se em suor e melado de gaze com gesso. Devia estar fedendo muito. Mas o motivo da atenção de poucas pessoas era outro: Não estavam entendendo o que o ator "defendendo o dele" queria sugerir. Enfim, o mais paradoxal, prosaico e, sobretudo, pitoresco, veio logo a seguir. O ator teve a grande sacada de descer do tijolo (também na mesma cor para consolidar o todo de gosto duvidoso), pegou um pedaço de papelão, escreveu em letras garrafais (tipo "pet") "LAPIÃO". Isto mesmo, não errei: LAPIÃO!!

Fiquei atônito e, logo logo, perplexo, porque neste momento as pessoas se aproximaram e algumas moedas caíram sua caixa de papelão. O misto de decepção, raiva e desolação arrebatou minha atenção. Então, ao saberem que era apologia a um bandido, os populares foram lá incentivar e aplaudir. É o fim da picada. Lembrei-me de Jamestown, na Virgínia USA, onde os moradores, até hoje, representam os heróis verdadeiros do passado americano, os first settlers, os colonizadores da Nação. Aqui fazemos apologia a bandidos. Como não temos Che Guevara, vamos de Lampião, ainda mais que em dois anos deverá, ao lado de Mariguela, terrorista urbano ícone de membros do Conselho de Direitos Humanos. A nossa eterna e contumaz idiossincrasia morena de Pindorama: Cultuar bandidos como heróis>

Nossa sociedade vem primando em escolher o caminho de involução cultural mediante contumaz patrocínio da esquerda que habita o poder nos últimos vinte e cinco anos. Estamos apagando, inexoravelmente, nosso passado. Minhas filhas já não terão nenhum referencial social digno de se seguir, nossa educação está contaminda por ideologia. O nível de indigência intelectual e cultural em nossa sociedade parece não ter volta, não temos o que ter esperança, infelizmente.

Enfim, deparei-me institivamente olhando para ele e negando o que via com sutis movimentos de cabeça. Foi o momento que nossos olhares se cruzaram, posso jurar que percebi, também nele, algo de arrependimento. Bem, nada mais restava-me para lá ficar. Abandonei o local triste, quando não desolado. Mais adiante voltei-me para conferir a lamentável ocasião e notei que ele continuava a me olhar, ainda que distante. Acredito que algo na consciência dele deva ter lhe incomodado. Pelo menos esta tênue reflexão é uma esperança.
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segunda-feira, 25 de março de 2013

Ao deus-dará




Ao deus-dará 
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA

A entrevista do empresário Jorge Gerdau aos repórteres Fernando Rodrigues e Armando Pereira Filho, postada no portal UOL no último dia 15, foi das mais contundentes - e mais reveladoras - sobre o modo de governar que ultimamente se impôs no Brasil. Gerdau faz trabalho voluntário no governo Dilma. Preside a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, criada, por sugestão dele próprio, para ajudar na racionalização e na eficácia da administração, e fala, portanto, do ponto de vista de quem conhece a matéria pelo lado de dentro. Três foram os trechos mais significativos da entrevista:

Pergunta - O sr. diria que a política atrapalha a gestão?

Resposta, depois de longa pausa - Dentro da estrutura brasileira, o conceito de política atrapalha bastante a gestão...

O que chama atenção nesse primeiro ponto é a sugestão da existência de um "conceito de política" peculiar ao Brasil. Gerdau não explica que conceito é esse. Fica nas reticências, o que nos deixa diante de uma não declaração. Eis no entanto uma não declaração cheia de sentido. O conceito de política que passou a imperar no Brasil, em primeiro lugar, nega a política. Quer dizer: nega o embate de idéias e de programas. Em segundo lugar, nega as políticas. Não o regem os modelos desta ou daquela política educacional, desta ou daquela política de transporte. Sobra, como sabemos, que o "conceito de política" em vigor no país gira (em falso) em torno de eixos como a liberação de emendas parlamentares, a distribuição de cargos na administração, a constituição de um ministério amplo o bastante para abrigar uma enxurrada de partidos e a acumulação de minutos de TV nas campanhas eleitorais. O "conceito de política" assim estruturado (ou desestruturado) é a mãe de todos os problemas que se interpõem à racionalidade e à eficácia da administração.

Houve época em que "reforma ministerial" era coisa séria. Não mais. Esta última, como as anteriores, serve para desgastar a idéia de "reforma" e contribui para desmoralizar o próprio conceito de "ministério"

Pergunta - O número de partidos vai aumentar. Vamos acabar tendo cada vez mais ministérios?

Resposta - Tudo tem o seu limite. Quando a burrice, ou a loucura, ou a irresponsabilidade vai muito longe, sai um saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse período.

Gerdau, aqui, mostra-se paradoxalmente desesperado e esperançoso. O desespero leva-o a chamar de "burrice", "loucura" e "irresponsabilidade" o ato reflexo de ir criando ministérios à medida que os partidos aderem ao governo, ou mesmo são criados para tal. A esperança o faz vislumbrar que estamos chegando ao limite dessa prática. Bondade dele, ou talvez concessão de quem, afinal, faz parte do governo. Vem aí o Ministério da Micro e Pequena Empresa, para o mais novo adesista, o PSD do ex- prefeito Kassab. Dias atrás houve mudança em quatro ministérios - os da Agricultura, da Aviação Civil, do Trabalho e dos Assuntos Estratégicos. Novos titulares foram anunciados para os três primeiros, ficando para ser ainda nomeado o titular do quarto. Sobre os ministérios da Aviação Civil e dos Assuntos Estratégicos, de origem recente, um estrangeiro que desconhecesse as manhas locais perguntaria, antes de qualquer especulação quanto aos novos titulares, por que diabos foram criados. Se existe um Ministério dos Transportes, por que um da Aviação Civil? E, se estratégia é algo que deve alimentar cada ministério, por que reuni-la num só? Não valem a pena tantas perguntas, porém. Houve época em que "reforma ministerial" era coisa séria. Implicava inflexões nos rumos dos governos. Não mais. Esta última, como as anteriores, desgasta a idéia de "reforma" e contribui para desmoralizar o próprio conceito de ""ministério".

Pergunta - A presidente teria poder para reduzir o número de ministérios?

Resposta - Com o número de partidos crescendo cada vez mais, é quase impossível. O que a presidenta faz? Trabalha com meia dúzia de ministérios realmente chave. O resto é um processo que anda com delegações de menor peso.

