segunda-feira, 29 de abril de 2013

Maldição da ilusão




 CRISTOVAM BUARQUE
GAZETA DO POVO - PR 

Foi Celso Furtado quem primeiro chamou atenção para a ideia da “maldição do petróleo”, a fim de explicar o atraso de países – um deles, a Venezuela – cuja riqueza natural fez abandonar sua capacidade tecnológica e produtiva. O Brasil, mesmo sem ser exportador de petróleo, tem sofrido dessa maldição ao longo de nossa história. Acostumamos-nos, com orgulho, a sermos uma terra onde “em se plantando tudo nela dá”, sem a necessidade de inventar produtos, tecnologias, aumentar produtividade, nem competitividade industrial.

Para crescer, bastava ampliar a fronteira agrícola, substituindo florestas por plantações de cana, algodão, café e soja, ou explorar ouro e prata. Não havia necessidade de inovação tecnológica e de poupança porque podíamos explorar a terra, como outros países faziam com o petróleo.

Essa é a principal razão que explica por que somos a 6.ª economia mundial, mesmo sendo um país tão atrasado em educação, ciência e tecnologia. Por quase 400 anos de nossa história bastava colocar enxadas nas mãos dos escravos; depois, bastava treinar operários no manuseio de máquinas. Não precisávamos criar nem inventar máquinas e produtos de nossa indústria porque eles eram inventados e criados no exterior. Não foi necessário gastar dinheiro em educação; usávamos a educação dos países que, por falta de recursos naturais, eram obrigados a desenvolver conhecimento.

Não foi necessário gastar dinheiro com educação porque tínhamos uma sociedade dividida, terra vasta e rica, e a pouca educação do país estava concentrada nos cérebros dos ricos, pois não era de interesse da elite educar as massas pobres. Não sensibilizava à elite a educação de nossas crianças, de jovens, de adultos e, especialmente, do povo negro recém-saído da escravidão.

Chegado o século 21, quando a grande riqueza já não é a terra, mas os cérebros, percebemos o desastre dessa opção de nossa história. Temos uma sociedade violenta, ineficiente, dependente como nunca antes, sobretudo por falta do capital conhecimento. Mas, em vez de despertarmos para a necessidade de assegurarmos educação de qualidade, e qualidade igual para todos, estamos caindo na ideia de que faremos isso quando o petróleo do pré-sal nos oferecer os recursos necessários.

Para reservar 100% dos royalties do petróleo para a educação de base, sou autor, junto com o ex-senador Tasso Jereissati, do primeiro projeto de lei com essa ideia. O projeto foi arquivado e, agora, reapresentado com o senador Aloysio Nunes. Mas essa alternativa acomoda a opinião pública e as lideranças à espera de uma renda futura, insuficiente para provocar o salto educacional de que precisamos.

A revolução científica e tecnológica que ocorre no mundo exige que o Brasil rompa com a ideia do “em se plantando nela tudo dá” para a ideia de que “em se aprendendo nela tudo se cria”. Isso exige iniciar, desde já, a necessária revolução educacional de que o país precisa. Mesmo assim, ouve-se o acomodamento geral de que é preciso esperar pelo pré-sal, assim como esperaram pelo crescimento do bolo para depois ser repartido.

Pior que outros países, que caíram na maldição do petróleo, estamos caindo na maldição da ilusão de um petróleo ainda escondido nas profundezas do mar como a solução para a nossa crítica e vergonhosa situação educacional. Até aqui fomos vítimas da maldição dos recursos abundantes; agora estamos sendo vítimas da maldição de uma ilusão.
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