KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP
A produção nacional seria muito onerada, com uma transferência de nossos ganhos para outros países
O planeta está ficando pequeno para uma economia que se desdobra em nível mundial, criando uma trama de relações de mercado que transcende pessoas, empresas e até mesmo nações.
A Terra também começa a ficar pequena para uma expansão demográfica que avança a passos enormes, indiferente ao desafio de alimentar todas essas pessoas.
Foi no sistema capitalista, aliás, que as condições de vida se desenvolveram, proporcionando o acesso a um melhor atendimento de saúde, a vacinas, alimentação e condições dignas de trabalho. Não fossem esses fatores, a explosão demográfica não teria ocorrido.
Nesse contexto mundial, o papel de cada país, e de seus governos, ganha maior relevância à medida que tratados internacionais assinados podem provocar imensos reflexos nacionais.
Muitas vezes, boas intenções escondem propósitos menos nobres, que podem prejudicar, e muito, a vida das nações.
Deve-se evitar, sobretudo, a servidão voluntária, através da qual um país pode ter as mãos amarradas por iniciativa própria, renunciando ao seu poder de decisão.
O Brasil é uma das maiores potências na produção agropecuária, destacando-se, internacionalmente, pela pujança do agronegócio. O país tornou-se um "player" mundial incontornável.
Os olhos da cobiça não estão ausentes desse cenário, pois empresas e países procuram diminuir a nossa competitividade via tratados e, inclusive, campanhas internacionais, como já acontece com questões florestais e indígenas.
Todo novo tratado deve ser visto com lupa. O diabo mora nos detalhes.
Eis o caso do novo Protocolo de Nagoya, que se sobrepõe ao Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (Tirfaa), promulgado pelo Brasil em junho de 2008.
O Tirfaa já vinha cumprindo plenamente suas funções de "prospecção, conservação e uso sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura".
O Protocolo de Nagoya, assinado pelo Brasil três anos mais tarde, ainda não foi, porém, ratificado pelo Congresso Nacional. Esse debate abrirá espaço para que possamos evitar problemas que venham a repercutir na vida nacional.
Em particular, em seu artigo 4º, estipula que "as provisões deste protocolo não afetarão direitos e obrigações de qualquer parte derivados de qualquer acordo internacional existente", quando, na verdade, deixa em aberto a questão de se o Tirfaa será ou não preservado no âmbito doméstico.
Mais especificamente ainda, o Protocolo de Nagoya estipula a criação de uma contribuição de quem utiliza um determinado produto genético -soja, babaçu, milho, batata, óleos essenciais de árvores nativas e micro-organismos, por exemplo.
Especula-se que essa contribuição seria em torno de 1% da produção relacionada ao uso do elemento da biodiversidade.
Nesse cenário, pode ocorrer que o Brasil passe a pagar pela biodiversidade não nativa utilizada em sua agricultura e pecuária.
A origem da soja, por exemplo, é a China; a do milho, o México; a raça nelore foi importada da Índia; a cana-de-açúcar veio dos países asiáticos.
Imaginem quanto o país teria que pagar hoje pela produção desses cultivos, alguns dos quais dos mais competitivos internacionalmente.
A produção nacional seria muito onerada, com uma transferência de nossos ganhos -e produtividade- para outros países.
Pode-se, mesmo, questionar o que é uma cultura nativa, pois os que a desenvolveram e aperfeiçoaram são os verdadeiros destinatários de seus esforços, trabalho e conhecimento. São criadores.
Não por acaso, os Estados Unidos e o Canadá não firmaram o protocolo, cientes de que ele poderia prejudicar a sua agricultura e pecuária. O Brasil deveria tomar a máxima precaução, não ratificando esse protocolo enquanto essas questões não ficarem bem esclarecidas.
Em particular, a biodiversidade agrícola deveria ser retirada do âmbito de aplicação desse protocolo. O país não pode renunciar a esse aspecto essencial de sua soberania nacional.
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