Gerdau, nos três trechos destacados, foi do mais geral ao mais particular. Neste ponto, chegou ao modo de operar da presidente, e a conclusão é dramática. Uma ampla porção do governo - 33, dos 39 ministérios - funcionaria de modo mais ou menos autônomo, sem sofrer a ação direta - e talvez sem atrair o interesse - da presidente. Fecha-se o círculo. Da mãe de todos os problemas, que é o peculiar "conceito de política" brasileiro, chega-se à necessária consequência de um substancial espaço da administração ser abando nado ao deus-dará.
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domingo, 24 de março de 2013

Tia Zulmira está de volta

Como eu, parece que o emérito professor também é fã de Stanislaw Ponte Preta. Insisto que vale a pena a busca em um sebo, há o excelente livro Tia Zulmira e eu.
Enfim, como dizia Stanislaw: "O Brasil é uma piada pronta!!"
A crônica abaixo merece a leitura e reflexão.



Tia Zulmira está de volta
GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADO DE S. PAULO



O que diria Tia Zulmira, a engraçada personagem criada por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do impagável cronista Sérgio Porto, no início dos anos 60, ao enchergar (isso mesmo,com ch)numa dissertação sobre movimentos imigratórios para o Brasil no século 21 uma receita de Miojo e um trecho do hino do Palmeiras?Acharia rasoavel(assim mesmo, com s e sem acento) as notas 560 e 500, de um total de 1.000, obtidas, respectivamente, por um galhofeiro que mostrou como se faz o famoso macarrão instantâneo e por um apaixonado torcedor do Verdão? E que nota daria ao Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,que orienta os corretores da prova a "aproveitar o que for possível", mesmo ante a inserção de textos com evidente intenção de desmoralizar o processo corretivo? O próprio autor da receita confessa que seu intuito era mostrar que "os corretores não leem completamente a redação". A velha senhora da família Ponte Preta enquadraria seguramente os personagens em questão no Festival de Besteiras que Assola o País, sempre muito farto por ocasião do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). E aproveitaria para pinçar mais uma pérola que explica o motivo de tanta asneira no famigerado concurso: "O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro".Todos os anos o Enem produz extensa crônica de besteiras previsíveis. As expressões fosforescentes transmitidas por apreciável parcelados cérebros que prestam o exame deixam transparecer um estado de hibernação, para não dizer piora, do corpo educacional do País. O Brasil continua a ocupar um vergonhoso 88.º lugar entre 127 no ranking de educação da Unesco. Seis anos atrás tinha melhor posição(72.ª). Há 6 milhões de alunos no ensino superior, mas 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita. Ou seja, de cada dez alunos,quatro são analfabetos funcionais,como atesta pesquisado Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa entre 2001 e 2012.

A considerar o denso programa de avaliações em todos os níveis de ensino e as campanhas que fazem lo as à nossa educação, deveríamos ser um território livre de todas as categorias do analfabetismo. Se o número de analfabetos diminuiu nos últimos três anos,o porcentual de analfabetos funcionais - que sabem escrever o nome, leem e escrevem frases simples, mas são incapazes de usar a leitura e a escrita no dia a dia - tem permanecido o mesmo. Os dados continuam desanimadores.

Cerca de 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente; destes,68% são analfabetos funcionais e 7%,considerados analfabetos absolutos - sem habilidade de leitura ou escrita. O IBGE calcula haver cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais, a maioria vivendo nas Regiões Norte e Nordeste, onde 25,3%e 30,9%habitam,respectivamente, esse compartimento.

O que mais impacta, porém, na análise da moldura social é o contraste entre o avanço de uns setores e o atraso de outros. Veja-se a situação de renda das margens, que tem aumentado a ponto de se trombetear, todo o tempo, a inserção de 30 milhões de brasileiros na classe C e a "salvação" de outros tantos que saíram da miséria absoluta. Se a desigualdade diminuiu, não seria lógico imaginar, em sua cola, a melhoria de padrões educacionais? Há muitos pontos obscuros no discurso que trata da educação.

Não é um paradoxo constatar que quase 80% dos brasileiros são usuários da internet e quase 70% possuem celular, mas o Brasil,com 401 pontos,está numa das últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos(Pisa), atrás de países como Trinidad e Tobago, Bulgária,México e Turquia? Lembre-se que esse programa avalia sistemas educacionais de 65 países, examinando o desempenho de estudantes na faixa etária dos 15 anos.

O que trava o sistema, quando todas as áreas do ensino estão suficientemente diagnosticadas? Na educação básica há uma provinha, a Prova Brasil, e o Enem. No ensino superior, o Enade, aliado ao Censo Escolar, a par de avaliações feitas por comissões de avaliadores.

Na pós-graduação,nada funciona sem o endosso da Capes, que autoriza e reconhece os cursos. Faltam mais recursos? Os programas de formação de professores são precários e insuficientes? Como equacionar o imenso buraco causado pela expansão da evasão escolar? As respostas não são fáceis.

Enquanto os ciclos governamentais cultuam a si mesmos tecendo loas ao sucesso de suas políticas, o fato é que o edifício educacional apresenta rachaduras em todos os andares.

Pior é ver a avalanche que sobe ao último piso. São milhares de estudantes que entram em cursos inapropriados, outros tantos que buscam um segundo diploma e mais uma leva que interrompe a trajetória no meio.

A matriz profissionalizante acaba influenciando as decisões do aluna do, prejudicando a formação global, humanística, generalista, imprescindível para a integração num mundo em constante evolução.

Da competição desvairada por vagas em escolas de baixa qualidade não é de surpreender o besteirol que sai desses polêmicos exames de avaliação. A razão das enchentes que assolam a Região Serrana do Rio? Eis a resposta: "É o Euninho.

Que provoca secas e enchentes calamitosas".O que se entende por arte funerária? "A arte que egípcios antigos desenvolveram para que os mortos pudessem viver melhor." O que é ateísmo?"É uma religião anônima." E fé? "Uma graça através da qual podemos ver o que não vemos." Agora, o conceito de respiração anaeróbica é mesmo de tirar o fôlego: "É a respiração sem ar que não deve passar de três minutos". Ao sublinhar tão eloquentes "ideias luminosas", Tia Zulmira garante que a receita do Miojo no mais recente Enem trousse, sim, elevada contribuição ao verbo destes tempos tresloucados.
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sábado, 23 de março de 2013

Alienação e críticas nas calamidades públicas




Tenho esperado os críticos do governo e prefeitos das cidades com enchentes se manifestarem mas como nada, além de críticas e omissões deles tive que me manifestar. 

Já trabalhei em mitigação de calamidades em funções distintas. Entendam a situação dos prefeitos. O cidadão brasileiro demonstrou mais vontade em contribuir, por telefone, aos paredões do BBB do que contribuição voluntária às vítimas das chuvas (foram menos de um terço, na calamidade de 2012 do que o último paredão). Tem sido assim nos últimos dez anos, de acordo com relatórios ministério responsável, agora n Mid das Cidades. 

Então, do povo, o dinheiro não vem. De onde viria, então? Dos impostos. Aí entra a figura da arrecadação e uma boa parte sobe para as mãos da presidenta. 

