segunda-feira, 29 de abril de 2013

A conta de luz do sr. Cândido



 ROBERTO PEREIRA D'ARAÚJO
VALOR ECONÔMICO


O senhor Cândido é um consumidor fictício do Rio de Janeiro. Paga sua conta de luz religiosamente em dia, e, como muitos outros cidadãos, além de achar a tarifa cara, não consegue entender o setor elétrico brasileiro, que mais parece um rolo de barbante embaraçado que piora a cada "puxão".

Ele sabia que as tarifas seriam reduzidas, mas, considerado o tom teatral dos anúncios, ficou decepcionado quando recebeu sua fatura de março. Apesar do desapontamento, ele leu que a Lei nº 12.783/13 diminuiria as tarifas por meio de manobras contábeis entre o Tesouro e Eletrobrás, uma estatal que, segundo o próprio governo, estava cobrando fortunas por usinas que já tinham sido pagas por todos, ele inclusive. O senhor Cândido ainda desconfia que paga um preço que não condiz com um país que tira sua energia principalmente da água. Imaginem sua decepção se tivesse a curiosidade de examinar outras contas.

Os números da tabela abaixo são os da Light. Mas, apesar de pequenas diferenças, podem ser repetidos por qualquer cidadão de qualquer Estado comparando a sua fatura de março de 2012 com a do mesmo mês deste ano. Os números correspondem a um hipotético consumo de um único megawatt hora (MWh) realizado pela família.

Os itens de maior peso na estrutura de custos diminuíram pouco ou até aumentaram

Segundo informações das suas faturas, o consumo de 1 MWh custava R$ 522,30 em 2012. A fatura de março passado mostra o valor de R$ 462,70 para o mesmo MWh. Portanto, um desconto de 11,4%, inferior aos 18% prometidos.

Mas a conta do senhor Cândido tem muitos outros números. Por exemplo, o quanto a energia, a transmissão, a distribuição, os encargos e os tributos contribuíram para esse custo final que lhe causou decepção.

Como se pode ver, as parcelas mais importantes aumentaram ou se reduziram muito pouco. A distribuição, que pesava 22%, agora vai pesar 27%. Os tributos tiveram um recuo insignificante passando de 34% para 32%. O valor da energia consumida não decresceu, muito ao contrário, passou de 30% para 34%. Os encargos e a transmissão, esses sim, não têm percentuais importantes, mas caíram de 14% para 7%.

O senhor Cândido ouviu dizer que a Eletrobrás tem suas atribuições principalmente na geração e transmissão de energia. Portanto, se considerados apenas esses itens, a redução foi de R$ 11,85 num total de R$ 179,13, ou seja, 6,6%. O cidadão ficaria ainda mais confuso, se soubesse que os números oficiais da Eletrobrás, a tal que lhe explorava, reconhecem uma perda de receita de 70% em consequência da aplicação da Lei n º12.783!

Ora, mesmo ele se perguntaria: uma redução tão pequena perante um sumiço de receita dessa ordem? Ficaria desconfiado, mas, continuaria incapaz de entender o que está por trás dessa confusão.

O que Cândido continuará ignorando é que, segundo reportagem do jornal Valor Econômico (28/03), dois números chamam muita atenção:

A Eletrobrás registrou um Ebitda (resultado antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) em 2012 negativo em R$ 6,173 bilhões.

Se fossem expurgados os efeitos da lei, o Ebitda de 2012 atingiria R$ 5,520 bilhões positivos.

A própria Eletrobrás admitiu uma queda de R$ 10 bilhões na receita. Ora, o consumo total do sistema interligado brasileiro, lugar onde a empresa exerce seu principal negócio (gerar e transmitir energia) gira no entorno de 500 milhões de MWh. Portanto, cada MWh consumido tem embutido um pedaço do "prejuízo" da Eletrobrás. Fazendo as contas, chega-se a R$ 20/MWh.

Um desses MWh foi parar na casa do senhor Cândido, mas, como só chegou um pouco mais da metade, outras razões fizeram a tarifa decepcionar.

Vale a pena explicar ao senhor Cândido que a perda da Eletrobrás, que foi notícia internacional no mercado de capitais, só lhe proporcionou 6,6% de redução na conta da parcela de energia? O que isso importa se o governo diz que ela é a "grande vilã" das tarifas altas? Vale a pena lembrar que essa empresa, alguém, algum dia declarou ser a "Petrobrás do setor elétrico".

Pode ser melhor esperar a conta das térmicas, que, com grande chance, devem permanecer ligadas o ano todo. Quando receber as contas com a novidade da "bandeira tarifária", o senhor Cândido vai ficar chocado. Talvez ele perceba que, no final das contas, a história foi muito mal contada.

De certa maneira, todos nós somos como o senhor Cândido. Atônitos, mas complacentes, aceitamos uma inédita intervenção numa tradicional instituição do Estado como algo normal. Entre tantos problemas de segurança, transportes, saúde, educação e inflação quem vai se importar com a Eletrobrás? Pensando bem, talvez o governo conte com a ingenuidade do senhor Cândido!

Roberto Pereira d"Araujo é engenheiro eletricista, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina).
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