Além disso há as amarras legais para períodos do ano onde não há decretação de calamidade pública, quais sejam: Lei de Responsabilidade Fiscal, Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (do dinheiro arrecadado no município mas no cofre da presidenta.) e a Lei de Licitações. 

Neste momento os críticos metem o pau na omissão dos governantes. E sobre a omissão do povo? E sua culpa nas enchentes? É proibido, por lei, assentamentos de alvenaria em locais de risco. Vão lá e constróem e se são tirados, o próprio povo sente comiseração e ataca a ação coercitiva, baseada na lei, chamando de truculência (coisa de cidadão imaturo, quando não irresponsável). 

Os recursos são recolhidos, uma boa parte sobe para as mãos da presidenta e o que resta, fora dos períodos de exceção -calamidade pública- o prefeito tem que usar o dinheiro de acordo com a destinação legal, aprovada antes da calamidade. 

Pois bem, somente este ano os prefeitos de algumas capitais estiveram em Brasília, duas vezes, para tentar, junto a presidenta, mais flexibilização na lei de licitações (pagamento de contrato, por exemplo, para a máfia do lixo urbano, -sem eles, certamente haverá enchentes), mais repasse do dinheiro arrecadado e retornado ao município em conta-gotas, via de regra bem menos do que o entregue e, também, dentre outras reivindicações importantes, mais flexibilização na Lei de Responsabilidade Fiscal. Tomaram um sonoro não e toco. Faltou apoio popular. 

Onde estava o povo crítico para fazer pressão? Os que se dignaram a ira a Brasília semana passada foram para tentar fazer pressão na posse do deputado-pastor e não para ajudar os prefeitos que, certa e cristalinamente, iriam criticar mais adiante. 

Aí pergunto: Dos que criticam os prefeitos e governador dos municípios em calamidade no Rio: Alguém foi a Brasília fazer pressão? Alguém, ao menos, sabia do que estou falando? Não, claro que não. Jamais, ainda que soubessem. Porque é muito mais cômodo permanecer alienado às causas mais importantes do que se envolver, de primeira hora, em agendas merrecas de minorias enquanto o foda-se impera no país. 

Não dá, repito, não dá para se largar a novela ou o BBB no intervalo e postar opiniões coerentes sobre assuntos de densidade. Não passa, para quem está antenado ou envolvido no problema, nenhuma impressão de estar consciente. Pelo contrário, muito pelo contrário, passa uma impressão de irresponsável e injusta alienação que não ajuda, em absolutamente nada, a resolução do problema. Falta leitura, falta leitura útil e, pelo visto e constatado, mídias sociais não são cultura, tampouco prepara ninguém para os desafios de um país da complexidade do nosso.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Fantasias e realidades

Nosso mundialmente mais famoso antropólogo nos convida para uma importante reflexão escrita com muito estilo.
Vale a pena ler. Aliás, tudo o que ele vier a escrever, notadamente acerca de nossa morena idiossincrasia, vale a leitura.



Fantasias e realidades
ROBERTO DAMATTA
O GLOBO


Ninguém seria capaz de viver sem uma narrativa — sem um início, meio de fim num universo interminável

A avalanche passou. Os fatos (sempre estranhos) foram canibalizados e assim transformados em sinais, sintomas, índices, tendências, retornos e nulidades. A sociedade tem suas estruturas que lutam contra, a favor ou apesar dos fatos. Agora vai, pensamos, gritamos ou escrevemos, mas o mundo continua o mesmo.

Chávez morreu. Como outros heróis, ele morreu e, mesmo se for devidamente embalsamado, terá o destino de todos nós: um pouco mais ou menos de lembrança e o nobre esquecimento de uma paz, enfim, perpétua. Entrementes, nesses tempos de renúncias e realinhamentos políticos, surgiu — graças aos volteios do Espírito Santo — essa figura mediadora entre a nossa permanente burrice e alguma coisa que nos faça voar e tentar ver mais longe — um novo Papa. O tema nos pautou por algum tempo, mas já voltamos para a novela e para a tal política (a novidade esperada) deixando de lado o inesperado da novidade.

Assisti “Argo”, o ganhador de melhor filme do ano. Para quem curtiu Preminger, Wyler, Clair, Ford, o velho Hitch, Wilder, Truffaut e Capra, é um “bom” filme. Mas a trama interessa: como sair de uma gravata de realidade por meio de uma fantasia? Americanos são reféns na casa de uma embaixada que pode ruir e eles serão mortos por uma onda descontrolada de radicais. Ora, o radicalismo é o outro da rotina social. Rotinas são programas que seguem uma ordem automática ou “natural”.

O sinal de trânsito deve funcionar, mas quando chove ele desliga. Então surge o radicalismo de uma rua engarrafada. Nervosos, vemos baixar em cada um de nós um espírito diferente. O estranhamento é a crise dos princípios: tenho pressa e o mundo me ordena não ser preguiçoso, mas os sinais deste mesmo mundo não me deixam passar.

Voltando a “Argo”. Um agente do CIA, órgão especializado em roteirizar anormalidades, descobre que o real pode ser salvo pelo mito. Num filme, inventa-se um filme para salvar os reféns. Mudando seus papéis sociais rotineiros de inimigos demonizados do aiatolá, eles se transformam em produtores, diretores, fotógrafos e atores de um filme de ficção cientifica a ser realizado no Irã.

Temos, então, um diálogo intenso do metonímico com o metafórico. Se os radicais acreditam na montagem, podemos salvar os reféns de um roteiro absoluto dado naquele momento revolucionário. Se nossa contraficção é bem contada, o filme vira sucesso e pode ser devorado por um prêmio Oscar. Aliás, deixe que eu diga entre linhas: não pode haver nada pior do que ser consagrado. O prêmio é o fim. É o cemitério da criação.

O melhor do filme é quando no aeroporto, em Teerã, um agente desconfia do grupo, mas é envolvido na narrativa do filme de ficção que ficticiamente estaria sendo feito pelo grupo.

E, como ninguém resiste a uma piada ou narrativa, sobretudo se ela não terminou, os agentes deixam passar o grupo tal como Sherazade viveu mil e uma noites, contando uma história para o sultão e marido traído que a condenou à morte.

Tentar ver o fim (ou em alguns casos chegar aos finalmentes) é o que nos move. Eu escrevo sem saber o final. E, no final, revejo o milagre da superação da minha mediocridade por uma mediocridade escrita.

Ninguém seria capaz de viver sem uma narrativa — sem um início, meio de fim num universo interminável.

Estou no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e tenho umas duas horas para voar para Brasília. Duas horas para matar! Sessenta minutos sem narrativa ou ficção. Vale dizer, sem foco ou fantasia. Tenho que “passar hora”. Vejo um caro BMW em conveniente exposição ladeado por uma bela jovem que me informa o que interessa em toda fantasia: o preço é de 150 paus. Nem pensar...

Caminho sem rumo dentro de um lugar absolutamente demarcado pelo utilitarismo. Dizem que seria um não lugar. Eu não concordo. Somos humanos precisamente porque, entre nós, tudo tem é um lugar. Se não há lugar, há a crise.

Ando em busca de um enredo. Vejo algumas pessoas assistindo, num comedor, o jogo entre o Milan e o Barcelona. Todos ficam matando o tempo, mas o futebol ressuscita o tempo com os gols de Messi e o seu infalível enredo. Rola o jogo e os passageiros viram torcedores, tal como em “Argo” e na vida, quando fazemos uma coisa por outra. De repente um companheiro de torcida grita que perdeu o avião. O jogo ocasional englobou a viagem estabelecida. Voltou a si mesmo, xingando-se por ter sido enganado por uma fantasia.

Por via das dúvidas, armei meu despertador.
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O novo milagre econômico




JOÃO MELLÃO NETO
O ESTADO DE S. PAULO


Reza o ditado que milagre mesmo é algo que não existe. O que chamamos de milagre é apenas uma ordem de coisas que desconhecemos. Eu começo a acreditar que isso seja uma grande verdade, depois de abrir os jornais de anteontem. Governo Dilma sobe 1 ponto e vai a 63 pontos porcentuais- essa foi a manchete principal dos jornais de quarta-feira. Tão absurda quanto ela só mesmo o pleito da Argentina no sentido de retomaras Ilhas Malvinas. De um lado está Cristina Kirchner, empunhando um par de setes, de outro, o papa, a quem ela pede intercessão para a devolução do arquipélago. Afinal, o que Sua Santidade tem que ver com isso? Mas os absurdos não param por aí. O Brasil, ainda há pouco, divulgou dados relativos ao desempenho da nossa economia.

E muitos desses dados são mutuamente excludentes.

A economia nacional estagnou? Isso é fato inconteste.

Mas, em contrapartida, não há desemprego e o povo se mostra otimista. O crédito está barato e abundante. E no mais tudo caminha igualmente bem.

Conforme o dito popular, depois da tempestade vem a enchente. Não é esse o caso, ao menos por aqui. O céu permanece azul e nada indica uma mudança brusca de tempo.

No entanto, para além do populismo selvagem praticado em terras austrais, há algo mais que os empresários brasileiros muitíssimo temem. Não, não é a chibata, mas a inexistência de crédito - crédito do bom, sem prazo para vencer nem data para quitar.

Os amigos da corte têm acesso ilimitado a ele. Praticamente não existe risco de insolvência.

Quando a situação fica negra, lá vem o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) injetar fundos a juros irrisórias, que se desfazem ao sabor da carestia. Para os demais empresários, porém, as durezas e os martírios causados pela inflação.

No caso específico brasileiro, como entender a mágica da inflação baixa mesclada com uma taxa de juros irrisória. Ela remonta a um passado não tão remoto, quando Galvêas, Pastore e, principalmente, Delfim Netto moviam os cordéis da economia e, qual czares, decretavam quem iria morrer e quem deveria sobreviver. O mecanismo para tanto era o crédito: abundante e a taxas baratas para os amigos, minguado e a taxas perversas para os inimigos. Nada muito diferente do que se observa hoje em dia. Até mesmo Delfim, o imortal, está de volta. Dizem por aí que é ele o capoditutti capi no campo econômico. Não duvido nada que isso seja verdade.

Tanto Delfim Netto quanto Roberto Campos foram os gigantes econômicos do Brasil pós-revolucionário. Roberto Campos representava o pensamento liberal e, segundo ele próprio admitia, foi o único liberal no Brasil a exercer o poder. Já Delfim se dizia um pragmático, para quem o certo era o que dava certo. Sua volta ao centro do poder não é de surpreender ninguém suficientemente informado. Ele sempre foi o líder do pensamento econômico da Universidade de São Paulo (USP) e estabelecia com seus alunos mais promissores uma espécie de pacto de vida ou morte. Quando assumia o poder, levava-os todos com ele e os discípulos, por sua vez, faziam o mesmo com o mestre.

Ambos, Delfim Netto e Roberto Campos, tinham uma cultura muito acima da do comum dos mortais. Qual era a diferença entre eles? Bem, Roberto Campos entendia ser seu dever moral compartilhar com os seus colegas as suas antevisões.

Já Delfim guardava as dele para si mesmo e alguns raros amigos. Roberto Campos, talvez como herança de sua formação seminarista, entendia que mentir era um pecado mortal. Mais pragmático, Delfim via nas inverdades um mero instrumento de trabalho.

Fui colega dos dois durante oito anos no Congresso Nacional.

A minha opinião sobre eles é a seguinte: ambos tinham o mesmo nível cultural, ambos estudavam bastante e ambos mereceram ter chegado aonde chegaram. Só que Delfim tinha uma "taxa de êxito" incontavelmente maior. Ele e sua equipe só chutavam em direção ao gol e na maioria das vezes acertavam. O resultado, no entanto, era dividido escrupulosamente entre todos os que participavam da empreitada. Roberto Campos, por sua vez, nunca teve o mau hábito de recolher resultados e muito menos o de dividi-los.

Na verdade, Roberto Campos era um missionário, enquanto Delfim Netto não estava longe de ser um corsário. Roberto Campos, todos nós sabíamos, era um pregador no deserto. De Delfim, com sua famosa ojeriza das multidões, jamais as procura espontaneamente.

Atribui-se a ele esta frase: "Tudo pelo povo, tudo para o povo e nada com o povo".

Mesmo quando estava errado, o fato é que Delfim ganhava todas. Pois saibam todos que ele está de volta. E ainda mais poderoso, porque agora já não precisa prestar contas a quem quer que seja.

E quem são os seus principais escudeiros? De um lado está o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que cobra a sua vassalagem à custa de um ministério, e, de outro, se encontra André Esteves, enfantterrible da economia brasileira, que sempre soube estar do lado certo na hora certa, ao menos em todas as contendas travadas no Planalto Central. Eles se reúnem, segundo se diz, ao menos uma vez por semana. Nesses almoços sigilosos são tratados todos os assuntos relativos à economia nacional e também é decidido quem vai morrer e quem vai viver dali em diante. Quanto valeria estar presente em apenas um desses banquetes? Com isso se percebe que a economia brasileira voltou aos seus gloriosos tempos de outrora. Aqui não vencem os mais competentes, e sim os influentes. A estratégia dos "campeões nacionais'' é a maior prova disso. Hoje, quem quiser se dar bem na vida que trate de agradar a essa gente.

"Muitos serão os chamados e poucos serão os eleitos..."

Delfim está de volta e ainda mais poderoso, pois não precisa prestar contas a ninguém.
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Os portos e o obscurantismo tecnológico

O tema, de fundamental importância, ressalta a força do corporativismo  nos portos brasileiros que prejudica, sobremaneira, a sociedade, apesar de seu inexorável silêncio e omissão.
Além disso, o autor nos brinda com revisões históricas que agregam valor a leitura.
Vale a pena a reflexão.



Os portos e o obscurantismo tecnológico
JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR


Por volta de 1580, Elizabeth I havia determinado que seus súditos sempre usassem um barrete de tricô, e assim as tricoteiras se tornaram grandes produtoras de vestuário. Era um processo lento, demorado e caro. William Lee percebeu que se, em vez de usar apenas duas agulhas, fossem usadas várias agulhas para conduzir o fio, a produção por hora – ou seja, a produtividade – seria muitas vezes maior.

Lee tornou-se obcecado por sua ideia, até que, em 1589, ele inventou uma máquina de tricotar. Poderia ser o início da mecanização da produção têxtil. Mas não foi. Depois de idas e vindas, ele conseguiu, empolgado, que a rainha Elizabeth fosse conhecer sua máquina. A reação da rainha foi devastadora. Ela se recusou a conceder-lhe a patente e ainda o advertiu: “Quanto atrevimento, senhor Lee! Sua invenção pode trazer a ruína aos pobres súditos, privá-los de seus empregos e transformá-los em mendigos”. Apesar de revolucionária, a máquina do senhor Lee não foi adotada e uma simples peça de roupa continuou a ser um bem caro e pouco acessível.

Em 1733, John Kay inventou a “lançadeira voadora”, um equipamento capaz de revolucionar a produção de tecelagem. O que ele ganhou com isso foi ter sua casa incendiada por uma horda de pessoas que ficaram conhecidas como “luditas”, aqueles que eram contra qualquer inovação tecnológica, assim como a rainha da Inglaterra houvera sido no caso de William Lee. Outro sujeito curioso, James Hargreaves, inventou uma revolucionária máquina de fiar hidráulica, e o tratamento que recebeu foi o mesmo dado a John Kay: ele perdeu sua propriedade.

Pois bem, um dos maiores atrasos do Brasil é o sistema de operação de nossos portos. Por causa deles, milhões de pessoas pagam mais caro por tudo que por ali passa, a competitividade industrial é diminuída e o atraso continua. A presidente Dilma, num lampejo de lucidez, percebeu que ou privatiza a operação e a modernização dos portos ou o país continuará com esse sistema arcaico, caro e superado.

Mas eis que aparecem nossos “luditas”, aqueles que se opõem a qualquer mudança no ultrapassado sistema de operação dos portos, mobilizando-se contra modificações na legislação de operação portuária. O argumento é sempre aparentemente nobre: o medo de perder empregos. Claro que haverá redução de empregos em determinadas funções, pois muito do que se faz em nossos portos é coisa do século 19. Ocorre que o país não tem saída: ou moderniza sua infraestrutura ou chafurdará eternamente no atraso econômico e, para proteger alguns, a população inteira sofrerá.

Mas o raciocínio dos sindicatos está errado: se mantida a velha estrutura de operação dos portos, o atraso vai punir também aqueles a quem se pretende proteger com a não mudança. Ademais, empregos eventualmente perdidos com as inovações serão substituídos por novos postos de trabalho derivados da modernização e do crescimento. Quando surgiu o computador, não faltou quem gritasse contra o desaparecimento dos empregos das datilógrafas. Com efeito, isso aconteceu. Só que o computador gerou, em torno de si, uma imensa indústria que criou milhões de empregos novos, antes desconhecidos.

A gritaria dos ameaçados é compreensível. Mas não é compreensível o governo ceder – o que ainda não aconteceu, mas pode acontecer, pois os barulhentos são líderes sindicais vinculados ao PT. Nesse tema, a presidente Dilma merece apoio, pois sua proposta destina-se a fazer o que é certo.
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quarta-feira, 20 de março de 2013

Sobre chuvas, suvacos e pernilongos



O ônibus estava lotado, sem lugar para repor o pé se ele subisse. As ruas alagadas da última chuva. Raiva e frustração misturavam-se enquanto ele procurava motivos para não se estressar. Haviam, afinal. 

Apesar do risco de demissões em sua empresa, que transportava grãos para navios no porto fétido e dominado por estivadores preguiçosos, que jogavam dominó ou futebol de salão enquanto moderníssimos navios com guindastes e esteiras autônomas faziam, com rapidez e eficiência todo o trabalho que os deitões acabavam por receber, sem nada fazer, graças a pressão de sindicatos. Este era um dos motivos que fizeram os chineses cancelar a compra de uma enorme quantidade de soja que seria exportada por muitos portos, nas mesmas condições, ao longo do litoral do país. Ele tinha certeza que muito pai de família iria perder o emprego por causa disso, mas pouco se importava agora.

Ele não estava nem aí. Havia virado pêxe do chefe. O chefe gostava de papos em cima, da hora. A última era uma campanha no Face para se impedir que um deputado pastor assumisse um cargo importante. Ninguém parecia querer, pois ele era racista e não gostava de gays. Aliás, ele  não conhecia pastores evangélicos, mas achava que eles, também, não iriam concordar. Enfim, não era assunto para ele, ou que ele gostava, mas estava rolando no Face e ele havia acompanhado no celular novo, comprado em muitas prestações sem comprometer muito o empréstimo consignado. Tinha que aproveitar. Dinheiro fácil assim, sem precisar de fiador como antigamente, era uma...

Bem, o ônibus começou a andar. A estação da Central estava perto. Ele pensou em descer e andar. Chegaria antes, mas iria encharcar os pés na lama e na água subindo nas calçadas, ainda mais com a marola feita pelos carros. Preferiu esperar, afinal ainda faltavam vinte minutos para pegar o trem direto para Japeri. Uma viagem, e que viagem. Estava torcendo para que tivesse lugar perto da porta, pois os ventildores das composições usadas no fim do dia estavam sempre quebrados. O calor depois da chuva seria mortal. E ele queria chegar logo para saber o que estava rolando com o pastor, pois a bateria do celular tinha acabado.

A viagem demorou, mas ele se divertiu vendo a marca de suor no suvaco das pessoas. Achava engraçado mas ao mesmo tempo triste. Com tanto dinheiro e o governo não dava transporte decente. Enfim.

Entre um vendedor ambulante e outro, sempre gritando, ele se lembrou da mulher desesperada pois a febre do pequenino ia e voltava. Ele estava encatarrado. Lembrou que tinha que  botar uma tela no quarto do pequeno, mas este mês o dinheiro ficou curto antes da hora e ele já estava no terceiro consignado. Tinha que manerar senão ia pro agiota.

Depois de quase uma hora no trem cheio, desceu na estação de destino e correu para o ponto do ônibus. Iria, até, tentar a fila do deitado. Havia três filas, a dos sentados, a dos iriam em pé e a terceira dos que aceitassem ir de qualquer maneira, nem que fossem deitados. Tava que nem a fila do Cascadura-Barra, nunca vazio, nem em dia de chuva.

Chegou logo no seu bairro, sorte que a água da chuva não estava muito alta. Sua preocupação era não ter entrado na soleira da porta que ele subiu com duas carradas de tijolo e um cimentinho chinfrin, mas deu jeito. Havia tijolos para subir a cama, os armários e a geladeira. A barreira não deixaria entra nem sapo nem cobra. Beleza, depois ele daria uma moral na soleira.

Quando passou na ponte estreita sobre um canal de água escura e fétida, não sabe o por quê, mas sentiu uma coceira na perna direita. Ela estava inchada e ele não tinha tempo de passar no posto de saúde. Quando arriscava pedir dispensa os médicos não estavam. Ele soube que "cumpriam o expediente do dedinho de silicone" no controle informatizado de presença do posto. Um colega do trabalho falou de um nome esquisito, filariose. Ele iria perguntar quando desse e fosse atendido. O ruim é que o canal ficava bem pertinho de sua casa. Levantada no tijolo sem caiar, mas as paredes por dentro estavam pintadinhas, na cor que a patroa queria...trégua na guerra, sem reclamação e ladainha, dava pra ir levando.

Enfim, logou a teve e o laptop. Beleza do Magazine Luíza, em doze vezes, ficou baratinho, mas um chip da TIM que, de vez em quando, pegava beleza, ele passava a noite no Face. Queria estar sabendo dos babados, queria se sentir entendendo, consciente. Queria ter papo para levar no trabalho e não ficar boiando. 

A febre do bebê cedeu. Beleza, mas a mulher parecia estar enjoada, o fedor no canal havia aumentado. O espiral "alerta" era novo e não faltava, porque senão os pernilongos não davam trégua. Mas é assim mesmo, morar ali era assim e todos se habituaram com o fedor do canal e os mosquitos. Faz parte.

Sentiu fome mas ficou com medo de ganhar um esporro da patroa, pois a janta tinha sido chinfrin. Levantou e descobriu um pacotinho de miojo do filho do meio, escondido no fundo do armário da parede. Lembrou do aluno na redação do ENEM. Garoto esperto, a nota deveria valer por ele ser safo, é disso que o país precisa, gente safa e não teórica. Lula melhorou a condição de vida dos pobre e o anterior, doutor, o FHC não. Era a vez da experiência sofrida das ruas saber o que o povo precisa. Ainda bem que a presidenta reza na mesma cartilha.

Enfim parecia que a notícia se confirmara: O deputado não seria mais presidente da comissão no Congresso, umas letras interessantes mas tinha a ver com direitos humanos e de minorias. Ele estava feliz com isto, afinal, morava num país onde se respeitava minorias, havia democracia.

 Nem o abafado do calor do fim do dia, nem os pernilongos já importavam, o importante é que no seu Brasil, os direitos humanos estavam sendo respeitados.

A coceira na perna inchada aumentara, ele pediu um chá dos matinhos que só a patroa conhecia, aprendeu com a mãe. Bebeu com cuidado para não entornar no teclado, a mesa tava com a perna bamba. Procurou esquecer que a perna já latejava. Amanhã já será outro dia. 
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Alienação


Eu sei que cada um tem o direito de se manifestar como bem entender, todavia creio ser, também, meu direito de opinar sobre o que vejo.


O que me assombra é como estamos em crise econômica (apagão de mão-de-obra; crise de abastecimento de alimentos, seca, crise no abastecimento e tratamento de água, crise na indústria, guerra fiscal entre estados, crise nos portos, baixa exportação, aumento de importação de produtos faturados (gerando desemprego) pré-sal, mobilidade urbana caótica, enchentes, violência urbana, redução de investimentos estrangeiros, baixa poupança interna, , etc etc e mais etc) crise social (movimentos de diversidade de gênero;  mais um vexame no ENEM e na educação como um todo, violência urbana, crise na segurança pública, etc etc etc) e a aprovação da presidente chega a 63% e o que mais vejo nas publicações no Facebook de meus mais de 3 000 contatos são platitudes, animaiszinhos indefesos, posts de mensagens zen "tudaver" e uma miríade de veículos e mensagens da mais pura e genuína alienação. 

Reconheço, repito, o direito de cada um postar o que bem entender, mas também sinto-me no direito, quando não na obrigação, mas será que não há nenhum sentimento, lá no fundo, de constrangimento em demonstrar tanta alienação em um espaço onde a publicação desses posts expõe, sobremaneira, o que a pessoa pensa, se porta e seu nível de consciência? Será que teremos, eternamente, a avidez de buscar a fuga da realidade? Eu me recuso a assistir televisão, mas alguns de meus contatos trazem a porra da novela para o Facebook, o futebol, o BBB, o UFC. Será que haverá a possibilidade, nesta lamentável sociedade, de se ter um veículo de propagação de idéias e volores que prestem? Será que todo este investimento em tecnologia sempre nos servirá para usar de modo que  agregue valor para o desenvolvimento de nossa sociedade?  Estaremos, sempre buscando coisas leves, fagueiras, "tudaver" e virar as costas à nossa responsabilidade de ação, difusão, divulgação, busca de soluções para diminuir a violência urbana, as drogas e violência gratuita, no trânsito, nas escolas, nos lares? Será este, em nossa sociedade, o objetivo final de se melhorar de condições financeiras e de vida? Para se falar abobrinhas?

Será que fomos acometidos de uma grave pandemia de abulia intelectual? Quando é que esta sociedade irá olhar de frente seus graves problemas? Quando?!?!?
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terça-feira, 19 de março de 2013

Em marcha batida para o abismo

Este artigo de um ex-chefe do Itamaraty muito nos ensina. É um tema árido, contudo muito importante, pois muitas empresas nas regiões sul e sudeste de nosso país estão empenhadas na cadeia de produção daquelas que ouviram o canto da sereia de Lula, por intermédio do BNDES, e investiram pesado na exportação para aquele país e, também, para os demais débeis do Mercosul.

Em suma, também pagaremos a fatura dessa quebra que, a exemplo do excelente livro de Gabriel Garcia Marquez - A crônica da morte anunciada- o país do tango já vem dando fartos sinais de sua semi-insolvência.

Não interessa para nós, tampouco para a América Latina, o enfraquecimento da Argentina no cenário mundial. Pouco podemos fazer, pois as soluções viriam de ações que não nos pertencem mas sim à ideológica diplomacia petista.




Em marcha batida para o abismo 
LUIZ FELIPE LAMPREIA
O Estado de S.Paulo 

A Argentina, segundo o comentário venenoso de um diplomata americano que conheço, é um ex-país desenvolvido. A despeito de sua acidez, a frase revela uma certa verdade: nosso vizinho do sul já foi um país rico. Hoje, porém, está sem crédito internacional por não pagar suas dívidas, praticamente sem investimentos estrangeiros por falta de segurança jurídica. Seu crescimento econômico está alavancado em subsídios ao consumo sob forma de tarifas artificialmente baratas de gás, eletricidade e transportes. Em outras palavras, o modelo não é sustentável. Para completar o quadro de arrepios às regras internacionais existe uma proteção ilegal à sua indústria, como acaba de ser evidenciado pela ação que vários dos países mais importantes do comércio mundial movem contra a Argentina na OMC. Essa proteção é danosa ao Brasil, que por causa dela perdeu muitos bilhões de dólares em exportações no ano passado. Este quadro econômico aponta implacavelmente para o retrocesso do país.

Escrevi faz algum tempo o seguinte comentário: "Há mais de vinte anos, um importante ministro argentino ensinou a um surpreso embaixador brasileiro recém-chegado a Buenos Aires que a 'Argentina é pródiga em três coisas: carne, trigo e gestos tresloucados'. A decisão de expropriar a participação majoritária da Repsol na YPF foi um desses gestos. Somada à inadimplência de dez anos da dívida externa, que representa uma grave violação da ordem jurídica internacional, e ao crescente e arbitrário protecionismo que viola todas as regras do Mercosul e da OMC, a decisão coloca a Argentina à margem da legalidade global. Como me escreveu um grande amigo argentino recentemente, o governo argentino 'busca la maximización del presente. Eso fue el peronismo de los 50, el menemismo - aunque con algunas reformas para nada despreciables - y el kirchnerismo'. E na mesma correspondência acrescentou: 'Existe también entre nosotros un desequilibrio político muy pernicioso, que agudiza el mal anterior. Entre Cristina y su segundo, Binner, hubo 37 puntos de diferencia. Lo mismo sucedió con Perón en el 51. Hoy el gobierno controla 23 distritos sobre 24, además de las dos cámaras. En Brasil, la oposición gobierna los grandes estados y eso genera una dinámica virtuosa en muchas dimensiones'.

Gestos dessa gravidade têm sempre consequências sérias, mesmo que no imediato pareçam benéficos e sejam saudados pelo povo com orgulho e alegria. A longo prazo, essas ações terminam por pôr o país à margem das principais correntes de crédito, investimentos e comércio, ou seja, de todas as atividades que geram prosperidade e oportunidades econômicas para uma nação. O mau governo orienta-se pelo valor imediato de popularidade que obtém com seus atos impulsivos e não pensa nas consequências de seus atos no futuro". A cada dia que passa fico mais convencido de que a Argentina está em marcha batida para o abismo.

Se não bastasse, a sra. Cristina Fernandez de Kirchner está aprofundando sua ofensiva contra instituições básicas como a imprensa livre e o Poder Judiciário, que são ambas os últimos bastiões da resistência democrática. A deputada Elisa Carrió, que já foi candidata à Presidência, comentou, com agudeza, que "a única coisa que Cristina deseja é sua impunidade (...) se o povo não se defender rápido nos resta pouco tempo de uma Argentina republicana". Citações assim poderiam ser apresentadas fartamente e se contrapõem a outra, desta vez de autoria da procuradora-geral da República, Alejandra Gils Carbó, que afirmou: "A Justiça atual é ilegítima, corporativa, obscurantista e lobista". Um procurador de Benito Mussolini na década de 30 subscreveria a esse fraseado com especial prazer. As manobras contra a grande imprensa são também bem conhecidas. Canais de rádio e televisão têm sido comprados por empresários cuja reputação duvidosa é ressaltada em Buenos Aires e que coincidentemente são ligados à presidente. Como disse um importante jornalista do La Nación, José Crettaz, "a Casa Rosada (sede da Presidência) aprovou uma compra de meios (de comunicação) que violou a lei e depois permitiu que um empresário que cometeu essa irregularidade saísse incólume". A guerra da sra. Kirchner contra os Grupos Clarín e La Nación prossegue e visa a calar ou pelo menos cercear as duas maiores colunas mestras da liberdade de imprensa argentina.

Como se vê, a Argentina envereda velozmente para um modelo de partido e poder únicos. O populismo desenfreado já garantiu à presidente uma votação maciça nas últimas eleições. O peronismo detém, pela mesma razão, maioria esmagadora no Congresso e em quase todos os governos provinciais. Para completar o modelo de Estado autoritário e onipotente só falta controlar o Judiciário e a imprensa livre. Quando isso ocorrer, o governo poderá tudo e as instituições democráticas e republicanas estarão subjugadas. A perspectiva de alternância no poder, que já é tênue, estará acabada. Esse filme já foi visto em diversas épocas e muitos países do mundo. E acaba mal.

E o Brasil nisso? Perdemos muito espaço em nosso principal mercado de produtos manufaturados por efeito do protecionismo arbitrário argentino, como já mencionado. Nossas empresas investidoras na Argentina padecem muitas vezes sob a interferência excessiva dos governantes e são levadas à decisão de vender e sair do país, como é o caso da Petrobrás, que desempenhava papel importante na indústria de combustíveis. Ninguém pode, entretanto, derivar daí uma postura confrontacionista de nossa parte ou subestimar a relevância de nossas relações com nosso maior vizinho. Houve muitas vezes tempos melhores, mas com a Argentina temos um casamento indissolúvel, seja como for. É por isso mesmo que devemos lamentar a destruição sistemática dos fundamentos da democracia argentina e esperar que dias melhores permitam restaurar o vigor de nossa relação econômica. É por isso também que considero que não devemos abundar em gestos e palavras de solidariedade. Os ditadores adoram afagos, mas os democratas devem abster-se de fazê-los.

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Pré-sal na nau da insensatez



Este diálogo tive com meus familiares em casa no último domingo.

Por que as enchentes não cessam todas as vezes que se chove? Por que temos violência nas ruas? Por que há surtos de energia elétrica? Por que sofremos no transporte coletivo? Por que há homéricos engarrafamentos nas grandes cidades? Resposta: Superpopulação nas grandes cidades e incapacidade gerencial, física, orçamentária e política de se dar solução a este problema.

Origem? Cidadãos que emigram de suas regiões para tentarem a sorte de uma vida melhor para si e seus filhos nas grandes cidades.

Mas por que lá não ficam? Por que os Estados onde moram e para trás deixaram não lhes oferece condições de emprego, de formação, alimentação e educação de suas famílias.

E por que isto ocorre? Por não terem desenvolvimento, estradas, energia elétrica e dependerem, pesadamente, de repasses orçamentários do governo cuja origem são outros Estados mais desenvolvidos.

Só isto? Não, os outros Estados também possuem mais riquezas naturais, tem melhor capacidade de desenvolver agricultura e indústrias, daí surgem mais empregos, mais ocupação, menos violência, mais arrecadação de impostos etc etc.


Por que este assunto surgiu?

Porque por serem cariocas, naturalmente, gostariam de saber porque sou contra não se dividir com a sociedade, que é a proprietária constitucional, de toda a riqueza do subsolo terrestre e marinho.

Ninguém se lembra que o Rio se beneficiou dos royalties da extração de ouro de Minas Gerais e do Pará (Serra Pelada). Tampouco outros estados também beligerantes para a exclusividade dos royalties.

Também porque não acredito no pré-sal. Comemoraram no governo o "record" de 300 mil barris no ano de 2012. Pousei em um navio que processa quase isto por dia.

Pré-sal será, por muitos anos, o ovo no esfíncter e reto da galinha. Fazer despesas com esta crédito incerto, para min, não só é insensato como estupidez, quando não crime.

Ademais, as pessoas virão para estes Estados melhor aquinhoados, irão se avolumar nas periferias, irão para as ruas por não terem qualificação, as prefeituras, por motivos previstos na Constituição, terão que gastar o que ainda não foi creditado, em benefícios sociais, saúde pública, saneamento, contenção de violência urbana, transporte público etc etc. 

Ainda sem falar no preguiçoso cidadão, carioca, paulista, capixaba, catarinense etc etc que não irá se dar ao trabalho de acompanhar a gestão pública desses supostos recursos, ou seja, morar e viver nestes Estados será, muito em breve, não só um desafio e desconforto, bem como um eventual inferno.

Será que vale a pena não distribuir com os demais estados estes prometidos e futuros recursos?
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O que eles têm que nós não temos?

Tangenciando a inexorável síndrome do "cachorro lambido" a autora nos convida a boas reflexões acerca do momento atual de nossa distraída sociedade.



O que eles têm que nós não temos? 
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA

Os argentinos têm cinco prêmios Nobel. Os brasileiros, nenhum. Os argentinos têm dois Oscars. Nós, nenhum. Os argentinos têm vários deuses no futebol. Nós também. Sou muito mais Messi que Neymar. Os argentinos têm uma mulher na Presidência. Nós também. Sou mais Dilma que Cristina. Argentinos e brasileiros amam um churrasco ou uma parrillada. A carne deles é muito melhor, mais saborosa e mais macia. Agora, perdemos não só na carne, mas no espírito. Os argentinos têm um papa. 

Por ser jesuíta e andar sem batina de metrô e ônibus, por se recusar a receber carro e casa mesmo sendo arcebispo, por trabalhar com carentes, por não discursar em favor da Cúria e não estar associado às contas suspeitas do Banco do Vaticano, sou mais Jorge Mario Bergoglio que Odilo Scherer. O que mais me conquistou no primeiro papa Francisco, de cara? O sorriso e a concisão ao saudar os fiéis, pedindo a eles sua bênção. Poucas palavras, nenhuma carranca – e o sorriso que ilumina os olhos. 

A ascendência conta na personalidade. Bergoglio é um argentino-italiano, enquanto Odilo é um alemão-brasileiro. Na estampa, na postura. Sem entrar no mérito individual, para enfrentar os dilemas da Igreja Católica, os escândalos sexuais e financeiros e a perda de fiéis, falo apenas de uma questão prosaica: simpatia. Não é pop ter um papa que lê Borges e Dostoiévski e aprendeu a cozinhar com a mãe? 

Dom Odilo perdeu também por ser favorito. Como os craques dos gramados, sofreu uma marcação cerrada desde antes do conclave, especialmente dos italianos, que queriam seu conterrâneo no trono, o cardeal Angelo Scola. Os carrinhos por trás no arcebispo de São Paulo deixaram o arcebispo de Buenos Aires livre na cara do gol. 

Era o homem certo na hora certa. Faz sentido que o primeiro papa de fora da Europa em 1.272 anos tenha sobrenome italiano, ame ópera e seja torcedor apaixonado de futebol – mais exatamente, do clube portenho San Lorenzo, fundado por um padre. 
Além do novo papa Francisco, os argentinos têm dois Oscars, cinco prêmios Nobel e Lionel Messi 

Há uma descrição popular bem conhecida da alma de nossos hermanos. Os argentinos são italianos que falam espanhol, mas pensam que são ingleses. Essa última parte da descrição está cada vez mais fora de moda, especialmente depois do recente plebiscito de cartas marcadas nas Malvinas. No arquipélago, um protetorado britânico com menos de 2 mil habitantes, a população continua entrincheirada nos pubs e no “fish and chips”, contra a reivindicação de soberania territorial da Argentina. Melhor dizer então que os argentinos pensam que são europeus. Até na decadência. 

Hoje, nosso vizinho está acossado por uma economia em frangalhos, pelo desemprego em alta, pela inflação que provocou uma medida eleitoreira desastrada – o congelamento de preços – e pelo populismo de Cristina Kirchner, a presidente que sonha sair do poder apenas quando puder ser embalsamada. Vivemos agora com a Argentina tempos difíceis, que vão além da rivalidade folclórica e cultural. A Vale acaba de suspender o maior investimento privado da história da Argentina, de quase US$ 6 bilhões, por riscos políticos e econômicos. 

Por tudo isso, a declaração espirituosa do novo pontífice – “Foram quase até o fim do mundo para buscar um papa” – se reveste de vários significados. Ele critica o governo Kirchner. A Argentina é bem mais fim do mundo que o Brasil. 

O papa Francisco virá ao Rio de Janeiro para a Jornada da Juventude e deverá ser sucesso de crítica e bilheteria, por seu temperamento afável. Bergoglio passou rapidamente de argentino a “latino-americano”, para o Brasil também poder comemorar. Assim, a gente esquece que nossos vizinhos dão de cinco a zero em prêmios Nobel (dois da Paz, dois de Medicina e um de Química) e dois a zero em Oscar (O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella, em 2010, e A história oficial, de Luiz Puenzo, em 1985). O cinema argentino é mais sofisticado, mais diversificado e tem melhores diálogos que o brasileiro. Escapa de nosso costumeiro trinômio violência, favela e comédia.

No futebol, a disputa é entre Messi e Neymar. O moleque de 21 anos precisa comer muito arroz com feijão para chegar à consistência do argentino. Messi só pensa na bola e na equipe. Aí dá o show da semana passada na goleada do Barcelona contra o Milan. Neymar precisa baixar a bola. 

Entrou na roda-viva de festas, boates, casas de shows, publicidade, brinquinhos de diamante, penteados, franjinhas e cabelos coloridos. Na mesma noite, trocou o smoking no Teatro Municipal do Rio de Janeiro por uma fantasia de Kiko, personagem do seriado Chaves, numa festa em São Paulo, onde ficou até as 4 horas da madrugada com a atriz Bruna Marquezine. Discutiu com fotógrafos. Seis horas depois, foi treinar no Santos. Imagina na Copa. 
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